Sumário: 1 Introdução. 2 Fundamento constitucional. 3 Exame da Lei nº 5.764/74. 3.1. O que é ato cooperativo. 3.3 Atos atípicos sujeitos à tributação. 4 Exame dos casos controvertidos na doutrina e na jurisprudência. 4.1 Incidência do ISS sobre as cooperativas de médicos. 4.2 A retenção de 15% sobre os valores dos serviços prestados por cooperados por intermédio de cooperativas. 5 Conclusões.
1 Introdução
Consta que a primeira cooperativa de produtores rurais e de vendas e compras em comum surgiram no Brasil, no Estado de Minas Gerais, em 1919, como forma de os agricultores se livrarem da exploração dos atacadistas e dos vendedores de insumos e equipamentos.
Note-se que a primeira regulamentação legal sobre as cooperativas só veio a ocorrer com o advento do Decreto Federal de nº 22.239/1932. Entretanto, antes dessa regulamentação já existiam a Cooperativa de Cotia e a Cooperativa Sul Brasil, seguidas, posteriormente, por outras cooperativas como a Cooperativa Bandeirantes, a Cooperativa Mauá, a Cooperativa de Registro etc.
Hoje existem as cooperativas de produtores, as de crédito, as de trabalho etc., todas elas regidas pela Lei nº 5.764/71.
2 Fundamento constitucional
Vários dos dispositivos constitucionais estão voltados para estimular o cooperativismo, refletindo o reconhecimento do legislador constituinte da relevante função social desempenhada pelas cooperativas ao longo de nossa história.
Logo no art. 5º, XVIII A Constituição Federal dispõe que “a criação de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência em seu funcionamento”.
No art. 146, III, c está prescrito que cabe à lei complementar editar normas gerais dispensando “adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas”.
O art. 174 dedica três parágrafos sobre a cooperativa:
a) § 2º dispõe que a “lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo”.
b) O § 3º prescreve que o “Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros”.
c) O § 4º prioriza as “cooperativas na concessão de pesquisa e lavra dos recursos
e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV[1], na forma da lei”.
O art. 187 manda levar em conta especialmente o cooperativismo no planejamento e execução da política agrícola.
O art. 192 inclui as cooperativas de crédito no Sistema Financeiro Nacional.
O cooperativismo, sem dúvida, apresenta-se como uma forma de inserção econômico-social para as pessoas alijadas da sociedade econômica cada vez mais concentradora de rendas.
Essa visão constitucional sobre o cooperativismo é essencial para o perfeito entendimento da questão tributária e de outras questões conexas.
A disposição mais importante em termos de tributação é a do art. 146, III, c que prescreve o adequado tratamento tributário ao ato cooperativo por meio de uma lei complementar.
Verifica-se, de plano que, não se trata de uma norma de eficácia plena porquanto dependente de regulamentação por lei complementar, por ora inexistente.
Entretanto, normas de eficácia limitada, na lição de tratadistas, surtem efeitos jurídicos imediatos para repelir situações jurídicas preexistentes que lhes sejam contrárias. Aliás, até mesmo normas meramente programáticas surtem efeitos pelo seu aspecto negativo, à medida que não permite a edição de normas que lhes sejam contrárias.
Da leitura desse art. 146, III, c conjugado com os demais dispositivos retro apontados pode-se concluir que qualquer norma infraconstitucional que confira às cooperativas um tratamento tributário mais gravoso do que o dispensado às empresas em geral estará em desconformidade com o espírito e a letra da Constituição, cabendo ao Judiciário, quando provocado, pronunciar-se quanto a essa desconformidade.
Por outro lado, o cooperativismo não pode servir de escudo para afrontar outros valores ou princípios igualmente albergados pela Carta Magna. Não se pode, por exemplo, criar uma cooperativa de fornecimento de mão-de-obra visando burlar a legislação trabalhista.
3 Exame da Lei nº 5.764/74
3.1 O que é sociedade cooperativa e sua natureza jurídica
Nos termos do art. 3º “celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro”.
O artigo 4º define as cooperativas como pessoas jurídicas de natureza civil, nos seguintes termos:
Art. 4º As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características:
I – adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços;
II – variabilidade do capital social representado por quotas-partes;
III – limitação do número de quotas-partes do capital para cada associado, facultado, porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se assim for mais adequado para o cumprimento dos objetivos sociais;
IV – incessibilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade;
V – singularidade de voto, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, com exceção das que exerçam atividade de crédito, optar pelo critério da proporcionalidade;
VI – quorum para o funcionamento e deliberação da Assembléia Geral baseado no número de associados e não no capital;
VII – retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembléia Geral;
VIII – indivisibilidade dos fundos de Reserva e de Assistência Técnica Educacional e Social;
IX – neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social;
X – prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa;
XI – área de admissão de associados limitada às possibilidades de reunião, controle, operações e prestação de serviços.
A regra de retorno das sobras que está expressa no inciso VII é inerente à sociedade cooperativista, à medida que representa expressão do princípio maior do cooperativismo fundado na prestação de serviço ao associado sem finalidade de lucro. O art. 21, IV da Lei determina a prescrição estatutária da forma de devolução dessas sobras. Mais adiante retornaremos a esse assunto quando examinaremos a limitação imposta pelo Banco Central na distribuição de lucros e resultados (Lei 10.101/2000) aos empregados das cooperativas (art. 7º XI da CF e art. 91 da Lei nº 5.764/71).
O tema objeto de nossa aula seria simples se pudéssemos simplesmente afirmar que o que não é nem pode ser tributado é apenas o ato cooperativo. Tudo o mais seria tributado. Porém, na prática não é bem assim. Inúmeras controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais existem.
3.2 O que é ato cooperativo
Definamos o que é ATO COOPERATIVO.
Segundo o art. 79 da lei de regência, “denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução de objetivos sociais”. O seu parágrafo único arremata: “O ato cooperativo não implica operação de mercado, isto é, não se revestindo do caráter mercantil, representando uma simples prática de ato civil”.
À sombra dessa definição legal desenvolveu-se toda uma doutrina sustentando a tese da intributabilidade das relações mantidas entre o estabelecimento da cooperativa e seus cooperados, apesar de o texto constitucional referir-se ao “adequado tratamento tributário ao ato cooperativo”, o que s.m.j. é diferente da imunidade tributária.
Mas o pior é a confusão que se tem feito entre o ato cooperativo e o ato praticado pela cooperativa com terceiros que é uma operação tributável nos termos da própria Lei das Cooperativas.
3.3 Atos atípicos sujeitos à tributação
Dois dispositivos expressos da lei de regência da cooperativas permitem que as elas desenvolvam atividades com terceiros:
Art. 85 – As cooperativas agropecuárias e de pesca poderão adquirir produtos de não associados, agricultores, pecuaristas ou pescadores, para completar lotes destinados ao cumprimento de contratos ou suprir capacidade ociosa de instalações industriais das cooperativas que as possuem”.
“Art. 86 – As cooperativas poderão fornecer bens e serviços a não associados, desde que tal faculdade atenda aos objetivos sociais e estejam de conformidade com a presente lei”.
Dispõe o art. 87:
Art. 87 – Os resultados das operações das cooperativas com não associados, mencionados nos artigos 85 e 86, serão levados à conta do “Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social” e serão contabilizados em separado, de molde a permitir cálculo para incidência de tributos”.
E o art. 88 faculta, ainda, às cooperativas participar de sociedades não cooperativas para melhor atendimento dos próprios objetivos e de outros de caráter acessório ou complementar.
Ora, esse artigo 87 deixa clara a incidência de tributos nas operações realizadas pelas cooperativas. Em relação ao IR há norma expressa do art. 111 prevendo a tributação do resultado positivo alcançado pela cooperativa, nas operações de que tratam os artigos 85, 86 e 88.
Mas, muitos estudiosos de Direito Administrativo, que são publicistas por natureza, desconhecem esse pormenor abrigando todas as operações realizadas por cooperativas sob o manto do ATO COOPERATIVO, intributável.
De fato, após superar a quase interminável discussão acerca da possibilidade jurídica ou não da participação das cooperativas em certame licitatório, parte da doutrina evoluiu para a permissão de sua participação, porém, mediante a equalização das propostas por elas apresentadas, afim de preservar o princípio maior da isonomia, que rege a licitação.
Evidente que essa corrente doutrinária parte do pressuposto de que as cooperativas estão isentas de tributos.
Com o advento da Lei nº 11.488, de 15 de junho de 2007, acredito que tenha cessado a discussão quanto à possibilidade de participação das cooperativas em certames licitatórios, pois o seu art. 34 é expresso nesse sentido.
Mais adiante voltaremos ao assunto para examinar outras questões surgidas com o advento dessa lei.
Examinemos alguns casos controvertidos, ainda não solucionados definitivamente pela doutrina e jurisprudência.
4 Exame de casos controvertidos na doutrina e na jurisprudência
Aparentemente, a questão da tributação das cooperativas é simples, pois tudo que não for ato cooperativo é passível de tributação, saldo casos de isenções expressas.
Contudo, na prática, não é bem assim. Inúmeras discussões doutrinárias e jurisprudências vêm sendo travadas, algumas delas sem solução definitiva até hoje.
Examinemos duas dessas questões controvertidas.
4.1 A incidência do ISS sobre as cooperativas de médicos
O que significa serviço?
É um bem econômico imaterial, fruto de esforço humano aplicado à produção. Conforme Enciclopédia Delta Larouse, “serviço é produto de atividade humana destinada à satisfação de uma necessidade (transporte, espetáculo, consulta médica), mas que não se apresenta sob forma de bem material”. Por isso, a Corte Suprema declarou, por exemplo, a inconstitucionalidade de locação de bem móvel incluído na lista de serviços. É claro que existem outros itens que nada tem a ver com serviços, mas que não foram questionados na Justiça.
Importante fixar, desde logo, a idéia equivocada de que o imposto incide sobre o serviço. O serviço, na realidade, é apenas o objeto da tributação pelo ISS. O imposto recai sobre a prestação de serviço remunerado, o que pressupõe o tomador de serviço, ou seja, um terceiro. A partir dessas colocações autores de nomeada, dentre os quais, o saudoso Geraldo Ataliba concluem que o ato cooperativo, na verdade, representa um serviço para si próprio, intributável por excelência, pois ninguém presta serviços a si próprios. No dizer de José Eduardo Soares de Melo “a cooperativa é considerada como um prolongamento da atividade de seus integrantes. Os valores que recebe pertencem aos cooperados porque o contrato de sociedade é realizado sem objetivo de lucro, sem finalidade mercantil, sendo suas sobras destinadas a fundos de reserva e de assistência”.
De fato, o antigo Decreto nº 22.239/32 prescrevia que o estabelecimento da cooperativa é extensão dos estabelecimentos dos cooperados. Mas, isso não está na lei atual, mesmo porque a atual lei de regência, como vimos, permite às cooperativas o desenvolvimento de atividade mercantil.
Em matéria de ISS a CF estabeleceu apenas cinco limitações específicas:
a) tributação de serviços de qualquer natureza não compreendidos na esfera impositiva dos Estados membros (art. 156, III);
b) definição de serviços tributáveis por lei complementar (art. 156, III);
c) fixação por lei complementar de alíquotas máximas e mínimas (art. 156, § 3º, I);
d) excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior, por lei complementar (art. 156, § 3º, II);
e) regular por lei complementar a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados (art. 156, § 3º, III).
Interessa para nossa exposição apenas a questão da definição por lei complementar dos serviços de qualquer natureza tributáveis. E aqui convém afastar, desde logo, a confusão que se tem feito em torno das expressões “serviços de qualquer natureza” e “qualquer serviço”. Não é qualquer serviço que pode ser tributável, mas apenas aquele incluído na lista de serviços. E pode ser incluído na lista os de serviços de qualquer natureza, isto é, qualquer tipo de serviço. A lista de séricos integra, sem sombra de dúvida, o elemento nuclear do fato gerador da obrigação tributária. Colocada a questão nesses termos perde interesse prático a discussão em torno da taxatividade ou exemplificatividade da lista.
Na lista anexa à LC nº 116/2003 existem dois itens pertinentes à prestação de serviços médicos:
“4.22 – Planos de medicina de grupo ou individual e convênios para prestação de assistência médica, hospitalar, odontológica e congêneres”
“4.23 – Outros planos de saúde que cumpram através de serviços de terceiros contratados, credenciados, cooperados ou apenas pagos pelo operador do plano mediante indicação do beneficiário”.
De início, não concordamos com o posicionamento radical da doutrina no sentido da inconstitucionalidade desses itens em relação às cooperativas, porque estariam equiparando estas às empresas em geral. Tampouco, podemos concordar com a doutrina que sustenta que as cooperativas não prestam serviços, mas sim seus cooperados. Se assim fosse os artigos 85,86 e 87 da Lei de Regência das Cooperativas não teriam razão de ser.
Impõe-se, na verdade, exame de cada caso concreto. A denominação dada ao estabelecimento, por exemplo, Clínica, Pronto Socorro, Hospital seguido da expressão “sociedade cooperativa”, bem como a presença de médicos e enfermeiros em seu quadro de empregados constituem indícios sérios de que a pessoa jurídica é prestadora de serviços médicos. Porém, só uma prova pericial contábil poderia detectar se uma determinada Cooperativa é contribuinte do ISS ou mera prestadora de serviços a seus cooperados, mediante a prática do ato de captação de clientela.
As cooperativas médicas têm sustentado que se limitam a prestar assistência econômica aos sócios, prestando serviços de intermediação de clientes, celebrando convênios com órgãos, empresas ou hospitais. A execução do serviço medido é feita de per si pelo médico cooperado, que recebe os honorários por intermédio da cooperativa mediante retenção do IRF e de 5% a título de reembolso de despesas administrativas e operacionais. Essa tese tem sido aceita pacificamente pelos tribunais, com raríssimas exceções.
Diferente, no entanto, quando a cooperativa passa a vender os planos de saúde, quando passar a ter enquadramento no item 10.01 da lista anexa à LC nº 116/03, pois aí caracteriza-se o agenciamento que escapa do conceito de ato cooperativo.
Prescreve o item 10.01: “Agenciamento, corretagem ou intermediação de câmbio, de seguros, de cartões de crédito, de planos de saúde e de planos de previdência privada”.
É clara a jurisprudência do STJ nesse sentido conforme de verifica da ementa a seguir reproduzida:
“TRIBUTÁRIO. ISS. COOPERATIVAS MÉDICAS. INCIDÊNCIA.
As cooperativas organizadas para fins de prestação de serviços médicos, praticam, com características diferentes, dois tipos de atos: a) atos cooperados consistentes no exercício de suas atividades em benefício dos seus associados que prestam serviços médicos a terceiros; b) atos não cooperados de serviços de administração a terceiros que adquirem planos de saúde.
2. Os primeiros atos, por serem típicos atos cooperados, na expressão do art. 79, da Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, estão isentos de tributação. Os segundos, por não serem atos cooperados, mas simplesmente serviços remunerados prestados a terceiros, sujeitam-se ao pagamento de tributos conforme determinação do art. 87 da Lei 5.764/71.
As cooperativas de prestação de serviços médicos praticam, na essência, no relacionamento com terceiros, atividades empresariais de prestação de serviços remunerados.
A incidência do ISS sobre valores recebidos pelas cooperativas médicas de terceiros, não associados, que optam por adesão aos seus planos de saúde. Atos não cooperados.
Recurso provido.” (Resp nº 254.549-CE, Rel. Min. José Delgado, 1ª T., RSTJ-139/86).
No mesmo sentido o Resp 215.311-MA, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª t., LEX-STJ 141/133.
Tudo indica que o antigo entendimento manifestado pelo STF no RE nº 81.966-SP, Rel. Min. Leitão de Abreu (RTJ 81/141), Segundo o qual, as cooperativas não se sujeitam ao ISS, por não desenvolver atividade ervices, nem exercer atividade passível de enquadramento na lista de ervices tributáveis, não mais encontra eco na jurisprudência atual dos tribunais.
4.2 A retenção de 15% sobre o valor dos serviços prestados pelos cooperados por intermédio de cooperativas
A Lei nº 9.876, de 26-11-1999, veio acrescentar o inciso IV ao art. 22 da Lei nº 8.212/91 para exigir a contribuição previdenciária patronal de “quinze por cento sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, relativamente a serviços que lhes são prestados por cooperados por intermédio de cooperativas de trabalho”.
O fato gerador, por força do disposto no art. 195, I, a da CF só pode ser a “folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviços, mesmo sem vínculo empregatício” como, aliás está corretamente consignado nos incisos antecedentes do art. 22 da Lei 8.212/91.
Ainda que se sustente que o efetivo prestador do serviço é o cooperado e não a cooperativa, e nem poderia ser de outra forma , pois o trabalho técnico-profissional só pode ser executado por pessoas físicas, não há como negar o elastecimento da base de cálculo, alcançando valores que nada tem a ver com o total da remuneração paga pelas empresas às pessoas físicas em decorrência do vínculo laboral. O pagamento da fatura de serviços à cooperativa de trabalho, constitui, na verdade, base de cálculo da COFINS (art. 195, I, b da CF).
De duas uma: ou existe uma relação jurídica entre cooperativa e cooperado configurando ato cooperativo, insusceptível de tributação, ou existe uma relação jurídica entre cooperativa e a empresa tomadora de serviços, isto é, entre duas pessoas jurídicas, o que afasta a incidência da contribuição previdenciária patronal.
Agrava essa tributação, o fato de o excesso arrecadado não ser passível de compensação com outros tributos federais, como a Cofins, por exemplo. Apesar da fusão das Secretarias da Receita Federal e da Receita Previdenciária a legislação permite compensar apenas os tributos federais com a contribuição previdenciária, mas o inverso não é permitido. Enfim, é uma questão que cabe ao Judiciário decidir tendo em vista o princípio da simetria. Mas, as decisões da Justiça, ao menos, no âmbito dos tribunais superiores não têm enfrentado o mérito dessa questão, que pela inadequação da ação proposta (cooperativa no pólo ativo da ação), que pela incompreensão da matéria aduzida na inicial. Processualmente, apenas o tomador de serviços teria direito de ação contra o fisco. Várias decisões dos TRFs dão pela validade dessa contribuição de 15% sob o fundamento de que a “cooperativa apenas se qualifica como sujeito passivo das obrigações tributárias devidas pela empresa, sem que daí se possa inferir que seja ela a real prestadora dos serviços sobre os quais incide a contribuição social de que trata o art. 22, IV, da Lei nº 8.212/91. A incidência da contribuição sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura relativamente aos serviços prestados por cooperado por intermédio de cooperativa de trabalho não ofende a isonomia tributária, pois o gravame econômico da exação recai sobre a remuneração devida em virtude da prestação de serviços, nos termos do art. 195, I, a da Constituição da República, seja por intermédio da cooperativa ou não”(Ap. Civ. 948259, Rel. Juiz André Nekatschalow, primeira seção do TRF3, DJU de 28-4-08, p. 236).
A questão está longe de ser pacificada. A decisão carece de maiores fundamentações jurídicas. A expressão-chave, “apenas se qualifica como sujeito passivo das obrigações tributárias” é altamente criticável tendo em vista o resultado proclamado. Também criticável a alegação quando a irrelevância da prestação de serviço por intermédio da cooperativa ou não. Não me parece ser possível aplicar neste caso a jurisprudência que se formou em torno da não incidência do ISS pelos serviços prestados por cooperados médicos mediante intermediação da cooperativa a que está associado o medido. É que se partirmos da premissa que o serviço é prestado pela pessoa física do médico com vínculo laboral com a tomadora de serviços, ainda que com a intermediação da cooperativa, a alíquota a ser aplicada é de 20% conforme inciso I do art. 22 da Lei nº 8.212/91. É noção elementar que no nosso sistema jurídico o Judiciário não pode agir como legislador positivo.
5 Conclusões
1) Em relação a atos cooperativos, isto é, aqueles praticados entre o estabelecimento da cooperativa e seus cooperados a doutrina e a jurisprudência tem entendido que são intributáveis. Não é exatamente o meu ponto de vista, pois distingo a intributabilidade com o “adequado tratamento tributário”;
2) No que se refere às operações atípicas, isto é, operações das cooperativas com terceiros tem-se observado a aplicação da legislação pertinente às empresas em geral, quer de forma expressa, como no caso do art. 69 da Lei nº 9.532/77, que estende às cooperativas de consumo as normas de incidência de impostos e contribuições da União em geral, e do art.14, II da Lei nº 9.718/97, que institui o regime de apuração do IR por lucro real em relação às cooperativas de crédito, dentre outros, quer de forma implícita. Em alguns outros casos, principalmente, na esfera federal, são previstos tratamentos tributários privilegiados em relação às sociedades cooperativas. Podemos citar, dentre outros, o art. 39 da Lei nº10.865/04, que isenta as cooperativas da CSLL, com exceção da cooperativa de consumo, e o art. 8º da Lei nº 6.306/07, que reduz à alíquota do IOF zero quando na operação de crédito figurar como tomadora a cooperativa.
3) Dessa forma, a falta de regulamentação do art. 146, III, c da CF que, na verdade, limita-se, a prescrever “o adequado tratamento tributário” ao ato cooperativo por lei complementar, e não imunidade ou não incidência tributária, não tem sido motivo impediente à elaboração de legislação tributária compatível com os princípios constitucionais que estimulam a prática do cooperativismo.
4) Eventuais disposições legais que atribuem às cooperativas ônus tributário maiores do que os dispensados em relação às empresas em geral contrariam o preceito do art. 146, III, c da CF que, independentemente de regulamentação, repele tratamento tributário mais gravoso.
5) É preciso ficar atento para que o movimento cooperativista não seja utilizado como burla à legislação trabalhista figurando a cooperativa de trabalho indiscriminadamente como cedente habitual de mão-de-obra fora dos casos admitidos pela jurisprudência da TST ao teor do Enunciado nº 331 pertinente a trabalhadores temporários regidos pelas Leis ns.6.019/74 e 7.102/83.
SP, 11-09-08.
Nota:
Informações Sobre o Autor
Kiyoshi Harada
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.