Tributação do comércio à distância (comércio online e por telemarketing) pelo estado da Bahia


O Estado da Bahia editou o Decreto nº. 12.534, por meio do qual cobrará 10% (dez por cento) a mais sobre o valor de qualquer compra à distância, realizadas em razão de vendas em sites de e-commerce ou mediante serviço de telemarketing, como ocorre com a Consulente.


O argumento é que o ICMS das vendas à distância fica apenas nos estados do Sudeste, onde está localizada a grande maioria dos centros de distribuição.


Quem atua no comércio à distância, via telemarketing, e remete mercadorias para o Estado da Bahia, encontra-se sujeito, portanto, a essas novas regras estabelecidas pelo Estado da Bahia.


Consequentemente, a secretaria da Fazenda do Estado da Bahia solicitou a todas as transportadoras para atentarem aos novos procedimentos fiscais no que tange às aquisições de mercadoria via internet ou por serviço de telemarketing, que entrou em vigor a partir do dia 01/02/2011.


As mercadorias enquadradas na categoria em questão, ao dar entrada no estado da Bahia, sem o devido recolhimento, além do valor correspondente ao ICMS, ensejarão também a cobrança de uma multa, ou seja, será lavrado o termo de apreensão e o auto de infração em nome do embarcador, tendo em vista de ser dele a responsabilidade do recolhimento.


O referido decreto dispõe nos seguintes termos:


“Art. 352-B – Nas aquisições via Internet ou por serviço de telemarketing efetuadas neste Estado por pessoa jurídica não inscrita no CAD-ICMS ou por pessoa física, quando a remessa partir de outra unidade da Federação, o remetente deverá recolher, antes da entrada no território deste Estado, ICMS devido por antecipação tributária, aplicando a alíquota prevista nas operações internas e admitindo-se como crédito fiscal sobre o valor da operação uma das seguintes alíquotas:


I – 7% (sete por cento) para mercadorias ou bens provenientes das Regiões Sul e Sudeste, exceto Espírito Santo;


II – 12 % (doze por cento) para mercadorias ou bens oriundos das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e do Espírito Santo;


§ 1º Para recolhimento do ICMS devido ao Estado da Bahia, nos termos deste artigo, será utilizada a Guia Nacional de Recolhimento de Tributos Estaduais (GNRE), que deverá acompanhar o trânsito, caso o remetente não possua inscrição de contribuinte neste Estado.


§ 2º Quando o remetente ou o transportador não recolher o imposto, o destinatário da mercadoria ou bem, a seu critério, poderá assumir a responsabilidade pelo recolhimento do imposto, cujo pagamento será feito através de DAE.”


O alvo do acordo são as mercadorias vendidas a consumidores nordestinos pelas lojas “pontocom” ou fornecedores que realizam o comércio via telemarketing, que distribuem seus produtos a partir de Estados como São Paulo e Rio de Janeiro. Nesses casos, atualmente, o ICMS fica integralmente no Estado de origem, onde estão localizados os centros de distribuição.


Tal espécie de exigência, ao que tudo indica, será adotada também por Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Piauí e Rio Grande do Norte, já que eles entraram em acordo para mudar as legislações internas e, com isso, passar a arrecadar ao menos parte do ICMS cobrado sobre produtos vendidos pela internet a consumidores de seus respectivos territórios.


O Estado da Bahia foi o iniciante em termos de regulamentação da questão, mas os outros seguirão o mesmo rumo.


Esse tipo de conduta por parte dos Estados Membros já foi objeto da propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade, por parte da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), perante o Supremo Tribunal Federal, contra o Piauí. Esta lei do Piauí também prevê cobrança adicional do ICMS para produtos que venham de fora do Estado.


As leis instituídas pelo Estado da Bahia e do Piauí ofendem a Constituição Federal em vários aspectos.


Primeiramente, a lei viola o princípio da não discriminação, estabelecido pela Constituição Federal, art. 152, segundo o qual:


“É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino”.


No mais, a disciplina constitucional do ICMS determina que o imposto seja recolhido ao Estado no local de origem da mercadoria.


No caso específico da lei baiana, já foram concedidas seis liminares pela Justiça para que empresas que vendem a consumidores da Bahia não paguem o ICMS extra.


O próprio Instituto dos Auditores Fiscais da Bahia considera a cobrança ilegal. Defendem eles a ocorrência de bitributação:


“O presidente do órgão, Helcônio Almeida afirma que a cobrança gera bitributação, já que as empresas acabam pagando o ICMS no Estado de origem da mercadoria e no de destino.”


Ademais, as regras acerca do ICMS, por ser o imposto que oportuniza a arrecadação mais relevante para Estados e para o DF, deveriam vir estabelecidas mediante convênios no âmbito do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), haja vista a necessidade aí de uma conjugação de vontades de todas as unidades federativas interessadas.


Assim dispõe o art. 155, § 2º, XII, “g”, CF:


“§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)


XII – cabe à lei complementar:


g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.”


O primeiro passo para a definição de regras seria o convênio.


O segundo passo perpassaria pela ratificação do convênio por decreto legislativo (art. 49, I, CF), para que os termos daquele fossem internalizados no âmbito dos Estados Membros e do Distrito Federal.


A submissão ao Confaz tem o condão de reforçar o pacto federativo. Segundo Roque Antônio Carrazza, contribui para evitar que cada Estado-membro (ou o Distrito Federal) busque, por intermédio de benesses concedidas unilateralmente, atrair, a qualquer preço, para seus territórios, contribuintes de ICMS.


Visam, assim, os convênios compor interesses e evitar conflitos pela concessão unilateral de benefícios fiscais.


À medida que tais convênios não são observados, resta inconstitucional a regra confeccionada.


Diante disso, a concessão de benefícios fiscais deve se dar em conjunto e com aceitação unânime dos entes federativos.


Inúmeros fornecedores têm ingressado em juízo para discutir tal cobrança:


“Menos de uma semana após iniciar a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre mercadorias vendidas pela internet, a Fazenda baiana já é alvo de contestações. A Lojas Renner conseguiu uma liminar que impede a Bahia de cobrar o imposto de 10% sobre mercadorias vendidas pela internet provenientes do Estado de São Paulo.


Desde o dia 1º a Bahia exige ICMS sobre as mercadorias provenientes de outros Estados e vendidas por lojas virtuais a consumidores localizados em território baiano. O imposto é exigido no momento da entrada da mercadoria no Estado. Com a decisão, a Lojas Renner deve continuar a recolher ICMS sobre vendas pela internet a São Paulo, caso as mercadorias sejam distribuídas a partir de depósitos sediados em território paulista.


O secretário de Fazenda da Bahia, Carlos Martins Marques Santana, diz que além da Lojas Renner, outro varejista já foi ao Judiciário local para questionar a cobrança, mas ainda não há decisão. De qualquer forma, porém, diz ele, a Bahia vai entrar com recurso contra qualquer decisão contrária à exigência do imposto.


“Não mudaremos nada. Manteremos essa norma porque é preciso rediscutir a arrecadação do imposto sobre essas operações e adaptar a cobrança à nova situação.” Segundo ele, a Bahia vem estudando a possibilidade de cobrar o imposto desde o ano passado, quando deixou de recolher entre R$ 90 milhões e R$ 100 milhões em ICMS sobre as vendas pela internet a consumidores localizados na Bahia. Ele calcula que os Estados nordestinos tenham perdido juntos perto de R$ 300 milhões.


Santana diz que as vendas pelas lojas virtuais estão crescendo “exponencialmente”. Vários dos varejistas eletrônicos, diz, possuem inscrição estadual na Bahia. Segundo ele, parte das vendas eletrônicas, na verdade, são feitas com a ida física dos consumidores às lojas. “São estabelecimentos que funcionam como um show room. O cliente faz a encomenda e no momento da entrega a mercadoria chega como se tivesse sido vendida pela internet”, diz. Segundo o secretário não é possível resolver esses casos apenas com a fiscalização nos estabelecimentos.


O tributarista Fabio Brun Goldschmidt, do Andrade Maia Advogados, que representa a Lojas Renner no processo, diz que a empresa deve questionar também exigências semelhantes de outros Estados. Na prática, nesses casos, diz ele, o varejista fica sujeito a uma tributação pesada porque o ICMS é exigido pelo Estado de destino e pelo de origem. Como é uma venda a consumidor final, a comercialização via internet tem seu ICMS recolhido integralmente pelo Estado de origem. São beneficiados Estados que sediam os centros de distribuição, como São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo.


Segundo Santana, a expectativa é que a questão possa ser resolvida por meio de convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Esse convênio, porém, precisa da concordância unânime dos Estados. A próxima reunião do Confaz deve ser realizada em abril, mas ainda não há pauta definida.


Além da Bahia, outros Estados cobram o ICMS na entrada de mercadorias vendidas no mundo virtual. Júlio de Oliveira, do Machado Associados, lembra que o Piauí instituiu a cobrança recentemente, com exigência de imposto de 4,5% ou 8% sobre o valor da operação. A alíquota varia conforme a região de origem da mercadoria e é concedida isenção até o limite de R$ 500. Ceará e Mato Grosso também já fazem a retenção do imposto desde o ano passado, a partir de determinados valores. No caso do Ceará, a cobrança é feita sobre operações a partir de R$ 1.343,25.”


Fonte: clippingmp.planejamento.gov.br/…/renner-obtem-liminar-que-impede-bahia-de-cobrar-icms-de-vendas-pela-internet. Acesso em 18.mar.2011.


Assim, também a obrigatoriedade dos convênios em matéria de ICMS foi inobservada, tornando inconteste a inconstitucionalidade da lei baiana.


Diante disso, considerando que a cobrança pretendida pelo Estado da Bahia afigura-se inconstitucional e que a mesma tornará alguns produtos mais caros aos olhos do contribuinte, aconselhamos a adoção de uma medida judicial, tendente a afastar tal exigência em relação aos negócios de compra e venda celebrados pela Consulente com consumidores do Estado da Bahia.


A via adequada é a do Mandado de Segurança Preventivo, haja vista a inconstitucionalidade da lei que embasa a cobrança pretendida.


O fato de o lançamento tributário ser um ato administrativo plenamente vinculado à lei reforça a necessidade de que o mandamus seja impetrado com o intuito de afastar eventuais cobranças, seguindo-se o modelo de conduta adotado por outros fornecedores.



Informações Sobre o Autor

Adriana Estigara

Mestre em Direito Socioambiental pela PUC/PR. Advogada. Professora de Direito Constitucional e Tributário junto à Universidade Positivo


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