Tutela antecipada e pedido incontroverso. Elementos para concretização do Princípio Constitucional da Celeridade Processual

Resumo: O presente trabalho dedica-se ao estudo da antecipação da tutela nos casos de pedido incontroverso, bem como a sua aplicação como meio concretização do Princípio da Celeridade Processual, introduzido ao art. 5º da Constituição Federal, pela Emenda Constitucional n. 45/2004.


Sumário: 1. Breve introdução; 2. Incontrovérsia e tutela antecipada; 3. Das hipóteses de tutela antecipada com base no § 6o do art. 273 do CPC; 3.1 Ausência de contestação integral; 3.2 Reconhecimento parcial do pedido; 3.3 Incontrovérsia de um ou mais de um dos pedidos cumulados; 3.4 Incontrovérsia de parcela do pedido; 4. A tutela antecipada com base no § 6o do art. 273 do CPC como meio de concretização do princípio constitucional da celeridade processual.


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1. Breve introdução


A Lei n. 10.444, de 07 de maio de 2002, introduziu ao art. 273 do Código de Processo Civil, entre outras alterações, o seguinte parágrafo: “§ 6o. A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”.


Com a criação desta nova modalidade de antecipação da tutela, qual seja, com base na incontrovérsia de um ou mais de um dos pedidos cumulados ou parcela deles, visou-se dar uma maior agilidade aos processos, sendo que o mesmo seguirá tão-somente quanto àquela parte que ainda estiver controversa, necessitando, assim, de uma maior produção de provas. 


Desta forma, o referido instituto mostra-se como uma das melhores alternativas para a concretização no recém instituído Princípio da Celeridade Processual, introduzido no art. 5º da Constituição Federal, pela emenda constitucional n. 45/2004, com a seguinte redação:


“Art. 5º. (…)


LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”


O presente ensaio dedica-se ao estudo desta modalidade de antecipação da tutela, prevista no § 6o do art. 273 do Código de Processo Civil, sem o intuito, entretanto, de esgotar o assunto.


2. Incontrovérsia e tutela antecipada


Uma vez iniciado o processo, cabe ao autor expor os fatos e fundamentos jurídicos de sua pretensão, decorrendo destes o seu pedido ou pedidos. Com base nestes fatos, caberá ao réu, caso deles discorde, impugná-los especificamente, um a um, de acordo com a previsão contida no art. 300 do CPC, expondo por sua vez, os fatos conforme a sua verdade.


Caso o réu não conteste a ação, incidirá sobre o mesmo os efeitos da revelia, ou seja, todos os fatos alegados pelo autor em sua petição inicial serão presumidos verdadeiros. Uma vez presumidos verdadeiros, conseqüentemente, todos os fatos alegados na inicial tornar-se-ão incontroversos.


De outra banda, caso o réu conteste a ação, porém silencie quanto a um ou mais de um dos pontos afirmados pelo autor, deixando de impugná-los, os mesmos serão igualmente presumidos verdadeiros e, conseqüentemente, também se tornarão incontroversos. O mesmo ocorrerá nos casos de confissão quanto a um ou mais de um dos fatos, onde será afastada a necessidade da produção de provas relativamente aos fatos confessados, a teor do disposto no art. 334, II do Código de Processo Civil.


Assim, uma vez tido como incontroverso um ou mais fatos, surge um juízo de certeza acerca do(s) mesmo(s), possibilitando um pronunciamento final acerca da lide, não sendo mais necessária a instrução para a solução do conflito entre as partes, uma vez que este não existe mais.


Diante desta incontrovérsia não há porque o autor, ante a certeza da veracidade de sua alegação, deva esperar o desenrolar do processo para só ao final ter esse direito incontroverso admitido.


Neste ponto, a previsão contida no § 6o do art. 273 do CPC representou uma fundamental evolução no sentido da solução dos casos de incontrovérsia de parte da demanda, ficando o julgador autorizado, nestes casos, a antecipar a tutela, possibilitando, assim, que o autor veja seu direito reconhecido antecipadamente, não precisando mais aguardar toda fase de instrução, sendo que esta se limitará tão-somente ao conhecimento das matérias controversas, uma vez que, segundo Marinoni[1], é injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito que não se mostra mais controvertido.


3. Das hipóteses de tutela antecipada com base no § 6o do art. 273 do CPC


3.1 Ausência de contestação integral


Quando o réu contesta a ação, todavia não impugna um ou alguns dos fatos alegados pelo autor, estes serão presumidos verdadeiros, tornando-se, conseqüentemente, incontroversos, autorizando, desta forma, uma vez verificada a adequação da pretensão incontroversa, a antecipação da tutela com base no § 6o do art. 273 do CPC.


Exemplificando, tem-se o caso de uma ação de cobrança, onde o autor requer em sua peça inicial o pagamento da importância de R$ 1.000,00, postulando, outrossim, a cobrança de juros. O réu, ao contestar a ação, alega tão somente não dever tais juros. Em assim agindo, estará o réu deixando de contestar a cobrança de R$ 1.000,00, configurando-se, desta forma, a não contestação de parcela do pedido.


Desta forma, tendo o réu se manifestado tão somente quanto a um dos pedidos do autor, qual seja, a cobrança de juros, e silenciado quanto ao outro – pagamento de R$ 1.000,00 -, este último se tornará incontroverso, não dependo mais da produção de novas provas, estando maduro para julgamento.


Portanto, tendo o réu não contestado um ou mais de um dos fatos alegados pelo autor, tornando-se os mesmos incontroversos e, todavia, não satisfazendo o réu a parcela do direito o autor já incontroversa nos autos, nada mais justo do que se conceder a antecipação da tutela com base no § 6o do art. 273 do CPC, levando-se em conta, porém, que a concessão da antecipação da tutela nos casos de não contestação, estará adstrita a entendimento do magistrado de que dos fatos não impugnados decorra o direito pleiteado pelo autor.


3.2 Reconhecimento parcial do pedido


Caso haja, pelo réu, o reconhecimento de apenas parte do pedido ou alguns dos pedidos, não será o caso de extinção do feito, eis que, deverá o mesmo prosseguir em relação ao pedido ou pedidos não reconhecidos, sendo necessário aguardar a instrução para sanar a controvérsia.


Um exemplo de reconhecimento do pedido que pode levar a antecipação da tutela é o caso em que o autor propõe ação de cobrança contra o réu dizendo-se credor da importância de R$ 1.000,00. O réu ao contestar a ação diz que deve somente R$ 500,00. Desta forma, estará o réu reconhecendo, em parte, o pedido do autor, qual seja, os R$ 500,00 por ele reconhecido como devidos.


Nestes casos, assim como nos casos de não contestação integral, a antecipação da tutela será fundada no § 6o do art. 273 do CPC, que dispõe expressamente sobre a antecipação nos casos de incontrovérsia decorrente do reconhecimento de um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles.


3.3 Incontrovérsia de um ou mais de um dos pedidos cumulados


A antecipação da tutela referente a um ou mais de um dos pedidos cumulados será possível no momento em que algum ou alguns deles estiverem incontroversos nos autos. Esta incontrovérsia, por sua vez, ocorrerá no momento em que um ou mais de um dos pedidos cumulados estiverem devidamente provados no decorrer do processo, não sendo mais necessária a realização de produção de provas a seu respeito e, todavia, sendo necessária a produção de provas quanto ao outro ou outros pedidos.


Desta forma, segundo Marinoni, é imprescindível que ao menos um dos pedidos diga respeito apenas à matéria de direito ou que não necessite mais de provas e que um outro exija o prosseguimento do processo ruma à audiência de instrução e julgamento. [2]


Um exemplo apontado pela doutrina é o caso de uma ação em que o autor, vítima de um acidente automobilístico, pede que o réu seja condenado a pagar danos emergentes e lucros cessantes. Explicando tal caso, Luiz Guilherme Marinoni ensina que:


“O réu, aceitando a culpa, contesta os danos emergentes e os lucros cessantes. A prova documental, contudo, é suficiente para demonstrar os danos emergentes, afigurando-se a defesa apresentada pelo réu, neste particular, meramente protelatória. Em relação aos lucros cessantes é necessária instrução dilatória, tendo o autor requerido prova pericial.


Neste caso, é possível o julgamento antecipado do pedido de indenização por danos emergentes, restando o pedido de lucros cessantes para ulterior definição.” [3]


3.4 Incontrovérsia de parcela do pedido


Assim como nos casos de antecipação da tutela em face da incontrovérsia de um ou mais de um dos pedidos cumulados, poderá ocorrer, também, a antecipação da tutela quando parcela de um pedido se mostrar incontroversa no decorrer da demanda.


Nessa hipótese de antecipação da tutela ocorrerá a incontrovérsia quanto a uma parcela do pedido, sendo que, assim como nos casos de cumulação de pedidos, esta incontrovérsia se dará quando a parcela do pedido estiver devidamente comprovada nos autos, não necessitando mais da produção de provas a seu respeito e, entretanto, a outra parcela do pedido ainda necessite de dilação probatória.


Assim, como muito bem explica Rogéria Dotti Doria, no caso de uma ação de indenização, estando devidamente comprovado o direito a esta indenização pleiteada, e, ainda, estando devidamente demonstrada uma parcela do quantum pretendido, não haveria qualquer impedimento para a concessão da tutela antecipatória com base no § 6o do art. 273 do CPC, uma vez que a referida parcela do pedido não dependeria mais da produção de provas, estando, portanto, incontroversa. [4]


Nestes casos, a antecipação da tutela referente à parcela do pedido que não necessite mais de prova se justifica ante a desnecessidade de o autor aguardar até o provimento final para ver um direito seu, já incontroverso nos autos, satisfeito. [5]


4. A tutela antecipada com base no § 6o do art. 273 do CPC como meio de concretização do princípio constitucional da celeridade processual


Nos casos de antecipação da tutela com base no § 6o do art. 273 do Código de Processo Civil, tem-se como requisito fundamental para a sua concessão a incontrovérsia de parcela do pedido ou de um ou mais de um dos pedidos cumulados.


Pois bem, estando parcialmente incontroversa a pretensão do autor e, mesmo diante desta incontrovérsia, manter-se o réu inerte, nada mais justo do que conceder a antecipação da tutela, visando proporcionar ao autor uma maior celeridade na prestação jurisdicional relativa a um direito seu incontroverso e, todavia, não realizado pelo réu.


Neste ponto, a doutrina aponta três fundamentos para a concessão da antecipação da tutela com base no § 6o do art. 273 do Código de Processo Civil, quais sejam: a) é injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito que não se mostra mais controvertido; b) o processo não pode prejudicar o autor que tem razão; e c) a necessidade de evitar o abuso do direito de defesa. [6]


Todavia, em face da inclusão, no rol de direitos fundamentais, do princípio constitucional da celeridade processual, verifica-se que a tutela antecipada nos casos de incontrovérsia mostra-se como uma forte arma para a concretização do referido princípio.


Neste sentido, importante salientar que a simples inclusão de tal princípio no rol de direitos fundamentais, em que pese a notável importância desta iniciativa, de nada servirá para tornar a prestação jurisdicional mais efetiva se não forem criados meios de concretização do mesmo. No mesmo sentido, Humberto Ávila ensina que “ao Estado não cabe apenas respeitar os direitos fundamentais, senão também o dever de promovê-los por meio da adoção de medidas que os realizem da melhor forma possível” [7].


Nesta seara, as últimas reformas processuais civis, bem como a própria Emenda Constitucional no 45, introduziram, no ordenamento jurídico brasileiro, diversas alterações visando uma maior efetividade da prestação jurisdicional. Todavia, tais modificações, uma vez que recentes, carecem, ainda, de maior efetividade, razão pela qual, impossível constatar, por enquanto, a real contribuição das mesmas para uma maior celeridade na prestação jurisdicional. Por outro lado, tal constatação já se faz possível quanto à aplicação do instituto da antecipação da tutela com base na incontrovérsia, uma vez que o mesmo, introduzido pela Lei no 10.444/2002, mostra-se como um dos meios mais eficazes para a concretização do Princípio Constitucional da Celeridade Processual.


Neste sentido, Teori Albino Zavaski ensina que:


“Diferentemente das demais hipóteses previstas no art. 273 do Código de Processo Civil, cuja função é a de estabelecer condições de convivência entre os princípios da segurança jurídica e da efetividade do processo eventualmente em colisão, a nova espécie de antecipação, que ocorre em cenário onde não existe o citado conflito, representa simplesmente uma ação afirmativa em benefício do princípio constitucional da efetividade e, mais especificamente, do direito fundamental explicitado no art. 5º, LXXVII, da Constituição (introduzido pela EC n. 45/2004), segundo o qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. [8]


Desta forma, a antecipação da tutela com base no § 6o do art. 273 do CPC representa um dos maiores avanços e uma das maiores armas no sentido de se combater a morosidade da justiça, possibilitando àqueles que se vêm obrigados a recorrer ao Poder Judiciário, uma prestação jurisdicional mais célere, mais eficaz e muito mais condizente com as necessidades e os anseios destes que dela dependem, concretizando, assim, o Princípio Constitucional da Celeridade Processual, previsto no art. 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal, introduzido pela emenda constitucional no 45/2004.


 


Referências

ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

DORIA, Rogéria Dotti. A tutela antecipada em relação à parte incontroversa da demanda. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória e julgamento antecipado: parte incontroversa da demanda. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.


Notas:
[1] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória e julgamento antecipado: parte incontroversa da demanda, p. 102.

[2] marinoni, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória e julgamento antecipado: parte incontroversa da demanda, p. 145.

[3] marinoni, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória e julgamento antecipado: parte incontroversa da demanda, p. 145.

[4] DORIA Rogéria Dotti. A tutela antecipada em relação à parte incontroversa da demanda, p. 126.

[5] Neste sentido: Agravo de Instrumento Nº 70011524774, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Artur Arnildo Ludwig, Julgado em 24/08/2005.

[6] Neste sentido MARINONI, Luiz Guilherme, Tutela antecipatória e julgamento antecipado: parte incontroversa da demanda.

[7] ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 82.

[8] ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela, p. 107-108.

Informações Sobre o Autor

Frederico Klein

Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, Advogado em Sapiranga-RS, pós-graduando em Direito da Seguridade Social pela Universidade Candido Mendes


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Equipe Âmbito Jurídico

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