Tutela diferenciada e meios alternativos de solução de conflitos

Resumo: Atualmente não se pode imaginar somente o Poder Judiciário como único ente dotado de capacidade de solucionar os conflitos sociais. A crise na prestação jurisdicional pelo Judiciário e o anseio por acesso à Justiça evidenciam a necessidade da busca por novas formas de resolução de conflitos, por meio de mecanismos mais céleres e menos onerosos que atendem às exigências do Estado, de modo a permitir que o cidadão obtenha a solução do seu conflito sem passar, obrigatoriamente, pelo Judiciário. Este artigo apresenta uma abordagem sobre a tutela diferenciada e os meios alternativos de solução de conflitos, em especial a mediação, a conciliação e a arbitragem, demonstrando as vantagens destes métodos alternativos de solução de controvérsias como auxiliares do Poder Judiciário.

Palavras chave: tutela diferenciada; meios alternativos; acesso à justiça;conflitos.

Abstract: Nowadays, Judicial Power cannot be pictured as the sole entity capable of solving social conflicts. The crisis in the jurisdictional services of the Judiciary system and the population’s yearning for an ampler access to Justice expose the need for new models of conflict resolution, with more agile and less costly mechanisms that meet the demands of the State, thus allowing people to obtain a solution for their conflicts without obligatory transit in the Court. This article presents an approach of the differenced protection and the alternative means for conflict resolution, with special regard to mediation, conciliation and arbitration, thus demonstrating the advantage of these alternative methods as auxiliaries of the Judicial Power.

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Key words: differenced protection; alternative means; access to Justice; conflicts.

Sumário: Introdução. 1.Acesso à Justiça. 2.Tutela Diferenciada ou Tutela Jurisdicional Diferenciada. 3.Meios alternativos de solução de conflitos. 3.1.Conciliação. 3.2.Mediação. 3.3.Distinção entre mediação e conciliação. 3.4. Arbitragem. 3.5. Vantagens e desvantagens. 4. Conclusão.

Introdução.

O Estado tem o dever de tutelar os interesses dos cidadãos, dirimindo os conflitos existentes, mas não possui estrutura suficiente para administrar todas as demandas, verificando-se uma crise que tende a sobrecarregar ainda mais o judiciário e fazer com que se busque alternativas que possam atender a esses interesses.

Diversos autores tratam da possibilidade de utilização de formas alternativas de acesso à justiça, de maneira a auxiliar o Poder Judiciário a atender as demandas que aguardam pela tutela jurisdicional.

O presente artigo pretende analisar os métodos alternativos de solução de conflitos, observando que referidos mecanismos podem promover e garantir o acesso à justiça a todos de maneira célere e eficaz.

1.Acesso à justiça.

Desde os primórdios a preocupação com o acesso à justiça acompanha a humanidade.

Nos séculos XVIII e XIX, o acesso à justiça se traduzia no direito formal de o indivíduo ajuizar ou responder a uma ação, conceito este em consonância com o modelo de Estado liberal e a filosofia individualista de direitos da época.

O acesso apenas formal à justiça estava relacionado à igualdade formal, mas não efetiva. Contudo, com o advento do Estado social, iniciaram-se, no século XX, os movimentos de ampliação do acesso à justiça, reivindicando-se, a partir de então, a atuação positiva do Estado para assegurar materialmente o acesso aos direitos individuais e sociais proclamados a todos os indivíduos, trazendo-se uma evolução para a concepção do acesso à justiça.

Necessário se faz frisar que o acesso à justiça não deve ser compreendido como sinônimo de acesso ao Poder Judiciário. O conceito de justiça é amplo e deve ser considerado nas suas mais variadas formas e sentidos.

Como afirma Rodolfo de Camargo Mancuso, o Poder Judiciário não deve ser encarado como sendo, necessariamente, a primeira e única via de acesso para a administração dos conflitos.

O ponto central do acesso à justiça não é apenas possibilitar que todos tenham seu direito tutelado pelo Estado, mas que a justiça possa ser realizada no contexto em que se inserem as partes, com a garantia da imparcialidade de decisão e da igualdade efetiva das partes.

Garantir o acesso à justiça de maneira efetiva tem se demonstrado um desafio repleto de obstáculos, que foram muito bem abordados pelo notável estudo de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, no Projeto Florença, onde os autores classificaram como possibilidades de superação desses obstáculos as denominadas “ondas renovatórias de universalização do acesso a Justiça[1] ”.

A primeira onda renovatória objetivou a assistência judiciária para os pobres.  Já a segunda onda buscou assegurar a representação dos interesses difusos. E, por fim, a terceira onda renovatória representou uma concepção mais ampla de acesso à Justiça (um novo enfoque de acesso à Justiça[2]), cujo cerne era a utilização de técnicas alternativas para solução dos conflitos, com o intuito de aumentar as possibilidades de forma a tornar a justiça mais acessível e adequada a cada situação apresentada.

Nesse contexto de se garantir o acesso à justiça é que se surgem a tutela diferenciada e os meios alternativos de solução de conflitos, como instrumentos de ampliação do acesso à justiça.

2.Tutela Diferenciada ou Tutela Jurisdicional Diferenciada. 

A expressão tutela jurisdicional diferenciada foi criada pelo jurista italiano Andrea Proto Pisani em 1973, no estudo “Tutela Giurisdizionale Differenziata e Nuovo Processo del Lavoro”, e se traduz na proteção jurídica de um interesse ou direito substancial por meio de modelos processuais alternativos ao procedimento judicial ordinário.

Nas palavras de Pisani, para que possa ser garantida a possibilidade de concessão de uma tutela adequada a cada direito, haverá necessidade da adoção de uma sorte de mecanismos diversos, cada um trazendo em si as especificidades necessárias para melhor atendimento à questão de direito material.

O jurista italiano foi um dos impulsionadores desta tendência, no sentido de que não existe uma tutela jurisdicional ideal para todas as situações e, portanto, é necessário buscar outras técnicas que confiram ao cidadão efetividade e celeridade.

Em ensaio recente Pisani[3] asseverou que: "o século XX passará à História como o período em que a legislação e a doutrina processuais desenvolveram uma série de instrumentos (alguns de origem antiqüíssima, provenientes do direito comum e da Idade Média), destinados a tornar residual o processo de cognição plena no sistema de tutela jurisdicional dos direitos entendido em seu conjunto", o que será demonstrado linhas adiante quando se verificará que os institutos da arbitragem e da mediação já eram utilizados na antiguidade e na Idade Média.

Nos dizeres de Marinoni[4], “tutela jurisdicional diferenciada significa, em certo sentido, tutela adequada à realidade de direito material. Se uma determinada pretensão de direito material está envolvida numa situação de emergência, a única forma de tutela adequada desta pretensão é aquela que pode satisfazê-la com base em cognição sumária”.  

Em síntese, estas tutelas jurisdicionais diferenciadas, que Proto Pisani denominou apenas de "tutelas diferenciadas", acabam por fazer valer a premissa de Chiovenda segundo o qual "o processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que tem direito de obter".

Partindo-se desta premissa, com o intuito de entregar uma tutela adequada a cada direito com efetividade e celeridade, os meios alternativos de solução de conflitos se apresentam como possíveis vias de realização, de complemento da prestação  jurisdicional e de pacificação social, não para substituir o judiciário, mas para atuar de modo a liberá-lo para cumprir adequadamente o seu papel, nas contendas que forem submetidas à sua apreciação.

3. Meios Alternativos de Solução de Conflitos

São técnicas diferenciadas de tratamento do conflito como alternativas à solução judicial[5]. Também designadas como Alternative Dispute Resolution (ADRs) – resolução alternativa de disputas (RAD, sigla em português), ou, ainda, meios alternativos de resolução de conflitos (MARCs). Enquadram-se na terceira onda renovatória, dos doutrinadores Mauro Cappelletti e Bryan Garth, que representa um novo enfoque de acesso a Justiça. Essa terceira onda de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por meio de advogados particulares ou públicos, mas vai além[6].

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Importante ressaltar que referidas técnicas surgiram fora da seara jurídica em decorrência da necessidade no mundo dos negócios (relações comerciais) e foram se estendendo para áreas maiores de interesses patrimoniais e transacionais, diante da ineficiência do Estado na prestação jurisdicional.

Atualmente utiliza-se também a expressão equivalentes jurisdicionais para designar os mecanismos alternativos de solução de conflitos.

Nas palavras de Didier JR.[7], as chamadas “vias alternativas” são equivalentes jurisdicionais, ou seja, são formas não-jurisdicionais de solução de conflitos e são chamadas de equivalentes porque, não sendo jurisdição propriamente dita, funcionam como técnica de tutela dos direitos, sanando conflitos ou certificando situações jurídicas. 

Importante salientar que muitos desses métodos alternativos de solução de conflitos que eram considerados extraprocessuais, foram inseridos no texto legal, de forma a serem utilizados no processo judicial, como, é o caso, por exemplo, da conciliação e da arbitragem.

Os métodos alternativos de solução de conflitos são empregados em grande escala nos Estados Unidos, que é considerado o berço dos movimentos alternativos de resolução de controvérsias, e em muitos países da Europa.

No Brasil esses métodos alternativos de solução de conflitos vêm conquistando espaço, em razão da crise do judiciário de modo que, surgem os conciliadores, mediadores, juízes leigos (juizado especial) e árbitros.

Os métodos aludidos objetivam a resolução prévia dos conflitos que uma vez solucionados, auxiliarão no enxugamento da máquina do judiciário, o que não significa deslegitimar o Judiciário, ou diminuir-lhe o poder, mas conceder formas aliadas de resolução de litígios, por conta das contínuas transformações sociais, que necessitam de mais que um único órgão a tutelar seus direitos.

Nada impede que os conflitos submetidos aos equivalentes jurisdicionais ou os conflitos por eles resolvidos possam ser apreciados, posteriormente, também pelo Estado, mas em geral não se vislumbra essa necessidade.

Dentre esses métodos alternativos de resolução de conflitos merecem destaque: a conciliação, a mediação e a arbitragem.

3.1. Conciliação

A palavra conciliação deriva do latim conciliatione, cujo significado é ato ou efeito de conciliar, concórdia, ajuste, congraçamento, acordo ou harmonização de pessoas; união; combinação ou composição de diferenças.

Trata-se de forma autocompositiva de solução de conflitos, uma alternativa mais célere e menos dispendiosa que, embora utilizada no âmbito processual, pode ser considerada um meio alternativo de solução de conflito (ou equivalente jurisdicional), uma vez que no âmbito extraprocessual produz resultados excepcionais no que tange à solução de conflitos. Implica a participação de um terceiro (conciliador) de forma imparcial e ativa, que intervém sugerindo propostas de acordo, visando a composição.

Não é o conciliador que põe fim a disputa, já que a vontade das partes deverá prevalecer e somente ela poderá fazer com que o litígio seja resolvido.

Na legislação brasileira a conciliação é utilizada no procedimento judicial, como pode ser verificado no Código de Processo Civil, nos artigos 125, IV, 277, 331 e 448[8]. A Justiça Comum também prevê a conciliação, não apenas pelo procedimento da Lei n° 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais, mas também em litígios que sejam submetidos ao rito ordinário.

Já na esfera da Justiça do Trabalho, que é referência no que diz respeito ao uso da tentativa de conciliação em todas as fases processuais, pode-se observar que nos artigos 625-A e 846 da Consolidação das Leis do Trabalho[9], também há previsão sobre a conciliação.

O CNJ – Conselho Nacional de Justiça elaborou vários projetos estimulando o uso do método, através de semanas de mobilização pela conciliação, programas como o “conciliar é legal”; a Resolução n° 125, de 29 de novembro de 2010 que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Judiciário e dá outras providências, entre outros.

3.2. Mediação

A palavra mediação provém do latim mediatio que significa ato ou efeito de mediar, intervenção[10]. Trata-se de um método autocompositivo de resolução de conflitos, onde as partes são auxiliadas por um terceiro treinado, capacitado e neutro, o mediador, que busca uma composição amigável sobre o conflito existente.

Esse método de solução de conflitos já era utilizado por povos antigos em busca da harmonia e preservação da união necessária à defesa contra ataques de outros povos (ligada a preservação da paz).

Nas palavras da brilhante professora Fernanda Tartuce mediação é “método que consiste na atividade de facilitar a comunicação entre as partes para propiciar que estas próprias possam, ao entender melhor os meandros da situação controvertida, protagonizar uma solução consensual. É espécie do gênero autocomposição, sendo ainda considerada um ʻmeio alternativo de solução de conflitosʼ ou equivalente jurisdicional. Para alguns estudiosos, identifica-se com a conciliação, que também busca o estabelecimento de um consenso. Todavia, as técnicas divergem pela atitude do terceiro facilitador do diálogo, que na mediação não deve sugerir termos para o acordo e pode, na conciliação adotar tal conduta mais ativa e influenciadora do ajuste final” [11].

O procedimento da mediação tem como características a ausência de formalidades, rapidez e sigilo, além de evitar os desgastes que um processo judicial costuma trazer as partes. 

A mediação pode ser utilizada em diversas áreas, tais como:

a) Família – nas negociações relativas à revisão de pensão, separação, divórcio, guarda dos filhos e adoção;

b) Empresarial – Sociedades empresárias e instituições na prevenção e/ou resolução de conflitos;  

c) Cível – nas questões patrimoniais (art. 841 do CC de 2002[12]) tais quais indenização por acidente de automóvel, locação ou retomada de imóveis, revisão de alugueis, perdas e danos;

d) Comercial – títulos de crédito, frete, seguro e entrega de mercadorias, comércio interno e internacional, Mercosul;

e) Trabalhista: conflitos individuais e coletivos;

f)  Penal: nas hipóteses em que há a possibilidade de disposição da ação, já que a vontade do indivíduo é imprescindível para a existência da ação e dos crimes de menor potencial ofensivo previstos na Lei 9.099/95.

No Brasil, muito embora ainda não haja legislação específica regulando a mediação, a utilização deste mecanismo de resolução de conflitos vem sendo aplicada,  especialmente por universidades, tribunais e  associações não governamentais, aproximando o instituto da sociedade e permitindo o reconhecimento de sua eficácia no tratamento de conflitos, principalmente os relacionados à área de família, onde as experiências obtidas com a mediação se mostram cada vez mais exitosas.

Importante mencionar alguns órgãos atualmente em funcionamento, que utilizam a mediação: Serviço de Mediação Forense do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios; Serviço de Mediação da Família do Tribunal de Justiça de Santa Catarina; Programa de Mediação no Sistema Financeiro de Habitação do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região; Programa de Mediação Comunitária do Tribunal de Justiça do Acre e o Fórum de Múltiplas Portas instituído no Juizado Especial em Curitiba pelo Tribunal de Justiça do Paraná.

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Na área trabalhista o desenvolvimento institucional e a abordagem legislativa da mediação tem se verificado mais intenso.

A mediação na negociação coletiva de natureza trabalhista foi recepcionada pelo Decreto n° 1.572/95, de 28.07.1995, onde em seu artigo 2º restou previsto que, frustrada a negociação direta entre as partes na data-base, estas poderão escolher um mediador de comum acordo para a solução do conflito.

Há também previsão na Lei 7.783/89 que trata do direito de greve, em seu artigo 3º[13], bem como na Lei 10.192/2001, no art. 11[14], que dispõe sobre a realização de negociações prévias antes do ajuizamento da ação de dissidio coletivo com a possibilidade de atuação de um mediador para facilitar a comunicação entre as partes.

E por fim, a Lei 10.101/2000, no art. 4º[15], ao dispor sobre impasses na participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa, indica a utilização dos mecanismos de mediação e arbitragem para a solução do litigio.

Oportuno observar que a resolução n º 125, de 29 de novembro de 2010, do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Judiciário e dá outras providências, também prevê a utilização da mediação.

Cumpre salientar que o atual projeto de alteração do Código de Processo Civil (Projeto de Lei 8046/2010), insere a mediação como um mecanismo para solução de litígios, prevista no art. 166 do projeto, com vistas a estimular a autocomposição. Veja-se:

“Art. 166. Todos os tribunais criarão centros judiciários de solução de conflitos e cidadania, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, além de desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.

A mediação é adotada em vários países, entre eles, a Argentina, onde em decorrência da vigência da Lei nº 24.573, de 04.10.1995 (Lei de Mediação e Conciliação), há o estabelecimento da exigência da mediação, em caráter obrigatório, antes do ingresso de qualquer ação em sede civil ou comercial.

No Canadá, em Quebec, foi instituído um serviço de pré – mediação obrigatório na apreciação de conflitos familiares, por meio de uma palestra informativa que dura menos de uma hora e possibilita as partes optarem se utilizarão ou não referido mecanismo com total liberdade, sem qualquer imposição, o que configura o melhor sistema, posto que não compromete  a liberdade e voluntariedade essenciais a mediação.  

Também bastante utilizada no Japão, Inglaterra, Estados Unidos e França.

3.3. Distinção entre mediação e conciliação.

É muito comum haver confusão entre os institutos da mediação e da conciliação, todavia, se faz necessário diferenciá-los.

Na perspectiva de Kazuo Watanabe, se distinguem da seguinte forma:

· na mediação o terceiro neutro “procura criar as condições necessárias para que as próprias partes encontrem a solução”, não intervindo no sentido de adiantar alguma proposta de solução;

· na conciliação, o terceiro interfere um pouco mais ao tentar apaziguar as partes, podendo “sugerir algumas soluções para o conflito” [16]

Assim, enquanto na conciliação há interferência do conciliador, na medida em que estimula e sugere o acordo, na mediação há apenas o auxílio do terceiro (mediador), que estabelece o diálogo entre as partes, para que resolvam sozinhas o seu conflito.

3.4. Arbitragem

Procedimento historicamente conhecido por diversas sociedades, sendo certo que na Grécia antiga já era utilizado esse método para solução de conflitos, bem como em Roma, onde mesmo após a queda do império, escolhia-se um árbitro para dirimir um conflito existente entre dois ou mais cidadãos.

É uma das formas mais antigas, senão a mais antiga, de resolver controvérsias na história do Direito. Há autores que acreditam que talvez tenha sido a arbitragem o precedente para criação de órgãos judiciários permanentes.

Carmona[17] conceitua arbitragem da seguinte forma:

A arbitragem – meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial – é colocada à disposição de quem quer que seja, para solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor.

Trata-se de mecanismo privado de solução de litígios, por meio do qual um terceiro, escolhido pelos litigantes, impõe sua decisão, que deverá ser cumprida pelas partes. Esta característica impositiva da solução arbitral (meio heterocompositivo de solução de controvérsias) a distancia da mediação e da conciliação, que são meios autocompositivos de solução de conflitos, de sorte que não existirá decisão a ser imposta às partes pelo mediador ou pelo conciliador, que sempre estarão limitados à mera sugestão que não vincula as partes.

Em breves linhas é uma forma de resolução de conflitos em que a decisão é dada por um terceiro, o árbitro, que é escolhido pelos conflitantes, cuja sentença vincula as partes, sendo seu cumprimento passível de execução no Poder Judiciário.

Importante ressaltar que a escolha das partes pelo procedimento arbitral exclui o Poder Judiciário da apreciação do mérito do conflito. No entanto, uma sentença arbitral pode ser submetida ao Poder Judiciário para uma possível execução ou na necessidade de ingresso com ação para anulação da sentença arbitral, em caso de vício.

Embora não seja dotado dos poderes de coerção e execução de suas decisões (que são vinculativas), o árbitro é considerado equiparado ao juiz togado. 

No Brasil a arbitragem encontra-se disciplinada pela lei 9.307, de 23 de setembro de 1996. Nosso ordenamento confere a sentença arbitral eficácia de título executivo judicial, conforme reza o art. 475-N[18] do Código de Processo Civil.

Em nosso País foram criadas várias Câmaras, Comissões e ou Tribunais Arbitrais que prestam serviços privados aos interessados em resolver a questão por meio de uma decisão arbitral, podendo ser citadas: Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo (FIESP); Comissão de Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-(Canadá),  Tribunal Arbitral de São Paulo – TASP; – CAESP – Conselho Arbitral de São Paulo;  MEDIAR São Paulo – Câmara de Mediação e Arbitragem; – Tribunal Federal Arbitral; Comissão de Arbitragem da Associação Comercial do Rio de Janeiro; Comissão de Arbitragem da Câmara de Comércio do Paraná; Comissão de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional de Minas Gerais; Tribunal Regional de Justiça Arbitral;  Tribunal Arbitral da Educação, Cultura e Desporto do Brasil, entre outros.

A arbitragem é muito utilizada nos Estados Unidos, França, Alemanha e nos países que compõem o Mercosul.

Cumpre salientar que quando uma discussão arbitral é resolvida fora do País, para que tenha validade no Brasil é necessário que a mesma seja homologada pelo STJ[19], assim como acontece com uma decisão judicial estrangeira. Isso porque deve ser verificado se a arbitragem não fere a ordem pública no Brasil.

3.5. Vantagens e desvantagens

É importante esclarecer que é válida a discussão sobre as vantagens e as desvantagens das técnicas de composição, no entanto, não se trata de se mostrar a favor ou contra sua utilização, mas de se analisar como, quando e sob quais circunstancias as partes podem solucionar o conflito pelas vias alternativas ou quando necessitam efetivamente da intervenção do judiciário.

É salutar que o administrador do conflito conheça o leque de possibilidades de seu tratamento, conhecendo tanto as vantagens como as desvantagens na adoção dos mecanismos diferenciados, pois somente a partir desta constatação será possível encontrar a melhor opção para condução da controvérsia, levando em consideração o caráter do conflito e o perfil das partes envolvidas.

Feitas estas considerações, é possível destacar várias vantagens que a utilização dos meios alternativos de solução de conflitos apresentam, dentre elas: resultados rápidos, confiáveis, econômicos; ampliação de opções ao cidadão, que teria diversas oportunidades de tratamento do conflito; aperfeiçoamento do sistema judicial estatal diante da redução do número de processos em andamento; maior efetividade no cumprimento dos acordos. 

Além disso, se os meios alternativos de resolução de conflitos forem administrados de forma eficiente, podem levar ao estabelecimento de uma relação saudável entre os indivíduos, compondo a controvérsia já instalada e prevenindo outras demandas.

No que tange às desvantagens, as críticas à adoção de tais mecanismos alternativos se resumem em: deletéria privatização da justiça (retirando do Estado, a ponto de enfraquecê-lo, uma de suas funções essenciais e naturais, a administração do sistema de justiça); falta de controle e confiabilidade dos procedimentos e das decisões (em procedimentos sem transparência e lisura); exclusão de certos cidadãos e sua relegação ao contexto de uma “justiça de segunda classe”[20]; frustração do jurisdicionado e enfraquecimento do direito e das leis.

 Contudo referidas críticas não se sustentam, tendo em vista que a utilização de tais mecanismos não enseja qualquer enfraquecimento do Judiciário, ao contrário, como ensina a professora Lilia de Maia Moraes Sales, a introdução dos meios alternativos não visa a substituir ou enfraquecer o Poder Judiciário, mas, pelo contrário, a oferecer meios mais adequados de resolução de conflitos e inserir-se no âmbito de modernização do Poder Judiciário, facilitando a efetiva prestação jurisdicional por este Poder[21].

4. CONCLUSÃO

A tutela diferenciada abrange os meios alternativos de solução de conflitos, como a conciliação, a mediação e a arbitragem (os equivalentes jurisdicionais), que são muito importantes na busca do pleno acesso à Justiça, que não deve se resumir ao simples acesso ao Poder Judiciário, mas ir muito além para garantir a inclusão e pacificação social, e, por conseguinte, a verdadeira promoção à Justiça.

 

Referências bibliográficas
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DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11ª ed. São Paulo: RT, 2003.
FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados especiais cíveis e criminais: comentários à Lei 9.099/1995. 4 ed. São Paulo: RT, 2005.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resolução dos conflitos e a função judicial no contemporâneo Estado de Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
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XAVIER, Sérgio Souza. Considerações sobre a tutela jurisdicional diferenciada. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 391, 02 de agosto de 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5523>. Acesso em abril 2013.
 
Notas:
 
[1] TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis .São Paulo: Método, 2008. 99 p.

[2] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso a justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.

[3] PISANI, Andrea Proto, "Verso la residualità del processo a cognizione piena?", in Studi in onore di Carmine Punzi, vol. I, G. Giappichelli ed., Torino, 2008, pp.699-707.

[4]MARINONI, Luiz Guilherme. Efetividade do processo e tutela de urgência. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994, p. 91.

[5]TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. São Paulo: Método, 2008,p.179.

[6]CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1988.

[7] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil I – Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 11ª ed. Salvador: Podvm, 2009.

[8] Art. 125 – O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:                IV – Tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.
Art. 277 – O juiz designará a audiência de conciliação a ser realizada no prazo de trinta dias, citando-se o réu com a antecedência mínima de dez dias e sob a advertência prevista no § 2º deste artigo, determinando o comparecimento das partes. Sendo ré a Fazenda Pública, os prazos contar-se-ão em dobro.
Art. 331 – Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir.
Art. 448 – Antes de iniciar a instrução, o juiz tentará conciliar as partes. Chegando a acordo, o juiz mandará tomá-lo por termo.

[9] Art. 625-A. As empresas e os sindicatos podem instituir Comissões de Conciliação Prévia, de composição paritária, com representantes dos empregados e dos empregadores, com a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais do trabalho.
Art. 846 – Aberta a audiência, o juiz ou presidente proporá a conciliação.

[10] Minidicionário Silveira Bueno da lingua portuguesa, p.502 .

[11] TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. São Paulo: Método, 2008. p.297.

[12] Art. 841. Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação.

[13] Art. 3º – Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho.

[14] Art. 11. Frustrada a negociação entre as partes, promovida diretamente ou através de mediador, poderá ser ajuizada a ação de dissídio coletivo.

[15] Art. 4o Caso a negociação visando à participação nos lucros ou resultados da empresa resulte em impasse, as partes poderão utilizar-se dos seguintes mecanismos de solução do litígio: I – mediação; … 

[16] WATANABE, Kazuo. Modalidade de mediação, p. 58.

[17] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: Um comentário à Lei no. 9.307/96. São Paulo: Malheiros,1998. p.31. 

[18] "Art. 475-N. São títulos executivos judiciais:
I – a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia;
II – a sentença penal condenatória transitada em julgado;
III – a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo;
IV – a sentença arbitral;
V – o acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado judicialmente;
VI – a sentença estrangeira, homologada pelo Superior Tribunal de Justiça;
VII – o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal.”

[19] A competência da homologação de sentenças estrangeiras foi transferida para o STJ pela Reforma Judiciária de 2004, realizada por meio da Emenda nº 45, conforme art. 105, I, i, da CF. Até a edição de normas regimentais pelo STJ, a matéria permanece regulada pelos arts. 215 a 224 do RISTF e pela Resolução nº 9/2005 do STJ, além da Lei nº 9.307/96, artigos 34 a 40 e, subsidiariamente, os artigos 483 e 484 do CPC, no caso de laudo arbitral estrangeiro.

[20] FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados especiais cíveis e criminais,p.40.

[21] SALES, Lilia Maia de Morais. Justiça e mediação de conflitos, p. 73.


Informações Sobre o Autor

Norma Jeane Fontenelle Marques

Advogada, pós-graduada em Direito do Trabalho e Mestre em Direito pela FADISP – Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo


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