Resumo: O objeto do devido estudo é analisar como influenciou a Religião Católica Apostólica Romana nos ordenamentos jurídicos do País, que, até mesmo Laico, propiciou ordenações de cunho religioso nas esferas jurídicas privadas, como é o caso do Direito de Família. Através de pesquisa bibliográfica, analisa os fatos históricos da laicização do Estado e as evidentes relações dos ordenamentos civis junto ao Código Canônico, bem como as Constituições Federais e seus avanços, ao longo do tempo, como instrumento jurídico importante para o direito fundamental à dignidade da pessoa humana. A normatização deste direito fundamental nas relações privadas, dadas na esfera familiar, cada vez mais plural e livre de interferências conservadoras. A Constituição Federal atual, ao abranger em ordem axiológica as diversas formas de organização familiar, coloca o indivíduo participante deste em conformidade com um Estado Laico, deixando de lado a central preocupação econômica, religiosa, política e jurisdicional, passando a prever a felicidade do ser humano. Este trabalho foi orientado pela Profª Simone Tassinari Cardoso.
Palavras-chave: Casamento. Laicização. Direito de Família. Constituição. Princípios. Dignidade da pessoa humana.
Abstract: The object of the study is to analyze because of how it has influenced the Catholic Religion Roman legal systems in the country, that even Layman, provided breaches of a religious nature in private legal spheres, as is the case of family law. Through literature review, examines the historical facts of the secularization of the state, and the obvious relations of orders by the civil Code of Canon Law and the Constitutions Federal and its progress, over time, as the legal instrument important for the fundamental right to human dignity. The standardization of this fundamental right in private affairs, given the sphere family, increasingly pluralistic and free from interference conservative. The Current Federal Constitution, in order to cover the various forms axiological family organization, puts the individual participant under this with a Secular State, leaving aside the central economic concern, religious, political and judicial systems so as to provide the happiness of human.
Keywords: Marriage. Secularism. Family Law. Constitution. Principles. Human dignity.
Sumário: 1. Casamento, religião e tutela juridica: historicidade, a influência do Código Canônico no Direito de Família Brasileiro e as heranças da indissolubilidade do vínculo matrimonial. 2. A proteção das famílias e superação da vinculação estrita com a religião: Constituição de 1988, tutela da Dignidade Humana e Princípios Gerais das Familias. Conclusão.Referências bibliográficas.
Introdução
O presente trabalho vem explicar, através de revisões bibliográficas, a evolução do Direito de Família desde o Brasil Império, onde a religião oficial era a Igreja Católica Apostólica Romana e suas influências até os dias atuais.
Além do mais, foi estudado o comparativo do Código Canônico com os Códigos Civis de 1916 e 2002, onde a ideologia era e ainda permanece centrada na Revolução burguesa Francesa, do Código Napoleônico, até chegarmos ao advento da Constituição Federal de 1988, com todas as suas prerrogativas de uma constituição voltada para a Dignidade da Pessoa Humana, tutelando os anseios de uma sociedade cada vez mais plural.
A pesquisa possui passagens históricas de um Brasil colonial, cujo Império introduziu as ordenações religiosas, trazidas da Europa de Portugal, que se rompia pela reforma protestante, fazendo com que a Igreja Católica apertasse mais sua rigidez nas suas orientações, principalmente nas relações de casamento e de família dadas pelo Concílio de Trento e das Constituições do Arcebispo da Bahia.
Detalhamos e mostramos de que maneira o Código Canônico interferiu na família, como meio privado de controlar as relações interpessoais, levando em conta um direito privado, sobrepondo-se muito mais ao direito individual.
Mesmo após a Proclamação da República, continuou o Império condizente com as ordenações Canônicas, permanecendo consigo um Estado com uma só religião. Somente em 1860, foi autorizado o casamento dos que não seguiam a religião oficial, dando aí esperança a um Estado Laico, isto é, sem uma religião oficial e com seus próprios ordenamentos. Somente em 1891, após a Constituição Federal, rompeu-se a então República com a religião oficial no início do século XX.
O Estado Laico surgiu, mas após muitos anos de heranças religiosas, não foi fácil desentrelaçar as concepções trazidas acerca da família, que, desde o Império, ditou a religião, inserindo culturalmente, tão forte, que hodiernamente, ainda, afetam nossas codificações.
Somente com a Constituição Federal de 1988 houve, principalmente no âmbito do Direito de família, um rompimento da dependência religiosa, introduzindo o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.
1. Casamento, religião e tutela jurídica: historicidade, a influência do código canônico no direito de família brasileiro e as heranças da indissolubilidade do vínculo matrimonial
No Brasil Império, colônia de Portugal a partir do ano de 1500, e, portanto, seguindo as leis daquela nação, o casamento dava-se somente pelo consentimento da Religião Católica, então religião oficial. Nessa época, em virtude da crescente revolta protestante na Europa, houve lá um forte aperto no Direito Canônico, publicado pelo Concílio de Trento. A ocasião determinava que o casamento era um sacramento indissolúvel, impondo a pena de excomunhão aos desertores[1].
Portugal seguiu em seu ordenamento o que ditara o Código Canônico, implantou em 12 de novembro de 1564 através de Decreto e, em 8 de abril de 1569, por lei. Tendo em vista tais conceitos do ordenamento lusitano, o casamento religioso incorporou-se ao Brasil desde seu descobrimento. O Catolicismo imputou severamente na colonização do Brasil, ditando regras ao ordenamento jurídico, controlando as instituições familiares através do Direito Canônico, sendo somente com este a possibilidade de casamento e, sobretudo sacramentando o mesmo, por meio da indissolubilidade[2].
Em um outro movimento datado em 1603, as chamadas Ordenações Filipinas, impostas durante a dominação espanhola, outorgada pela lei de 29 de janeiro de 1643, na qual Felipe II da Espanha ordenou corrigir, refazer e legislar todo ordenamento português, indo de encontro ao Direito Canônico. Mas o que era para ser algo inovador não passou de ideais retrógradas, revistas de uma outra ordem, das Ordenações Manuelinas, trazidas da Idade Média[3].
Seguindo profundamente o Código Canônico[4], mesmo após a Proclamação da República em 1822, permanecia a inércia absolutista de D. João VI e seu sucessor indo à contramão dos ideais franceses[5]. Nesse período, determinado pelo sucessor de Dom João VI, Imperador Dom Pedro I, que ordenava por Decreto, o cumprimento imediato sobre as normas matrimoniais a serem seguidas[6]. Tal benevolência recaída sobre o Imperador adveio com a decretação da lei de 20 de Outubro de 1823, por parte da assembléia constituinte, determinando, para o novo Império, que vigorassem Ordenações, Leis e Decretos promulgados pelos reis de Portugal até a formalização de uma legislação brasileira[7].
Sendo assim, a primeira grande Carta Constitucional, pós-independência, deflagrava o comprometimento acerca da burocracia patriarcal, patrimonial[8].
Dispunha o artigo 5° da Constituição Política do Império do Brasil de 25 de Março de 1824, abarcando o regime confessional no seu ordenamento jurídico, fincado no viés religioso Católico[9].
“Art. 5°. A Religião Catholica Apostolica Romana continuara a ser a religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas no seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo.”
Portanto, as Ordenações Filipinas vigoraram no Brasil até 1808, estas datadas em 1603. Os portugueses tinham em suas ordenações genes preponderantes do Direito Canônico, tendo nesta forma no que diz respeito ao direito das famílias, a admitir tal formação por meio do casamento, amparada exclusivamente pela Igreja Católica[10].
Tutelados pelos regulamentos das Constituições do Arcebispo da Bahia e também pelas regras do Concílio de Trento, em uma clara tentativa de regular ainda mais o casamento sob o olhar religioso, no ano de 1858, tem-se o primeiro projeto visando à consolidação das leis civis brasileiras por parte do jurisconsulto Augusto Teixeira de Freitas, nela advém as primeiras ideias do Direito Civil brasileiro[11]. Somente com a lei de 11 de Setembro de 1861, regulamentada pelo Decreto de 17 de Abril de 1863, permitiu-se a realização do casamento aos chamados não católicos[12].
O então projeto do Ministro da Justiça da época Diogo de Vasconcelos, no ano de 1860, transformou-se na lei número 1.144, de 11 de setembro de 1861, regulamentado pelo Decreto 3.069, de 17 de abril de 1863. O chamado casamento dos acatólicos era então instituído no Império[13].
Assim discorriam tais ordenações para o Registro Civil no Brasil[14], com relação ao casamento:
“Decreto 1.144 de 1861 diz: “Faz extensivo os effeitos civis do casamento, celebrados nas fórma das leis, aos das pessoas que professarem religião diferente a do Estado, e determina que sejão regulados ao registro e provas destes casamentos e dos nascimentos e obitos das ditas pessoas, bem como as condições necessárias para que os Pastores de religiões toleradas possão praticar actos que produzão effeitos civis”.
O Decreto 3069 de 1863 diz: “Regula o registro dos casamentos, nascimentos e óbitos das pessoas que professarem religião diferente a da do Estado”.
Pois, a partir de então, passam a vigorar no Brasil três formas de casamento[15], quais sejam:
a) O casamento católico, realizado segundo as orientações do Concílio de Trento e as normas instituídas pelo Arcebispo da Bahia;
b) O casamento misto, dado entre um católico, perfazendo as normas para um católico e um cristão dissidente;
c) E finalmente o casamento para os acatólicos, ou seja, para aqueles que não adotam a religião oficial do Estado.
Mas as fortes ligações do Império brasileiro com o formato jurídico civil do leste europeu, Espanha e Portugal, ornamentado no século XVII, através das Ordenações Filipinas, emperraram avanços renovadores, outros países, sobretudo na América do norte, não acolheram tão fortemente tais influências. Tendo como consequência direta nestes preceitos, da Ordem Filipina, encontramos ainda no Código Civil brasileiro de 1916, na já denominada República Federativa do Brasil[16].
As tentativas de Codificação Civil por parte do Império obtiveram insucesso[17]. Interessante ressaltar que entre os civilistas vislumbravam-se boas expectativas para uma evolução do Direito Civil Pátrio[18].
Primeiro com Teixeira de Freitas, em 1859, destinado pelo Governo do Império a solidificar as leis civis, em estado confuso, desde Portugal. Depois com Nabuco de Araújo, em 1872, e, por fim, com Felício dos Santos, em 1881. Segundo Paulo de Lacerda, quando o Código Civil de 1916 entra em vigor, a partir do primeiro dia do ano de 1917, não passava de um imbróglio[19].
Correlato de Paulo Lacerda:[20]
“(…) não passava de um aglomerado variável de leis, assentos, alvarás, resoluções e regulamentos, suprindo, reparando e sustentando as Ordenações do Reino, venerável monumento antiquado, puído pela ação de uma longa jurisprudência inculta e incerta, cujos sacerdotes lhe recitavam em torno os textos frios do Digesto, lidos ao lusco-fusco crepuscular da Lei da Boa Razão.”
Como se nota, as aspirações de um Código Civil nato inclinado há firmar estruturas consistentes em reconhecer igualmente o direito de cada indivíduo, não ultrapassou a meras expectativas[21]. Muito ao contrário, o Código Civil de 1916 seguiu a linha portuguesa, baseada em uma sociedade preocupada exclusivamente com o privado e seu relacionamento patrimonial com o individualismo, necessário assim para os anseios de uma liberdade econômica que não aceitava intervenção Estatal[22]. A República Federativa do Brasil nasceu em 1889 e, desde a proclamação da Independência, por D. Pedro I, não acometeu sobre uma regra Civil com fundamento[23].
Ainda assim, com o advento da República houve dois novos projetos para o desenvolvimento do Código Civil de 1916. A primeira com Coelho Rodrigues, em 1890, a segunda com Clóvis Beviláquia, em 1899. Após muitos embates, principalmente com Rui Barbosa, finalmente o texto civil foi sancionado[24]. O Código Civil estava pronto para atender aos interesses privados, garantindo igualdade formal na teoria; mas, na prática, o intuito era tutelar as relações de Direito Privado[25]. Assim narrado por Rodrigo Galia, acerca do Código privativo, referente a contratar e adquirir bens:[26]
“Daí o porquê de o Código Civil brasileiro de 1916 ter assegurado aos seus protagonistas – o contratante, o proprietário, o marido e o testador – a tutela de seus interesses, através da neutralidade do Estado, consagrando a ampla e irrestrita criatividade e liberdade para a realização dos fins pretendidos pelo indivíduo.
Embora se tivesse uma legislação laica, ainda sim estava longe de significar a efetiva separação entre Estado e religiosidade.
Nas Constituições anteriores no Brasil reflete-se ainda a concepção religiosa com influências nas relações jurídicas. Mesmo após o surgimento do Estado laico, as características de família ainda se moldavam aos princípios eclesiásticos, sob forte interferência da Igreja, sobretudo da Católica, nas questões políticas e sociais[27]. A seguir, ordenamentos constitucionais sobre o tema[28]:
“A) Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil de 1934.
Artigo. 144. A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a protecção especial do Estado.
B) Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil de 1937.
Artigo. 124. A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a protecção especial do Estado. Às famílias numerosas serão attribuidas compensações na proporção dos seus encargos.
C) Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil de 1946.
Artigo. 163. A família é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito à proteção especial do Estado.
D) Constituição da República Federativa do Brasil de 1967.
Artigo. 167. A família é constituída pelo casamento e terá à proteção dos Podêres Públicos.
Inciso. 1°. O casamento é indissolúvel.
E) Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988.”
Artigo. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
Verifica-se, portanto, até a Constituição Federal de 1988 uma unicidade na tutela familiar e, por conseqüência, um interesse no Estado na preservação do vínculo do casamento. Ou seja, o casamento indissolúvel era a única forma para constituir-se família juridicamente e havia total necessidade de ser protegido pelo Estado.
O Código Canônico não era propriamente um Direito Civil, mas suas normas eram regras de cunho obrigatório, sempre endossado pelo nome de Deus ou da nobreza. Determinou a família até o século XVIII e deixou seus conceitos para as futuras leis civis[29].
Convém explicitar que fora exclusivamente elaborada por cânones que impunham regras severas de convivência sobre os membros da família com pesadas sanções aos desafetos. Sobretudo no casamento, onde, conforme interpretação canônica, é indissolúvel, comandado pelo homem, chefe da família[30].
O casamento para o Código Canônico era a singular forma de constituição da família, sempre tutelada pelo varão[31]. Importante ressaltar que houve analogia entre Direito Canônico e o Direito Civil Pátrio, principalmente no Direito de Família com suas concepções normativas institucionalizadas[32]. Com isso dispõe o Código Canônico nos dias atuais, no Título VII, do Matrimônio[33]:
“Cânone. 1.055 § 1. O pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher constituem entre si o consórcio de toda vida, por sua índole natural ordenado ao bem dos cônjuges e a geração e educação da prole, entre batizados foi por Cristo Senhor elevado a dignidade de sacramento”.
Então o matrimônio para a Igreja Católica, necessariamente entre um homem e uma mulher, de caráter indissolúvel, sacramentado por Cristo Senhor[34], está relacionado às concepções jusnaturalistas, atreladas à palavra de Deus[35].
“Cânone. 1.134. Do matrimônio válido origina-se entre os cônjuges um vinculo que, por natureza, é perpétuo e exclusivo; além disso, no matrimônio cristão, os cônjuges são robustecidos e como que consagrados, com o sacramento especial, aos deveres da dignidade do seu estado.”
Temos a expressão “por natureza”, no Código Canônico, oriundo do direito natural desde a Idade Média, como um direito superior, onde este era explicado pela vontade de Deus, como lei escrita por ele[36].
No Código Canônico há as nulidades e os impedimentos, assim herdados pelo Direito Civil de 1916 e 2002[37]. Assim apresentado:
“Cânone. 1.083. O homem antes dos dezesseis anos completos e a mulher antes dos catorze também completos não podem contrair matrimônio válido.”
Interessante ressaltar a presença no Código Civil de 1916 da mesma disciplina normativa:
“Artigo. 183. Não podem casar:
Inciso XII. As mulheres menores de 16 (dezesseis) anos e os homens menores de 18 (dezoito);”
Havendo discordância, o Código Civil de 1916 privilegiava o varão. Vejamos:
“Artigo. 185. Para o casamento de menores de 21 (vinte e um) anos, sendo filhos legítimos, é mister o consentimento de ambos os pais.
Artigo. 186. Discordando eles entre si, prevalecerá a vontade paterna, ou sendo o casal separado, divorciado ou tiver sido o seu casamento anulado, a vontade do cônjuge, com quem estiverem os filhos.”
O Código Civil de 2002 assim discorre sobre a capacidade para o casamento:
“Artigo. 1.517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingir a maioridade civil.”
Temos também os preceitos da honestidade, da culpa e do concubinato, assim determinados:
“Cânone. 1.093. O impedimento de honestidade pública origina-se de matrimônio inválido, depois de instaurado a vida comum, ou de concubinato notório e comum, ou de concubinato notório ou público; e torna nulo o matrimônio no primeiro grau da linha reta entre o homem e as consanguíneas da mulher, e vice-versa.”
Da mesma forma o Código Civil de 1916 previa ação de desquite, após prévia verificação da culpa[38]:
“Artigo. 317. A ação de desquite só se pode fundar em algum dos seguintes motivos:
I – Adultério.
II – Tentativa de morte.
III – Sevícia, ou injúria grave.
IV – Abandono voluntário do lar conjugal, durante dois anos contínuos.”
O Código Civil de 2002 assim dispõe acerca da culpa:
“Artigo. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.”
Embora esta disciplina normativa esteja sendo rechaçada pela jurisprudência, é de causar espécie que uma regra neste sentido venha a ser aprovada em pelo século XXI. Segue decisão que exemplifica a não possibilidade de discussão de culpa por ruptura do enlace matrimonial, mesmo com a existência da legislação específica sobre o tema. [39]
“Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA CUMULADA COM ALIMENTOS, PARTILHA DE BENS E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. A ATRIBUIÇÃO DE CULPA PELA RUPTURA DA SOCIEDADE CONJUGAL A UM DOS CÔNJUGES NÃO ENSEJA O DIREITO DAQUELE QUE SE DIZ LESADO, NO CASO A APELANTE, A RECEBER QUALQUER TIPO DE INDENIZAÇÃO. ALIÁS, TANTO A DOUTRINA QUANTO A JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA ENFATIZAM SER DESNECESSÁRIA A INDICAÇÃO E A COMPROVAÇÃO DA CULPA DE UM DOS CÔNJUGES PARA APURAR-SE O INSUCESSO DA SOCIEDADE CONJUGAL. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL. ALIMENTOS ÀS FILHAS MENORES DE IDADE.(…). APELO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO.” (Apelação Cível Nº 70038836250, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto Carvalho Fraga, Julgado em 11/05/2011)
O desembargador Roberto Carvalho fraga ainda destaca em seu voto:
“Com efeito, embora exista previsão legal a respeito do tema aqui trazido para julgamento, na forma dos artigos 1.572 e 1.573, inciso IV, do Código Civil, atualmente a tendência da doutrina e da jurisprudência, notadamente pela orientação desta Corte de Justiça, nas ações de separação judicial, não cabe mais perquirir a culpa dos cônjuges pela dissolução do casamento.”
Com relação ao concubinato, sem grandes alterações das Ordenações Filipinas[40], assim dispunha o Código Civil de 1916:
“Artigo. 183. Não podem casar:
VI – As pessoas casadas.”
Interessante ressaltar que o Código Civil de 2002, ressuscita a figura do concubinato, assim descrevendo:
“Artigo. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.”
O Código Civil de 1916, com promessa de promulgação desde a Constituição Imperial de 1824, promulgado em janeiro de 1917, ainda com disposições das Ordenações Filipinas[41], tinha em seu escopo o privatismo familiar como preocupação central, sendo esta orientada de forma patriarcal[42]. No que tange a tal assunto, discorria o então Código Civil de 1916, em um dos seus artigos:
“Artigo. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal. Compete-lhe:
I – a representação legal da família;
II – a administração dos bens comuns e dos particulares da mulher, que ao marido competir administrar em virtude do regime matrimonial adotado, ou de pacto antenupcial (arts. 178 § 9°, I, c, 274, 289, I e 311);
III – o direito de fixar ou mudar o domicílio da família (arts. 46 e 233, n. IV);
IV – o direito de autorizar a profissão da mulher e a sua residência fora do teto conjugal (arts. 231, II, 242, VII, 243 a 245, II e 247, III)
V – prover a mantença da família, guardada a disposição do art. 277.”
A ratificação do Estado em manter o matrimônio indissolúvel, e consentir ao homem o poder familiar, era para mantença patrimonial. A mulher, com o casamento, tornava-se propriedade do homem, reduzindo sua capacidade jurídica, identificada somente pelo nome do varão[43].
O Estado laico surgiu com a Constituição Federal de 24 de fevereiro de 1891. Com o Decreto 119-A, de 17 de Janeiro de 1890, afirmou a ruptura entre Estado e Igreja sendo observada a tutela jurídica somente pelo ordenamento Civil[44]. Com a autoria de Ruy Barbosa, através do Decreto 181, promulgado em 24 de Janeiro de 1890, é reconhecido o casamento civil no Brasil. Dispunha de 125 artigos, discorrendo sobre as formas, impedimentos, oposições, posse de filhos, anulação e nulidade, casamento de natos com não natos, divórcio e disposições gerais dentre outros. Sendo esse a única forma legítima de constituição de família. Mas o decreto mantinha a indissolubilidade do vínculo conjugal, assim como o instituto da culpa, bem como pena criminal à mulher que mantiver, após o divórcio, o uso do nome do marido[45]. Assim escreve o Decreto:
“Art. 88. O divórcio não dissolve o vínculo conjugal, mas autoriza a separação indefinida dos corpos e faz cessar o regímen dos bens, como se o casamento fosse dissolvido.”
Ainda com relação aos filhos e os alimentos no caso de culpa da separação:
“Art. 90. A sentença do divórcio litigioso mandará entregar os filhos communs e menores ao cônjuge innocente e fixara a quota com que o culpado deverá concorrer para educação delles, assim como a contribuição do marido para sustentação da mulher, si esta for innocente e pobre.”
Ademais, a mulher era enquadrada no Código Criminal:
“Art. 92. Si a mulher condemnada na acção do divorcio continuar a usar o nome do marido, poderá ser accusada, por este como incursa nas penas dos arts. 301 e 302 do código criminal.”
Todavia, embora o casamento civil tivesse sido estabelecido como forma jurídica de constituição familiar, destaca-se a fortíssima influência do Código Canônico sobre a parte de família das legislações civis brasileiras.
Com o distanciamento entre Estado e religião, somente em 1934 a Constituição Federal reconheceu o casamento realizado no religioso com atribuições civis e elevou a família ao caráter constitucional em seu artigo 144.
Percebe-se, por esta disciplina normativa, que somente o casamento adquiriu “status” de família, pois somente esse, e ainda, indissolúvel na tutela jurídica.
A Constituição de 1934, no art. 144, parágrafo único descreve o então desquite e a anulação do casamento, atribuindo para a lei infraconstitucional determinar os casos[46]. Assim interpreta o artigo 144 da Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil de 1934.
“Art. 144. A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a protecção especial do Estado.
Paragrapho único. A lei civil determinará os casos de desquite e de casamento, havendo sempre recurso ex officio, com efeito suspensivo”.
Se outrora houve separação formal entre Igreja e Estado desde 1891, não se pode dizer o mesmo com relação à disciplina material, ainda fortemente influenciada pelas concepções eclesiais de família e matrimônio sagrado.
Embora a noção de família tenha tido uma elevação de proteção para o nível constitucional, a indissolubilidade do casamento bem como a interpretação do desquite no corpo constitucional impedia que o divórcio fosse incorporado pela legislação brasileira através de Emenda Constitucional[47].
Essa indissolubilidade do vínculo matrimonial acabava por trazer infindáveis consequências na esfera de titularidade jurídica dos envolvidos. Um exemplo disso é a filiação. Marginalizada pela tutela jurídica brasileira do século XX, essa com sentimentos do século passado, não mencionou direitos aos filhos oriundos das relações não oficias[48]. É o que menciona o Recurso Extraordinário de 1933[49]:
“Recurso Extraordinário n. 2.323
Casamento; indissolubilidade do vínculo matrimonial. – Filhos adulterinos; sua filiação. – Sendo indissolúvel, segundo o nosso direito, o vínculo matrimonial, são adulterinos os filhos de mulher desquitada, e como tal ficam desprovidos de acção contra o pae ou seus herdeiros para pleitear o reconhecimento da filiação.”
A essa época a família brasileira passava por transformações importantes. Exclusivamente monogâmica e numerosa, seus entes eram fontes de confecção de riqueza voltadas inteiramente para dentro de seu núcleo[50].
À época do Código de 1916, o Brasil caracterizava-se como um país em queda populacional no meio agrário, aumentando consideravelmente os grandes centros de forma desordenada[51].
Sendo assim, era natural o contínuo ranço patriarcal, do século XIX, no projeto civil e político, com ideário privatista, sobretudo na idealização da família[52].
Apesar da ruptura do teor econômico em 1888, as intenções da elite brasileira perduraram, embora o Código Civil de 1916 contivesse anseios importantes de outras nações, obtinha ainda, na família, o meio basilar para proteger suas aspirações de cunho econômico[53].
A transposição das questões familiares, assim como do campo para a indústria, não obtiveram facilidades nas mudanças de princípios. As raízes das instituições e dos meios sociais estavam alicerçadas num vínculo abstrato, mudando para elos afetivos, mas ainda optando por centralizar o núcleo doméstico[54].
“O Código Civil, em que pesem seus reconhecidos méritos de rigor metodológico, sistematização técnico-formal e avanços sobre a obsoleta legislação portuguesa anterior, era avesso às grandes inovações sociais que já se infiltravam na legislação dos países mais avançados do Ocidente, refletindo a mentalidade patriarcal, individualista e machista de uma sociedade agrária preconceituosa, presa aos interesses dos grandes fazendeiros de café, dos proprietários de terra e de uma gananciosa burguesia mercantil”.[55]
A crise do campo, por meio da cultura do café, faz deflagrar a chamada revolução industrial e uma progressiva necessidade de alterações na concepção legislativa da época[56].
A questão da indissolubilidade se manteve na Constituição Federal de 1937 e, em seu artigo 124, ratificou este princípio, mas abdicou na abordagem com relação ao desquite, permanecendo apenas no Código Civil.
Aconteceu o mesmo com a Constituição Federal de 1946 e com a Carta Magna elaborada em 1967, em seu artigo 167. Nem mesmo com a Emenda Constitucional 01/69 foi quebrado o princípio da indissolubilidade do vínculo, subtraindo mais uma vez o assunto desquite, que continuava no Código Civil de 1916[57].
O Princípio da Indissolubilidade, de caráter religioso, obteve fim juntamente com o desquite após o nascimento da Lei do Divórcio em 1977, através da Emenda Constitucional n° 09, de 28 de Junho de 1977[58].
A Lei do Divórcio atravessou grandes embates, até que se chegasse a um acordo o qual agradasse os divorcistas e não divorcista[59].
A grande questão era a possibilidade da ruptura total da sociedade conjugal, dada pela separação judicial, e, pela dissolução do vínculo conjugal, oportuna somente, após três anos da separação judicial ou cinco anos separação contínua[60].
A Lei 6.515, de 26 de Dezembro de 1977, assim escreve:
“Art. 1°. A separação judicial, a dissolução do casamento, ou a cessação de seus efeitos civis, de que trata a Emenda Constitucional n° 9, de 28 de Junho de 1977, ocorrerão nos casos e segundo a forma que esta Lei regula.
Art. 2°. A sociedade conjugal termina:
I – pela morte de um dos cônjuges;
II – pela nulidade ou anulação do casamento;
III – pela separação judicial;
IV – pelo divórcio.
Parágrafo único: O casamento válido somente se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio.”
No capítulo II, a Lei abre espaço para o divórcio:
“Art. 24. O divórcio põe termo ao casamento e aos efeitos civis do matrimônio religioso;
Art. 25. A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges, existente há mais de três anos, contada da data da decisão ou da quem concedeu a medida cautelar correspondente (art.8°), será decretada por sentença, da qual não constará referência à causa em que a determinou.”
Todavia, deveria haver cumprimento de requisitos especiais para o divórcio direto:
“Art. 40. No caso de separação de fato, com início anterior a 28 de Junho de 1977, e desde que completados 5 (cinco) anos, poderá ser promovida a ação de divórcio, na qual se deverão provar o decurso do tempo da separação e da sua causa.”
Sendo estes ordenamentos, do lapso temporal, sobreviventes com o advento da Constituição Federal de 1988. Em seu artigo 226, menciona:
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
Parágrafo 6°. O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”.
A constitucionalização da família trouxe importante significado para a Dignidade da Pessoa Humana como alicerce importante para um Estado Democrático de Direito. Possibilitou o legislador constituinte uma nova hermenêutica jurídica. Após a Constituição Federal de 1988, a hierarquia jurídica elevou a carta magna ao máximo, até então contrária na hierarquia executiva, tendo esta apenas caráter ilustrativo ao longo da história[61].
2. A proteção das famílias e superação da vinculação estrita com a religião: Constituição de 1988, tutela da dignidade humana e princípios gerais das famílias
A Constituição Federal de 1988 é o mais importante texto do Sistema Jurídico brasileiro, pois institui direitos fundamentais e garantias para eles. Tratado de forma responsável pelo legislador constituinte, que pela primeira vez tutelou o tema sob a ótica constitucional, servindo como o mais completo guia do ordenamento jurídico nacional, rompendo o silêncio das Constituições pretéritas[62].
Além do mais, não suportaria o Estado brasileiro as aflições de uma sociedade, a qual pleiteava uma nova visualização, com a devida valorização da pessoa humana. A passagem do Estado Liberal para o Estado Social amparou as garantias inerentes ao Estado Democrático de Direito, endossando igualdade mútua[63].
A Carta Magna de 1988 é construída em caráter dimensional para atender anseios sociais, denominada, portanto, de Constituição social, tendo seus embates de serem resolvidos sob a luz do Estado Social. De nada valeria chamar de social sem a devida intervenção estatal, pautada sobretudo na garantia de valores individuais[64].
Neste contexto Constitucional de valores individuais, com a proteção Estatal, perde o Código Civil a tarefa de intervir no Direito Privado, estabelecendo a Constituição e seus princípios novas orientações acerca do Direito Privado, dentre elas a função social da propriedade e a formatação familiar[65].
Os Direitos Fundamentais, com foco principal na Dignidade da Pessoa Humana, são as principais mudanças do Direito de Família. Os princípios, tutelados pela Constituição Federal de 1988, trazem uma reflexão sobre a formação familiar calcada na afetividade e felicidade, como bem material mais importante[66].
Não poderia ser diferente a Carta Constitucional de 1988 se não voltada para o indivíduo, no seu âmbito social. O Direito Constitucional clássico, ícone dos tempos passados pelo seu teor político de liberdade, hoje, não passa de um ordenamento ultrapassado, sem referências para as necessidades sociais atinentes[67].
A Principal transformação ocorrida na Constituição Federal de 1988 está no caput do artigo 226, onde ocorreu a mais profunda modificação na esfera do Direito familiar. Nela, subtraiu todo o tipo de preconceito aos diversos tipos familiares, protegendo a família, qualquer que seja, e seus integrantes. Embora cite como se dá a composição familiar, união estável, casamento e família monoparental, deixa a Carta Maior lacuna para interpretação além das situações fáticas, permitindo análises para direitos subjetivos eventuais[68]. Sendo assim, vários autores discorrem a favor de tal ideia, dentre eles Madaleno, que escreve:
“De acordo com o artigo 226 da Constituição Federal, a família é a base da sociedade e por isto tem especial proteção do Estado. A convivência humana está estruturada a partir de cada uma das diversas células familiares que compõem a comunidade social e política do Estado, que assim se encarrega de amparar e aprimorar a família, como forma de fortalecer a sua própria instituição política.”[69]
O artigo 226 da Constituição Federal é compreendido pela jurisprudência que interpreta tal artigo em sentido amplo, buscando a proteção familiar como um bem maior, abarcando tutela para as múltiplas formatações familiares. Assim diz a jurisprudência[70]:
“REsp 889852/RS. Recurso Especial: 2006/0209137-4. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Superior Tribunal de Justiça.
DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ADOÇÃO DE MENORES POR CASAL HOMOSSEXUAL. SITUAÇÃO JÁ CONSOLIDADA. ESTABILIDADE DA FAMÍLIA. PRESENÇA DE FORTES VÍNCULOS AFETIVOS ENTRE OS MENORES E A REQUERENTE. IMPRESCINDIBILIDADE DA PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS MENORES. RELATÓRIO DA ASSISTENTE SOCIAL FAVORÁVEL AO PEDIDO. REAIS VANTAGENS PARA OS ADOTANDOS. ARTIGOS 1° DA LEI 12.010/09 E 43 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DEFERIMENTO DA MEDIDA. “
Com isso, há uma hermenêutica dos tribunais brasileiros para tutelar outras realidades de organização familiar, indo ainda mais distante do que averba a literalidade do artigo 226 da Constituição Federal de 1988[71]. Para Paulo Lôbo, trata-se de não admitir exclusões. “O caput do art. 226 é, consequentemente, cláusula geral de inclusão, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensividade”[72].
Sobre isso, tivemos, no Brasil o recente julgamento da ADPF 4722, pelo Supremo Tribunal Federal, onde foi reconhecida a exemplificatividade do rol do art. 226 da Constituição Federal e a necessidade de uma leitura constitucional do art. 1723 do Código Civil para gerar efeitos familiares às pessoas do mesmo sexo.[73]
O compromisso do Estado Democrático de Direito é orientar a sociedade quanto a sua forma, assim como nortear juridicamente as relações entre as pessoas. Necessita manter um equilíbrio entre a liberdade dos indivíduos e ratificar o direito à vida, como bem maior, para sua dignidade. Para que as tutelas jurídicas sejam eficazes, é necessário que haja penas, como forma de estabelecer regras de comportamento. Temos, assim, as chamadas normas jurídicas, que com a Constituição Federal de 1988, intitulada como a constituição social, atualizando as leis, dando dimensões a um Princípio Fundamental, consagrado na Carta Maior: o da dignidade da pessoa humana[74].
A pessoa usufruindo a sua dignidade significa alargar um novo conceito para o direito de família. O que se leva em conta nas relações familiares é sua realidade, paridade, seu entendimento através do diálogo, afetividade dada pelo amor e sinceridade, compaixão visualizada pela compreensão[75].
Expurgou, assim, a hipocrisia, ratificada pelo Código Civil de 1916, e que quase nada evoluiu com o Código Civil que entrou em vigor em 2002. Aliás, este projeto, que começou a ser elaborado em 1975 (e sancionado só em 2002), entrou já defasado para atender às reivindicações sociais[76].
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, além de valorizar os aspectos autênticos nas relações familiares, cuida também dos interesses de seus participantes, dentre elas crianças e adolescentes – justamente onde está a parte mais frágil destas interações[77].
O tratamento que a Constituição deu ao Direito de Família proporcionou altíssimas mudanças no conceito civil, de tal maneira que passou a preponderar a Constituição, como lei maior, frente ao Código Civil de 1916, que tratava o matrimônio com horizontes patrimoniais em suas relações, desfazendo-se da pessoa humana em prol dos interesses das relações privadas[78].
A igualdade nas relações familiares, estabelecida na lei maior, é um dos princípios de dignidade da pessoa humana. Dá-se a partir do momento em que a Constituição Federal traz a proteção da família de maneira ampla, não importando de como esta se originou. Tanto faz se a união estável é heterossexual ou homoafetiva, casamento, filho e mãe, pai e filho, pais do mesmo sexo ou se este é natural ou adotivo. A equivalência entre os membros na chefia da família aniquilou a hipócrita na qual o homem exercia a chefia conjugal, consagrando a mulher como mera expectadora do domicílio[79]. Orlando Gomes fala sobre a questão, em uma nova ordem familiar:
“As relações entre pessoas disciplinam-se por disposições legais que levam em conta o significado social do grupo que formam. A família moderna não tem mais como unidade, significação política ou econômica. Seu caráter político desapareceu com o princípio da igualdade civil e política, de sorte que, atualmente, ninguém tem situação jurídica particular pelo fato de pertencer a uma família.”[80]
Em concordância com essa propensão, a Constituição Federal de 1988 dá ênfase ao círculo entre as posições públicas e privadas, no efeito social, uma tutela jurídica que foi batizada de Carta Magna Civil, constitucionalizando a ordem civil e dando novas interpretações nas relações familiares. Interagindo as duas esferas, tanto a pública quanto a privada, percebendo e destacando as particularidades de cada família, abarcando suas necessidades, acerca de um Estado que pretende assegurar direitos fundamentais[81].
Em relação entre o público e o privado na Constituição Federal de 1988, Netto Lôbo descreve:
“Ao contrário da longa tradição ocidental e das constituições brasileiras anteriores, de proteção preferencial à família, como base do próprio Estado e da organização política, social, religiosa e econômica, a Constituição de 1988 mudou o foco para as pessoas humanas que integram, razão por que comparece como sujeito de deveres mais de que direitos.”[82]
É de total importância, para uma efetiva chancela da dignidade da pessoa humana, sem preconceitos ou distinções, reconhecer as múltiplas formas de organização familiar, mesmo não claramente expressas na Constituição Federal[83].
Na dimensão do tema, Paulo Lobo relata:
“Não é a família per se que é constitucionalmente protegida, mas o locus indispensável de realização e desenvolvimento da pessoa humana. Sob o ponto de vista do melhor interesse da pessoa, não podem ser protegidas algumas entidades familiares e desprotegidas outras, pois a exclusão refletiria nas pessoas que as integram por opção ou por circunstâncias da vida, comprometendo a realização do princípio da dignidade da pessoa humana”.[84]
Contudo, fica evidente que a redação constitucional veio enraizar sua hermenêutica nos princípios da liberdade e igualdade, desnuda de qualquer conceito discriminatório, tendo seu caráter principal, a dignidade da pessoa humana, observada no artigo 1°, III, dado pela República Federativa do Brasil, como um princípio fundamental e inviolável[85].
O Direito de Família, com sua missão singular de tratar as relações de afeto entre as pessoas, necessita constantemente de modificações. Em um Mundo onde a sociedade e suas inter-relações evoluem e se modifica a cada momento, fator da globalização, que abriu novos conceitos às velhas tradições e princípios. Nos dias atuais, o fenômeno da Dignidade da Pessoa Humana é um assunto calcado como bem maior na vida do ser humano levam-se em conta seus sentimentos e sua alma[86].
A família possui essências de fenômenos naturais e culturais. Em detrimento disto há um enorme envolvimento social e, por consequência, nas relações pessoais. Para tanto há denominações legais, instituídas pela lei como ato organizacional. A família é fonte de Direito privado, no entanto, através da sua publicização, não se priva da tutela do Direito público, uma vez que essa se depara com situações de conflito, ou seja, um fato social na qual cabe ao ente público intervir e organizar as relações na esteira do Direito de Família[87].
O Direito de Família, sobretudo, se diferencia das demais fontes do Direito. É um Direito indispensável por sua característica social e ética. Suas modificações implicam transpassar valores morais de cunho ideológico, é menos técnico do que outros ramos do Direito. Historicamente, o Direito de Família traz consigo fatos e culturas religiosas, que determinam sobremaneira como o sistema será constituído[88].
Neste viés, possui esta parte do Direito Civil herança nas relações jurídicas visando ao patrimônio, determinado pelo liberalismo do século XIX, dado principalmente pela burguesia na Revolução Francesa, passando pelo Código Napoleônico e Código Civil da Alemanha, ícones legislativos, donde a política de economia era garantir, em primeiro lugar, os bens materiais da família, para depois visualizar as questões individuais dessa[89].
O Direito Romano influenciou o Direito de Família no conceito “pater”, regido e organizado sobre o princípio da autoridade, do chefe da família, que igual denominava-se chefe político, sacerdote, juiz e realizador da justiça. Obtinha domínio total perante os membros da família, assim como seu patrimônio[90].
A concepção religiosa na família forneceu poder ao Império Romano, que, de forma organizada, cunhou severas formas de comportamento em nome Divino. Instituía-se então, no século IV, pelo Imperador Constantino o conceito cristão da família, no Direito Romano. Autocrático, conservou, sobretudo, a hierarquia parental. A respeito, Caio Mario cita a função da mulher dentro do matrimônio[91]:
“A mulher vivia in loco filiae, totalmente subordinada à autoridade marital (in manu mariti), nunca adquirindo autonomia, pois que passava da condição de filha à de esposa, sem alteração na sua capacidade; era atingida por capitis deminutio perpetua que se justificava propter sexus infirmitatem et ignorantiam rerum forensium. Podia ser repudiada por ato unilateral do marido.”
Ademais, numa fase pós-romana, recebeu a família interferência do Direito germânico, de ideais cristãos, diminuindo o núcleo familiar entre pais e filhos, dando caráter sacramental e indissolúvel[92].
A laicização do Estado, no século XIX, vem através de fortes embates católicos a uma ideologia acatólica, principalmente fundamentada na filosofia e na política da época. Fato ocorrido de forma mais contundente na França, onde se desenvolveu rapidamente um modelo aconfessional de Estado havendo um alargamento entre o poder político estatal e a Igreja Católica. A questão levantada era o laicismo, sem interferências de ambas as partes, obtendo um caráter de neutralidade mútua. Não há extinção religiosa, mas sim inexistência de uma religião oficial e suas gerências estatais[93]. Para Aloísio Cristovam, há um momento de ruptura na história:
“Com o tempo, passa-se da distinção à oposição nos séculos XIV/XV que tende a elevar o laico ao nível do clero, querendo controlar diretamente ao clero no espiritual a partir de dentro da igreja. E mais adiante se chega a um momento em que o poder temporal, em oposição à Igreja, reivindica para si todas as atribuições que esta exerce na vida social. Avança assim até negar toda intervenção não só das igrejas mas também da religião na vida social, dando nascimento ao laicismo do século XIX. Com ele, laico assume o significado de abertamente anticatólico e inclusive anti-religioso.
Mas no século XX se inicia uma revisão a fundo do conceito e significado do laico no interior da Igreja, através da “Teologia do laicado” e do “Sacerdócio real dos fiéis”, ao estudar-se em profundidade o constitutivo interno da Igreja. Ao mesmo tempo se investiga a posição e ação do laico no político ante a Igreja. Será “a atualidade” do tema “laicidade” do Estado que mais ou menos “afirma sua vontade de rechaçar toda colaboração com o clero e de manter-se separado de toda a confissão religiosa”, mas que já não é luta anti-religiosa, mas de revisão do constitutivo externo da igreja”.[94]
No Brasil, em um período monárquico onde a religião oficial era a Católica Apostólica Romana houve reivindicações acerca de um Estado liberto das conotações religiosas. Tal descontentamento percebia-se nos manifestos do advogado, jornalista e político alagoano Tavares Bastos, pioneiro em 1866 ao escrever os verdadeiros motivos da separação entre Estado e Igreja. Destacava então:
“A separação completa da Igreja do Estado, a independência absoluta do poder religioso, na economia, governo e direcção dos cultos, é o único meio de tornar satisfatórias as relações dos poderes civis e eclesiásticos.”
Já em 1876, outro renomado jurista baiano passou a escrever sobre a desvinculação do Estado e Religião oficial. Rui Barbosa defendia uma tese, na qual havia uma sociedade entre o Estado monarca e Igreja Católica para estes usufruírem privilégios e subsídios da esfera pública[95].
Tendo em vista a linha republicana de que fazia parte Rui Barbosa, em 7 de Janeiro de 1890, logo após a Proclamação da República dada em 15 de Novembro de 1889, dada pelo Decreto número 119-A, do governo provisório comandado pelo marechal Deodoro da Fonseca, extinguindo o chamado padroado. Terminava então a intervenção federal e estadual no questionamento religioso, tendo esta total liberdade de culto independentemente de crença[96].
Tal prerrogativa foi mantida em todas as Constituições. Ratificando um Estado sem religião oficial, respeitando a liberdade individual. Assim determinavam as Constituições Federais brasileiras sobre a liberdade religiosa[97]:
“A) Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891.
B) Art. 11. É vedado aos Estados, como a União:
2°) estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos.
C) Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1934.
Art. 17. É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
Inciso. II- estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos;
Inciso. III- ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto, ou igreja sem prejuízo da colaboração recíproca em prol do interesse coletivo.
E) Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1946.
Art. 31. À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado
Inciso. II – estabelecer ou subvencionar cultos religiosos, ou embaraçar-lhes o exercício;
Inciso. III – ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto ou igreja, sem prejuízo da colaboração recíproca em prol do interêsse coletivo.
F) Constituição Federal do Brasil, datada de 1967.
Inciso. II – estabelecer cultos religiosos ou igrejas; subvencioná-los; embaraçar-lhes o exercício; ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada a colaboração de interesse público, notadamente nos setores educacional, assistencial e hospitalar.”
Importantíssimo ressaltar que a aconfessionalidade estatal impetrada nas Constituições brasileiras republicanas, dada desde 1891 até a Carta Magna atual de 5 de outubro de 1988, teve significativas alterações nos modelos de separação religiosa com relação ao Estado. Aqui no Brasil propriamente dito, em relação ao tratamento laico estatal no certame constitucional há um retrocesso, vista a tendência no continente Europeu em aproximar-se cada vez mais, no sentido do não envolvimento em relação às organizações religiosas[98].
Fato interessante sobre as Constituições da República é o de que a Constituição Federal de 1988 é sem dúvida benevolente sobre os assuntos de ordem religiosa. Nem mesmo à primeira Constituição da República de 1891, importa tão importância sobre a questão. Assim podemos comparar as duas Constituições, sobre a interferência religiosa[99]:
A Constituição Federal de 1891 não aludia em momento algum ao nome de Deus, já a Constituição Federal de 1988: invoca a proteção de Deus no seu Preâmbulo.
Em 1891 a Constituição Federal determinava a perda dos direitos políticos dos que alegassem motivo de crença religiosa com o fim de isentarem-se de qualquer ônus que as leis da República impusessem aos cidadãos (art. 72, § 29.), sem admitir a “escusa de consciência”.
A Constituição Federal de 1988: admite a “escusa de consciência” ao brasileiro que recuse, por motivos de crença, a cumprir obrigação a todos imposta (art. 5°, VIII), somente estabelecendo a perda dos direitos políticos aos que não aceitam cumprir obrigação alternativa.
A Constituição Federal de 1891 rejeitava peremptoriamente quaisquer relações de dependência ou aliança entre o Estado e as organizações religiosas (art. 72, § 7°), não prevendo a “colaboração de interesses públicos”. Todavia, a Constituição Federal de 1988, no próprio preceito que estabelece o princípio da separação entre Igreja e Estado (art. 19, I), admite, como exceção ao princípio, a “colaboração de interesse público”.
Em 1891 se previa que seria leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos (art. 72, § 6°), não abrindo exceção para ensino religioso.
Mas, a Constituição Federal de 1988: dispõe que o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental (art. 210, § 1°).
A Constituição Federal de 1891: não previa nenhuma espécie de imunidade tributária em favor das organizações religiosas.
Enquanto isso, a Constituição Federal de 1988 estabelece imunidade tributária quanto aos impostos incidentes sobre os templos religiosos.
Por mais interessante que pareça, Constituição Federal de 1891 somente reconhecia o casamento civil (art. 72, § 4°), como casamento capaz de causar vínculo jurídico e Constituição Federal de 1988 atribui ao casamento religioso o efeito civil (art. 226, § 2°).
Cumpre ressaltar que a influência religiosa na ordem social está sob a justificativa, tanto para o Estado quanto para a Igreja, na conservação de conduta moral sobre as pessoas, a fim de determinar relações padronizadas através da cultura[100] e não do ponto de vista sentimental destas, como indivíduo social e suas modificações permanentes[101]. Sendo assim, foram estabelecidos conceitos de relacionamentos por estes entes, passando a serem denominados como família[102].
Para tanto, Santos Junior ressalta o modelo laico de Estado e sua influência junto à religião hodiernamente:
“Cumpre realçar, neste instante, que a compreensão de que o modelo de aconfessionalidade adotada atualmente pelo Estado brasileiro é do tipo tendente ao favorecimento da expressão religiosa é muito importante quando da interpretação dos preceitos legais do nosso ordenamento jurídico que se inserem na temática da liberdade de organização religiosa. Isso porque evita que o intérprete do direito incorra no equívoco de, na aplicação do nosso direito, recorrer à proposta hermenêutica importadas de países que adotam um modelo que pretende confinar a religião ao foro íntimo dos indivíduos, ante sua flagrante incompatibilidade com o ordenamento constitucional brasileiro”.[103]
Os laços afetivos, Princípio Fundamental no Direito de Família, têm a interferência religiosa nos rumos estatais legislativas no direito de família. Esta base da sociedade, conforme artigo 226 da Constituição Federal de 1988, que diz: “… tem proteção do Estado”, pois se trata de uma organização de relações privadas, mas que precisa de gerenciamento público para dirimir conflitos sociais. O Direito de Família, ao tratar da vida privada, está à mercê de várias revisões. É um Direito que visa à esperança da concretização afetiva do indivíduo[104].
Apesar de ranços culturais na legislação, principalmente no Código Civil de 2002, a Constituição Federal consegue produzir transformações fortes nas vidas dos indivíduos e da sociedade. Abrange inúmeras modificações nas questões de garantias em que um verdadeiro Estado Democrático de Direito necessita estabelecer. Traz como impreterível o Direito Fundamental à Dignidade da Pessoa Humana, alicerçando este Princípio no Direito à Igualdade e na Liberdade. Assim, tem-se a abertura nas mais diversas formas de relações familiares, como uma nova era de convívio social[105].
Com base nestes preceitos Fundamentais temos o julgamento da ADI 4277 e ADPF 132 julgados no STF em 05.05.2011[106]:
“O GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, com fundamento no art. 102, § 1°, da Constituição Federal e art. 1° e segs. da Lei 9.882, de 03.12.99, vem apresentar ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL, indicando como preceitos fundamentais violados, o direito a igualdade (art. 5°, caput); o direito à liberdade, do qual decorre a autonomia da vontade (art. 5°, II); o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1°, IV); e o princípio da segurança jurídica (art. 5°, caput), todos contidos na Constituição da República;”
Supremo reconhece a união homoafetiva[107]:
“Os Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a união estável para pessoas do mesmo sexo… O Ministro Ayres Britto argumentou que o artigo 3°, inciso IV, da CF veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, neste sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual.”
Com a Constituição Federal de 1988 há um ponto de partida no qual temos a possibilidade de explicar um conceito de família em constante mutação, tendo como célula central o indivíduo inserido na sociedade, uma espécie de garantia dos preceitos legais, como segurança jurídica e Dignidade da Pessoa Humana, que jamais poderá ser alterada para uma efetiva e honrosa forma de convivência social[108].
Ainda sobre os julgamentos, assevera o Ministro Marco Aurélio em seu voto sobre os Direitos Fundamentais e as transformações de conceito familiar[109]:
“O pedido formulado pelo requerente é de aplicação do regime jurídico previsto no artigo 1.723 do Código Civil às uniões entre pessoas do mesmo sexo com a intenção de instituir família… O requerente articula com a violação aos princípios e às regras constitucionais atinentes à liberdade, igualdade, dignidade e segurança jurídica. Defende ser obrigação constitucional do poder público a aplicação análoga do regime da união estável às uniões homoafetivas… O Direito, por ser fruto da cultura humana, não pode buscar a pureza das ciências naturais… Por outro lado, o Direito submetido à moral prestou serviços à perseguição e à injustiça, como demonstram episódios da Idade Média, quando uma religião específica capturou o discurso jurídico para se manter hegemônica… é incorreta a prevalência, em todas as esferas, de razões morais ou religiosas… As garantias de liberdade religiosa e do Estado Laico impedem que concepções morais religiosas guiem o tratamento estatal dispensado a direitos fundamentais, tais como o direito à dignidade da pessoa humana, o direito à autodeterminação, o direito à privacidade e o direito à liberdade de orientação sexual… O princípio da dignidade da pessoa humana ostenta a qualidade de fundamento maior da República… Com base nesses fundamentos, concluo que é obrigação constitucional do Estado reconhecer a condição familiar e atribuir efeitos jurídicos às uniões homoafetivas.”
No tocante à existente necessidade de novos princípios de Direito de Família, a Constituição Federal vigente, através da hermenêutica aplicada ao artigo 226, percebeu a importância da tutelar juridicamente as entidades familiares antes marginalizadas à luz do Direito. Ao dedicar a igualdade entre todos, dá, no âmbito familiar, oportunidade para efetivar tais transformações[110].
Há uma nova era, com uma diferente visão de cidadania, levando à extinção das discriminações, universalizando o Direito[111].
Conclusão
A presente pesquisa teve como propósito estudar o surgimento da família no Brasil ao longo do tempo e sua evolução com a problemática nos ordenamentos civis, dadas pela influência religiosa no tema do Direito de Família, relacionando a religiosidade e suas contribuições para um Estado, que há bem pouco tempo atrás detinha como norteadora a Igreja Católica Apostólica Romana.
Este trabalho orientou-se no intuito de relatar como desenvolveu-se tal interligação entre estes dois entes, acarretando sobremaneira na afetividade da sociedade familiar, onde os interesses privados estavam em primeiro plano, degradando os desejos particulares em prol de um Estado individualista.
A fim de penetrar no estudo de um direito essencial, a Dignidade da Pessoa Humana estabelece-se como princípio fundamental estabelecido pela Constituição Federal de 1988, no sentido de um Direito de Família, no qual seus membros possuem total liberdade de constituir ou desconstituir e formatar, como convém, para alcançar a realização enquanto ser humano.
Importante ressaltar os momentos que o Direito de Família atravessou em diversos cenários religiosos e políticos até os dias atuais, sendo que hoje está sob a tutela de um Estado Democrático de Direito.
Em virtude da vida moderna em que se estabeleceu à relação familiar nas sociedades, a atual Constituição Federal, norteada pelo princípio humano, se apresenta como uma importantíssima caminhada na efetivação dos direitos fundamentais inerentes ao ser humano. Em prol disso, o intérprete jurídico poderá utilizar esse instrumento para um eficaz Estado, livre de preconceito, buscando as indagações sociais e, sobretudo, pelo desejo em atender uma sociedade cada vez mais plural e democrática que anseia respostas por parte de um Estado Laico.
Informações Sobre o Autor
Mauricio Chaves Machado
Estudante de Direito