Resumo: O presente estudo tem como escopo conceituar o instituto da união estável, sua evolução ao longo dos tempos, bem como enfatizar as suas principais características e seus efeitos jurídicos no Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: união; família; sociedade; afeto.
Sumário: Introdução. 1- Requisitos básicos da união estável. 2- Casamento X União Estável. 3 – Das relações patrimoniais. 4 – Bibliografia.
Introdução
Antes do advento da Constituição Federal de 1988, somente as uniões advindas do casamento eram legalmente reconhecidas, sendo as demais consideradas mero concubinato.
A Constituição Federal de 1988 ao ser promulgada ampliou o conceito de família ao estabelecer no § 3º do art. 226 que a união estável entre o homem e a mulher era tida como entidade familiar, com direitos e deveres equiparados aos advindos do casamento.
Isso foi um estopim no mundo jurídico para que muitos civilistas mais conservadores criticassem o reconhecimento da união estável como entidade familiar e a equiparação dos direitos e deveres desta relação ao casamento.
Destaca-se a respeito do assunto a opinião do ilustre WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, a saber:
"De concessão em concessão, chegar-se-á ao aniquilamento da família legítima; nada mais a separará da ilegítima. De se lembrar aqui a prudente advertência de Plínio Barreto: há uma luta contínua entre as duas instituições, a legal e a ilegal, ensaiando esta (o concubinato) os mais variados meios de ação para reduzir o domínio daquela (o matrimônio). Ora, quanto mais o concubinato puxa a coberta para si, mais desnudado fica o matrimônio."[1]
Destarte, com a evolução da sociedade, e, principalmente, pela necessidade de se adequar às leis no tempo, foi promulgada a Lei 8.471/94 que regula o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão.[2]
Sua promulgação foi feita debaixo de um cenário severo de críticas, pois além de não definir o instituto da união estável, a lei só contemplava os companheiros que estivessem convivendo por um período superior a cinco anos, ou caso sobreviesse à existência de prole comum, o que feria frontalmente os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana.
Somente mais tarde, a Lei 9.278/96 veio a regulamentar o § 3º do art. 226 da Constituição Federal, reconhecendo a união estável como entidade familiar de uma convivência duradoura, pública e contínua entre um homem e uma mulher, o que veio a definir que nem todo relacionamento poderia ser caracterizado como união estável, a exemplo do que ocorre no concubinato e no mero namoro.[3]
Nos mesmos moldes da nossa Constituição Federal, o Código Civil de 2002 dispôs no art. 1.723 que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.[4]
Assim estaria sepultado definitivamente o prazo de 5 (cinco) anos estabelecido pela Lei 8.471/94 como condição a estabelecer o instituto da união estável no Brasil.
É imperioso destacar ainda, que em todos os casos o legislador não acenou com qualquer possibilidade de reconhecer a união estável homoafetiva como entidade familiar, tendo em vista que esta convivência pública e duradoura não estaria adstrita a relação de pessoas do mesmo sexo.
1- Requisitos básicos da união estável
Mediante a isto, para que a união estável se constitua faz-se necessário a presença de alguns requisitos básicos, quais sejam: coabitação, durabilidade, continuidade, publicidade da relação e o objetivo de constituição familiar.
Sob análise da coabitação, ressalta-se que é possível que o companheiro ou a companheira residam em domicílios diferentes em virtude do exercício da profissão, sem que isso importe na violação a este dever.
Ademais, a Lei 9.278/96 ao instituir a união estável como uma convivência duradoura, pública, contínua e com o objetivo de constituição familiar, pôs fim definitivamente a exigência do prazo de 5 (cinco) anos de convivência para caracterização da união estável antes estabelecida pela Lei 8.471/94.
Ora, se o legislador não dispusesse a respeito do assunto, qualquer relação entre um homem e uma mulher poderia ser encarada como união estável, incluindo o mero namoro.
É de suma relevância destacar que, para que haja união estável não basta apenas a existência de relações sexuais freqüentes, é preciso dentre os requisitos necessários, a presença do animus de constituir família.
Relações duradouras, públicas e contínuas sem o objetivo de constituição familiar não podem ser encaradas como união estável e não geram qualquer efeito jurídico, como o que ocorre no namoro.
Em abono a esta tese, o Colendo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entendeu que o namoro entre um homem e uma mulher não pode ser reconhecido como união estável, segue, in verbis:
“AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. REQUISITOS. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. Para a caracterização da união estável é imprescindível a existência de convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com objetivo de constituir família. O relacionamento que ostenta apenas contornos de um namoro, ainda que duradouro, sem atender aos requisitos do art. 1.725 do CC, não caracteriza união estável. Apelação Cível desprovida, de plano.” (Apelação Cível Nº 70040515124, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em.30/06/2011..
Ainda discorrendo sobre a constituição da união estável, é crível destacar que qualquer relação em que haja impedimento ao casamento, conforme disposto no art. 1.521 do Código Civil, não será tida como união estável e sim como concubinato, salvo apenas ao que dispõe sobre as pessoas separadas de fato há mais de dois anos e as separadas judicialmente.
2 – Casamento X União Estável
Para distinguir o casamento da união estável, faz-se necessário compreender que o casamento pode inicialmente ser definido como um negócio jurídico bilateral, que regula direitos e deveres oriundos da união de vontades de um homem e de uma mulher.
Segundo SILVIO RODRIGUES, o casamento é “o contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência”[5]
A jurista MARIA HELENA DINIZ entende que "o casamento é o vínculo jurídico entre homem e mulher que visa ao auxílio mútuo, material e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a constituição de uma família legítima.”[6]
Embora haja diversos conceitos acerca do casamento, deve-se enfatizar que a sua principal diferença com a união estável reside na solenidade do ato, ou seja, o casamento requer para sua celebração a habilitação ao casamento, enquanto que a união estável se perfaz sem qualquer formalidade legal, tratando-se, portanto, de ato puro.
Contudo, embora os institutos sejam formalmente diferentes, os deveres ao casamento dispostos no art. 1.566 do Código Civil também se estendem à união estável, como a fidelidade recíproca, a vida em comum, no domicílio conjugal, a mútua assistência, o sustento, a guarda e a educação dos filhos e o respeito e consideração mútuos, mas o rompimento a um deles não gera conseqüências no mundo jurídico.
Sob a égide deste entendimento, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul não concedeu provimento à ação de indenização por dano moral pelo rompimento ao dever de fidelidade recíproca, segue, in verbis:
“EMENTA: ACAO DE INDENIZACAO POR DANO MORAL. COMPANHEIRO TRAIDO. DESCABIMENTO. A QUEBRA DE UM DOS DEVERES INERENTES A UNIAO ESTAVEL – FIDELIDADE – NAO GERA O DEVER DE INDENIZAR, NEM A QUEM O QUEBRA – UM DOS CONVIVENTES – E MENOS, AINDA, A UM TERCEIRO QUE NAO INTEGRA O CONTRATO EXISTENTE E QUE E, EM RELACAO A ESTE, PARTE ALHEIA. APELACAO DESPROVIDA” (Apelação Cível Nº 597155167, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eliseu Gomes Torres, Julgado em 11/02/1998).
3 – Das relações patrimoniais
Por derradeiro, no tocante às relações patrimoniais, o art. 1.725 do Código Civil dispõe que em se tratando de união estável, aplica-se o regime da comunhão parcial de bens, salvo em caso de contrato escrito entre os companheiros.
Todavia, nos casos de união estável entre pessoas maiores de 60 (sessenta) anos, o regime a ser aplicado é o da separação obrigatória de bens, porém, é possível a aplicação da Súmula n.º 377 do Supremo Tribunal Federal que dispõe sobre a comunicação dos bens adquiridos onerosamente na constância da união, em face da presunção do esforço comum.[7]
Informações Sobre o Autor
Débora de Souza Ferreira Leiroz
Advogada graduada na UCAM-RJ e pós graduanda no curso de Direito Civil e Processo Civil junto a CBPEJUR