Um completo conceito de prisão: englobando o estado de emergência

Resumo: Nos dias de hoje as manifestações populares perdem cada vez mais o controle e, muitas vezes, extrapolam o limite do legal e aceitável. O Estado se depara com enormes quantidades de pessoas, sendo que algumas se encontram realmente organizadas e preparadas, com equipamentos e armas, de modo que é questionado o poder estatal para realmente interromper tais revoltas. Desse modo, questões que envolvem o estado de emergência, por exemplo, através do estado de sítio e o estado de defesa, são levadas a tona pelos estudiosos. Os manuais de direito penal e processo penal não tratam destes fenômenos e, portanto, não abordam suas peculiaridades no que tangem o conceito de prisão de modo que este seja completo, enquadrando situações da defesa do Estado e das Instituições Democráticas.

Palavras-chave: Conceito de prisão. Estado de Emergência. Estado de Defesa. Estado de Sítio.

Abstract: Nowadays popular manifestations are becoming out of control and often go beyond the legal and acceptable limits. The State faces huge amounts of people, and some are actually organized and prepared with equipments and weapons in a way that questions the state power to really stop these revolts. Thus, issues surrounding the emergency state, for example, through the state of siege and the state of defense, are brought to light by scholars. The criminal laws and criminal procedures manuals do not address these phenomenon and, therefore, do not include the peculiarities that concern the concept of prison in a way to let this one complete, framing situations of State and Democratic Institutions defense.

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Keywords: Arrest concept. Emergency State. State of Siege. State of Defense.

Sumário: Introdução. 1. Conceito de prisão segundo penalistas e processualistas. 2. Sistema constitucional de crises. 3. Conceito completo de prisão. Conclusão.

INTRODUÇÃO

O Brasil atualmente se encontra em um momento delicado de revolta da população. A sociedade totalmente desiludida realiza diversos protestos nas ruas pelos mais diversos Estados Brasileiros. Infelizmente tais passeatas muitas vezes se iniciam inofensivas e logo se transformam em crimes tendo em vista, por exemplo, as condutas dos Black blocks.

Ressalta-se que tais manifestações populares perdem cada vez mais o controle e, muitas vezes, extrapolam o limite do legal e aceitável. O Estado se depara com enormes quantidades de pessoas, sendo que algumas se encontram realmente organizadas e preparadas, com equipamentos e armas.

Em contrapartida, o Estado, ao não saber lidar com a magnitude de tais situações, tenta realizar o máximo de prisões e enquadrar tais manifestantes criminosos nos mais diversos tipos penais existentes, retomando aos dilemas da existência do terrorismo no Brasil, da possibilidade da aplicação da Lei de Segurança Nacional nestes casos (isso se entendermos que ela foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988), etc.

Ainda, é questionado o poder estatal para realmente interromper tais revoltas. Neste sentido, o Congresso Nacional cria projetos de Leis Antiterrorismo e os estudiosos questionam a possibilidade de se decretar a Intervenção Estadual ou Federal ou de Estado de Defesa contra tais movimentos sociais, entre outros.

1. CONCEITO DE PRISÃO SEGUNDO PENALISTAS E PROCESSUALISTAS

O conceito de prisão é dos mais diversos possíveis na doutrina porque cada autor o define de modo que faça sentido para justificar as suas classificações. Ademais, muitos, por serem penalistas, esquecem que a prisão é mais ampla do que a prisão penal e que a prisão domiciliar também deve ser abordada, por exemplo. Outros exageram dizendo que qualquer restrição de liberdade, como uma mera detenção momentânea, deveria ser enquadrada aqui.

Além de tudo, os professores devem estar atualizados com todas as alterações legislativas e jurisprudenciais, como, a título de curiosidade, as que findaram com a prisão administrativa (art. 319 do CPP alterado; apesar da discussão em que o art. 5°, LXI, da CF teria não recepcionado a sua redação original) e a prisão decorrente de pronúncia (art. 282 do CPP alterado); as que regulamentaram a prisão cautelar para fins de extradição (Lei 12.878 de 2013 que alterou o Estatuto do Estrangeiro); a que inclui da prisão domiciliar (nova redação do art. 317 do CPP); a que impossibilita a regulamentação da prisão civil do depositário infiel pelo efeito paralisante propiciado pelo Pacto San José da Costa Rica; entre outros. Oportunamente tudo isto será tratado.

Corroborando com este entendimento, doutrinadores consolidados que, com todo respeito, falham na rotulação do que é prisão por faltarem elementos. Um desses é o Guilherme de Souza Nucci (2012, p. 606) que diz:

“A privação da liberdade, tolhendo-se o direito de ir e vir, através do recolhimento da pessoa humana ao cárcere. Não se distingue, nesse conceito, a prisão provisória, enquanto se aguarda o deslinde da instrução criminal, daquela que resulta de cumprimento de pena. Enquanto o Código Penal regula a prisão proveniente de condenação, estabelecendo as suas espécies, forma de cumprimento e regime de abrigo do condenado, o Código de Processo Penal cuida da prisão cautelar e provisória, destinada unicamente a vigorar, enquanto necessário, até o trânsito em julgado da decisão condenatória.” (NUCCI, 2012, p. 606)

Outros, visando não pecar, conceituam de uma forma vaga demais. A definição se torna mais adequada e coerente, porém, por ser muito aberta, também deixa a desejar, com o devido prezar, como é o caso do ilustre Fernando da Costa Tourinho Filho (2012, p. 429):

“A supressão da liberdade individual, mediante a clausura. É a privação da liberdade individual de ir e vir, e, tendo em vista a prisão em regime aberto e a domiciliar, podemos definir a prisão como a privação, mais ou menos intensa, da liberdade ambulatória”. (TOURINHO FILHO, 2012, p. 429)

O nobre Fernando Capez (2010, P. 296), recaindo no mesmo erro do professor acima, leciona que prisão é “a privação da liberdade de locomoção determinada por ordem escrita da autoridade competente ou em caso de flagrante delito”.

Nesta mesma direção temos Júlio Fabbrini Mirabete (2001) que acentua que prisão é “a privação da liberdade de locomoção, ou seja, do direito de ir e vir, por motivo lícito ou por ordem legal”.

Nota-se que nenhum deles tratou explicitamente do artigo constitucional 5º, no seu inciso LXI, e o art. 283 do CPP com redação dada pela Lei n° 12.403 de 2011:

“CF. Art. 5°. (…) LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;”

“CPP. Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.”

Entretanto, com a sua maestria, o especialista Renato Brasileiro de Lima (2012, p. 1168) finalmente consegue explorar e englobar uma definição de prisão abordando corretamente tais artigos:

“A prisão deve ser compreendida como a privação da liberdade de locomoção, com o recolhimento da pessoa humana ao cárcere, seja em virtude de flagrante delito, ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, seja em face de transgressão militar ou por força de crime propriamente militar, definidos em lei.” (LIMA, 2012, p. 1168)

No entanto, sem vislumbrar nenhuma intenção de inovação do conceito de prisão – o que contrariaria todos os renomados professores acima – é importante deixar uma lembrança, em uma análise sistemática da Constituição Federal, de modo a integralizar um ponto de vista também constitucional e abranger a prisão no estado de defesa e de sítio a fim de uma completa concepção.

2. SISTEMA CONSTITUCIONAL DE CRISES

Inicialmente devemos lembrar que existem dois sistemas de legalidade. O primeiro trata do sistema de legalidade ordinária que se trata das regras que vigem em período de normalidade, ou seja, é o momento atual que vivemos no Brasil, de um regular estado democrático de direito que se sujeita a regras de contenção de poder para evitar abusos e ensejar responsabilidades. Os conceitos tratados anteriormente pelos doutrinadores citados focam somente neste tipo.

O segundo, que é o sistema de legalidade extraordinária, trata de uma situação excepcional de crise, em outras palavras, seria um período de anormalidade. A doutrina constitucionalista trata do estado de defesa e do estado de sítio neste casos, apesar de uma parte minoritária englobar neste sistema constitucional de crises a intervenção federal também.

Para este trabalho, temos que levar em consideração, que este estado de emergência na verdade é o rompimento da normalidade constitucional, que, justamente para poder proteger a Constituição Federal, estipula que em certo momento seja possível algumas severas medidas de execução, limitação e suspensão de direitos fundamentais, por exemplo.

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Este tema nunca é abordado pelos docentes penalistas e processualistas e sim por alguns constitucionalistas que rapidamente citam a possibilidade desta prisão excepcional, ao tratar da situação ímpar que é o estado de emergência, como trata o Título V da CF “Da Defesa do Estado e Das Instituições Democráticas” no Capítulo I “DO ESTADO DE DEFESA E DO ESTADO DE SÍTIO”.

3. CONCEITO COMPLETO DE PRISÃO

Durante o estado de emergência a Constituição Federal trata rapidamente de medidas excepcionais que podem ocorrer, sendo a prisão tratada no art. 136, § 3º, CF e no art. 139, II, CF:

“CF: TÍTULO V

Da Defesa do Estado e Das Instituições Democráticas

CAPÍTULO I

DO ESTADO DE DEFESA E DO ESTADO DE SÍTIO

Seção I

DO ESTADO DE DEFESA

Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.(…)

§ 3º – Na vigência do estado de defesa:

I – a prisão por crime contra o Estado, determinada pelo executor da medida, será por este comunicada imediatamente ao juiz competente, que a relaxará, se não for legal, facultado ao preso requerer exame de corpo de delito à autoridade policial;

II – a comunicação será acompanhada de declaração, pela autoridade, do estado físico e mental do detido no momento de sua autuação;

III – a prisão ou detenção de qualquer pessoa não poderá ser superior a dez dias, salvo quando autorizada pelo Poder Judiciário;

IV – é vedada a incomunicabilidade do preso.(…)”

“Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:(…)

II – detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns;(…)”

Note-se o modo de prisão no estado de emergência pode ocorrer inclusive nos termos previstos da Carta Magna, que de certa forma valorizam mais a ordem e o poder do Estado do que os direitos individuais.

Basicamente é mais um conflito aparente de normas que, tendo em vista que são normas constitucionais originárias deve haver uma compatibilização entre elas com foco no princípio da unidade da Constituição. Para trazer a harmonia nestes casos, o STF sempre cita o princípio da proporcionalidade para averiguar o que é razoável.

Para este Tribunal existem subprincípios que funcionam como 3 (três) etapas que devem ser percorridas: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Tudo isso estaria de acordo sim com o princípio citado, caso contrário o Estado soberano, a Constituição vigente e a sociedade como conhecemos – que garante os direitos e garantias fundamentais – poderiam ser destruídos.

Dessa forma, o cárcere não precisaria respeitar os requisitos previstos no Código de Processo Penal e nem as condições estipuladas como regra na Constituição Federal, já que é uma exceção do sistema, e devem ser compatibilizadas. Afinal, busca-se efetivar o princípio da Força Normativa da Constituição, para não adentrarmos em diversos outros.

O inteligente André Ramos Tavares (2007, p. 1019) é um dos poucos que recorda deste desvio:

“Há possibilidade de prisão por ordem de autoridade administrativa, que seria no caso o executor nomeado pelo Presidente, o executor das medidas do estado de defesa ou do estado de sítio. E o caso não é de prisão em flagrante nem por ordem judicial (e portanto será exceção ao art. 5º, LXI, da C.F.).” (TAVARES, 2007, p. 1019)

Enfim, os conceitos tradicionais de prisão se esqueceram de abordar a prisão no estado de emergência e suas peculiaridades, sendo que o presente artigo tenta trazer a tona um completo significado para auxiliar os operadores de direito.

CONCLUSÃO

O trabalho em questão analisou rapidamente o momento histórico do Brasil de modo a concluir que a população está insatisfeita e realizando diversos protestos, manifestações populares e passeatas, sendo que nem sempre elas são pacíficas.

São situações novas que o Estado não sabe ao certo a melhor maneira de controlá-las. Os pensadores ao tentarem dar soluções falam de prisão e do estado de emergência, sendo que a doutrina não os relaciona, sendo esta a razão da elaboração deste artigo.

Na verdade, o sistema constitucional de crises trazem medidas excepcionais para serem aplicadas em algum período de anormalidade. Por não se aplicam no regular Estado Democrático de Direito que é a atual República Federativa do Brasil, os professores, apesar da relevância do estado de defesa e do estado de sítio, são temas muito pouco estudados e abordados, pois desde 1988 nunca foram decretados, sendo “simbólicos” até os dias de hoje.

Assim, não são incluídos nos conceitos de prisão tradicionais. Ressalta-se que ele não pode ser tão restrito de modo a não incluir certas modalidades e nem tão amplo para englobar qualquer restrição de liberdade. Ainda, devem ser aliados conhecimentos não só de direito penal e processual penal, contudo, também os de direito constitucional.

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Por fim, ao estudarmos o sistema de legalidade extraordinária, com seus próprios requisitos para realizar uma prisão, podemos incluir tais ensinamentos para ampliar e deixar completo o seu significado.

 

Referências
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. Vol. 1. 2ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2001.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 11ª ed. São Paulo: RT, 2012.
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol. 3. 34ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

Informações Sobre o Autor

Felipe Akio de Souza Hirata

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica PUC-SP. Pós-Graduação Lato Sensu especialização de Direito Penal e Processo Penal na Universidade Estácio de Sá. Pós-Graduação Lato Sensu especialização em Direito Público no Supremo Concursos em convênio com a Universidade Cândido Mendes.


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