Uma Agência Reguladora para o desporto



Criar uma Agência Governamental para regular a atividade desportiva no País é uma das alternativas encontradas pela “CPI do Futebol” no Senado da República para que o País se veja livre dos recentes escândalos envolvendo, sobretudo o futebol. Os Parlamentares justificam a idéia afirmando que “a extraordinária dimensão do desporto como atividade de relevância econômica e social em nosso País indica a necessidade do estabelecimento de mecanismos de regulação, de fiscalização e do fomento eficientes, ágeis, que permitam a desejável expansão do setor”.


Destacam, ainda, que a desejada “Agência” teria, entre outras funções a serem definidas, a de formular políticas, disciplinar as atividades desportivas, criar programas de estímulo e fiscalizar o cumprimento das disposições estabelecidas para o setor, detendo este futuro órgão, autonomia administrativa e financeira, e, estrutura reduzida “a exemplo das demais agências criadas para regular setores de elevado interesse público”.


Tratando-se tais “Agências Reguladoras”, de entes autárquicos por excelência e disposição legal específica, as quais hoje, juntamente com as Organizações Sociais, são verdadeiros “tops de linha” da Administração Pública Federal, haja visto como se multiplicam, exsurge a argüição sobre a natureza da atividade que se pretende regular, o que conduz ao exame prévio da constitucionalidade do ato legal.


Estabelece o art. 217 da Constituição Federal ser dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observada a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento.


A par disso, o eminente professor Álvaro Melo Filho[1], sustenta que “princípio relevante é o da autonomia desportiva – art. 217, I, da Constituição Federal e art. 2º, II, da Lei nº 9.615/98 – das entidades dirigentes e associações desportivas, que se expressa no resguardo de administração própria, ou seja, do que lhe é inerente e exclusivo quanto à sua organização e funcionamento, sem discrepar das diretrizes legais federais, pela própria e fundamental necessidade de não permitir, no país, sistemas desportivos estanques, fechados, separados, gerando dificuldades e incompatibilidades que colocariam em risco a essencial e vital unidade desportiva nacional.


A autonomia sub examine não é um fim em si mesma, mas um meio de dotar as entidades desportivas de instrumentos legais capazes de possibilitar uma plástica organização e um flexível mecanismo funcional que permitam o eficiente alcance de seus objetivos (…).


O que se pretende com este inc. I do art. 217 da Lei Maior e o art. 2º, II, da Lei nº 9.615/98 é a autonomia para que as entidades desportivas dirigentes e associações tenham sua (própria) forma de organização e funcionamento, sem nada de padronização ou feitio estereotipado nos assuntos interna corporis.”.


Tal conclusão nos conduz à fixação da autonomia das entidades desportivas, observados, contudo, os limites legais inerentes à atividade, porquanto o Constituinte criou o dever do Estado de fomentar as práticas desportivas.


Voltamos assim, a justificativa da Comissão Parlamentar de Inquérito que qualifica o Desporto como atividade de relevância econômica e social, jungindo-a ao aspecto do fomento.


Sob todos os aspectos, não se trata a administração e a prática desportiva de qualquer natureza, de atividade que necessite de concessão do Poder Público para existir, pois esses entes não são concessionários de um serviço público por excelência. Contudo a realidade social nos revela a todo instante a relevância não só social, quanto também econômica de indiscutível peso em diversas interações políticas e financeiras, por conseguinte, além da imposição constitucional de se aplicar recursos públicos no setor, razão por que se esvai qualquer eiva de inconstitucionalidade que pudesse ser suscitada acerca da regulação estatal de determinados aspectos da administração das entidades desportivas nacionais.


Releva anotar, no entanto, que a Lei Maior fixa claramente a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, no tocante a sua organização e funcionamento, restringindo atuação do legislador infraconstitucional. Estes limites derivam da autonomia disposta no inciso I, do art. 217 da Constituição c/c os incisos XVII e XVIII, do art. 5º, onde se estabelece o princípio da liberdade de associação.


Conclui-se que o principal e talvez único liame existente entre o Estado e os entes desportivos sob tutela Constitucional, vem a ser o repasse de recursos públicos para a execução de ações de política pública, cuja fiscalização de sua aplicação alocada a tais atividades seria o papel e talvez mesmo a missão mais importante da “Agência


A faixa de atuação da “Agência” será extremamente limitada a tais questões de cunho orçamentário e financeiro, além das relativas a formulação de políticas públicas para o setor, notadamente quanto à promoção do desporto educacional e de alto rendimento, o estabelecimento de regras que possibilitem o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não-profissional e a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.





Nota:


[1] Novo Regime Jurídico do Desporto: comentários à Lei 9.615 e suas alterações, Brasília Jurídica, 2001, ps. 31 e 32


Informações Sobre o Autor

Edson Luiz Muniz da Silva

Advogado, Juiz Arbitral e Professor de Direito do Trabalho e Prática Forense Trabalhista, nas Faculdades Integradas do Planalto Central – FIPLAC, em Brasília.


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