Resumo: O bem de família foi introduzido no Brasil, sob a forma voluntária, através do Código Civil de 1916. Após, foi regulado pela Lei nº 6.015/1973, na qual tratava dos Registros Públicos. Nessa modalidade, para que o beneficiário houvesse direito à impenhorabilidade do bem almejado, era necessário que fosse feito um exame detalhado de todos os requisitos formais. Porém, com a promulgação da Lei nº 8.009/1990, o imóvel considerado como bem de família, constituiu a regra de impenhorabilidade, ressalvado as exceções legais. A finalidade do instituto da impenhorabilidade do bem da família é evitar que o devedor seja privado de moradia. No entanto, o grande questionamento é a sua utilização de forma absoluta. A defesa da possibilidade da penhora dos bens quando possuírem elevados valores, objeto do presente estudo, é não permitir que demandas executivas sejam impotentes, a fim de causar ao exequente uma grande frustração e uma insegurança jurídica, visto que há um desequilíbrio na esfera jurisdicional, sendo que de um lado temos o devedor com um imóvel de grande valor e do outro o credor sem a satisfação do seu crédito. Diante disso, surge a possibilidade de se relativizar a impenhorabilidade do bem de família, quando o imóvel for único e de exasperado valor.
Palavras-chaves: Bem de família suntuoso – único – penhorabilidade.
Abstract: A good family was introduced in Brazil, under the voluntary basis, through the Civil Code of 1916.After it was regulated by Law No. 6,015 / 1973, which deals with the Public Records.In this mode, so that the beneficiary had the right to unseizability well targeted, it was necessary to be done a detailed examination of all the formal requirements.However, with the enactment of Law No. 8.009 / 1990, the property considered good family, was the unseizability rule, except for the legal exceptions.The purpose of the family and the unseizability institute is to prevent the debtor is deprived of housing.However, the big question is its use absolutely.The defense of the possibility of seizure of assets when having high values of this study object, is not to allow executive demands are powerless in order to cause the judgment creditor great frustration and legal uncertainty, since there is an imbalance in the judicial sphere, and that on one side we have the debtor with a large property value and another creditor without the satisfaction of his claim. Therefore, the possibility arises to relativize the unseizability of good family, when the property is unique and exasperation value.
Keywords: Well of sumptuous family; one of a kind; penhorabilidade.
Sumário: 1 Introdução. 2 Aspectos gerais e evolução da execução por quantia certa. 3 Execução por quantia certa. 3.1 Objetivos da Execução por quantia certa. 3.2 Execução por quantia certa contra o devedor solvente 4 Penhora. 5 Dos bens. 5.1 Bens penhoráveis e impenhoráveis 5.2 Bens Impenhoráveis 5.3 Ressalva geral à regra de impenhorabilidade. 6 O bem de família e a penhora. 7 Conclusão.
1 INTRODUÇÃO
Estabelece-se, no cenário jurídico, com o advento da Lei 8.009/90, a impossibilidade de penhora de bem imóvel único. Para efeitos de impenhorabilidade, é irrelevante que o imóvel seja considerado luxuoso ou de alto padrão. Segundo a Lei 8.009 /90, basta que o imóvel seja o único bem de família, não tendo o legislador considerado o seu valor.
Deve-se levar em conta, porém, que há um grande desequilíbrio em torno da referida lei, visto que a mesma protege o devedor e deixa o credor sem a satisfação do seu crédito, apesar de o devedor possuir um vasto patrimônio.
Com a possibilidade da penhora de bem imóvel único de elevado valor, faz com que se acabe este desequilíbrio, sem, contudo, ferir a dignidade da pessoa humana, visto que a dívida não irá recair no imóvel integralmente, reservando ao devedor uma parcela digna do mesmo.
Diante de tamanhas injustiças instauradas a respeito do assunto, faz-se necessária a realização de estudos sobre o assunto, buscando a harmonização do sistema jurídico brasileiro, bem como garantir ao jurisdicionado a segurança jurídica.
A impenhorabilidade desses bens (imóveis únicos de elevado valor) protege o devedor e deixa o credor desamparado, sem nenhumaperspectiva no recebimento do seu crédito. Protegendo somente uma das partes, esta restrição se torna incompatível com o conceito de justiça equitativa.
O presente artigo tem como objetivo geral analisar a possibilidade de penhora de bem imóvel único de elevado valor, com base no artigo 650, parágrafo único do projetode lei nº4497/2004.
Por fim, iremos tratar do fracionamento, que é o ponto central do presente artigo, ao qual vamos demonstrar que a possibilidade da penhora de bem imóvel único não viola o princípio da dignidade da pessoa humana, visto que uma parcela do imóvel será garantida ao devedor, de modo que poderá adquirir uma casa de valor mais baixo, e que com essa possibilidade, estamos garantindo um equilíbrio maior na sociedade, protegendo também o direito que o devedor tem de receber o seu crédito.
2ASPECTOS GERAIS E EVOLUÇÃO DA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA
Antes da edição da Lei 11.232/05, era possível identificar três processos distintos e autônomos, da propositura da demanda até a satisfação do credor: o processo condenatório, o de liquidação (quando necessário) e o de execução, onde era necessário que o réu fosse citado três vezes, uma em cada processo.
Com o advento da Lei 11.232/05, de acordo com Rios Gonçalves (2010), deixa de existir um processo de execução de título judicial (exceto nos casos de sentença arbitral, estrangeira ou penal condenatória), passando a ser uma fase de um todo único, um processo sincrético, uma fase de cumprimento de sentença, que se compõe da fase cognitiva precedente.
Completa Theodoro Júnior (2013) dizendo que, mesmo com a prolação da sentença a prestação jurisdicional não se finaliza, ela só acaba quando por meio dos atos de seu cumprimento, a condenação se torna real e eficaz, a tutela jurisdicional estará completa, de fato e de direito, apenas quando o bem da vida a que o credor tem direito, lhe é transferido.
Como a execução de título judicial perdeu autonomia, nos dizeres de Rios Gonçalves (2010), com a mudança do sistema, deixou de ser aplicado o Livro II do CPC/73, restringindo-se ao processo de execução por título extrajudicial; desapareceu a unidade sistemática entre a execução de título judicial e extrajudicial, a execução a sentença passou a ser regulada no Livro I, arts. 461 e 475 do CPC/73, ela não deixou de ser execução, só que agora ela é fase de cumprimento de sentença.
Ressalta Rios Gonçalves (2010, p. 02) que surge uma opção com a nova sistemática: “… continuar tratando da execução de título judicial juntamente com a de título extrajudicial, ou passar a tratá-la no processo de conhecimento como fase de cumprimento de sentença?”. Ainda nas palavras do autor acima mencionado, escolheu-se a primeira opção, visto que uma execução de título judicial continua existindo, com seu próprio procedimento, só que ela é fase, e não mais um processo autônomo.
Mesmo assim, o tipo de ato que se pratica nela e o seu procedimento fazem com que ela seja mais próxima com o processo de execução de título extrajudicial do que com o processo de conhecimento, visto que no processo de conhecimento tem por objetivo o reconhecimento, a declaração de um direito e nas execuções se busca a satisfação.
A atividade no processo de conhecimento, nos dizeres de Rios Gonçalves (2010, p. 02) é essencialmente intelectual: “o juiz ouve os argumentos do autor e do réu, colhe as provas, pondera as informações trazidas e emite um comando, declarando se o autor tem ou não o direito postulado e se faz jus à tutela jurisdicional”. Já no processo de execução, ainda de acordo com o referido autor, a atividade do juiz não é intelectiva, ela consiste na busca da satisfação do direito, que não foi observado voluntariamente.
A respeito do CPC de 2015, o mesmo manteve a sistemática introduzida pelas Leis 11.232/05 e 11.382/06, o novo código está estruturado em Parte Geral e Parte Especial, o primeiro livro da parte especial, trata-se do processo de conhecimento e do cumprimento de sentença, e o segundo livro, trata do processo de execução. O novo código manteve a distinção entre execução fundada em título judicial e execução fundada em título extrajudicial, a primeira, chamada cumprimento de sentença, consiste apenas em uma fase subsequente ao processo de conhecimento, nas hipóteses em que houver condenação, mas não cumprimento voluntário da obrigação, a segunda, implica a formação de um processo autônomo, com a citação do devedor, regulamentada no Livro II da Parte Especial.
Salienta Rios Gonçalves (2015, p. 65) sobre as reformas do Novo CPC que:
“Como as reformas que implementaram alterações na execução eram relativamente recentes, as inovações trazidas pelo CPC de 2015, tanto em relação ao cumprimento de sentença quanto em relação ao processo de execução, não são de grande monta”.
3 EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA
A execução por quantia certa é a mais comum dentre todas as formas de execução, nela, o credor pretende que o devedor lhe pague determinada quantia em dinheiro e, não mais que o devedor entregue um bem, nem que faça ou desfaça alguma coisa.
Salienta Rios Gonçalves (2016) que esse tipo de execução em regra, faz uso da técnica da sub-rogação, embora se admita a coerção, de maneira excepcional, nos termos do artigo 139, IV, do CPC. Dispõe o artigo 139, IV do CPC:
“O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (…)
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.”
O Estado-juiz toma do patrimônio do devedor que não paga, dinheiro ou bens suficientes para fazer frente ao débito, se recair a penhora sobre dinheiro, o valor será entregue no momento oportuno, em pagamento ao credor; se recair sobre bens, é necessário sua conversão em dinheiro, a não ser que o credor aceite ficar com eles, como forma de satisfação do débito. A conversão será feita por meio da alienação, de iniciativa particular ou leilão judicial eletrônico ou presencial.
3.1 Objetivos da execução por quantia certa
Pode a execução por quantia certa, ser fundada em título judicial, no caso da sentença condenatória, como em título extrajudicial, no caso de documentos.
O objetivo da execução por quantia certa consiste em expropriar bens do devedor para apuração judicial de recursos necessários para o pagamento do credor. Dispõe o artigo 824 do CPC: “A execução por quantia certa realiza-se pela expropriação de bens do executado, ressalvadas as execuções especiais”. Complementa o artigo 825 do CPC: “A expropriação consiste em: I – adjudicação; II – alienação; III – apropriação de frutos e rendimentos de empresa ou de estabelecimentos e de outros bens”.
A visão de Theodoro Júnior (2016, p. 555) sobre a obrigação de quantia certa é: “A obrigação de quantia certa é, na verdade, uma obrigação de dar, cuja coisa devida consiste numa soma de dinheiro. Por isso, a execução de obrigação da espécie tem como objetivo proporcionar ao exequente o recebimento de tal soma”. Sendo assim, se é possível ser encontrada a coisa em espécie no patrimônio do devedor, o juiz far-se-á a apreensão para utilizá-la como pagamento do crédito do exequente, se não for possível, serão apreendidos outros bens e transformados em dinheiro ou adjudicados ao credor, se a este convier assim se pagar.
3.2 Execução por quantia certa contra devedor solvente
Conceitua Theodoro Júnior (2016, p. 559) devedor solvente como: “Devedor solvente é aquele cujo patrimônio apresenta ativo maior do que o passivo”. De acordo com o referido autor, só é considerado devedor insolvente, aquele declarado por sentença a sua condição de insolvência, de modo que, pode um devedor ser acionado sob o rito de execução do solvente, quando na verdade ele é insolvente.
Preceitua Theodoro Júnior (2016, p. 559) que: “A execução por quantia certa contra o devedor dito solvente consiste em expropriar-lhe tantos bens quantos necessários para a satisfação do credor (NCPC, art. 789)”. De acordo com o autor acima mencionado, a sanção imposta neste caso, é o pagamento coercitivo da dívida documentada no título executivo extrajudicial, visto que, se trata de uma execução direta, em que o juiz age por meio de sub-rogação, extraindo bens compulsoriamente do patrimônio do devedor, para efetuar o pagamento que deveria ter sido realizado pelo mesmo.
Depois da provocação do credor, pela petição inicial, e a convocação do devedor, que é a citação pra pagar, os atos que compõem o procedimento em questão consistem, principalmente, na apreensão de bens do devedor, pela penhora, na sua transformação em dinheiro mediante desapropriação, pela arrematação, e entrega do produto ao exequente, que é o pagamento.
Finaliza Theodoro Júnior (2016, p. 559-560) sobre as fases da execução: “Essas providências correspondem às fases da proposição (petição inicial e citação), da instrução (penhora e alienação) e da entrega do produto ao credor (pagamento), segundo a clássica divisão do procedimento executivo recomendada por Liebman”.
4 DA PENHORA
Para abordar o referido assunto, faz-se necessário uma pequena explanação sobre o conceito de penhora segundo Rios Gonçalves (2016, p. 774):
“A penhora é ato de constrição que tem por fim individualizar os bens do patrimônio do devedor que ficarão afetados ao pagamento do débito e que serão excutidos oportunamente. É ato fundamental e toda e qualquer execução por quantia, sem o qual não se pode alcançar a satisfação do credor”.
Para Theodoro Júnior (2016, p.569) o conceito de penhora é:
“A penhora é um ato de afetação porque sua imediata consequência, de ordem prática e jurídica, é sujeitar os bens por ela alcançados aos fins da execução, colocando-os à disposição do órgão judicial para, “à custa e mediante sacrifício desses bens, realizar o objetivo da execução”, que é a função pública de “dar satisfação ao credor”.
O credor na petição inicial, ao promover a execução, poderá indicar os bens do devedor que almeja ver penhorados, dispõe o artigo 835 CPC a ordem de prioridade dos bens penhoráveis, no entanto, não tem caráter rígido.
Preceitua o artigo 835 do CPC que, a penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; II – títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado; III – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; IV – veículos de via terrestre; V – bens imóveis; VI – bens móveis em geral; VII – semoventes; VIII – navios e aeronaves; IX – ações e quotas de sociedades empresárias; X – percentual do faturamento de empresa devedora; XI – pedras e metais preciosos; XII – direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia; XIII – outros direitos. A penhora em dinheiro é prioritária, e nas demais hipóteses pode o juiz, alterar a ordem prevista no caput com base nas circunstâncias do caso concreto. (artigo 835, § 1º, CPC).
Se o credor não indicar bens do devedor passíveis de penhora, cumprirá ao oficial de justiça, munido do mandado, penhorar tantos bens quanto bastem do devedor, para a satisfação do débito, observando as possibilidades de impenhorabilidade do artigo 833 do CPC e da Lei n. 8.009/90.
Cita o artigo 831 do CPC que: “A penhora deverá recair sobre tantos bens quanto bastem para o pagamento do principal atualizado, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios”.
Independentemente de determinação judicial expressa, de acordo com o artigo 836, § 1º e §2º do CPC, quando o oficial de justiça não encontrar bens penhoráveis, ele descreverá na certidão os bens que guarnecem a residência ou o estabelecimento do executado, quando for pessoa jurídica, e, elaborada a lista, será nomeado o executado ou seu representante legal, como depositário provisório de tais bens até determinação ulterior do juiz.
5 DOS BENS
Inicialmente, faz-se necessário desenvolver a conceituação de bens, identificando algumas de suas diversas facetas.
Pereira (2005, p. 400) conceitua bem, como algo abstrato, sentimental:
“Bem é tudo que nos agrada: o dinheiro é um bem, como o é a casa, a herança de um parente, a faculdade de exigir uma prestação; bem é ainda a alegria de viver o espetáculo de um pôr-do-sol, um trecho musical; bem é o nome de um indivíduo, sua qualidade de filho, o direito à sua integridade física e moral.”
Já Roberto Gonçalves, (2011, p. 277), tem o pensamento diferente, para ele o conceito de bem é ligado a coisas materiais: “Bens, portanto, são coisas materiais, concretas, úteis aos homens e de expressão econômica, suscetíveis de apropriação, bem como as de existência imaterial economicamente apreciáveis”.
Preceitua Diniz (2015, p. 367) sobre o conceito de bens que: “Os bens, ensina-nos Agostinho Alvim, são as coisas materiais ou imateriais que têm valor econômicoque podem servir de objeto a uma relação jurídica”.
5.1 Bens penhoráveis e impenhoráveis
A penhora tem por escopo dar início, ou preparação, à transmissão forçada de bens do devedor, com o fim de se apurar a quantia necessária ao pagamento do credor. Nesse sentido, preceitua Theodoro Júnior (2016) que, pressupõe a responsabilidade patrimonial e a transmissibilidade dos bens e que deverá ser atingido pela penhora, o patrimônio do devedor, ou de quem tenha assumido a responsabilidade pelo pagamento da dívida, mas, nunca, o de terceiros estranhos à obrigação ou à responsabilidade.
Além disso, só podem ser transmitidos e consequentemente, penhorados, os bens alienáveis. Dispõe o artigo 832 do CPC: “Não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis”. A penhora, deste modo, deve atingir os bens negociáveis, ou seja, os bens que se podem alienar e converter no respectivo valor econômico.
Mesmo com a regra de que os bens alienáveis ou negociáveis são penhoráveis, prevalece na lei que regula a execução por quantia certa, por diversas razões, inúmeros bens que, mesmo sendo de natureza disponíveis, não são considerados passíveis de penhora, mesmo tendo o devedor o poder de aliená-los e convertê-los em numerário livremente.Nesse sentido,dispõe o artigo 833 do CPC, inúmeros casos de bens patrimoniais disponíveis, mas que são impenhoráveis.
Comenta Theodoro Júnior (2016, p. 583) que: “Essa limitação à penhorabilidade encontra explicação em razões diversas, de origem ético-social, humanitária, política ou técnico – econômica”.
A impenhorabilidade de origem não – econômica tem como motivo principal, a preocupação do CPC em resguardar as receitas alimentares do devedor e de sua família. Por isso, a execução não pode ser utilizada para ocasionar a ruína extrema, que leve o devedor com sua família, a fome e ao desabrigo, gerando situações confrontantes com a dignidade da pessoa humana.
Desse modo, o juiz da execução deve impedir que aconteçam atos executivos ruinosos, que não tragam nenhum benefício ao credor, e que levem o devedor a uma grande ruína.
5.2 Bens impenhoráveis
Dispõe o artigo 832 do CPC que: “Não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis”.
Salienta Santos (2015) que de acordo com o artigo 789 do CPC, a regra geral é que o devedor responde pelas suas dívidas com todos os bens que possuir, salvo as restrições estabelecidas por lei e, dentre essas exceções, estão a inalienabilidade e a impenhorabilidade.
Preceitua Evaristo Aragão Santos (2015, p. 833) sobre a diferença de bens inalienáveis e impenhoráveis:
“Inalienável é o bem que nem mesmo o executado pode dele dispor. Nessa situação o bem se torna, também impenhorável. Isso porque, se nem mesmo seu titular pode dele dispor, no há sentido em permitir-se que o Estado o faça por meio da execução forçada. A inalienabilidade do bem acarreta sua impenhorabilidade. Já a impenhorabilidade refere-se a bens do patrimônio do devedor que, embora sobre eles tenha livre disposição, o legislador entendeu adequado excluí-los do âmbito da responsabilidade patrimonial de seu titular”.
Comenta Santos (2015) que a instituição da impenhorabilidade se deu por meio de norma legal expressa, visto que, aqui vigora o princípio da tipicidade. Completa o referido autor que não havendo previsão legal da impenhorabilidade sob determinado bem, fica admitido sua expropriação para satisfazer o direito do credor.
Nos termos do artigo 833 do CPC são impenhoráveis: I – os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução; II – os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida; III – os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor; IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º; V – os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado; VI – o seguro de vida; VII – os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas; VIII – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família; IX – os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; X – a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos; XI – os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei; XII – os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.
5.3 Ressalva geral à regra da impenhorabilidade
Se tratando de coisas impenhoráveis dispostas nos incisos I, II, III, V, VII, VIII, do artigo 833 do CPC, adquiridas pelo devedor através de negócio oneroso, não se prevalece a regra da impenhorabilidade se o crédito executado decorrer do preço de aquisição do bem ou do financiamento.
Nessa linha, preceitua o artigo 833, § 1º do CPC: “A impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição”. Salienta Theodoro Júnior (2016, p. 591) sobre essa ressalva a regra que: “Seria sumamente injusto que o credor que propiciou ao atual titular do bem sua própria aquisição não tivesse como haver o respectivo preço. Dar-se-ia um intolerável locupletamento por parte do adquirente”.
O crédito em semelhante situação pode surgir de duas maneiras: a) o alienante confere ao adquirente um prazo para o pagamento do preço do bem que lhe é transferido desde logo; ou b) o adquirente obtém um financiamento com um terceiro para o pagamento do preço da coisa adquirida. Nas duas situações, o crédito tem a capacidade de suprimir a regra da impenhorabilidade, como previsto no artigo 833, § 1º do CPC.
5.4 A impenhorabilidade do imóvel de residência da família
Dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família a Lei 8.009, de 29 de março de 1990. Preceitua o art. 1º da lei supracitada:
“O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercia, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída elos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados”.
Segundo o artigo mencionado, basta que o imóvel seja o único bem de família que ele se torna impenhorável, independentemente de seu valor. A impenhorabilidade, no caso de imóvel quitado, aplica-se também aos bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário. (art.2º, parágrafo único, da Lei 8.009/90).
Constitui exceções a regra da impenhorabilidade dispostas na Lei 8.009/90, artigos 3º ao 4º: a) Os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos; b) Em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, a impenhorabilidade é oponível, salvo se movido: I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisiçãoimóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III – pelo credor de pensão alimentícia; IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação; c) Aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga, não se beneficiará da impenhorabilidade. O juiz, neste caso, poderá na respectiva ação do credor, transferir a impenhorabilidade para a moradia familiar anterior, ou anular-lhe a venda, liberando a mais valiosa para execução ou concurso, conforme a hipótese; A impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, quando a residência familiar constitui-se em imóvel rural.
Considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente, para os efeitos de impenhorabilidade de que trará esta Lei. Se o casal ou entidade familiar possuir vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no registro de imóveis e na forma do art. 70 do CC.
6 O BEM DE FAMÍLIA E A PENHORA
Surge em 2004, o projeto de lei n. 4.497, elaborado pelo IBDP – Instituto Brasileiro de Direito Processual e apresentado pelo Ministro da Justiça à Câmara dos Deputados, remetido posteriormente ao Senado, sendo numerado como PL n. 51/06, o referido projeto veio a ser aprovado e sancionado pela Presidência da República, dando origem à Lei n. 11.382, de 06 de dezembro de 2006.
Feito um relatório pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara, assinado pelo Deputado Luiz Couto que era o relator, ficou destacado como pontos principais do projeto: a mudança no sistema dos embargos à execução, permitindo sua veiculação sem depender de prévia segurança do juízo, contudo, agora sem o efeito de suspender o trâmite da execução; a perda da preferência da atual sistemática das alienações em hasta pública, visto que se tem a opção legislativa de dar prioridade a outros meios expropriatórios e a expressa menção, no projeto, do uso de meios eletrônicos no processo de execução.
Narra ainda o referido relatório, dentre outros predicados, que o projeto continha as seguintes características: a possibilidade de alteração da ordem de preferência da penhora (art. 655) e de regras relativas à impenhorabilidade de bens (art. 649); com base na liquidez dos bens, atualiza-se a ordem de preferência da penhora e permite-se que possam ser penhorados, os imóveis residenciais de grande valor, evitando o inconveniente que causou a Lei n. 8.009/90, como sendo conhecida como “Lei do Calote”, apesar de equilibrar com o direito social à moradia, esse dispositivo.
No que diz respeito a constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa, o relatório demonstrou que inexistem vícios, exaltando-se a adequação da linguagem seguida pelo projeto. Quanto ao mérito, considerou-o a relatoria como sendo ousado, porém merecedor de aplausos, restando aludida a sua aprovação, rejeitando-se, somente a emenda apresentada pelo Deputado Sérgio Miranda.
O projeto foi votado na Câmara dos Deputados e teve sua redação final aprovada em 16 de maio de 2006, pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania dessa casa, com a incorporação ao texto originário e cinco emendas. O referido projeto foi encaminhado ao Senado Federal, no dia 19 de maio de 2006, tendo sido autuado sob o n. 51/2006, posteriormente remetido à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania dessa casa, na qual assumiu sua relatoria o Senador Fernando Bezerra, que elaborou o relatório, na data de 12 de julho de 2006, sugerindo a aprovação do projeto, com a incorporação de sete emendas de sua autoria e rejeitando nove emendas apresentadas pelo Senador Arthur Virgílio.
Tal relatório foi reapresentado na data de 08 de novembro de 2006, pelo relator do projeto à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania com algumas adequações, sendo ali renovado o voto por sua aprovação, e na qual contava com a inclusão de vinte e uma emendas de redação, emendas estas, que traziam correções gramaticais, adaptações de linguagem e adequação das remissões a capítulos, títulos e dispositivos normativos constantes do Código de Processo Civil. Em 28 de novembro de 2006, o projeto foi posto em pauta perante o Plenário do Senado, na qual veio a ser aprovado, acatando-se as 21 emendas de redação.
O projeto foi remetido à sanção que infelizmente sofreu por parte da Presidência da República, um veto parcial, sob a alegação que haveria “contrariedade ao interesse público”. Os dispositivos que autorizavam a penhora de 40% do salário do devedor, do total recebido mensalmente acima de vinte salários mínimos e do imóvel considerado bem da família, de valor superior a mil salários mínimos, reservando-se, tal montante ao devedor, em caso de alienação judicial, foram vetados.
Nessa linha, segue abaixo as razões do veto parcial nº 25/2006, aposto pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva, na Mensagem nº 1047, de 2006, da Presidência da República:
“O Projeto de Lei quebra o dogma da impenhorabilidade absoluta de todas as verbas de natureza alimentar, ao mesmo tempo em que corrige discriminação contra os trabalhadores não empregados ao instituir impenhorabilidade dos ganhos de autônomos e de profissionais liberais. Na sistemática do Projeto de Lei, a impenhorabilidade é absoluta apenas até vinte salários mínimos líquidos. Acima desse valor, quarenta por cento poderá ser penhorado.
A proposta parece razoável porque é difícil defender que um rendimento líquido de vinte vezes o salário mínimo vigente no País seja considerado como integralmente de natureza alimentar. Contudo, pode ser contraposto que a tradição jurídica brasileira é no sentido da impenhorabilidade, absoluta e ilimitada, de remuneração. Dentro desse quadro, entendeu-se pela conveniência de opor veto ao dispositivo para que a questão volte a ser debatida pela comunidade jurídica e pela sociedade em geral.
Na mesma linha, o Projeto de Lei quebrou o dogma da impenhorabilidade absoluta do bem de família, ao permitir que seja alienado o de valor superior a mil salários mínimos, ‘caso em que, apurado o valor em dinheiro, a quantia até aquele limite será entregue ao executado, sob cláusula de impenhorabilidade’. Apesar de razoável, a proposta quebra a tradição surgida com a Lei no 8.009, de 1990, que ‘dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família’, no sentido da impenhorabilidade do bem de família independentemente do valor. Novamente, avaliou-se que o vulto da controvérsia em torno da matéria torna conveniente a reabertura do debate a respeito mediante o veto ao dispositivo.”
Desta forma, entendeu o Presidente da República que o imóvel bem defamília é absolutamente impenhorável, independente do seu valor, mesmo acreditando ser a proposta razoável.
O projeto 51/06,ouvindo os anseios da comunidade jurídica, no tocante a impenhorabilidade do bem de família, trazia em seu bojo uma alteração bastante positiva, em que acrescentava um parágrafo único ao artigo 650 do Código de Processo Civil, dispondo que: “(…) pode ser penhorado o imóvel considerado bem de família, se de valor superior a mil salários mínimos, caso em que, apurado o valor em dinheiro, a quantia até aquele limite será entregue ao devedor, sob cláusula de impenhorabilidade”. Regra esta, que, lamentavelmente foi vetada pela Presidência da República.
Nos termos da Lei n. 8.009/90 é impenhorável o imóvel único onde reside o executado, mesmo sendo de elevado valor, dispositivo este, incompatível com a condição de devedor. Não existe nenhuma margem para contornar esse problema, segundo a referida lei, fazendo assim, que o devedor, na prática, abuse da proteção a ele conferida. Causa-se com isso, uma grande frustração, um grande desequilíbrio na esfera judicial.
Vale lembrar que no relatório da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, menciona que a Lei n. 8.009/90 é conhecida como a “Lei do Calote”.
A alteração trazida pelo projeto tinha como objetivo sanar o grande desequilíbrio causado pela Lei n. 8.009/90, visto que se protege o devedor, deixando o credor à míngua e sem a satisfação do seu crédito.
Ademais,a impenhorabilidade do bem de família não pode ser considerada algo absoluto, de modo a se transformar num "escudo" do devedor. As garantias processuais não podem estar a serviço apenas do devedor, mas também devem resguardar o interesse legítimo do credor. A proteção do direito de moradia, não deve ser vista como instrumento de proteção para a vida luxuosa.
A visão do vetado parágrafo único do artigo 650 do Código de Processo Civil, teve por finalidade que o devedor que residisse em um imóvel de elevadíssimo valor, não pudesse se escusar de pagar as suas dívidas, ficando sua moradia sujeita a constrição judicial. O referido parágrafo previa que, expropriado o imóvel, seria separado do valor obtido, o equivalente a mil salários mínimos, e entregue ao devedor, ficando o restante para disposição do executado.
Fica claro, assim, que o legislador em nenhum momento deixa de se preocupar com o direito social à moradia, visto que essa flexibilizaçãoem nada compromete o direito sagrado de proteção ao domicílio familiar do devedor. Realizada a expropriação do bem do devedor, o restante do valor advindo da alienação permitirá que o mesmo adquira um imóvel de valor mais modesto, sem, contudo, ferir o princípio da garantia de proteção de patrimônio mínimo (e, consequentemente, da dignidade da pessoa do devedor).
O Estado ao chancelar a proteção do vultoso patrimônio do devedor, ele inviabiliza a tutela jurisdicional, visto que não havendo outros bens penhoráveis, o credor estará desprotegido e com a frustração do seu crédito.
A título ilustrativo, imaginemos que o credor possui um valor a receber de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), em face do devedor. Este reside em um imóvel de família no valor de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais). Não havendo outros bens penhoráveis, o credor restaria com a satisfação do seu crédito comprometido.
Nesse quadro, temos uma verdadeira inequidade. Poder-se-ia ter uma situação em que o credor legítimo, encontra-se sem moradia, em dificuldades financeiras, tendo o devedor no bem de família a proteção para a concentração patrimonial em um único imóvel.
Cabe, ainda, destacar que essa situação estimula, inclusive, o devedor a concentrar todo seu patrimônio no bem de família, de forma a frustrar os eventuais credores diante da blindagem patrimonial existente, configurando-se, na prática, verdadeiro salvo conduto à inadimplência pelo devedor.
Ressalta-se que no exemplo mencionado, fica claro que o mais razoável e proporcional é a alienação do imóvel de alto valor para satisfação do crédito existente, que, inclusive, corresponde à uma fração mínima do valor econômico do bem, permitindo, ainda, que o devedor com o saldo remanescente tenha condições necessárias para adquirir outro imóvel para constituição do seu domicílio, sem qualquer prejuízo real ao direito de moradia.
Essa medida permite a harmonização dos princípios constitucionais do processo, conjugando a satisfação do crédito legítimo do credor, sem comprometer o direito de moradia do devedor.
Nesse sentido, salienta Arenhart (2008, p. 529) sobre o impedimento da penhora que: “não havendo outros bens penhoráveis, o impedimento de penhora de tais bens (imóveis de alto valor) inviabilizaria a tutela do credor, em manifesta ofensa à garantia do amplo acesso à Justiça”.
Lado outro, percebe-se que obstar a penhora de bens de elevados valores, afronta o princípio da efetividade da prestação jurisdicional, eis que compromete a efetividade do direito constitucional de ação, previsto no artigo 5º, XXXV, CRFB/88.
Estabelece-se no artigo 649 do Código de Processo Civil, o rol de bens impenhoráveis, já fazendo, desse modo, o legislador, um juízo prévio de ponderação entre os interesses envolvidos, causando a mitigação do direito do credor em favor da proteção do devedor.
Desse modo,fica evidenciado o desequilíbrio entre a restrição de um direito fundamental em detrimento a proteção de outro. Nessa linha, opina a respeito Dinamarco (2004, p. 343):
“Não se legitima, por exemplo, livrar da execução um bem qualificado como impenhorável, mas economicamente tão valioso que deixar de utilizá-lo in executivis seria um inconstitucional privilégio concedido ao devedor. Pense-se na hipótese de um devedor milionário, mas sem dinheiro visível ou qualquer outro bem declarado, e que viva em luxuosa mansão; esse é o seu bem de família, em tese impenhorável por força de lei (Lei nº 8.009, de 29.03.1990), mas que, em casos como esse, não se justifica ficar preservado por inteiro”.
A doutrina melhor entende e prevalece na jurisprudência, o entendimento de não se pode levar o devedor, através da execução, a uma situação conflitante com o princípio da dignidade da pessoa humana. No entanto, a execução não pode ser imobilizada, de modo a servir como um instrumento que cause uma situação incompatível com a garantia do direito de satisfação do credor, como se vê no caso de insatisfação da execução, em que o credor fica sem sujeito à perda de seu crédito, tendo em vista a impenhorabilidade do bem imóvel único do executado. Desta forma, não se mostra cabível que o vultoso patrimônio do devedor fique acima do direito legítimo do credor.
Corrobora Barcellos (2002, p. 197), nesse sentido:
“Se a sociedade não for capaz de reconhecer a partir de que ponto as pessoas se encontram em uma situação indigna, isto é, se não houver consenso a respeito do conteúdo mínimo da dignidade, estar-se-á diante de uma crise ética e moral de tais proporções que o princípio da dignidade da pessoa humana terá se transformado em uma fórmula totalmente vazia, um signo sem significado correspondente”.
Entende-se desse modo, como violado o princípio da dignidade da pessoa humana, pela insatisfação do processo executivo, diante da insuficiência de bens penhoráveis do executado, visto que, o credor fica subordinado a um processo predestinado ao insucesso, sem nenhum resultado prático visível, sendo apenas um empecilho para o seu exercício pleno de cidadania. O caso em tela de impenhorabilidade viola preceitos fundamentais constitucionais e prolonga a ação do Judiciário com processos fadados a ficarem por tempo indeterminável sem eficácia.
Diante disso, acaba-se por violar também o princípio da duração razoável do processo, com base em que o processo deve ser célere, efetivo e concreto, buscando sempre os meios hábeis para se adaptar o direito com a realidade individualizada exibida pelas partes.
Nessa linha, preceitua Cruz e Tucci (1997, p. 89):
“O tempo pode causar o perecimento das pretensões, ocasionar danos econômicos e psicológicos às partes e profissionais aos operadores do direito, estimular composições desvantajosas e, consequentemente, gerar descrédito ao Poder Judiciário e ao Estado como um todo”.
Diante do problema narrado da impenhorabilidade do imóvel de elevado valor, amparado pela Lei nº 8.009/90, deverá ser aposto em cada caso concreto o princípio da proporcionalidade, usando o método da ponderação de princípios e valores. A forma mais adequada de solucionar o conflito entre dois direitos fundamentais seria sua aplicação, visto que se sacrifica um deles, mais dentro dos limites necessários.
A fim de se alcançar a proporcionalidade, é necessário relativizar a ordem, para que somente o mínimo possível de direitos de ambas as partes seja sacrificado, buscando a melhor maneira de harmonizá-los. A relativização se dá tanto em benefício do exequente como do executado, ficando resguardados os princípios da efetividade da execução e o da dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, salienta Nery Júnior (2004, p. 197) que:
“o princípio da proporcionalidade, também denominado de “lei da ponderação”, na interpretação de determinada norma jurídica, constitucional ou infraconstitucional, devem ser sopesados os interesses e direitos em jogo, de modo a dar-se a solução concreta mais justa. Assim, o desatendimento de um preceito não pode ser mais forte e nem ir além do que indica a finalidade da medida a ser tomada contra o preceito a ser sacrificado”.
Resta claro então, que o princípio da proporcionalidade harmoniza uma escolha melhor do preceito legal que deverá ser atenuado, sendo assim, um instrumento importante de interpretação de aplicação de leis em cada caso concreto.
Ressalta-se que o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o fato de o imóvel ser de elevado valor não afasta a regra da impenhorabilidade do bem de família, por causa de seu caráter de norma de ordem pública e de cunho social. Porém, é possivelmente passível de flexibilização, a norma que estabeleceu a regra da impenhorabilidade do bem de família, no caso em que, o valor do imóvel penhorado for plenamente suficiente para a satisfação do débito e para que o devedor possa adquirir uma nova moradia de um valor mais baixo.
O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, já reconheceu em uma de suas decisões, de maneira brilhante, a penhora de um imóvel residencial de alto valor, apesar de prevalecer como regra a impenhorabilidade do bem imóvel de família, mesmo que de elevado valor.
“BEM DE FAMÍLIA – IMPENHORABILIDADE – LEI 8.009/90 – IMÓVEL EM BAIRRO NOBRE – INCIDÊNCIA DA CONSTRIÇÃO – RESGUARDAR AO DEVEDOR NA ARREMATAÇÃO O VALOR DE UM IMÓVEL MÉDIO – POSSIBILIDADE. A Lei 8.009/90 de cunho eminentemente social, tem por escopo resguardar a residência do devedor e de sua família, assegurando-lhes condições dignas de moradia; mas não pode o devedor servir-se do instituto do bem de família como meio para frustrar legítima pretensão de seus credores, subtraindo da execução imóvel de elevado valor, situado em bairro nobre, e como tal pode e deve ser ele objeto do arresto; devendo, no entanto, extrair, quando da venda ou arrematação, um valor que proporcione ao executado a aquisição de um imóvel de porte médio, no mesmo município de sua localização, capaz de assegurar ao devedor e à sua entidade familiar condições de sobrevivência digna, mas sem suntuosidade.” (TJ/MG, Ac.11ªCâm.Cív., AgInstr. 1.0024.06.986805-7/005(1) – comarca de Belo Horizonte, rel. Des. Duarte de Paula, j.5.3.08, DJMG 19.3.08)
Nessa linha, entende o juiz da 25ª Vara Cível de São Paulo que, apesar de a lei não permitir a penhora de bem de família, ela não pode ser interpretada de forma absolutamente formal e literal, para ele, o julgador precisa levar em conta, no momento da decisão, vários fatos sociais, tendo em vista a realização de certos valores. Ressalta, dizendo que a lei não pode ser considerada lícita e ao mesmo tempo contrariar princípios gerais do direito.
O juiz comenta que o objetivo maior da lei é o bem social e que os julgadores devem buscar o verdadeiro sentido e alcance do texto legal.
Outra questão a ser analisada é a possibilidade de penhora de parte do imóvel, considerado bem da família. Essa possibilidade vem sendo admitida quando há a possibilidade de desmembramento sem sua descaracterização, ou seja, desde que mantidas as características do imóvel.
A possibilidade do fracionamento do imóvel bem de família, para fins de penhora, apenas é possível, quando não houver prejuízo na parte residencial, em relação ao espaço físico no qual se encontra a residência familiar, e ainda nas suas mediações.
A jurisprudência, aliás, em tal ponto é remansosa, valendo colacionar alguns exemplos:
“TJ-SC – Agravo de Instrumento AG 20120386433 SC 2012.038643-3 (Acórdão) (TJ-SC) Data de publicação: 22/08/2012.
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. DECISÃO AGRAVADA QUE ACOLHEU REQUERIMENTO DOS DEVEDORES, RECONHECENDO A IMPENHORABILIDADE DO BEM IMÓVEL CONSTRITADO, QUE ESTARIA AO AGASALHO DA LEI N. 8.009 /1990. MORADIA ERIGIDA EMTERRENO COM ÁREA DE 69.772,98 M². POSSIBILIDADE DEDESMEMBRAMENTO DO TERRENO COM PRESERVAÇÃO DA ÁREA ONDE SE ENCONTRA EDIFICADA A RESIDÊNCIA DA FAMÍLIA, OBSERVADAS AS POSTURAS MUNICIPAIS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. O objetivo da Lei n.º 8.009 /1990 é proteger a moradia do devedor e sua família, não se justificando, portanto, estender esse abrigo a um terreno com 69.772,98 m² de área, só porque sobre parte dele foi erigida a residência familiar. Nessa hipótese, manifesta a possibilidade de desmembramento, a penhora pode incidir na parte restante do terreno, até onde a avaliação alcançar o crédito exigido em Juízo, preservada a moradia e terreno suficiente à satisfação das exigências de dimensões mínimas de lotes urbanos pela respectiva legislação municipal.”
“TRF-4 – APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO APELREEX 1475 SC 2003.72.05.001475-0 (TRF-4)Data de publicação: 15/06/2010
Ementa: EMBARGOS DE TERCEIRO. EXECUÇÃO FISCAL. BEM DE FAMÍLIA.DESMEMBRAMENTO DO IMÓVEL. POSSIBILIDADE. Tendo a perícia constatado a possibilidade de desmembramento do imóvel, a fim de que seja preservado o bem da família, mas sem que isto impeça o prosseguimento do executivo fiscal, é cabível a alienação da parte desmembrada.”
“TJ-SP – Agravo de Instrumento AI 20988780420158260000 SP 2098878-04.2015.8.26.0000 (TJ-SP) Data de publicação: 06/08/2015
Ementa: Agravo de instrumento – Execução de título extrajudicial – Penhora efetivada sobre bem de propriedade do executado – Insurgência – Comprovação de que o imóvel é utilizado como residência permanente do devedor e sua família – Impenhorabilidade, nos termos da Lei nº 8.009 /90. Entretanto, verificando-se a existência de dois lotes, com matrículas distintas, admite-se, em tese, que a penhora recaia sobre aquele que contém as obras de lazer – Necessidade de realização de prova pericial para que se verifique a possibilidade de desmembramento dos imóveis – Recurso parcialmente provido, com observação”.
“TRT-3 – AGRAVO DE PETICAO AP 522009 00651-2005-153-03-00-0 (TRT-3) Data de publicação: 27/07/2009
Ementa: BEM DE FAMÍLIA. POSSIBILIDADE DE DESMEMBRAMENTO DOIMÓVEL. SUBSISTÊNCIA DA PENHORA QUANTO À PARTE DESMEMBRADA. Como bem se sabe, a Lei 8.009 /90 tem o escopo de garantir ao devedor o mínimo indispensável à moradia de sua família, o que impõe uma interpretação cuidadosa e sistemática de cada situação, de modo a se evitar que as execuções se tornem inviáveis e que a lei possa servir de escudo ao descumprimento das obrigações judiciais. No caso em apreço, ficou evidenciada a divisibilidade cômoda do bem em unidades autônomas e independentes, apesar de único o registro no CRI de Varginha. Assim sendo, tem-se que a penhora e venda judicial do pavimento inferior destinado a aluguel não afrontará a Lei 8.009 /90, pois será respeitado integralmente o direito à moradia dos Agravantes.
Desse modo, a questão em tela, pode ser resolvida de maneira fácil, com o desmembramento do imóvel em unidades autônomas, visto que a área protegida é somente o lote que se encontra a residência familiar, a fim de que se possa haver a penhora do restante e a satisfação da dívida. Sendo possível a divisão física do lote, sem haver o comprometimento da residência do devedor, é cabível o desmembramento do mesmo, para fins de penhora.
No entanto, devem ser observadas as particularidades de cada caso concreto, procurando preservar o equilíbrio no ordenamento jurídico, a fim de se evitar a má-fé por parte do devedor e o prejuízo em relação ao credor.
7 CONCLUSÃO
Podemos concluir com o presente artigo a possibilidade jurídica da penhora do bem imóvel único, considerado bem de família, de vultoso valor, sendo possível através dos princípios gerais do direito processual civil, de maneira a suprir a grande insegurança jurídica resultante da ineficácia de processo de execução gerador do afastamento da satisfação de seu crédito, sendo possível assim, um desfecho processual em tempo razoável.
O Judiciário deve buscar um equilíbrio entre o direito ao crédito do credor e o direito à moradia do devedor, em um processo de execução, quando o valor do imóvel penhorado for satisfatório para o pagamento do débito e a aquisição de nova moradia digna e confortável para o devedor, impondo desta forma uma relativização da norma que prevê a impenhorabilidade do bem de família. Deste modo, vários doutrinadores usam da aplicação dos princípios relacionados à satisfação do processo de execução, a fim de trilharem um caminho aquém do taxado pela engessada letra da lei, possibilitando, assim, a flexibilização da impenhorabilidade do bem de família de elevado valor.
O Código de 2002 e a Lei nº 8.009/90 trazem benefícios que priorizam a convivência do núcleo familiar, representando a efetiva segurança da vida e desenvolvimento de seus membros, garantindo a necessidade de uma moradia digna, o que não chancela a proteção de luxuosos bens.
No entanto, é importante ressaltar que a penhorabilidade do bem de família não possui o intuito de prejudicar o devedor e muito menos proteger o credor. O instituto tem por finalidade prestigiar a ordem pública no âmbito do interesse público, a fim de se evitar um conflito jurídico, causando nas partes, uma insegurança por seu caráter incerto e protelatório.
Como vimos, no decorrer do trabalho, a procrastinação das demandas executivas viola os princípios bases do direito, dentre os quais estão o princípio da dignidade da pessoa humana, a duração razoável do processo a satisfação do credor e o princípio da proporcionalidade.
Na medida em que o credor estará sujeito a um processo interminável e inútil, visto que os bens do executado estão legalmente protegidos, surge a possibilidade de penhora do bem de família com o objetivo de resguardar a segurança jurídica.
Enfim, o executado não dispondo de outros bens móveis capazes de garantir a execução e possuindo um imóvel residencial de elevado valor, que exceda o padrão médio de vida, deve o magistrado admitir a penhora e a expropriação do referido bem, entregando ao executado uma parcela do produto alienado, sob cláusula de impenhorabilidade, proporcionando ao mesmo uma garantia de aquisição de outro imóvel, no qual possa residir de forma digna.
Informações Sobre os Autores
Lucas Azevedo de Lima
Graduação em Direito pela Faculdade Milton Campos. Mestre em Direito Ambiental pela Faculdade Dom Helder Cmara. Advogado. Gerente Jurídico do escritório Leonardo Naves Direito de Negócios. Membro da comissão de Direito Ambiental da OAB/MG. Professor de Direito Penal da Faculdade de Direito Asa de Brumadinho
Thaís Amanda do Carmo Prado
Graduação em Direito pela Faculdade de Direito Asa de Brumadinho. Advogada