Uma breve análise acerca da sintaxe do Título III do Livro III do Código Civil vigente. Do dano

PEQUENA INTRODUÇÃO.

O presente texto tem por finalidade, muito mais revestido de caráter acadêmico, proporcionar uma análise do que ousamos chamar de “Teoria do Dano”, buscando elencar sua natureza fática e jurídica, os diversos remédios existentes para sua caracterização, bem como a conseqüente responsabilização civil decorrente do dano causado por alguém.

Por fim, à guisa de pequena conclusão, busca-se discernir o dano frente à responsabilização civil e a necessidade de operar-se tal procedimento como mais adequado aos anseios do direito positivo e sob a ótica da filosofia do direito.

DO DANO.

O imediato vislumbre acerca do inteiro teor do artigo 186 do Código Civil vigente, traz à tona a necessidade premente de uma interpretação mais acurada do seu significado bem como dos seus possíveis desdobramentos ante o mundo fático e, via de conseqüência, no mundo jurídico. Sua transcrição, deste modo, faz-se necessária para, a seguir, ousarmos um breve estudo acerca do instituto nele contido.

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Primeiramente, deve-se observar que, embora revogado, o Código Civil de 1916, em seu texto nato, guardou a prerrogativa de alguns artigos cuja sintaxe torna-se indispensável para entendimento do preceito jurídico conservado no texto vigente, o que se pode definir como artigos princípio, ou seja, artigos cujo conteúdo sedimentaram-se ao longo do tempo, até cristalizarem-se em preceitos inarredáveis consistentes e necessários ao trabalho doutrinal. Assim, têm-se que ato ilícito é todo aquele que não seja lícito, sendo certo que lícito é o ato que se encontrava definido no artigo 81 do Código Civil revogado, o qual transcrevemos “in verbis”:

“Art.81. Todo o ato lícito, que tenha por fim imediato, adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, se denomina ato jurídico”.

Isto posto, dentro da vertente análise, cabe a verificação do termo “dano” e seu significado no contexto analisado. Dano, é um mal ou ofensa que um indivíduo possa vir a causar – ou ainda já tenha causado – a outrem, revestindo-se de um sentido patrimonial, seja de diminuição ou de frustração na expectativa do indivíduo lesado, ou seja, aquele que venha a sofrer os efeitos do ato praticado pelo outro. Tal sentido patrimonial encontra sua fundação no direito atual que, diferentemente do seu ancestral romano vinculava os indivíduos de forma pessoal e perpétua, impedindo que o dano causado pudesse vir a extinguir-se por outra via que não a escravização do indivíduo que se submetia a outrem.

Desta forma, temos, em uma primeira análise, que constitui ato ilícito aquele que seja capaz de gerar dano ao paciente seja por ação ou omissão do agente, ou ainda, por negligência, imprudência ou imperícia deste mesmo agente orientado por sua  voluntariedade acometido da intenção (vontade) de cometê-lo ou deixar de cometê-lo. A voluntariedade pressupõe intenção do agente, ou melhor, uma conduta que seja repreensível e que em seu âmago possa vir a causar prejuízo a outrem, e que esta conduta nasça espontaneamente de sua vontade, sem que este pressuponha que dada à espontaneidade sua voluntariedade esta possa vir a se constituir em dano a alguém.

Todavia, ao agir – ou deixar de agir – de acordo com a conduta comumente considerada como lícita (de acordo com a lei), em conformidade com os ditames legais vigentes –, o agente gera uma repercussão na vida de outrem – isto independentemente de dolo ou culpa que mais a seguir analisar-se-á – repercussão essa que se expressa sob a forma de dano (moral ou material) na vida de outrem que não deu (em tese) motivação a tal efeito.

Assim considerado encontramo-nos diante dos três requisitos que constituem os pressupostos de existência e validade da responsabilidade civil, quais sejam: a conduta (omissiva ou comissiva), o dano e o nexo-causal, o liame que vincula o fato à sua conseqüência (conduta e dano). Contudo, cabe salientar que, a aferição da culpa é absolutamente necessária para haver a responsabilização do agente pela conduta comissiva ou omissiva assim considerada.

De imediato, conclui-se, então, que o dano não pode ser considerado em si mesmo, mas sim quando eivado de culpa, seja ela subjetiva (dependente de comprovação), seja ela objetiva (restando comprovada de fato). O agente deve estar imbuído de certa voluntariedade em desprezar a devida atenção que lhe restaria suficiente e necessária para evitar o dano, ou ainda possuir a intenção determinada de agir de forma imprudente ou negligente.

IMPRUDÊNCIA, NEGLIGÊNCIA E IMPERÍCIA – UM BREVE CONCEITO.

Negligência, também conhecida como desatenção ou falta de cuidado ao exercer certo ato (necessidade de todo o indivíduo ser prudente), consiste na ausência de necessária diligência, implicando em omissão ou inobservância de dever, ou seja, aquele de agir de forma diligente, prudente, agir com o devido cuidado exigido pela situação em tese.

Já a imprudência, ou melhor, imprevidência, tem a ver com algo mais que mera falta de atenção, mas ato que pode revelar-se de má-fé, ou seja, com conhecimento do mal e a intenção de praticá-lo (1); a ação imprudente é aquela revestida de dolo – a má-fé concretizada -, e portanto, embora não querida pelo agente também não revestida de absoluta ausência de intenção.

Melhor explicando, age de forma imprudente aquele que sabedor do grau de risco envolvido, mesmo assim acredita que seja possível a realização do ato sem prejuízo para qualquer um; age, assim, além da justa medida de prudência que o momento requer, excede os limites do bom senso e da justeza dos seus próprios atos.

Com relação à imperícia, requer-se do agente a falta de técnica ou de conhecimento (erro ou engano na execução, ou mesmo consecução do ato), de outra forma, tem-se uma omissão daquilo que o agente não deveria desprezar, pois consiste em sua função, seu ofício exigindo dele perícia – uso de técnica que lhe é própria ou exigível até mesmo pelo seu mister. Refere-se, por fim, a uma falta involuntária, mas também eivada de certa dose de má-fé com pleno conhecimento de que seus atos poderão vir a resultar em dano para outrem.

Assim reunidos temos as ações cometidas pelo indivíduo que podem resultar em dano, não havendo que se falar em boa-fé, nem mesmo de leve relance, posto que a atitude – ou melhor, a intenção – do agente caracterizou-se e enquadrou-se  dentro de um dos três tipos aqui descritos.

Nesta mesma condição estudada até aqui, temos que o indivíduo agiu com a intenção, com a vontade livre e consciente de consecução do fim colimado, sem considerar a possibilidade de que sua ação, ou omissão, possa, de qualquer forma e sob qualquer pretexto vir a resultar em dano a outrem, seu semelhante, mesmo que esse outro indivíduo possa de qualquer maneira ter contribuído para tal intento.

O dano, nesta vertente de análise, toma uma vestimenta de resultado – querido ou não – cujos efeitos espraiam-se para o mundo fático, gerando efeitos que devem ser juridicamente sanados, a fim de restabelecer-se o equilíbrio almejado pela Estado. Veja-se que o desiderato aqui apontado não vai de encontro ao princípio da paz social, preceito jurídico contido ao longo de todo o ordenamento estrutural do direito, pois ainda que seja mero pretexto formal conjeturado não se preceitua como corolário de verdade.

Ao Estado cabe o interesse de ver mantido os seus interesses – que são, via de conseqüência, mas não necessariamente aqueles do interesse coletivo – a qualquer custo, tendendo de forma mais que exigível a manutenção do equilíbrio do poder, cujo principal e, por que não dizer, indispensável instrumento seja o ordenamento jurídico dentro do qual encontrem-se previstas todas as possibilidades que sejam capazes de gerar efeitos indesejáveis à manutenção deste equilíbrio.

A resultante que se delineia aqui é aquela descrita pelo próprio ordenamento jurídico, ou seja, toda a vez que o equilíbrio é perturbado por ato que resulte em dano, deve ser imediatamente restituído, tomando o Estado para si à tutela jurisdicional com o intuito de preservar não apenas o equilíbrio, mas também sua manutenção de forma positiva. O dano, aqui encarado como resultante indesejável e muito menos querida por todos, deve ser reparado sob as formas previstas pela lei – sistema positivo – seja sob a forma de indenização, seja sob a forma de punição, seja por ambas as formas.

O PERIGO DE DANO.

O dano, considerado como elemento fático resultante de ato jurídico praticado com ou sem culpa, exige proteção do ordenamento jurídico até mesmo quando da eventualidade de periclitação de sua ocorrência, assim tomado como pressuposto de admissibilidade para pedido de tutela antecipada (artigo 273 do Código de Processo Civil), bem como de medida cautelar (artigo 798 do Código de Processo Civil).

Trata-se do “periculum in mora”, ou o perigo na demora, ou ainda perigo de dano que caracteriza-se por três elementos constitutivos, necessários e exigíveis para a configuração de tal situação, a saber:

a) Receio Fundado: – Uma situação objetiva, cuja demonstração se faz através de fato concreto.

b) Próximo ou iminente: – Uma lesão que pode ocorrer, ocasionando resultados que afetarão o curso o processo antes mesmo de sua solução.

c)  De difícil reparação: – Que pode ser aferido tanto de forma objetiva como de forma subjetiva.

Persegue-se, desta forma, uma possibilidade de lesão do direito, mesmo que essa ainda não tenha acontecido, porém, guardadas as devidas proporções, poderá vir a ocorrer, se não for tomada uma atitude em contrário. É verdadeira medida acautelatória, isto é, medida que visa assegurar que o direito seja apreciado sem qualquer risco de perdimento ou de prejudicialidade do pleito original contido no pedido da parte.

Perseguindo-se a presente conceituação, tem-se ainda a questão da tutela antecipada, prevista no artigo 273 do Código de Processo Civil, a qual difere-se de medida cautelar por se revestir de natureza satisfativa e não acautelatória, exigindo para sua concessão a prova, mesmo que mínima, mas absolutamente verossímel – e que seja capaz de fornecer ao Juiz o necessário grau de certeza de que o risco de periclitação é iminente e passível de perpetuar-se em curto espaço de tempo, ocasionando prejuízos que, muitas vezes, não poderão ser desfeitos ou sanados durante o curso do processo.

Corrente é o exemplo de pedido de tutela antecipada de manutenção de plano de saúde em caso de demissão sem justa causa, posto que o trabalhador, tendo interposta ação trabalhista para reversão da referida demissão, requer, por meio do pedido de tutela antecipada com pedido liminar, a manutenção do direito de usufruir do plano de saúde por encontrar-se em tratamento médico que exige acompanhamento constante e cuidados especiais.

Neste caso, evidencia-se que a concessão, pelo Juízo, de tal medida antecipatória, além de assegurar direito que está, eminentemente, sofrendo uma lesão grave e irreparável, torna-se efeito que pode ser revertido a qualquer momento, ou quando da prolação de sentença de mérito.

Com foi visto neste tópico, o dano, mesmo quando manifestado de forma futura, pode ser evitado através dos mecanismos jurídicos cabíveis, ou melhor, disponíveis a todo aquele que se encontre em situação similar, assegurando que a reparação possa dar-se de forma imediata e eficiente.

O DANO E A RESPONSABILIDADE CIVIL.

A análise acima tem o condão de principiar um estudo mais aprofundado do dano frente à responsabilidade civil. Para tal estudo, carecemos inicialmente de versejar sobre o texto jurídico do novo Código Civil, em especial no teor de seu artigo 927, o qual, seguiremos com sua transcrição:

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art.s 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

“§ único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

É ofuscante a cristalinidade do texto legal ao imputar ao agente, seja de forma comissiva ou omissiva, a responsabilidade em indenizar ao paciente por dano que lhe tenha sido causado em virtude dessa ação ou omissão, mesmo que tal condição tenha sido praticada sem culpa ou ainda seja ela decorrente da própria atividade praticada pelo indivíduo – cumprimento do dever legal ao qual foi investido, ou ainda, dever de ofício – agindo ele dentro dos parâmetros de diligência, prudência e perícia, conforme o caso.

O que resta salientar neste prisma estudado refere-se ao fato de que a responsabilidade de indenizar, ou melhor, de reparar o dano causado far-se-á sob a forma de patrimonialidade, ou seja, a indenização reverte-se em perdas e danos, impondo ao seu agente a obrigação – mais que natural – de destituir-se da parte necessária de seu patrimônio que seja suficiente e necessária para recompensar o paciente que sofreu uma diminuição de seu capital,  ou ainda, uma frustração na expectativa de aumento – danos emergentes e lucros cessantes – sem perder-se vista a possibilidade de reparação por eventuais danos morais sofridos pelo paciente durante a prática do ato que o levou a sofrer os efeitos do mesmo.

O que temos, por última análise, é que a imperiosidade de reparação de dano, independe de culpa, ou melhor, sujeita o agente a dispor de seu patrimônio, até o limite que – estabelecido por lei – for necessário para repor as perdas e danos sofridos pelo paciente, que, desta forma, terá sido compensado, ou melhor, retornará ao status quo ante, aquele do qual, na verdade nunca deveria ter sido retirado, não fosse pela intervenção do agente causador do dano.

O mesmo se daria caso a conduta fosse tida como culposa, uma vez que culpa é a conduta repreensível que gera, de per si, o direito e o conseqüente dever de indenizar, pois a ninguém é lícito ser imprudente, negligente ou imperito; ao contrário, a conduta deve ser prudente, diligente e perita; o prejuízo é ilícito, segundo a inteligência plena do artigo 186 aqui estudado sem mais profundidade do que caberia ao seu entendimento.

Destarte, para delinear-se a conduta do agente é necessário procurar-se a intenção que também é chamada de vontade real e que normalmente se esconde em um instrumento, ou em um ato. É preciso, portanto, muitas vezes, descriar, desconstruir o instrumento ou o ato em busca dessa intenção.

Muitas vezes, tal busca encontra-se retida pelo simples entendimento ante a existência de um instrumento que transcreve a intenção das partes e consiste num verdadeiro pressuposto de validade e eficácia do que foi nele transcrito, de tal modo que, atendendo ao princípio do “pacta sund servanda”, ou melhor, de que os pactos devem ser cumpridos, impõe-se que o dano causado deverá ser, necessária e obrigatoriamente, reparado submetendo o patrimônio do devedor-agente ao credor-paciente, preceituando que qualquer violação do negociado previamente acaba por submeter-se ao legislado positivo, respeitando os limites para exercício do direito, segundo o artigo 187 do Código Civil vigente, qual seja, os fins sociais, econômicos, a boa-fé e os bons costumes.

O que fica, ao final desta pequena análise, é que a obrigação de indenizar por danos causados encontra sua justificativa de caráter filosófico-jurídico dentro dos princípios do direito originalmente estabelecidos por Ulpiano, quais sejam:

01.   Viver honestamente;

02.   Não lesar a outrem;

03.   Dar a cada um o que é seu.

Sempre é bom lembrar ainda que este último princípio foi novamente retomado por São Tomas de Aquino ao elucidar que dar a cada um o que é seu, deve ser feito segundo uma medida, qual seja esta a medida da justeza.

São Paulo, 21 de maio de 2005.

 

Bibliografia
01.   MACHADO, Antonio Cláudio da Costa – CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL INTERPRETADO – Editora Manole – 4ª edição – São Paulo – 2004.
02.   THEODORO JR, Humberto – CURSO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL – Editora Forense – 30ª edição – Rio de Janeiro – 2003.

Informações Sobre o Autor

Antonio de Jesus Trovão

formado em Administração de empresas pela UNIFEI, campus São Paulo, acadêmico de direito pela Universidade São Francisco e servidor público federal lotado no Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região.


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