Uma breve discussão acerca da possibilidade de reconhecimento da má-fé de reclamante empregada gestante por silêncio doloso quanto à gravidez durante todo o período estabilitário

Resumo: A garantia provisória de emprego à gestante é tutela de grande relevância para a proteção, inclusive, do nascituro, entretanto, por vezes, torna-se tema de importantes debates, como é o caso, ora estudado, da consideração ou não de má-fé da trabalhadora grávida demitida que ajuíza reclamação trabalhista somente após o fim do período de estabilidade, requerendo, portanto, apenas indenização pecuniária. O presente estudo tem como objetivo discorrer sobre esses entendimentos, à luz da doutrina, da jurisprudência e da ponderação de princípios informadores da relação trabalhista, usando-se uma metodologia baseada em estudo descritivo-analítico a partir de pesquisa bibliográfica.  Inicialmente, discorre-se sobre o princípio da proteção. Em seguida, estudam-se os deveres mútuos das partes no contrato de trabalho e, por fim, as considerações sobre o pedido de indenização após o período estabilitário da gestante.[1]

Palavras-Chave: estabilidade, gestante, indenização, má-fé.

Abstract: The temporary employment garantee for pregnants is tutelage of great relevance for the protection, including of the unborn, however, sometimes, it becomes subject of importante debates, such as the case, now studied, about the consideration or not of bad faith of pregnant worker fired who only starts labor complaint after the complete stability period, claiming, therefore, financial compensation. The present study has the objective to discurse on these understandings, in light of doctrine, domestic case law and weighting reporting principles of the labor relations, using a metodology based on descriptive-analytical study from bibliographic research. First, it discurses on the protection principle. Next, it treats about the mutual obligations between employer and employee and, then, about considerations on the claim of financial compensation after pregnant stability period.

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Key-words: stability, pregnant employee, financial compensation, bad faith.

Sumário: Introdução. 1. O princípio da proteção aplicado á empregada gestante. 1.1. A evolução da proteção à empregada gestante. 1.2. A garantia de emprego à empregada gestante como proteção ao nascituro. 2. Os deveres mútuos das partes no contrato de trabalho. 3. Considerações acerca do pedido de indenização após estabilidade provisória da empregada gestante. 3.1. Prazo prescricional e boa-fé objetiva. 3.2. Evolução do entendimento jurisprudencial. 3.3. Teste de gravidez no exame demissional: considerações doutrinárias. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

A evolução da proteção à gestante envolve a garantia de que não seja ela preterida, apenas por seu estado de grávida, à admissão e à manutenção de emprego. Assim, a gestante goza de estabilidade provisória (ADCT, art. 10, II, b) por determinado período quando o contrato de trabalho é por prazo indeterminado e, mais recentemente, tal garantia foi estendida também ao caso de contrato por tempo determinado (Súmula nº 244, III, TST – redação atual), inclusive, contrato de experiência. Verifica-se, portanto, que as hipóteses de aplicação de tal tutela, prevista constitucionalmente, vêm aumentando à luz das leis, das normas coletivas de trabalho, da doutrina e da jurisprudência.

Art. 10, II, b, ADCT: II – Fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

A ampliação do entendimento dessa proteção alcança a premissa de que nem o desconhecimento do estado gravídico pela empregada e, consequentemente, pelo empregador, na data da demissão, afasta a responsabilidade do empregador quando se confirma, posteriormente, a gravidez no período contratual. (Súmula nº 244, I, TST):

“Súmula 244 TST: GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (redação do item III alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 I – O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, "b" do ADCT). II – A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade. III – A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado” (grifo nosso).

Ocorre, que a empregada gestante pode ajuizar, nos ditames da lei, ação para reintegração/indenização dentro de um prazo prescricional, podendo fazê-lo após o período de estabilidade, o que impossibilitaria sua reintegração (Súmula nº 244, II, TST) e só viabilizaria a indenização de todo aquele período. Tal fato levaria um ônus ao empregador, visto que este pagaria por inatividade, ociosidade da empregada. Entende-se que essa responsabilidade objetiva do empregador decorre da necessidade e da prioridade de se proteger o nascituro.

O problema levantado em toda essa conjuntura é se a proteção do nascituro descartaria a análise da existência de má fé da empregada gestante no caso concreto, o que parecia ser o entendimento até recentemente. Ou seja, a gestante estaria blindada do teor do brocardo de que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza (nemo auditur propriam turpitudinem allegans)? Tal blindagem não seria nociva à segurança jurídica, ao interesse público, acabando por gerar mais discriminação à contratação de mulheres pelas empresas? É notório, pois, o clamor, no momento atual da evolução do Direito do Trabalho, por um aprofundamento do estudo desse tema e pela busca de possíveis soluções com base na ponderação de princípios. Não resta dúvida de que se trata de tema delicado.

A relevância de se estudar o tema emerge das constantes mudanças na sociedade, que exigem mais do que a aplicação da letra da lei, para se fazer justiça frente ao dinamismo social, inclusive no que tange ao comportamento dos litigantes nos processos trabalhistas. Sem dúvida, a observação dos fatos leva os operadores do direito a novas reflexões todos os dias. Urge perceber se a mens legis está sendo aplicada para fazer justiça social ou para legitimar injustiças.

Assim, é necessário analisar se a responsabilidade objetiva do empregador (art. 10, II, “b”, ADCT) não está sendo explorada de modo diverso da ideia original de se proteger o mais vulnerável, no caso, a empregada gestante. Pois, se tal ocorrer, o interesse social não será atingido e consequências nefastas surgirão em prejuízo das trabalhadoras gestantes.

Dessa forma, o presente artigo será dividido em 3 capítulos. O primeiro capítulo observará o princípio da proteção aplicado à empregada gestante, enfocando a evolução histórica da estabilidade provisória da mesma, bem como sua relação com a proteção do nascituro.

O segundo capítulo tratará sobre os deveres mútuos das partes no contrato de trabalho, enquanto que o terceiro capítulo abordará considerações sobre o pedido de indenização pela empregada gestante após o período estabilitário, concernentes à boa-fé objetiva, à evolução do entendimento jurisprudencial e à possibilidade do teste de gravidez no exame demissional.

Para alcançar tal desiderato, será adotado, quanto ao tipo de metodologia, o estudo descritivo-analítico, desenvolvido através da pesquisa bibliográfica e, quanto à abordagem dos resultados, a metodologia pura e qualitativa.

Objetivar-se-á, então, analisar a evolução da proteção à estabilidade da empregada gestante à luz do interesse público, sem descartar os deveres mútuos exigíveis nas relações trabalhistas, como em qualquer outra relação contratual, em especial de informação de boa-fé, bem como avaliar a possibilidade da inclusão do teste de gravidez no exame demissional, como um dos modos de solucionar com justiça o dilema apresentado e de atender a proteção do nascituro.

1 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO APLICADO Á EMPREGADA GESTANTE

O princípio da proteção insere-se no grupo dos princípios especiais do Direito do Trabalho, tecendo uma rede de proteção ao obreiro, considerado parte hipossuficiente na relação empregatícia. Dessa forma, esse princípio informador do Direito Individual do Trabalho é apontado, por muitos doutrinadores, como norteador de todos os demais princípios deste ramo jurídico (DELGADO, 2013, p. 190).

Segundo Garcia (2011, p.717), a garantia de emprego à gestante foi estendida à empregada doméstica pela Lei 11.324/2006, atendendo aos princípios da proteção e da norma mais benéfica.

Dentre os princípios especiais que seriam derivados do princípio da proteção, o princípio da continuidade da relação de emprego parece ser o que guarda maior relação com o instituto da estabilidade provisória, sinônimo de garantia provisória de emprego, inclusive, da empregada gestante, objeto do presente estudo.

A despeito de haver classificação de garantia de emprego como gênero, visto que englobaria mais do que o instituto da estabilidade provisória, o qual seria espécie daquela, bem como outras classificações, tratar-se-á da garantia de emprego como sinônimo de estabilidade neste estudo.

Assim define Delgado (2013, p. 1291) a garantia de emprego: “(…)vantagem jurídica de caráter transitório deferida ao empregado em virtude de uma circunstância contratual ou pessoal obreira de caráter especial, de modo a assegurar a manutenção do vínculo empregatício por um lapso temporal definido, independentemente da vontade do empregador.”

Nesse contexto, encontra-se a estabilidade provisória à empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, sendo vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa (ADCT, art. 10, II, b)

Na ausência da tipificação da dispensa arbitrária, com exceção de expressa delimitação quando se trata do dirigente da CIPA, considera-se possível, apenas, a dispensa por justa causa da empregada doméstica (DELGADO, 2013, p. 1295).

Em que pese à proteção da gestante se efetivar de vários modos, como interrupção do contrato de trabalho para realização de algumas consultas e de exames, licença-maternidade de 120 dias e proibição de realização de teste de gravidez para admissão ao emprego, a matéria abordada no presente trabalho se limita e se refere apenas à estabilidade provisória de emprego desta obreira.

1.1 Evolução histórica da estabilidade provisória da empregada gestante

Antes da Constituição Federal de 1988 (CF/88), o Brasil havia aprovado a Convenção nº 103 da OIT, de 1952, através do Decreto Legislativo nº 20 de 30/04/1965, o qual proibia a dispensa da gestante durante a licença-maternidade ou seu prolongamento. Havia também instituto semelhante a essa vedação por meio de convenção coletiva de trabalho. Porém, a partir da CF/88, a empregada gestante passou a ter garantia de emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após parto (MARTINS, 2010, P.435).

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A despeito do entendimento de alguns autores de que o empregador não poderia se responsabilizar por garantia de emprego de empregada gestante, dispensada sem o conhecimento da gestação pelo empregador, o STF entendeu que a responsabilidade deste é objetiva e, não, subjetiva; e o TST, por sua vez, dispôs, na Súmula nº 244, I, que não é necessário a empregada comunicar a sua gravidez ao empregador para fazer jus à estabilidade provisória da gestante (MARTINS, 2010, p. 435).

Seguiu-se também discussão doutrinária acerca do que seria “confirmação da gravidez”, se tal terminologia se referia à comunicação de tal estado ao empregador. Algumas normas coletivas até estabeleciam a obrigatoriedade da empregada de comunicar a gravidez ao empregador no período de 30 dias após o término do contrato de trabalho, sob pena de perder a garantia de emprego.

Frise-se, ainda, que tal disposição não afrontava a CF/88, por falta de conceituação de “confirmação” no texto constitucional (MARTINS, 2010, P. 437), bem como não há empecilho à disposição sobre a garantia de emprego à gestante em instrumento coletivo (GARCIA, 2011, p.723). Inclusive, há certas normas coletivas mais favoráveis á empregada por estender mais 60 dias à essa garantia (MARTINS, 2010, p.437).

Além disso, sempre houve teses doutrinárias a favor da obrigatoriedade da comunicação ao empregador para se ter garantida a estabilidade (CASSAR, 2011, p.34). Entretanto, o STF entendeu diferente (MARTINS, 2010, p. 437). Dessa forma também dispôs a Súmula nº 244, I, TST, ou seja, o desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito à reintegração ou à indenização (CASSAR, 2011, p. 34).

Quanto à garantia de emprego da gestante durante os contratos por prazo determinado, o TST entendeu, de início, que a empregada não teria tal direito, tendo em vista a natureza do contrato a termo, em que as partes estão cientes da data do fim do pacto laboral, não subsistindo a consideração de dispensa arbitrária ou sem justa causa.

Ocorre, como se sabe, que tal entendimento sofreu mudança, alterando a redação da Súmula nº 244 do TST, e a referida garantia alcançou os contratos com prazo determinado, inclusive o contrato de experiência.

Havia ainda discussão sobre a garantia de emprego no caso da empregada engravidar ou ter a comprovação da gravidez no período de aviso prévio trabalhado ou indenizado. Martins (2010, p. 435) defendeu o entendimento de que sem a comprovação perante o empregador, a gestante não teria direito à garantia de emprego.

Ainda sobre a gravidez ou sua comprovação durante o aviso prévio, cumpre ressaltar outras duas situações. No caso de empregada que engravidou até a dispensa sem justa causa, mas só veio a ter conhecimento do estado gestacional durante o aviso prévio, trabalhado ou indenizado, Garcia (2011, p.720) entende que a confirmação da gravidez significa a existência da mesma e que essa empregada tem direito ao aviso prévio. Entretanto, se a gravidez ocorrera durante o aviso prévio (trabalhado ou indenizado) e, portanto, já tendo havido a denunciação do contrato, a gestante não teria direito à garantia de emprego, segundo, inclusive entendimento do TST (GARCIA, 2011, P.721).

Em contrapartida, finalizando essa discussão, a Lei Federal nº 12.812 de 16 de maio de 2013, acrescentou o artigo 391-A a CLT, com a seguinte redação:

Art. 391-A. A confirmação do estado de gravidez advindo no curso do contrato de trabalho, ainda que durante o prazo do aviso prévio trabalhado ou indenizado, garante à empregada gestante a estabilidade provisória prevista na alínea b do inciso II do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (grifo nosso).

Tal entendimento é compatível com o teor do art. 487, § 1º da CLT, que garante, sempre, a integração do período do aviso prévio no tempo de serviço do empregado. No mesmo sentido, indica o § 6º do mesmo artigo que o período de aviso prévio integra o tempo de serviço para todos os efeitos legais. Dessa forma, não há como separar o período do aviso prévio (trabalhado ou indenizado) do curso do contrato de trabalho.

Observa-se, assim, uma tendência crescente de ampliação dessa garantia, ora estudada, tendo em vista as peculiaridades do estado gestacional.

1.2 A garantia de emprego à empregada gestante como proteção ao nascituro

É notória a ampla e diferenciada proteção à empregada gestante, que se justifica pelas peculiaridades desse estado da mulher. Pode-se ver isso, por exemplo, no fato de a referida garantia se perpetuar até na ocorrência da gestação no período do aviso prévio, o que não foi estendido ao empregado sindicalizado que se candidatar a dirigente sindical no mesmo período, ou seja, quando se encontra pré-avisado.

Urge, então, tecer alguns comentários sobre a gravidez, como bem explicita a Jurisprudência do TST abaixo colacionada:

“(…) Apesar de a gravidez não ser patologia, trabalhadora grávida ostenta a mesma fragilidade laboral que se evidencia nos empregados acometidos por doença, sendo mínimas as chances de obter novo emprego enquanto perdurar o estado gravídico e o período de amamentação inicial – que, não por acaso, coincide com o tempo da garantia de emprego (…)”(grifo nosso). (TST – 3ª T. – RR 221100-26.2007.5.04.0202 Relatora: Ministra Rosa Maria Weber, Data de publicação: 27/11/2009).

Sabe-se que a gravidez envolve mudanças no corpo da mulher, inclusive, visíveis a olho nu, que levam à necessidade de consultas médicas periódicas e de exames complementares (laboratoriais e de imagem), visando a proteger a saúde e a vida da gestante e do nascituro. Por conseguinte, fica fácil perceber que haverá contraindicação ao exercício de determinadas atividades como, por exemplo, operar aparelhos de raios X, muitas vezes sendo necessária a mudança provisória da função da empregada.

Além disso, no final da gravidez, virá o parto, podendo o mesmo ser cirúrgico, e tendo a empregada o direito à licença-maternidade de 120 dias, conforme o art. 7º, inciso XVIII da CF/88, quando ocorrerá a suspensão do contrato de trabalho.

Por fim, cabe lembrar, ainda, o direito da lactante a dois intervalos remunerados de 30 minutos cada, durante a jornada diária de trabalho, para amamentar o bebê, até que este complete 6 meses de idade, conforme art. 396 da CLT. 

Dito isso, pode-se concluir que a gestação e o período pós-parto, apesar de não se tratarem de doença, salvo complicações durante seu curso, são períodos delicados, com muitas repercussões na vida pessoal e profissional da mulher, tendo o condão de dificultar ou limitar seu ingresso no mercado de trabalho, ou sua manutenção no emprego, exigindo, assim, proteção estatal.

O Código Civil de 2002 reforça, em seu art. 421, que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”, ou seja, o contrato teria alcance mais amplo do que os interesses individuais dos contraentes, atingindo, assim, interesses da coletividade, segundo Perlingieri (apud TEPEDINO, p. 10). Dessa forma, a tutela da gestante e do nascituro parecem atender a um interesse social, não meramente individual, pois se trata de proteção às famílias, as quais constituem a sociedade.

Assim, a garantia provisória de emprego à gestante é tutela que visa a garantir à empregada a possibilidade de empreender os cuidados necessários, próprios do período gestacional, evitar que a trabalhadora fique desamparada neste momento de sua vida, bem como proteger o nascituro, alvo de tutela constitucional.          Corroborando tal entendimento, aduz Martins (2010, p.435): “a gestante deve ter direito ao emprego em razão da proteção do nascituro, para que possa se recuperar do parto e cuidar da criança nos primeiros meses de vida”.

Nesse diapasão, nem mesmo o encerramento das atividades da empresa deve afastar a licença-maternidade e a estabilidade da empregada, afinal, deve-se privilegiar a tutela da gestante e do nascituro, sendo, do empregador, o risco do negócio (MARTINS, 2010, p. 436).

Interessante observar que a gestante tem direito a um benefício previdenciário e à estabilidade provisória de emprego, o que bem exemplifica a afirmação de Delgado (2013, p.78) de que o Direito do Trabalho, ao lado do Direito Previdenciário, constituem a dimensão mais social dos Direitos Humanos.

2 OS DIREITOS E DEVERES MÚTUOS DO EMPREGADOR E DO EMPREGADO NO CONTRATO DE TRABALHO

2.1 À luz do direito do trabalho e do direito civil

A Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei 5.452/1943), CLT, traz os conceitos de empregador e empregado, os quais, por si só, já inferem a existência de direitos e deveres de cada um, senão vejamos: “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”(Art. 2º, CLT) e “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”(Art. 3º, CLT).

Ora, para exercer cada qual, empregador e empregado, seu mister na relação de trabalho, ambos assumem obrigações, as quais são efeitos próprios ao contrato empregatício, sendo as obrigações de dar (pagamento de verbas salariais e não salariais) afetas, essencialmente, ao empregador, embora este também tenha obrigações de fazer, como assinatura da CTPS e emissão de CAT, por exemplo, (DELGADO, 2013, p. 2017) ou até de não fazer.

Já o empregado detém, essencialmente, as obrigações de fazer (execução laboral com diligência, por exemplo), embora tenha também algumas obrigações de não fazer (abstenção de concorrência com as atividades do empregador) e, eventualmente, de dar, como entrega de instrumentos de trabalho no final do expediente (DELGADO, 2013, p.617).

O ordenamento jurídico estatui direitos e deveres do empregador e do empregado ou o modo de fruir tais direitos ou exercer tais deveres, seja a CF/88, os Tratados Internacionais, a CLT e outras disposições legais esparsas, bem como direitos e deveres podem ser criados através de negociação coletiva (acordo/convenção coletiva de trabalho).

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Como é sabido, apesar do princípio da proteção cuidar da tutela do empregado como a parte hipossuficiente da relação trabalhista (DELGADO, 2013, p.190), tal princípio não afasta os direitos do empregador ou os deveres do empregado, afinal, conforme Delgado (2013, p. 503), “contrato é o acordo tácito ou expresso mediante o qual ajustam as partes pactuantes direitos e obrigações recíprocas”.  

Há de se frisar, ainda, que o contrato de trabalho, regido pela CLT, abriga uma relação contratual, aplicando-se a obrigação dos contratantes em geral de se atender aos princípios da probidade e da boa-fé, constantes no art. 422 do Código Civil de 2002. Afinal, os ramos do Direito Civil e do Direito do Trabalho se entrelaçam, inevitavelmente, sendo, o primeiro, fonte inspiradora do segundo, em especial, no tocante à disciplina das obrigações (DELGADO, 2013, p.75).

Cumpre ainda lembrar que a CLT adotou a Teoria Contratualista para a relação de emprego, sendo seu Título IV denominado, expressamente, de contrato individual de emprego (CASSAR, 2014, p.238).

Trazendo à baila a característica da onerosidade (art. 2º da CLT), inerente à relação empregatícia, pode-se observar, claramente, que o empregado tem o dever de laborar para o patrão e o direito de ser remunerado por isso. Do outro lado, o empregador tem o direito de receber a prestação daquele serviço, porém, deve pagar salário ao empregado que para ele laborou.

Obviamente, a ideia de prestação e contraprestação nem sempre é tão aparente, pois em algumas situações de interrupção temporária do contrato de trabalho, como se sabe, o empregado não labora, mas recebe salário, como nas possibilidades elencadas no art. 473 da CLT (rol não taxativo), por exemplo.

Todavia, o que não se pode descartar, em qualquer hipótese, é a observância dos princípios gerais do Direito, tendo em vista que o Direito do Trabalho não deixa de se inserir no universo jurídico em geral, não se desvinculando do núcleo jurídico principal, segundo Delgado (2013, p.74).

Sendo a boa-fé um princípio geral que se aplica aos diversos ramos do Direito, assim esclarece CASSAR (2014, p.227):“a (boa-fé) objetiva determina um modelo de conduta, de forma que cada pessoa deva agir de forma ética, com caráter reto, com honestidade, lealdade e probidade. Traduz-se em um dever de agir de acordo com determinados padrões sociais reconhecidos como ideais, corretos, retos. Levam-se em conta os fatores concretos do caso e não a vontade do agente” 

Cassar (2014, p 227) ainda acrescenta que “a boa-fé deve estar presente no ato da contratação, na execução e na extinção do contrato de trabalho”.

2.2. À luz do direito constitucional

Após essa abordagem sobre o entrelaçamento entre os ramos do Direito do Trabalho e do Direito Civil, especialmente, acerca das obrigações, das disposições sobre gerais sobre contratos, da necessidade de boa-fé objetiva na relação contratual, na adoção da Teoria Contratualista pela CLT, há de se frisar a influência e a importância do Direito Constitucional sobre aqueles ramos mencionados, notadamente, quanto à denominada constitucionalização do direito civil.

Nesse diapasão, urge tecer alguns comentários sobre a função social, introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Constituição Federal de 1946, como pressuposto metajurídico sob a feição de função social da propriedade, sendo, mais tarde, aplicada à função social dos contratos, instituto positivado no art. 421 do Código Civil – “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato” (TEPEDINO, p.5).

Sobre esse dispositivo, como bem pontua Paes (2017, on line), o art. 421 do Enunciado 23, do Conselho de Justiça Federal, na III Jornada de Direito Civil, realizada em Brasília em 2004, assim aduz: “a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana".

Hoje, considerado princípio, a função social do contrato impõe a satisfação não só de interesses individuais, mas também de interesses extracontratuais socialmente relevantes, os quais merecem a tutela jurídica, ficando assim notório o valor social das relações contratuais (TEPEDINO, p.5).

Segundo Orlando Gomes (2002, p.20, apud TEPEDINO, p.5): “A função econômico-social do contrato foi reconhecida, ultimamente, como a razão determinante de sua proteção jurídica. Sustenta-se que o Direito intervém, tutelando determinado contrato, devido à sua função econômico-social. Em conseqüência, os contratos que regulam interesses sem utilidade social, fúteis ou improdutivos não merecem proteção jurídica. Merecem-na apenas os que têm função econômico-social reconhecidamente útil”

Pode-se dizer que a cláusula geral da função social do contrato é expressão do princípio da solidariedade social, constante no art. 3º, I da CF/88 (objetivo fundamental de construir uma sociedade livre, justa e solidária) e instrumento de humanização das relações jurídicas (PAES, 2017, on line).

Diante do exposto, como exemplo da aplicação do princípio em comento ao presente estudo, poder-se-ia mencionar a garantia provisória de emprego à empregada gestante, ou que venha a engravidar no curso do contrato de trabalho por tempo indeterminado, inclusive no período de aviso prévio, ou na vigência de contrato por prazo determinado, inclusive, contrato de experiência.

Nesse tocante, é possível observar, à luz da evolução histórica da proteção à gestante no direito do trabalho, que a aplicação do princípio da função social do contrato aplicado a essa relação de trabalho (empregada gestante) vem sendo progressivamente ampliada, de tal forma a assegurar cada vez mais hipóteses de proteção à gestante e ao nascituro, sendo tal tutela de interesse social, de ordem pública.

Porém, seria essa proteção ilimitada, descartando-se até mesmo a falta de exigência da boa-fé objetiva que deve haver por parte dos contratantes? Concessão de muitos direitos com isenção dos correspondentes deveres para uma das partes, mesmo que seja a hipossuficiente, não comprometeria as relações contratuais em geral, não seria prejudicial ao interesse social, desembocando naquela sensação de que muita proteção desprotege?  Essa é a dúvida que precisa ser elucidada.

3  CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PEDIDO DE INDENIZAÇÃO APÓS ESTABILIDADE PROVISÓRIA DA EMPREGADA GESTANTE

No teor da Súmula 244, II, TST, sabe-se que a reintegração só ocorre dentro do prazo de estabilidade, logo, o ajuizamento da reclamação trabalhista fora desse período retira o objetivo maior do legislador em garantir a reintegração da empregada gestante, restando apenas a opção da indenização.

Urge ressaltar que a regra é a prestação do trabalho e a contraprestação de sua remuneração, sendo excepcional o pagamento de período não laborado, como são as hipóteses de interrupção do contrato de trabalho, as quais contemplam curtos períodos. Afinal, do contrário, o contrato de trabalho acabaria por não atender à função social do mesmo e, portanto, ao interesse social.

Dessa forma, há de se buscar não somente a compreensão da letra da lei, mas dos princípios jurídicos a fim de solucionar cada caso concreto com justiça social, finalidade precípua do Direito.

3.1. Prazo prescricional e boa fé objetiva

Sabe-se que a boa fé é uma espécie do gênero “norma de conduta”, constituindo-se em um princípio geral, aplicável aos diversos ramos do Direito, inclusive em todas as fases do contrato de trabalho, não se exigindo, para um comportamento leal, que este esteja previsto, expressamente, em lei ou contrato (CASSAR, 2014, P. 227).

Assim, todos os direitos e garantias ora avaliados devem ser analisados, caso a caso, à luz da boa fé objetiva, a fim de se evitar que qualquer das partes do contrato de trabalho, empregado ou empregador, se beneficie de sua própria torpeza, amparando-se no texto frio da lei.

Nesse diapasão, ressalte-se que a gestante tem direito à garantia de emprego, mesmo diante do desconhecimento de seu estado gravídico no ato da demissão, podendo pleitear sua reintegração posteriormente, logo que tenha a ciência de ter engravidado ainda no período do contrato de trabalho.

Cabe lembrar que, pela lei, a prescrição para pleitear os direitos trabalhistas porventura negados ao empregado, é de dois anos após o término do contrato de trabalho. Porém, nesse período de dois anos, não haveria dever do empregado de laborar para seu empregador, sendo a responsabilidade deste, objetiva, quanto ao pagamento de todas as verbas rescisórias.

Teoricamente, portanto, essa prescrição se aplicaria à empregada gestante, a qual poderia pleitear sua reintegração dentro do período estabilitário ou, após este, requerer indenização compensatória, já que a reintegração não seria mais possível, no teor da Súmula 244, II, TST.

Entretanto, essa previsão de indenização parece se dirigir, não ao silêncio doloso da empregada gestante, mas ao possível desconhecimento da gravidez, afinal, o desconhecimento do estado de gestação pela empregada ou por seu empregador não retira o direito daquela à estabilidade provisória, conforme Súmula nº 244, I, TST.

Ocorre que, apesar da prescrição trabalhista bienal e da proteção ao nascituro, espera-se um comportamento ético, leal, entre as partes e, neste caso, analisando-se objetivamente, a gestante sabe que tem direito à reintegração e que, se deseja usufruir da garantia de emprego, deveria considerar o direito que tem o empregador à prestação de seus serviços, logo que tenha a confirmação de sua gravidez até o início do benefício da licença-maternidade e entro o fim deste e o fim do período estabilitário.

Nada diferente poder-se-ia esperar nessa situação, pois como bem pontua Delgado (2013, p.185), o princípio da boa fé, dentre outros, encontra-se claramente embutido em várias normas justrabalhistas, “que tratam dos limites impostos à conduta de uma parte em confronto com os interesses da outra parte contratual.”

Sendo assim, não seria de se esperar, objetivamente considerando, que a gestante não conhecesse seu direito antes do fim do período estabilitário ou que fosse justo o empregador pagar pela ociosidade da gestante, quando poderia ter recebido a prestação de seus serviços, baseado apenas no fundamento da prescrição trabalhista bienal.

Diante do exposto, torna-se relevante pesquisar a evolução do entendimento jurisprudencial sobre o assunto.

3.2. Evolução do entendimento jurisprudencial

Em que pese diferentes posicionamentos dos doutrinadores, a jurisprudência majoritária tem se posicionado pelo direito à reintegração ou indenização, desde a concepção, se no período do contrato de trabalho, mesmo que a confirmação tenha se dado em momento posterior à dispensa (CASSAR, 2014, p. 1147). 

Diante da evolução dos direitos da empregada gestante, do princípio da proteção, da tutela do nascituro, o TST vinha entendendo pela ampla aplicação da garantia de estabilidade da gestante, nos termos das jurisprudências abaixo colacionadas:

“RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTANTE. INDENIZAÇÃO. AÇÃO TRABALHISTA AJUIZADA APÓS O TÉRMINO DO PERÍODO DE GARANTIA NO EMPREGO. AJUIZAMENTO DA AÇÃO NO PRAZO PRESCRICIONAL. Nos termos da Orientação Jurisprudencial nº 399 da SBDI-1 do TST, o ajuizamento de ação trabalhista após decorrido o período de garantia de emprego não configura abuso do exercício do direito de ação, pois este está submetido apenas ao prazo prescricional inscrito no art. 7º, XXIX, da CF, sendo devida a indenização desde a dispensa até a data do término do período estabilitário. Assim, a decisão que não reconhece o direito a indenização decorrente da estabilidade provisória constitucionalmente assegurada, contraria o entendimento da Súmula 244, II, do TST. Recurso de Revista conhecido e parcialmente provido.” (TST – RR: 1517600972007509 1517600-97.2007.5.09.0014, Relator: Márcio Eurico Vitral Amaro, Data de Julgamento: 30/11/2011, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 02/12/2011). Grifo nosso.

“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO -GESTANTE – ESTABILIDADE PROVISÓRIA – DEMORA NO AJUIZAMENTO DA AÇÃO – AÇÃO PROPOSTA APÓS O TÉRMINO DO PERÍODO ESTABILITÁRIO. O fato de a empregada ter ajuizado a reclamação trabalhista após o término do período de garantia à estabilidade da gestante não configura abuso do direito de ação, desde que observado o prazo constitucional estabelecido no art. 7º, XXIX. Portanto, a demora no ajuizamento da reclamação trabalhista, quando observado o prazo prescricional bienal, não pode ser considerada como óbice para a concessão da estabilidade provisória assegurada no art. 10, II, b, do ADCT. Inteligência da Orientação Jurisprudencial nº 399 da SBDI-1 do TST.” Agravo de instrumento desprovido.(TST – AIRR: 15778620135040271, Relator: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 29/04/2015, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 04/05/2015). Grifo nosso.

Desse modo, o TST não vinha considerando como abuso de direito de ação ou má fé da reclamante, o ajuizamento de reclamação trabalhista por gestante após o término do período de estabilidade.

Ocorre que, recentemente, mais precisamente em 2016, o TST decidiu de forma a afastar a aplicação da Súmula nº 244, I, entendendo que houve não observância ao princípio da boa fé por parte da reclamante, ao silenciar sobre sua gravidez no curso do aviso prévio, em um dos casos, e após o término do contrato, em outro caso, conforme jurisprudências abaixo:

“RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI N° 13.015/2014 – ESTABILIDADE PROVISÓRIA – GESTANTE – CONHECIMENTO PELA RECLAMANTE DA CONCEPÇÃO NO CURSO DO AVISO PRÉVIO SEM A RESPECTIVA COMUNICAÇÃO AO EMPREGADOR Inaplicável, à espécie, o entendimento da Súmula n° 244, I, do TST, em razão da conduta da Reclamante que, deixando de observar o princípio da boa-fé, de que trata o art. 422 do CC, omitiu do empregador, a sua gravidez, no curso do aviso prévio.” Recurso de Revista não conhecido.(RR – 11506-87.2013.5.18.0002, Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Data de Julgamento: 17/08/2016, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 09/09/2016)

“RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO – GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA. MÁ-FÉ. Tendo em vista a conduta desleal da reclamante, que, sem dúvida, deixou de observar o princípio da boa-fé, uma vez que, apesar de ter tomado conhecimento do seu estado gravídico em momento posterior ao término do contrato de trabalho, quedou-se silente até o ajuizamento da presente reclamação em que se pleiteia somente a indenização substitutiva do período de estabilidade, com projeção do término na data provável do parto, ainda que plenamente possível a sua reintegração, não há como aplicar o entendimento jurisprudencial desta Corte consubstanciado na Súmula 244, I, do TST.” Recurso de revista não conhecido.(RR – 957-27.2014.5.08.0013 , Relator Ministro: Márcio Eurico Vitral Amaro, Data de Julgamento: 26/10/2016, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/10/2016)

No RR – 11506-87.2013.5.18.0002, interposto pela reclamante, foi feito o distinguishing, devido às particularidades do caso concreto que não permitiam a aplicação da Súmula nº 244 do TST. Entendeu-se que o desconhecimento do estado gravídico, de que trata aquela súmula, não se confunde com o seu conhecimento e consequente omissão dolosa, que restou provada pela reclamada no processo, razão pela qual o TST manteve o julgamento de origem, negando provimento ao Recurso de Revista.

Em consonância com esse entendimento, o TST explicitou, no RR – 957-27.2014.5.08.00103, também supramencionado, que o teor da sua Súmula nº 244, II não visa amparar a má-fé da empregada gestante, mas sim, assegurar que sendo desaconselhável seu retorno ao trabalho, ou ainda, sendo proferida a decisão definitiva somente após o período estabilitário, devido à demora processual, a empregada tivesse direito à indenização substitutiva.

O Col. TST ainda adentrou no teor da Súmula nº 38, que afirma que a recusa injustificada de retornar ao trabalho não implica renúncia à garantia de emprego da empregada gestante, entretanto, tal entendimento não visa a ultrapassar os limites da função social e da boa fé objetiva, acobertando abuso de direito.

Por fim, assim entendeu a 8ª Turma do TST, nesse mesmo recurso: “Não pode o Judiciário ser conivente com quem dele se utiliza apenas para auferir vantagens, nitidamente se beneficiando sua própria torpeza. O contrato de emprego é do tipo sinalagmático, com obrigações equivalentes para ambas as partes, de modo que não há salário se não há trabalho”.

Certamente que as decisões do TST tomaram um novo rumo quanto ao tema ora estudado, retirando a garantia absoluta do provimento do pedido de indenização substitutiva ao período estabilitário pela empregada gestante.

Consequentemente, passa-se a exigir dessa empregada a boa fé objetiva também no momento pós-contratual, quanto ao dever moral de comunicar ao empregador seu estado gestacional, uma vez confirmado, a fim de oportunizar sua reintegração.

Ora, não há categoria de contraente blindada das exigências comuns às partes em qualquer relação contratual, inclusive, no contrato de trabalho. Além disso, não há direito ou garantia absoluto (a).

É possível que a mudança de paradigma do entendimento jurisprudencial venha a reacender o debate sobre o cabimento ou não do teste de gravidez no exame demissional.

3.3. Possibilidade de teste de gravidez no exame demissional e a função social dos contratos             

É notória e positiva a preocupação do legislador, quer constituinte quer ordinário, em evitar a discriminação e o desemprego da empregada gestante, pois além das mudanças e necessidades do período gestacional, ainda há que se proteger o nascituro, garantindo, assim, os rendimentos daquela empregada (CASSAR, 2014, p.1145).

Nesse sentido podem-se citar o art. 391 da CLT, dispondo que a gravidez não é justo motivo para dispensa da empregada, bem como o art. 10, II,b, ADCT, sobre a estabilidade provisória da gestante.

Some-se a isso, a Lei nº 9.029/95, que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho, e dá outras providências.

Entretanto, não há previsão legal expressa de proibição do teste de gravidez quando da rescisão do contrato de trabalho.

Assim, torna-se relevante analisar a possibilidade de inclusão do teste de gravidez no exame demissional, bem como outras possíveis soluções para se atender à função social também no contrato de trabalho.

Neste sentido, cumpre mencionar a jurisprudência abaixo:

“EMENTA: INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. A obrigação de indenizar, sob os olhos da lei juslaboral, se origina na prática de ato ilícito atribuído ao empregador ou alguém a seu mando. Neste compasso, somente a infração ao dever jurídico, por dolo ou culpa, que resultar em prejuízo alheio, atrairá a reparação. A determinação é de lei e não aceita entendimento abrangente. Recurso a que se nega provimento.” TRT-3. Recurso Ordinário conhecido e não provido.
(RO – 0001150-20.2014.5.03.0033 , Relator Ministro: Júlio Bernardo do Carmo, Data de Julgamento: 27/01/2016, 4ª Turma, Data de Publicação: DEMG 12.02.2016)

No RO supramencionado, a recorrente afirma ter sido vítima de assédio moral por ter sido realizado, dentro do seu exame demissional, e sem seu consentimento, o exame BHCG, de sangue, o que teria violado sua intimidade e vida privada.

Ressaltou-se a complexidade da matéria por se tratar de relação de trato sucessivo, que enseja, em tese, muitas oportunidades de configuração do ato ilícito e possibilidade de se requerer indenização por dano moral.

Ficou constatada a ciência da empregada quanto ao exame, bem como a intenção de boa fé do empregador de não dispensar a empregada, vinda de uma 4ª gestação, caso estivesse novamente grávida.

Dessa forma, abre-se o precedente para a aceitação do teste de gravidez com o intuito de não se dispensar empregada gestante, por desconhecer seu estado.

É direito do empregador dispensar empregados, desde que pague todas as verbas rescisórias conforme a lei. Ao mesmo tempo em que é direito da empregada gestante a estabilidade. Logo, não há que se falar em prejuízo para qualquer das partes a certificação de uma condição, impeditiva de dispensa, antes de se dispensar qualquer empregado, no caso, a condição de gestante de uma empregada.

Além disso, não se sustenta a alegação de violação à intimidade, pois o resultado do exame sequer precisa ser divulgado publicamente, sendo suficiente a ciência da empregada e de seu empregador, sem esquecer que a importância desse procedimento supera qualquer pequeno desconforto que o mesmo possa trazer à empregada.

Ademais, há interesses extracontratuais, interesse social, nas relações contratuais, pois estas geram reflexos para toda a sociedade.

Por exemplo, se empregadores, impedidos de solicitarem teste de gravidez em exame demissional, desconhecendo o estado de gravidez de suas empregadas, dispensam-nas de forma lícita e, posteriormente, são surpreendidos com reclamações trabalhistas com pedido de reintegração, ou pior, somente de indenização, não é difícil supor que eles se desestimularão a contratar mulheres em idade fértil.

Tais considerações devem justificar a tolerância do teste de gravidez em exame demissional que começou a despontar na jurisprudência.

Por fim, para afastar a insegurança jurídica na dispensa de empregadas, há de se buscar soluções viáveis, sendo o referido teste de gravidez uma opção razoável, sob pena de onerar demais o empregador, muitas vezes sobrecarregado com carga tributária e encargos trabalhistas.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, vê-se claramente que a ampliação dos direitos da gestante encontra limites éticos, pois não se podem afastar princípios como a boa-fé objetiva, com seus desdobramentos, e a função social dos contratos, além de outros direitos como o direito à informação.

Não há quem tenha só direitos sem deveres, ou vice-versa, em uma sociedade justa, igualitária, em um Estado Democrático de Direito, não se podendo usar do Direito, como ciência jurídica, para legitimar injustiças, pois seu fim precípuo é a justiça social.

Nesse sentido, a doutrina aponta caminhos e a jurisprudência toma decisões com o objetivo de atender à função social dos contratos nas relações laborais, havendo diferentes opiniões que devem ser apreciadas com tal finalidade.

Não poderia ser diferente no tocante ao tema ora estudado, ou seja, quanto à possibilidade de considerar a má fé da empregada gestante que omite dolosamente seu estado para requerer mais tarde, após período estabilitário, somente indenização pecuniária.

Cumpre frisar que a antiga redação da Súmula nº 244 do TST consagrava o direito da gestante à indenização, mas não à reintegração, pelo fato de que, à época, a gestante não tinha direito à estabilidade. Sobrevindo este direito com a Constituição Federal de 1988, a gestante passa a ter o direito à reintegração e, em caso de animosidade entre empregado e empregador, à indenização (CASSAR, 2014, p.1149).

Observa-se nas jurisprudências do TST, aqui colacionadas, em que se considerou a má fé da empregada em requerer apenas indenização após o período estabilitário, que ficou comprovada a intenção da reclamante, porém, é possível que no futuro próximo, venha a ser exigida apenas a boa fé objetiva para tal conclusão.

Conclui-se, ainda, que a realização do teste de gravidez antes da dispensa de empregada se mostra uma solução viável e justa na relação de trabalho, pois visa ao respeito à estabilidade da gestante e à proteção do nascituro, aspectos de interesse de toda a sociedade.

Além disso, esse simples procedimento, de mínimo incômodo à empregada, afasta a insegurança jurídica a que fica submetido o empregador a cada dispensa de pessoa do sexo feminino.

Por fim, tal medida ajuda a desafogar a Justiça especializada, diminuindo o ajuizamento de reclamações trabalhistas, não por restringir o acesso ao Judiciário, mas por viabilizar a satisfação do direito à estabilidade da empregada em momento pré-processual, não havendo, assim, interesse de agir da mesma.

 

Referências
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Notas
[1] Artigo orientado pela profa. Viviane Masotti – Advogada. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Doutoranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professora da Rede de Ensino LFG.  


Informações Sobre o Autor

Geisa Maria Magalhães Barbosa

Advogada. Conciliadora da Justiça Federal do Ceará. Especialista em Direito Previdenciário pela Rede LFG/Universidade Anhanguera-Uniderp. Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Rede LFG/Universidade Anhanguera-Uniderp. Graduada e pós-graduada em Odontologia pela Universidade Federal do Ceará UFC


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