Resumo: Este artigo tem a finalidade de pontuar a visão social e jurídica da união homoafetiva antes e depois do seu reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Para isso, primeiramente serão tecidas breve considerações a respeito da visão coletiva da homossexualidade. Em seguida, haverá a ponderação sobre o posicionamento doutrinário e jurisprudencial anteriores ao reconhecimento da união homossexual. Outrossim, será destacada a decisão proferida pela Suprema Corte na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132, a qual reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, destacando, finalmente, os efeitos jurídicos (econômicos/patrimoniais e pessoais) decorrentes dessa deliberação. Este trabalho foi orientado pelo Professor Leozino Bizinoto Macedo.
Palavras-chave: união homoafetiva. destaques. antes e depois. reconhecimento.
Abstract: This article has the purpose of before pontuar the social and legal vision of the homoafetiva union and after its recognition for Supremo Federal Court (STF). For this, first considerações regarding the collective vision of the homossexualidade will be weaveeed brief. After that, it will have the balance on the doctrinal and jurisprudencial positioning previous to the recognition of the homosexual union. Outrossim, will be detached the decision pronounced for the Supreme Cut in the Direct Action of Inconstitucionalidade (ADI) nº and of the Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (4277 ADPF) nº 132, which recognized the homoafetiva union as familiar entity, detaching, finally, the legal effect (economic/patrimonial and personal) decurrent of this deliberation.
Keywords: union homoafetiva. prominences. before and later. recognition.
Sumário: Introdução. Conclusão. Referências.
Introdução
A proposta deste artigo é pontuar os aspectos sociais e jurídicos da união homoafetiva antes e depois do seu reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Nesse diapasão, primeiramente serão tecidas breves considerações a respeito da visão coletiva da homossexualidade. Em seguira, haverá a ponderação sobre o posicionamento doutrinário e jurisprudencial anteriores ao reconhecimento da união homossexual.
Outrossim, será destacada a decisão proferida pela Suprema Corte na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132, a qual reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, destacando, finalmente, os efeitos jurídicos (econômicos/patrimoniais e pessoais) decorrentes dessa deliberação.
A fim de iniciar o desenvolvimento do presente artigo, far-se-ão breves considerações sobre a homossexualidade, a qual sempre existiu, mas, por se afastar do comportamento convencional, foi marginalizada por muito tempo. Todavia, nas últimas décadas, os homossexuais decidiram reivindicar seus direitos e deveres, uma vez que são vítimas de repúdio social, fruto da rejeição de origem cultural e religiosa, e, por isso, ao longo da história, “receberam […] um sem-número de rotulações pejorativas e discriminatórias” (DIAS, 2010, p. 192).
Além de outros direitos, os homossexuais visavam o reconhecimento da união de duas pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Dessa forma, começaram uma longa “batalha” para equipararem tal união àquela heterossexual, alcançando êxito após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, no dia 05 de maio do corrente ano, reconheceu a união homoafetiva.
Contudo, antes de discorrer sobre esse assunto, serão feitas algumas ponderações a respeito do posicionamento doutrinário e jurisprudencial previamente ao reconhecimento da união homossexual.
Na visão de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2010, p. 62), a união homoafetiva trata-se de “modelo familiar autônomo”, merecendo proteção especial do Estado. Por sua vez, Maria Berenice Dias (2010, p. 193) posiciona-se a favor do reconhecimento da união homoafetiva, pois, acredita que, embora não houvesse lei, as relações merecem a tutela jurídica, não podendo se falar em ausência de direito. Ademais, a autora enfatiza que a previsão constitucional do art. 226 é meramente exemplificativa e trata-se apenas de cláusula geral de inclusão,
“não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensividade. Não se pode deixar de reconhecer que há relacionamentos que, mesmo sem a diversidade de sexos, atendem a tais requisitos. Têm origem em um vínculo afetivo, devendo ser identificados como entidade familiar a merecer a tutela legal” (DIAS, 2010, p. 193).
Completa a autora:
“A nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto se pode deixar de conferir status de família, merecedora da proteção do Estado, pois a Constituição Federal (art. 1º, III) consagra, em norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa humana” (DIAS, apud TEIXEIRA; RIBEIRO, 2010, p. 133).
Ao instrumentalizar a dignidade humana, “a família passa a servir como um verdadeiro elemento de afirmação da cidadania”, de modo que todas as pessoas estão resguardadas por mandamento constitucional (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 60-61). O direito à sexualidade – liberdade sexual e liberdade de orientação sexual – é um direito natural, inalienável e imprescritível.
Destarte, uma vez que o princípio norteador da Constituição Federal é aquele que consagra o respeito à dignidade humana, e o compromisso social do Estado sustenta-se no primado da igualdade e da liberdade, “a orientação sexual adotada na esfera de privacidade não admite restrições, o que configura afronta a liberdade fundamental a que faz jus todo ser humano, no que diz com sua condição de vida” (DIAS, apud TEIXEIRA; RIBEIRO, 2010, p. 135).
Assim sendo, baseando-se nos princípios constitucionais da dignidade humana (art. 1º, III, CF), da igualdade substancial (arts. 3º e 5º, CF), da não discriminação – inclusive por opção sexual (art. 5º, CF), e do pluralismo familiar (art. 226, CF), o desrespeito ou prejuízo em função da orientação sexual da pessoa, significa dispensar tratamento indigno a um ser humano e desobedecer sua honra. Nesse sentido, bem asseverou Maria Berenice Dias (2010, p. 194): “diante das garantias constitucionais que configuram o Estado Democrático de Direito, impositiva a inclusão de todos os cidadãos sob o manto da tutela jurídica”, implicando, outrossim, assegurar proteção ao indivíduo em suas estruturas de convívio familiar, seja ela qual for.
O direito à homoafetividade está igualmente amparado pelo princípio fundamental da isonomia, cujo corolário é a proibição de discriminações injustas, bem como pelo direito à liberdade de expressão e autodeterminação emocional. Como garantia do exercício da liberdade individual, ele pode ser incluído entre os direitos de personalidade, não podendo haver a inviolabilidade da intimidade e da vida privada.
Se não bastasse a previsão constitucional, o impedimento de tratamento discriminatório aos homossexuais está previsto em documentos internacionais recepcionados pelo Brasil, onde a Organização das Nações Unidas (ONU) “tem entendido como ilegítima qualquer interferência na vida privada de homossexuais adultos, seja pelo princípio de respeito à dignidade humana, seja pelo princípio da igualdade” (DIAS apud TEIXEIRA; RIBEIRO, 2010, p. 136).
Totalmente a favor do reconhecimento da união homoafetiva, conforme elucidado anteriormente, Maria Berenice Dias (2010, p. 197) entende ser preconceituoso a doutrina e a jurisprudência conferir apenas efeitos de ordem patrimonial, intitulando-a como sociedade de fato. Na verdade, essa solução traz notória injustiça principalmente quando o fim do relacionamento decorre da morte de um dos parceiros, pois configura o enriquecimento ilícito, uma vez que dá “ensanchas à família – na maioria das vezes distante por preconceito – para que possa herdar a integralidade do patrimônio deixado, em prejuízo daquele que, direta ou indiretamente, contribuiu à sua formação” (SUANNES apud DIAS, 2010, p. 197).
Partindo do pressuposto que a homossexualidade existe e é um fato social inegável, ao se criar exceção onde a lei não a diferencia, é notória e latente a exclusão de direitos. Nesse sentido, Maria Berenice Dias (apud TEIXEIRA; RIBEIRO, 2010, P. 137) entende que a união homoafetiva pode configurar-se como união estável, desde que preencha os requisitos para tal, haja vista que em nada se diferencia da união heterossexual. A autora ainda completa que:
“nem a ausência de leis nem o conservadorismo do judiciário servem de justificativa para negar direitos aos relacionamentos afetivos que não têm a diferença de sexo como pressuposto. É absolutamente discriminatório afastar a possibilidade de reconhecimento das uniões estáveis homossexuais. São relacionamentos que surgem de um vínculo afetivo, geram o enlaçamento de vidas com desdobramentos de caráter pessoal e patrimonial, estando a reclamar um regramento geral” (DIAS, apud TEIXEIRA; RIBEIRO, 2010, p. 137).
Com igual entendimento, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2010, p. 64) afirmaram que “o reconhecimento da união homoafetiva dentre do Direito de Família é imperativo constitucional, não sendo possível violar a dignidade do homem, por apego absurdo a formalismos legais”.
Logo, aplicando o dispositivo da analogia, dos costumes, e dos princípios gerais do direito, se duas pessoas, ligadas por um vínculo afetivo, manter relação duradoura, pública e contínua, como se casadas fossem, formam um núcleo familiar à semelhança do casamento, independentemente do sexo a que pertencem. “Mais do que uma sociedade de fato, trata-se de uma sociedade de afeto, o mesmo liame que enlaça os parceiros heterossexuais” (DIAS, apud TEIXEIRA; RIBEIRO, 2010, p. 141).
Os entendimentos favoráveis em relação à pessoa homossexual começou pela Justiça Gaúcha, em 1999, que deferiu a competência dos juizados especializados da família para apreciar as uniões homoafetivas, tratando-as, dessa forma, como entidades familiares, o que provocou o envio de todas as demandas que tramitavam nas varas cíveis para a jurisdição de família (TJRS, Agravo de Instrumento nº 599075496, 8ª CC, Rel. Des. Breno Moreira Mussi, j. 17/06/1999).
Em 2000, outrossim no Tribunal do Rio Grande do Sul, uma ação de Petição de Herança foi julgada extinta por impossibilidade jurídica do pedido, haja vista que o peticionário pretendia um direito sucessório alegando que vivia em união homoafetiva. No entanto, em recurso, foram invocados os princípios constitucionais que vedam a discriminação entre os sexos e, por unanimidade de votos, a sentença foi reformada (TJRS, Apelação Cível nº 598362655, 8ª CC, Rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, j. 01/03/2000). Sobre essa decisão, Maria Berenice Dias (apud TEIXEIRA; RIBEIRO, 2010, p. 149) brilhantemente desabafou: “pela primeira vez, a Justiça emprestou relevância ao afeto, elegendo-o como elemento de identificação para reconhecer a natureza familiar das uniões homoafetivas”.
Destaca-se ainda que o Tribunal Superior Eleitoral proclamou a inelegibilidade nas uniões homossexuais com base em dispositivo constitucional (art. 14, § 7º). Assim, se impôs ônus aos vínculos homoafetivos, com reconhecimento da formação da entidade familiar, o mais certo seria assegurar também os direitos e garantias no âmbito do Direito das Famílias e do Direito Sucessório.
Outro importante julgamento ocorreu em 2006, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu a inclusão do companheiro como dependente em plano de assistência médica, mediante a assertiva de que a relação homoafetiva gera direitos analogicamente à união estável (STJ, REsp nº 238715/RS, 3ª T., Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 07/03/2006).
Ademais, também em 2006, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul inovou mais uma vez: por decisão unânime, reconheceu o direito à adoção dos filhos anteriormente adotados pela parceira homossexual, destacando que as companheiras haviam planejado adotar em conjunto (TJRS, Apelação Cível nº 70013801592, 7ª CC, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 05/04/2006).
Precisamente no dia 08 de agosto de 2006, foi publicado no Diário Oficial da União a Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, a qual inseriu no plano infraconstitucional a ideia de que a família é constituída por vontade dos próprios membros, reconhecendo, dessa forma, as uniões homoafetivas. Para Maria Berenice Dias (2010, p. 204-205), devido ao fato da lei reconhecer a união homoafetiva, as ações relacionadas ao relacionamento de duas pessoas do mesmo sexo devem, a partir daí, tramitar na vara de família. Veja:
“Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social (Grifo da autora).
Art. 5º […] Parágrafo único As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual” (Grifo da autora).
Em 2008, sob o fundamento de que não existe vedação legal para o prosseguimento do feito, o STJ reconheceu a possibilidade jurídica da ação declaratória de união homoafetiva (STJ, Resp nº 820475-RJ, 4ª T., Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, Rel. p/ acórdão Min. Luís Felipe Salomão, j. 02/09/2008).
A portaria do INSS – Instrução Normativa do INSS nº 25/00 – concedeu aos homossexuais tanto o auxílio por morte, como o auxílio-reclusão. Por sua vez, a Resolução Normativa do Conselho Nacional de Imigração nº 77/08 assegurou a concessão de visto de permanência ao parceiro estrangeiro que vive em união homoafetiva com nacional. A Superintendência de Seguros Privados, em virtude da Circular da SUSEP nº 257/04, permitiu que os companheiros homossexuais configurassem como beneficiários do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (Seguro DPVAT).
De acordo com a Súmula Normativa nº 12/2010 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), de 04 de maio de 2010, o companheiro homossexual do beneficiário titular de plano privado de assistência à saúde pode ser dependente do mesmo. Se não bastasse, o Ministério da Fazenda, no Parecer nº 1.503/10, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, assegurou o direito de o contribuinte declarar o parceiro como dependente junto ao imposto de renda.
A título de elucidação, as avançadas legislações no direito estrangeiro há tempos reconheceu as uniões homossexuais como família, gerando-lhes efeitos pessoais e patrimoniais. A Lei nº 1004/2002, de Buenos Aires, aprovada na sessão do dia 12 de dezembro de 2002, admitiu como entidade familiar a união formada livremente por duas pessoas independentemente de sexo ou orientação sexual (art. 1º), conferindo paridade de tratamento protetivo com a família casamentária. Igualmente, a Lei dinamarquesa nº 372, de 7 de junho de 1989, bem como a sueca, aprovada em 23 de junho de 1994, conferem à união homossexual, os mesmos direitos patrimoniais reconhecidos no casamento (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 68-69).
Dessa feita, visando amenizar a discriminação a que os homossexuais estavam acometidos, haja vista que era minoritária a corrente doutrinária e jurisprudencial que reconheciam a união homoafetiva, a decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132, interpostas na Suprema Corte, pela Procuradoria Geral da República e pelo Governador do Rio de Janeiro – Sérgio Cabral -, respectivamente, derruba as barreiras do preconceito, do tratamento discriminatório, das indignidades sofridas e conclama a todos que seja feita a justiça na concessão dos direitos daqueles que, até o presente momento, viviam à margem das diferenças sociais, das decisões díspares, das manifestações de homofobia sem precedentes, das omissões silenciosas e das escusas apoiadas na esteia da mera falta de uma legislação para amparar o pleito.
Assim, a decisão modificou o entendimento quanto ao art. 1.723 do Código Civil, excluindo, do mesmo, qualquer significado que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Ademais, a decisão unânime, e com efeito vinculante, eliminou qualquer lacuna ou omissão legal nesse sentido.
Com abstenção do Ministro José Antônio Dias Toffoli, o qual se declarou suspeito por ainda na condição de Advogado Geral da União haver exarado parecer favorável ao reconhecimento da união homoafetiva, no dia 05 de maio deste ano, a decisão foi proferida pelo voto de 10 ministros que integram a Suprema Corte, baseando-se no art. 3º, IV da Constituição Federal, que veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor, não podendo haver discriminação ou diminuição de nenhum ser humano em virtude de sua preferência sexual.
Nesse sentido, é precioso transcrever parte do voto do Ministro Relator Ayres Britto (STF, acesso em: 23 jul 2011):
“[…] O sexo das pessoas, salvo expressa disposição constitucional em contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. É como dizer: o que se tem no dispositivo constitucional aqui reproduzido em nota de rodapé (inciso IV do art 3º) é a explícita vedação de tratamento discriminatório ou preconceituoso em razão do sexo dos seres humanos. Tratamento discriminatório ou desigualitário sem causa que, se intentado pelo comum das pessoas ou pelo próprio Estado, passa a colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos” (este o explícito objetivo que se lê no inciso em foco).
[…] Óbvio que, nessa altaneira posição de direito fundamental e bem de personalidade, a preferência sexual se põe como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana” (inciso III do art. 1º da CF), e, assim, poderoso fator de afirmação e elevação pessoal. A teor do §1º do art. 5º da nossa Lei Maior […] se deduz que a liberdade sexual do ser humano somente deixaria de se inscrever no âmbito de incidência desses últimos dispositivos constitucionais (inciso X e §1º do art. 5º), se houvesse enunciação igualmente constitucional em sentido diverso. Coisa que não existe.”
Ao final do voto, o Ministro relator assim decidiu:
“[…] Pelo que dou ao art. 1.723 do Código Civil interpretação conforme à Constituição para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida esta como sinônimo perfeito de “família”. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva” (BRITTO, apud STF, acesso em: 23 jul 2011).
Dessa forma, a dualidade de sexos não é mais requisito para reconhecer a união estável, que pode acontecer entre dois homossexuais. No entanto, é imprescindível que haja convivência duradoura, pública e contínua, estabelecida com o objetivo de constituição de família, valendo destacar que aqueles requisitos são elementos acessórios deste. O caráter estável se refere a uma duração prolongada no tempo, não permitindo uma feição não acidental, não momentânea, especialmente para comprovar a solidez do vínculo. A publicidade e a notoriedade da relação deve passar à sociedade a impressão de que os conviventes são casados.
Além disso, a união estável poderá ser configurada mesmo que os companheiros não coabitem (Súmula nº 382, STF), e não há necessidade de fidelidade recíproca.
Presentes os requisitos acima colacionados, a união homoafetiva é considerada entidade familiar, da mesma forma que a heteroafetiva, e, portanto, decorrem dela alguns efeitos jurídicos – econômicos/patrimoniais e pessoais -, dentre os quais podemos destacar: o regime de bens, via de regra, é o da comunhão parcial de bens (art. 1.725, CC); há partilha de bens, em caso de dissolução da união; direito a pleitear alimentos do companheiro, caso necessite para subsistir (art. 1.694, CC); enquadramento do companheiro sobrevivente como herdeiro necessário, o qual tem o direito de concorrência (analogia ao art. 1.845, CC); direito real de habitação; direito de retomada do imóvel para uso próprio (art. 47, III, Lei nº 8.245/91); direito aos benefícios previdenciários; direito à inventariança (art. 990, CPC); sub-rogação automática, em caso de morte do companheiro (art. 11, Lei nº 8.245/91); direito ao seguro DPVAT; impenhorabilidade do bem de família.
De outra banda, enfatiza-se os seguintes efeitos pessoais: dever de lealdade, respeito e assistência entre os conviventes; dever de guarda, sustento e educação dos filhos (art. 1.724, CC); direito ao uso do sobrenome do companheiro (art. 57, §§ 2º e 3º, Lei nº 6.015/73); estabelecimento de vínculo de parentesco por afinidade aos parentes do outro (art. 1.595, CC); possibilidade de adoção (art. 42, § 2º, Lei nº 10.010/09); exercício de curatela pelo companheiro, em caso de interdição (arts. 25 e 1.768, CC); inelegibilidade eleitoral (art, 14, § 7º, CF); direito à visita íntima entre homossexuais, no âmbito da execução penal; responsabilidade civil na união estável, podendo impor o dever de reparar danos quando houve conduta ilícita qualificada, agravada, pelo resultado; o companheiro é impedido de testemunhar (analogia ao art. 228, CC) “em razão de seu efetivo envolvimento emocional com o convivente, comprometendo a lisura do seu eventual depoimento em juízo” (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 467).
No tocante aos efeitos pessoais, existentes no espaço interno da relação familiar, destaca-se que embora configurada a união estável, não existe a emancipação de companheiro menor (art. 5º, CC), a presunção de paternidade dos filhos nascidos na constância da relação convivencial (art. 1.597, CC) e a mudança do estado civil das partes envolvidas, porque não se trata de ato formal e público, e, por isso, não pode produzir efeitos em relação a terceiros e à coletividade.
O reconhecimento da união estável ainda gera efeitos tributários, e, nesse sentido, é importante destacar que, de acordo com os arts. 44 da Lei nº 4.242/63 e 77 do Decreto nº 3.000/99 é permitido ao contribuinte – separado judicialmente e sem obrigações com a sua ex-mulher -, deduzir em sua declaração de imposto de renda os encargos com a sua companheira, a qual passa a ser sua dependente, desde que a relação já tenha ultrapassado os cinco anos.
Nota-se, portanto, que a união estável irradia suas consequências em diversos campos, “projetando-se nas relações patrimoniais, de índole econômica, e também nas relações pessoais, domiciliadas no âmbito interno da relação mantida pelo casal” (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 457-458).
Conclusão
Ante o exposto, verifica-se que antes do reconhecimento da união homoafetiva pela Suprema Corte, a corrente doutrinária e jurisprudencial que defendia este direito era minoritária, o que dificultava, e muito, a busca da pretensão jurisdicional pelos homossexuais. No entanto, após a decisão – com efeito erga omnes – do STF reconhecendo que a união entre duas pessoas do mesmo sexo constituiu uma modalidade familiar, todos os Tribunais tiveram que se submeter a esta linha de raciocínio, e, dessa forma, foi amenizada a discriminação sofrida pelos homossexuais, embora ainda falte muito para que eles conquistem não só a igualdade formal, mas também a material.
Informações Sobre o Autor
Juliana Araújo Simão Curi
Estudante de Direito