União Poliafetiva e Sua Possível Legalidade no Brasil

Autora: Kelly Angelina de Carvalho Advogada Militante – Graduada em Direito pela Universidade Cidade de São Paulo – Pós Graduada em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale – Membra da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB/SP – Associada do IBDFAM/SP – Instagram e Facebook: @advocaciacarvalhos – Site: www.advocaciacarvalhos.com.br – E-mail: [email protected].

Resumo: Este trabalho tem a finalidade de demonstrar aos leitores, que o Direito de Família é mutável, e que essa mutabilidade decorre das mudanças comportamentais da sociedade, pois ao passo que a sociedade muda os seus costumes, sua forma de viver e de se relacionar entre si, o Direito acompanha essa mudança e regulamenta suas práticas, dando proteção legal aos seus atos.  O intuito principal é apresentar a poliafetividade, uma modalidade de constituir família, que consiste na possibilidade de três pessoas ou mais, do mesmo gênero ou não, viverem entre si um relacionamento amoroso com consentimento e vontade de todos os envolvidos. A idéia é verificar que, se com a frequente mudança na sociedade e consequente alteração do Direito de Família, é possível ou não chegarmos ao reconhecimento da união poliafetiva como uma entidade familiar no Brasil, plenamente aceita pela nossa legislação e tutelada pelo Estado.

Palavras-chave: Família. Poliafetividade. União Poliafetiva. Poliamor. Poligamia.

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Abstract: This report purposes to demonstrate to the readers that the Family Law is changeable due to changes in society´s behavior. Society changes its habits, way of life and relationship among people and Law follows these changes, regulates the society´s acts and provides legal protection. The main intention of this report is the Polyamory, a kind of family constitution about three people or more, same gender or not, living together in a love affair, by common consent and will. In front of frequently changes in society and in Family Law, the idea is to verify the possibility to recognize the Polyamory as a familiar entity in Brazil, as well, its complete acceptation in Brazilian legislation with protection from Estate.

Keywords: Family. Domestic Partnership.  Polyamory. Polygamy.

 

Sumário: Introdução. 1. Evolução histórica do conceito de família. 1.1. Família Patriarcal. 1.2. Família Matrimonial. 1.3. Família Eudemonista. 2. Princípios Constitucionais que norteiam o Direito das famílias. 2.1. Princípio da dignidade da pessoa humana. 2.2. Princípio da igualdade. 2.3. Princípio da liberdade. 3. União estável. 4. União homoafetiva. 5. União poliafetiva. 5.1. Poliamor x Poliafetividade. 5.2. Poliafetividade x Poligamia. 5.3. Estatística de aceitação da união poliafetiva no Brasil. 6. Situação atual da união poliafetiva no Brasil. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa estudar o conceito de família, suas mudanças, sua evolução histórica de acordo com o comportamento social.  O objetivo é apresentar aos leitores que a monogamia não é a única forma de constituição de família, mas que existem diversas outras modalidades, entre elas destaca-se o poliamor, um fenômeno social pautado na possibilidade de amar várias pessoas e dele se extrai a união poliafetiva, na qual mais de duas pessoas vivem como família, com o conhecimento e consentimento de todos os envolvidos, é uma nova forma de se constituir família.

O foco deste estudo é responder a seguinte indagação: é possível a união poliafetiva ser legalizada no Brasil?

Para responder a pergunta, o trabalho realiza um breve estudo do conceito histórico da família; análise da Constituição Federal com os princípios aplicados ao Direito de Família; identificação das transformações do Direito de Família impulsionados pela transformação social; esclarecimentos sobre a diferença entre poliafetividade, poliamor e poligamia; comentários do resultado de uma pequena pesquisa social sobre o tema; informação da situação atual jurídica das uniões poliafetivas no Brasil e por fim, a conclusão, com resposta ao supracitado questionamento.

 

1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE FAMÍLIA

Segundo Friedrich Engels (1984, Pág. 28-31), no início, na pré-história da humanidade, antes da civilidade, as pessoas viviam em tribos e o que definia a família era o parentesco, e este era muito diferente do que se entende por parentesco nos dias atuais, naquela época, os filhos tinham tios e tias como pais e mães, ou seja, não haviam tios, sobrinhos e primos, todos eram irmãos, filhos e pais uns dos outros.

A prática da poligamia era habitual, por isso os filhos de pessoas distintas eram considerados comuns entre eles; a ideia de relação conjugal e sexual era algo muito abrangente, não haviam regras, uma mulher pertencia a todos os homens e um homem igualmente pertencia a todas as mulheres.

O conceito de família passou por diversas transformações no decorrer dos anos, e isso se deu pelas mudanças comportamentais da sociedade, Engels diz:

“A família é o elemento ativo; nunca permanece estacionária, mas passa de uma forma inferior a uma forma superior, à medida que a sociedade evolui de um grau mais baixo para outro mais elevado” (ENGELS, Friedrich – 1984).

 

Os costumes da sociedade, a forma de família com o passar do tempo foi se moldando por inúmeras vezes, até chegar a monogamia, que é a forma mais tradicional e aceita pela sociedade nos dias atuais.

No Brasil também houveram inúmeras mudanças do início da história das famílias até a atualidade, pelo que passaremos a expor.

 

1.1 Família Patriarcal

 A família patriarcal era compreendida por um chefe que era pai e esposo, era quem detinha o poder de administrar e representar determinada família. A esposa e filhos eram totalmente subordinados ao chefe, ele coordenava as relações de trabalho e produção de sua família e escravos, deste modo, o Estado não interferia no espaço privado do grupo familiar.

Os papéis desenvolvidos pela família patriarcal eram de extrema importância para a sociedade, já que as funções sociais, econômicas, políticas eram convergidas para si.

Michelle Perrot ( 1993 apud FERRARINI, Letícia -2010), nos traz uma descrição sobre a família patriarcal:

Essa família celebrada, santificada, fortalecida era também uma família patriarcal, dominada pela figura do pai. Da família, ele era a honra, dando-lhe seu nome, o chefe e o gerente. Encarnava e representava o grupo familiar, cujos interesses sempre prevaleciam sobre as aspirações dos membros que a compunham. Mulher e filho lhe eram rigorosamente subordinados. A esposa estava destinada ao lar, aos muros de sua casa, à fidelidade absoluta.

Os filhos deviam submeter suas escolhas, profissionais e amorosas, às necessidades familiares. As uniões privilegiavam a aliança em vez do amor, a paixão sendo considerada fugaz e destruidora. Para as moças, vigiadas de perto, não havia outro caminho senão o casamento e a vida caseira. Os próprios meios operários só reconheceram às mulheres o direito ao trabalho em função do sustento dos filhos e das necessidades da economia familiar.

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Família ambígua, essa do século XIX! Ninho e ninho, refúgio caloroso, centro de intercâmbio afetivo e sexual, barreira contra a agressão exterior, enrustida em seu território, a casa, protegida pelo muro espesso da vida privada que ninguém poderia violar – mas também secreta, fechada, exclusiva, palco de incessantes conflitos que tecem uma interminável intriga, fundamento da cultura romanesca do século”.

Verifica-se que a família patriarcal não se dedicava aos interesses individuais e pessoais de seus integrantes e sim, aos interesses do Estado, tanto que esse modelo patriarcal, no qual havia a autoridade suprema masculina, se estendeu por toda a sociedade brasileira até chegar nos políticos.

 

1.2 Família Matrimonial

 A família matrimonial é aquela concebida única e exclusivamente pelo matrimônio, pelo casamento. O Estado e a igreja católica definiriam o casamento como uma instituição indissolúvel.

O Estado formaliza o casamento mediante inúmeras exigências e a igreja o celebra com cunho religioso para que somente a morte possa encerrar o vínculo matrimonial e que até a morte, possa haver a procriação, tanto que o casamento religioso pode ser anulado se um dos cônjuges for estéril ou impotente.

Desta vertente é que nasce o débito conjugal, uma obrigação à prática da sexualidade pelos cônjuges, afim de que a função reprodutiva não seja paralisada.

Até a Constituição Federal de 1988 somente o casamento era o meio para formação de família, era a única família reconhecida pelo Estado, com o advento na CF/88 outras modalidades de famílias foram consideradas como válidas.

 

1.3 Família Eudemonista

 A família eudemonista tem como base a felicidade, ela é pautada no amor e solidariedade, o afeto é o único objeto formador de uma família.

Diferentemente da família patriarcal onde há uma hierarquia pois há um chefe de família, na família eudemonista os membros têm liberdade, a família é democratizada pois as relações são muito mais de igualdade, respeito e lealdade recíproca. (DIAS, Maria Berenice – 2016).

 

2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE NORTEIAM O DIREITO DE FAMÍLIA

De acordo com Maria Berenice Dias (2016. Pág. 42-45), a partir da Constituição Federal de 1988, a forma de se enxergar o direito passou a ser mais humanizado e não somente como um meio de imposição de regras à sociedade.

 

Antes, eram somente as regras, a lei seca, a obrigatoriedade a ser cumprida por toda sociedade, os princípios, porém, são subordinantes, são superiores às regras, é o núcleo de todo um sistema, descumprir uma norma, significa transgressão àquela norma, descumprir um princípio viola todo o sistema constitucional.

No direito das famílias que possui tantos valores significativos para ordem jurídica, é imprescindível a interpretação dos fatos e direito de acordo com os princípios constitucionais são no momento, justamente para que a norma não se sobreponha aos princípios.

 

2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana é o princípio basilar da nossa Constituição, o mais importante dos princípios, pois é dele que advém os demais: liberdade, cidadania, igualdade e outros.

Segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2014 apud CHATER, Luciana – 2015), o princípio da dignidade humana tem a seguinte definição:

“Princípio solar em nosso ordenamento, a sua definição é missão das mais árduas, muito embora arrisquemo-nos a dizer que a noção jurídica de dignidade traduz um valor fundamental de respeito à existência humana, segundo as suas expectativas, patrimoniais e afetivas, indispensáveis à sua realização pessoal e à busca da felicidade. Mais do que garantir a simples sobrevivência, esse princípio assegura o direito de se viver plenamente, sem quaisquer intervenções espúrias – estatais ou particulares – na realização dessa finalidade”.

Identifica-se que o direito da dignidade das pessoas humanas se resume a um conjunto de diversos direitos inerentes a qualquer pessoa, independentemente de sua capacidade material, moral, intelectual, o fundamento desse princípio está intrinsicamente baseado na existência humana.

Neste diapasão Maria Berenice Dias (2016 – Pág. 48) esclarece:

 

“O princípio da dignidade humana significa, em última análise, igual dignidade para todas as entidades familiares. Assim, é indigno dar tratamento diferenciado às várias formas de filiação ou aos vários tipos de constituição de família, com o que se consegue visualizar a dimensão do espectro desse princípio, que tem contornos cada vez mais amplos”.

Tem-se que a diversidade das entidades familiares, encontra plena proteção constitucional, desta forma, o Estado em ligadas ao direito das famílias, deve respeitar todas as formas de constituição de família, para que assim, o princípio da dignidade da pessoa humana seja cumprido.

 

2.2 Princípio da igualdade

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O princípio da igualdade parte da premissa que todos os cidadãos são iguais perante a lei, que possuem igualdade na esfera social, e isso interessa ao direito porque é sinônimo de justiça.

Neste sentido, não há motivos para haver desigualdade no tratamento jurídico das diferentes modalidades de família, quando o Estado reconhece apenas o casamento, a família matrimonial entre homem e mulher como legítima, é flagrante a discriminação com as demais entidades familiares.

A este passo que a Constituição Federal de 1988 inova, moderniza e humaniza ao estabelecer o princípio da igualdade, para que esta evidente desigualdade se acabe.

 

2.3 Princípio da liberdade

O direito tem a função de organizar, administrar e limitar as liberdades, justamente para que a liberdade individual de cada cidadão seja garantida. O princípio da liberdade está diretamente ligado ao da igualdade, haja vista, que só é possível ter liberdade individual quando há igualdade entre todos os cidadãos, pois se não houver igualdade, não há que se falar em liberdade e sim em sujeição e dominação (DIAS, Maria Berenice  – 2016).

O princípio da liberdade é totalmente aplicado ao direito das famílias, uma vez que os cidadãos têm liberdade de escolher como querem viver, com quem viver e como constituir família, de acordo com seus interesses, afetos e desejos.

 

3 UNIÃO ESTÁVEL

Apesar da família matrimonial imperar durante anos e o Estado reconhecer somente o casamento como o único meio de constituir família, as relações extramatrimoniais sempre existiram e o direito as ignoravam.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 e seus princípios, houve o reconhecimento da união estável entre homem e mulher como entidade familiar (Artigo 226§ 3º da CF).

O Código Civil de 2002 em seu artigo 1723 e seguintes, tratou de definir como união estável o relacionamento público, duradouro, contínuo e com objetivo de constituição de família entre o homem e mulher.

A união estável é equiparada ao casamento quanto aos deveres de lealdade, respeito, e assistência e de guarda, sustento e educação dos filhos. Aos direitos patrimoniais é conferido o regime padrão do casamento no Brasil, o da comunhão parcial de bens.

A partir deste momento, as pessoas que conviviam como se marido e mulher fossem, passaram a ter proteção do Estado, para todos os fins legais. Um grande avanço para o nosso ordenamento jurídico e para o anseio de grande parte da sociedade, pois o direito passa a legitimar uma forma de relação e família existente há muitos anos em nosso país.

 

4 UNIÃO HOMOAFETIVA

Não obstante, toda a evolução e avanço trazidos pela CF/88 e posteriormente pelo Código Civil/2002, ainda haviam na sociedade modalidades de família que não foram igualmente legitimadas.

O próprio texto constitucional e civil ao legitimar a união estável, traz a descrição de relacionamento entre homem e mulher somente, evidenciando a desigualdade com as pessoas conviventes do mesmo sexo.

Com base no princípio da dignidade da pessoa humana, no princípio da igualdade e liberdade, e por ser comum os relacionamentos duradouros e públicos entre pessoas do mesmo sexo, mais uma vez o direito acompanhou a evolução social e a legalizou a união homoafetiva.

A união homoafetiva se equipara a união estável para todos os fins, porém se estabelece entre pessoas do mesmo sexo, mulher e mulher ou homem e homem.

O reconhecimento da união homoafetiva se deu primeiramente com as decisões proferidas pelos tribunais superiores, com reconhecimento de partilha de bens ao dissolver uma sociedade de fato entre homoafetivos (STJ, Resp 773.136/RJ, Relator Ministra Nancy Adrighi -2016. STJ Resp 648.763/RS, Relator Cesar Asfor Rocha -2006), com permissão de adoção de filhos por parceiros homoafaetivos (STJ, Resp 889.852/RS, Relator Luis Felipe Salomão – 2010). Até que no ano de 2010, o STF julgou duas ações declaratórias de inconstitucionalidade (STF, ADI 4277 e ADPF 132, Relator Ministro Ayres Brito – 2011), reconhecendo as uniões homoafetivas como entidades familiares com os mesmos direitos e deveres das uniões estáveis (DIAS, Maria Berenice -2016).

Desde a decisão do STF que deu plena legitimidade a união homoafetiva, a jurisprudência começou a entender a plena possibilidade de converter a união estável em casamento, mas isso só era possível pela via judicial, ou seja, os casais, faziam a escritura pública ou particular de união homoafetiva e depois iam até o judiciário pleitear a conversão em casamento e era conferido.

Quando então o STJ decidiu pela habilitação direta para o casamento (STJ, Resp1183.378-RS, Relator Ministro Luis Felipe Salomão – 2011), e após, o CNJ emitiu a resolução 175/13 que proibiu todas as autoridades competentes a recusarem a celebração do casamento civil ou a conversão da união estável em casamento, e logo depois o CNJ também emitiu o provimento 37/14 que permitiu o registro das uniões estáveis, inclusive entre pessoas do mesmo sexo no livro E do registro civil das pessoas naturais (DIAS, Maria Berenice  -2016).

Com todas essas decisões, provimentos e resoluções é que foi possível o reconhecimento, a legalidade das uniões homoafetivas e casamentos homoafetivos no Brasil.

 

5 UNIÃO POLIAFETIVA

A união poliafetiva é a união decorrente de vários afetos. A união poliafetiva tem os mesmos requisitos da união estável e da união homoafetiva, porém a poliafetiva, se constitui por mais de duas pessoas, sendo elas do mesmo gênero ou não, todos os membros desta união formam uma família (CHATER, Luciana  -2015).

A união poliafetiva também nos remete ao termo poliamor, que é uma filosofia que prega a real possibilidade de se amar várias pessoas, ou seja, é possível amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo, ninguém pertence a ninguém (VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida rabelo – 2017).

 

5.1 Poliamor x Poliafetividade

O Poliamor é um relacionamento, onde mais de duas pessoas convivem de forma amorosa, tem simultaneidade, e todos os envolvidos possuem conhecimento e consentem com essa relação, a base do poliamor é o amor, a ética, lealdade e a honestidade.

Segundo Lins (LINS, Regina Navarro Lins apud VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida rabelo – 2017), no poliamor, uma pessoa pode amar seu companheiro fixo e pode amar também outras pessoas com quem tenha relacionamentos paralelos, ou pode até ter relacionamentos amorosos múltiplos em que há amor recíproco entre todos os envolvidos. O Poliamor pressupõe honestidade. Ninguém engana ninguém, pois todas as pessoas envolvidas estão a par da situação e se sentem confortáveis com ela. O foco principal é admissibilidade da variedade do amor, sentimento que se desenvolve em relação a diversas pessoas, e que vão para além da mera relação sexual.

A poliafetividade é decorrente do poliamor, é uma união entre mais de duas pessoas, porém, possui um objetivo principal, que é a constituição de família, tem como base o afeto, a solidariedade e a boa-fé entre todos os membros da entidade familiar (VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida rabelo – 2017).

 

5.2 Poligamia x Poliafetividade

A poligamia é o casamento de uma pessoa com várias outras, geralmente é mais comum encontrar a poligamia masculina, a poliginia, que é quando um homem possui várias esposas. Nesta modalidade, o homem escolhe suas esposas independentemente do consentimento da primeira esposa, esta, apenas é obrigada a aceitar a vontade do marido (PASSOS, Anderson S – 2014).

Na poligamia não há que se falar em amor recíproco entre todos os membros da família, o que há é uma hierarquia, o poder concentrado ao homem, este possui uma posição evidentemente patriarcal, pois é superior às suas mulheres (PASSOS, Anderson S. – 2014).

Enquanto que na poliafetividade, há consentimento e aceitação de todos os membros da entidade familiar, o afeto, o amor, a solidadiriedade e o respeito são princípios basilares e permanentemente presente nesta união, não há que se falar em imposição e poder por nenhum dos componentes.

 

5.3 Estatística de aceitação da União Poliafetiva no Brasil

Em uma breve pesquisa realizada por disponibilização de questionário eletrônico (https://www.survio.com/survey/d/L8Q2I1X2Q7P2J7A8U), com um grupo de cem pessoas sem identificação pessoal de nenhum deles, foi possível auferir o que os cidadãos pensam sobre a união poliafetiva no Brasil, se são concordes ou não com a sua legalização.

Das cem pessoas que responderam o questionário eletrônico, 75% são do gênero feminino e 25% do gênero masculino, com faixa etária predominante entre 18 à 59 anos, destes 49% possui nível superior de escolaridade e 32% nível fundamental e médio, e 92% destes possuem orientação sexual heterossexual, sendo 6% homossexual e 2% bissexual.

Apresentado o conceito de poliafetividade e perguntado se possuíam ciência sobre a existência dessa modalidade de relacionamento, 50% responderam que sim, 11% disseram que não, 36% já disseram que já ouviram falar, mas não conheciam as características desse relacionamento e 3% nunca ouviram falar sobre o tema.

Perguntado se entendem que a união poliafetiva deva ser legalizada no Brasil, 38% entendem que sim, 46% entendem que não e 16% disseram estar indecisos.

Por último, foi perguntado o que motivou a escolha de cada um, de entender se a legalização da união poliafetiva deve ou não ocorrer no Brasil, 11% disseram não concordar pois acreditam que a relação é imoral e indecente, 12% disseram concordar por conta do consentimento existente entre os envolvidos e isso pressupõe lealdade, 16%  não concordam por fundamento religioso que é contrário a modalidade de relacionamento, 2% concordam pois entendem que sua religião não deve interferir na vida individual das pessoas, 13% disseram não concordar pois entendem que só a monogamia, o casamento é o correto para toda a sociedade, 24% disseram concordar pois entendem que todos são livres para viver como se sentem felizes, 5% não concordam  devido a confusão patrimonial que a relação pode causar em virtude de rompimento, 5% concordam pois a questão patrimonial é algo a ser pensado em caso de regulamentação e 12% não souberam justificar sua resposta.

Embora não seja possível identificar o real conhecimento e entendimento de toda a população brasileira face ao tema apresentado, justamente por alcançar um número reduzido de pessoas, podemos extrair dela algumas informações.

A principal pergunta de todo o questionário é a última, pois nos permite fazermos uma conclusão da pesquisa, notemos que 24% das pessoas que responderam a pesquisa (maior índice), são concordes e entendem que a união poliafaetiva deva sim ser legalizada no Brasil porque os partícipes desta relação são livres para serem felizes como querem. E 16% (segundo maior índice) entendem que a relação não deve se legalizar por motivação religiosa.

Verifica-se que estamos diante de duas grandes massas da população, uma pautada na felicidade como objetivo mais importante e a outra com fundamentos religiosos. Contudo, conclui-se que a maioria da população tem conhecimento da existência da união poliafetiva e concordam com a sua legalização.

 

6 SITUAÇÃO ATUAL DA UNIÃO POLIAFETIVA NO BRASIL

É indiscutível que as uniões poliafetivas existem há muito tempo, porém, no Brasil a questão veio à tona depois que algumas escrituras públicas, documentando a união foram lavradas.

O primeiro caso se deu em Tupã município do interior do estado de São Paulo, pela tabeliã de notas e protestos, Claudia do Nascimento Domingues, ela foi procurada por três conviventes do Rio de Janeiro, duas mulheres e um homem, estes disseram que viviam numa mesma casa, se relacionando por três anos e não conseguiam oficializar a relação em nenhum cartório que procuraram (http://www.ibdfam.org.br/noticias/4862/novosite).

A união foi lavrada em escritura pública declaratória de união poliafetiva, vejamos um trecho do documento:

“Os declarantes, diante da lacuna legal no reconhecimento desse modelo de união afetiva múltipla e simultânea, intentam estabelecer as regras para garantia de seus direitos e deveres, pretendendo vê-las reconhecidas e respeitadas social, econômica e juridicamente, em caso de questionamentos ou litígios surgidos entre si ou com terceiros, tendo por base os princípios constitucionais da liberdade, dignidade e igualdade”. (Notícia disponível em http://www.ibdfam.org.br/noticias/4862/novosite).

Com o registro público da união poliafetiva, os mesmos direitos e deveres inerentes à união estável e união homoafetivas se aplicam a esta modalidade.

A supracitada tabeliã lavrou outras escrituras com igual teor a ser procuradas por outros conviventes, até que a Associação de Direito de Famílias e Sucessões – ADFAS entrou com pedido de providências no Conselho Nacional de Justiça pedindo a proibição das lavraturas de uniões poliafetivas, sob o argumento que a conduta é inconstitucional.

Em 2016 o CNJ então decidiu pela sugestão de suspensão das lavraturas das escrituras públicas de poliafetividade, vejamos parte do despacho da corregedora nacional de justiça, ministra Nancy Andrigui:

“Essa é apenas uma sugestão aos tabelionatos, como medida de prudência, até que se discuta com profundidade esse tema tão complexo que extrapola os interesses das pessoas envolvidas na relação afetiva” (notícia disponível em http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/82221-corregedoria-analisa-regulamentacao-do-registro-de-unioes-poliafetivas).

A decisão do CNJ foi justamente devido a preocupação de que o direito dos integrantes dessa união, refletem na esfera do direito de Família, Sucessões e Previdenciários e isso precisa ser discutido e bem regulamentado para que ninguém seja lesado.

Após a decisão do CNJ as escrituras de união poliafetiva deixaram de ser registradas, e em 2018 o CNJ decidiu de forma definitiva e determinou a proibição das lavraturas das escrituras de união poliafetiva no País, e esta é a posição que temos até o presente momento.

 

Conclusão                   

Diante do estudo do presente trabalho, conclui-se que o conceito de família não é imóvel, muito pelo contrário, podemos identificar que o conceito de família evoluiu com o passar dos tempos.

Verificamos que a mudança ocorre ao passo que a sociedade evolui, muda, transforma, ou seja, a sociedade traz o fato primeiramente e após, o direito acompanha, regulamenta o que a sociedade já pratica.

De acordo com o breve estudo constitucional, e com o reconhecimento da união estável e união homoafetiva, é possível se depreender que a Constituição Federal não proíbe a modalidade de união poliafetiva, e que na verdade seus princípios basilares dignidade da pessoa humana, liberdade e igualdade abre o caminho para que esta modalidade também seja reconhecida, pois não há óbice legal para isto.

A união poliafetiva é uma realidade existente no Brasil, os cidadãos, ainda que de uma forma subjetiva, puderam expressar sua opinião em pesquisa, mas no geral, com todo o contexto histórico, entende-se que há na sociedade hoje algumas massas, uma que há anos pensam e agem da mesma forma, pois bem fundamentada está com seu cunho religioso, sua crença está à frente de tudo, suas atitudes, seu modo de viver, pensar e enxergar as coisas, pessoas e universo se baseiam única e exclusivamente na religião e a verdadeira família para estes, é apenas aquela que sua religião a declara.

Há aquela massa da população que se importa com o dizer moral, sua colocação social e política na sociedade e por isso prefere sempre o tradicional, o aceito, o regulamentado pelo Estado quando diz respeito à família.

De outro lado, identificamos outra massa, a que já foi tradicional, mas que com o passar do tempo passou a entender e enxergar as coisas, o ser humano e a vida sob outra ótica, e conclui que no final de tudo que o mais importante é ser feliz e não importa a maneira, estes reconhecem como válida e autêntica todas as modalidades de família.

Ao passo que a sociedade progride e a Constituição confere a todos os cidadãos seus princípios basilares, não há razão para que o Estado interfira diretamente na vida individual das pessoas, pois todos vivem da forma como se sentem felizes e o Direito precisa proteger a família, não importa a forma como esta se constitui, pois isto também é um preceito constitucional estampado em seu artigo 226.

A união poliafetiva que possui como base o afeto, solidariedade, boa-fé e tem o principal objetivo de constituir família, respaldada está pela Constituição Federal e tem amparo legal para ser reconhecida como entidade familiar no Brasil.

 

Referências

ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 9ª Edição. Rio de janeiro. Editora Civilização Brasileira. 1984, 215 Páginas.

 

PERROT, Michelle. O nó e o ninho. Veja 25 anos: reflexões para o futuro. São Paulo: Abril, 1993, pág.77-8 apud FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos. 1ª edição. Porto Alegre. Editora livraria do advogado, 2010, 143 páginas.

 

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 11ª edição. Revista dos tribunais.  São Paulo. 2016. 732 Páginas.

 

FILHO, Rodolfo Pamplona; GAGLIANO, Pablo S.tolze. Novo curso de direito civil: as famílias em perspectiva constitucional. Vol. 6. 4ª edição. Saraiva São Paulo. 2014. Pág. 76 apud CHATER, Luciana. União poliafetiva: a possibilidade de reconhecimento jurídico como entidade familiar dentro do contexto atual em que se insere a família brasileira. Brasília, 2015. Pós graduação em advocacia empresarial, contratos, responsabilidade civil e família pelo Instituto Brasiliense de Direito Público.

 

MECUM, Vade. Código Civil. Saraiva. 2016.

 

STJ, Resp 773.136/RJ, 3ª turma, Relator Ministra Nacy Adrighi, julgado 10/10/20016.

 

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STF, ADI 4277 e ADPF 132, Relator Ministro Ayres Brito, julgado 05/05/2011.

 

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CHATER, Luciana. União poliafetiva: a possibilidade ou não de reconhecimento jurídico como entidade familiar dentro do contexto atual em que se insere a família brasilieira. Brasília. 2015. Pós graduação em advocacia empresarial, contratos, responsabilidade civil e família pelo Instituto Brasiliense de Direito Público.

 

VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida rabelo. Famílias poliafetivas: uma análise sob a ótica da pricipiologia jurídica contemporânea. Belo Horizonte. 2017. Doutorado em Direito pela Pontíficia universidade católica de Minas Gerais.

 

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PASSOS, Anderson S. Família de ontem e hoje: estudo sobre os aspectos constitucionais e civis do poliamor. Revista Letras Jurídicas. Ano 52. Nº 1.  Maceió. 2014.

 

Pesquisa realizada por meio do site survio, disponibilizado na internet no link

< https://www.survio.com/survey/d/L8Q2I1X2Q7P2J7A8U>.

 

Notícia da internet disponível no link < http://www.ibdfam.org.br/noticias/4862/novosite> Publicada no dia 21/08/2012. São Paulo. Acesso em 02/11/2017.

 

Notícia da internet disponível no link < http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/82221-corregedoria-analisa-regulamentacao-do-registro-de-unioes-poliafetivas>. Publicada no dia 04/05/2016. Brasília. Acesso em 02/11/2017.

 

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