A unificação e a centralização da infraestrutura administrativa da Justiça brasileira, proposta neste artigo, é uma opção plausível para a reestruturação administrativa do Poder Judiciário no Brasil. Essa proposta apresenta uma solução inovadora, em âmbito nacional, para os problemas infraestruturais atualmente encontrados na Justiça brasileira. Com custo-benefício superior em relação a atual política de reestruturação da Justiça, a proposta prevê a união da infraestrutura administrativa de todos os órgãos do Poder Judiciário em um único sistema, centralizado e informatizado, instalado fisicamente em três, ou mais, Centrais de Dados de grande porte. Os órgãos manterão sua independência administrativa, evitando assim, num sistema unificado, ingerência entre eles. Utilizando-se dessa tecnologia de informatização (virtualização), a prestação jurisdicional oferecida aos jurisdicionados, no país, estará entre as melhores do mundo com alto grau de eficiência, especialmente se realizarmos um paralelo com alguns países europeus (PORTUGAL, 2010, s.p.). O atendimento à população será padronizado, independente do local da prestação física do serviço jurisdicional, que poderá ser realizado tanto nos lugares habitualmente utilizados quanto nas periferias das grandes metrópoles ou, ainda, em áreas remotas do vasto território nacional. Prevalecendo assim o princípio da igualdade prescrito no caput do art. 5º da Carta Suprema.
Atualmente grande parte da Justiça brasileira encontra-se em situação precária na questão da infraestrutura administrativa, principalmente se analisarmos o controle de tramitação de processos. Esse controle deficitário prejudica o atendimento jurisdicional tornando-o, de certa forma, ineficiente. Por conseguinte, forma-se na sociedade brasileira uma sensação de morosidade da Justiça. Para ilustrar esse pensamento, lembramos os dizeres de Rui Barbosa (1997, p. 40) “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”. O Estado Democrático de Direito é alicerceado por diversas pilastras e uma delas é, inegavelmente, a segurança jurídica. Segurança essa garantida pela Carta Magna e pelo fortalecimento das instituições, principalmente do Poder Judiciário que deve ser autônomo, imparcial e eficiente (grifo nosso). É de entendimento pacífico que a informatização da Justiça faz-se necessária para o seu bom funcionamento. Entre outros benefícios, a virtualização traz celeridade ao processo, prestigiando, desse modo, o disposto no art. 5º, LXXVIII do Texto Máximo “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Prova disso é que recentemente o Superior Tribunal de Justiça foi agraciado com o Prêmio Innovare de 2009 (STJ, 2009, s.p.) justamente pelo seu projeto de virtualização, liderado pelo ministro Cesar Asfor Rocha. Entretanto, a maior parte dos tribunais, entre outros problemas, não dispõe de verba suficiente para a informatização ou não são capazes de projetar uma infraestrutura de virtualização segura e adequada. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), visualizando esses problemas, emitiu no ano de 2009 as resoluções 90 (CNJ[5], 2010, s.p.) e 99 (CNJ[6], 2010, s.p.) que tratam dos parâmetros de informatização do Poder Judiciário brasileiro. Seguindo nessa análise, um projeto de informatização do Poder Judiciário, como um todo, padronizado, unificado, seguro e de baixo custo torna-se imprescindível.
O que se propõe nesse artigo é a unificação e a centralização da infraestrutura administrativa da Justiça no Brasil baseando-se nos atuais casos de sucesso do setor privado, citando como exemplo as infraestruturas utilizadas pelos grandes Bancos e Empresas. A proposta em pauta prevê, como brevemente descrito anteriormente, a construção e instalação de três, ou mais, Centrais de Dados de grande porte que serão espelhadas entre si (cópia de segurança dos dados) e que estarão localizadas distantes umas das outras (por exemplo: Brasília/DF, Salvador/BA e Campinas/SP ou qualquer outro lugar a ser escolhido), seguindo o padrão técnico internacional admitido para este tipo de tecnologia. Essas Centrais serão planejadas e construídas adotando a tecnologia mais avançada disponível nas áreas que compõem o projeto (engenharia civil, elétrica e eletrônica; equipamentos; programas; segurança física e virtual etc). O programa de controle de tramitação de processos será desenvolvido de forma única (com pequenas customizações conforme a especialidade da Justiça ou com a adaptação, para o sistema unificado, do programa -PROJUDI- (CNJ[1], 2009, s.p.) criado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ) e conterá estrutura suficiente para ser utilizada por todos os órgãos do Poder Judiciário (elencados no art. 92 da Carta Fundamental): Supremo Tribunal Federal (STF); Conselho Nacional de Justiça (CNJ); Superior Tribunal Justiça (STJ); Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; Tribunais e Juízes do Trabalho; Tribunais e Juízes Eleitorais; Tribunais Regionais e Juízes Militares; Tribunais Estaduais e Juízes dos Estados, e do Distrito Federal. Importante ressaltar que a autonomia administrativa desses órgãos é mantida para evitar ingerência entre eles. O compartilhamento aqui proposto, dá-se apenas na infraestrutura administrativa, mantendo, assim, a independência gerencial dos órgãos supracitados. A partir dessa ideia, ou seja com a unificação e a centralização da infraestrutura, pode-se pensar, também, no compartilhamento de outras funções administrativas, como por exemplo o desenvolvimento de aplicativos com base única com gerenciamento independente para cada um dos tribunais, como: folha de pagamento, fila de precatórios, leilões judiciais, licitações, pregão eletrônico para compra de produtos e equipamentos, diário da justiça eletrônico, controle de despesas, controle de escutas judiciais, cartas precatórias em tempo real etc. Convém enfatizar, também, a possibilidade de interligação com outros sistemas unificados existentes, como por exemplo: BACEN-JUD (CNJ[2], 2009, s.p.), Penhora on-line de imóveis – TJ/SP (CONJUR, 2009, s.p.) etc.
As Centrais de Dados supramencionadas estarão interligadas e espelhadas (contendo as informações de forma duplicada), caso aconteça algo de grave importância com uma delas, as Centrais de Dados remanescentes assumirão automaticamente o atendimento das requisições. Vale ressaltar que, “algo de grave importância” deve ser entendido como fato de altíssima relevância (bombardeio, catástrofes naturais etc). As Centrais de Dados, como já salientamos, serão construídas com a tecnologia mais avançada e segura existente. O acesso às Centrais de Dados será feito por meio da Internet, tanto para os jurisdicionados quanto para os prestadores de serviços jurisdicionais, utilizando-se para isso de diversas tecnologias disponíveis atualmente: satélite, fibra ótica, cabo, conexão ponto a ponto, telefonia fixa, telefonia móvel, sem fio (wireless) etc. Interessante destacar, mais uma vez, a possibilidade de mobilidade do prestador de serviço jurisdicional, por haver condições, no projeto técnico a ser instalado, de acesso ao sistema por meio de telefonia móvel, satélite etc. O prestador poderá estar em qualquer parte do território nacional, incentivando, assim, a justiça itinerante com postos avançados de juizados especiais.
O custo de informatização dos postos de prestação jurisdicional será mínimo. Deverá ser realizado com a aquisição de máquinas (estações de trabalho) de pequeno valor de mercado (sem a necessidade de instalação de programas específicos) e com a contratação de acesso à Internet. Ressaltamos que o acesso às Centrais de Dados para o controle do trâmite de processos será totalmente seguro (criptografia), apoiado por um sistema de monitoramento inteligente que impedirá a má utilização dos aplicativos, como por exemplo: as tentativas de acesso não autorizado e outras tentativas de fraude em geral. O acesso será permitido apenas às pessoas autorizadas com certificação (certificado digital), tecnologia amplamente utilizada nos poucos exemplos de justiças informatizadas, mas com o diferencial de um banco de dados único, válido para todos os órgãos do Poder Judiciário.
Identificamos que os benefícios alcançados por essa ideia serão amplos e concretizados em curto e médio prazo. Somados aos benefícios abordados anteriormente, podemos destacar outros, como: os entes políticos (União, Estados e Distrito Federal) despenderão menos recursos públicos do que se fossem desenvolver, de forma individualizada, seus próprios sistemas (O Estado de São Paulo gastou aproximadamente 617 milhões de reais com a informatização do judiciário paulista no período de 2004 a 2008 (CNJ[3], 2010, s.p.). No mesmo período o Estado do Rio de Janeiro gastou aproximadamente 256 milhões de reais com a informatização do judiciário carioca (CNJ[4], 2010, s.p.)); a população terá uma prestação jurisdicional moderna, rápida e eficiente; os magistrados e servidores da Justiça terão mais tempo para a prestação jurisdicional e desperdiçarão menos tempo com problemas de infraestrutura administrativa; mobilidade da Justiça; os processos serão julgados de forma rápida e eficiente, sem utilização de papéis (ecologicamente correto), atendendo assim aos interesses da população; o acompanhamento do trâmite processual, pelas partes, poderá ser feito de qualquer lugar do mundo. Seguindo na apresentação dos benefícios, podemos citar ainda: os órgãos da Justiça terão ferramentas para a publicidade dos dados estatísticos e das despesas operacionais; o CNJ terá condições de implantar metas administrativas em tempo real; unificação da pesquisa de jurisprudência; unificação dos dados carcerários; centralização dos dados da justiça eleitoral (cadastro de eleitores, resultado de eleições, possibilidade futura de plebiscitos e votações via Internet etc); hospedagem dos sites (sítios) institucionais e correios eletrônicos dos tribunais; possibilidade de unificação nacional dos dados dos cartórios notariais e de registro; diminuição nos custos com pessoal especializado; facilidade de implantação da numeração única de processos; instalação de terminais de atendimento em todas as cidades brasileiras; facilidade de impetração de recursos pelo motivo das instâncias judiciais encontrarem-se no mesmo sistema; troca de mensagens certificadas entre os membros do judiciário. Verifica-se, também, o grande potencial de outros benefícios que serão incorporados ao sistema que serão propostos nos debates que surgirão após a divulgação desta ideia.
As perguntas inerentes a essa proposta são: Quem vai pagar a conta? Essa ideia é juridicamente possível de ser implantada no Brasil? Esses questionamentos deverão ser amplamente discutidos pela sociedade. No primeiro questionamento, uma hipótese levantada é a possibilidade do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) arcar com as despesas de custeio devidamente amparadas por uma emenda constitucional a ser apresentada (devido ao interesse público nacional). O investimento inicial de implantação poderá ser dividido proporcionalmente pelos entes políticos ou arcados apenas pela União devido ao relevante interesse nacional. A segunda pergunta deve ser respondida por meio de uma análise profunda do ordenamento jurídico brasileiro e do posicionamento doutrinário sobre assuntos relacionados.
Por fim, a proposta apresentada neste artigo, de unificação e centralização da infraestrutura administrativa da Justiça brasileira, é apenas uma ideia inicial que deve ser discutida amplamente pelos diversos seguimentos da sociedade brasileira, justamente por ser inédita e de possível aplicabilidade. Será um grande passo para aprimorarmos a eficiência da Justiça e, com isso, preservarmos a segurança jurídica e por conseguinte mantermos o Estado Democrático de Direito expresso constitucionalmente no direito pátrio.
Informações Sobre o Autor
Roni Tevis Francisco
Acadêmica de Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana