Rafael Alexandre dos Santos – Bacharel em Direito pela Universidade de Cuiabá. Pós-Graduado em Direito Público pela Instituição Damasio Educacional S/A. E-mail: rafael_alexandre77@hotmail.com
Resumo: O trabalho teve como objetivo analisar os requisitos necessários a aquisição da propriedade urbana pela população de baixa renda por meio do usucapião especial urbano coletivo. Os objetivos específicos pretenderam analisar o instituto da posse do usucapião, compreender a origem, conceitos e classificação do usucapião especial urbano coletivo. A metodologia para a realização da pesquisa foi a revisão bibliográfica e a abordagem teórica foi qualitativa para análise e interpretação dos dados. Conclui–se que o ordenamento jurídico brasileiro adotou como regra a teoria objetiva de Ihering para definir posse, que os elementos constitutivos do usucapião são posse, tempo, justo título, boa-fé e objeto, por fim que os requisitos necessários a aquisição da propriedade urbana pelo usucapião urbano coletivo pela população baixa renda são a formação de um núcleo urbano, composto de possuidores predominantemente baixa renda, que exerçam de maneira ininterrupta e sem oposição, em uma área cuja a média por possuidor não exceda a 250 m², seja seu único imóvel e não tenham já sido beneficiado com esta modalidade de usucapião.
Palavras-chave: Posse. Usucapião Urbano. Coletivo. Requisitos.
Collective urban special adverse possession: concepts and typologies
Abstract: The work aimed to analyze the necessary requirements for the acquisition of urban property by the low-income population through the collective urban special adverse possession. The specific objectives intended to analyze the possession institute of adverse possession; understand the origin, concepts, and classification of collective urban special adverse possession. The methodology for conducting the research was the literature review and the theoretical approach was qualitative for data analysis and interpretation. It is concluded that the Brazilian legal system adopted Ihering’s objective theory as a rule to define possession, that the constitutive elements of the adverse possession are possession, time, rights title, good faith and object, finally that the necessary requirements for the acquisition of urban property by collective urban adverse possession by the low-income population are the formation of an urban core, composed of predominantly low-income owners, who exercise uninterruptedly and without opposition, in an area whose average per owner does not exceed 250 m², be his only property and have not already been benefited from this form of adverse possession.
Keywords: Possession. Urban adverse possession. Collective. Requirements.
Sumário: Introdução. 1. Apropriando dos conceitos de posse no usucapião: a origem, conceito e classificação. 2 Usucapião especial urbano coletivo: assegurando direitos para quem vive e cuida da propriedade. Considerações Finais. Referências.
Introdução
Foi a partir das décadas de 60 e 70 que houve um processo intenso de migração interna no Brasil, onde a população eminentemente rural passou a ocupar as cidades em busca de melhores condições de vida, contudo sem qualificação necessária para o mercado de trabalho, ao custo da moradia, não restou alternativa a não ser ocupar as periferias dos centros urbanos, culminado com o processo de favelização nas grandes cidades.
A importância do tema justifica-se pelo fato do Brasil ser um país de grandes desigualdades sociais, sem que todos tenham acesso a uma moradia justa e adequada, assim o usucapião especial urbano coletivo permite garantir o direito à moradia, concedendo a propriedade aquele que embora não tenha o título de proprietário, por ter feito do bem sua moradia e de sua família, adquire o imóvel.
Assim, pelo fato da aquisição se dar em prejuízo do legítimo proprietário que não usou o bem em proveito daquele que efetivamente usou, fazendo de sua moradia, fez se o seguinte questionamento, quais os requisitos necessários para aquisição da propriedade imóvel por meio do usucapião especial urbano coletivo por população de baixa renda?
Em relação a metodologia foi utilizada a pesquisa bibliográfica pois consistiu na análise de materiais já publicado como livros, sendo principal deles Usucapião Especial Urbano Coletivo de Carlos José Cordeiro e artigos científicos, sendo empregado a pesquisa descritiva para dissertar sobre os requisitos necessários ao usucapião especial urbano coletivo por população de baixa renda e para análise e interpretação dos dados foi utilizado a pesquisa qualitativa.
O presente trabalho teve como objetivo geral a análise dos requisitos necessários a aquisição da propriedade imóvel por meio da usucapião especial urbano coletivo pela população de baixa renda. Buscou-se fazer uma análise da teoria adotada para definição de posse, identificar os elementos constitutivo do usucapião e por terceiro a análise dos requisitos necessários a aquisição da propriedade pelo usucapião especial urbano coletivo pela população baixa renda.
A origem da posse teve origem em Roma. A teoria que mais se destaca é de Niebuhr que é adotada por Savigny, nela a posse surgiu dá repartição das terras conquistadas pelo Império Romano e destinada a criação de novas cidades e outra parte das terras era distribuída aos cidadãos a título precário, denominadas de possessiones. Outra teoria é definida por Ihering, a posse teria surgido da medida arbitrária que o pretor tomava, concedendo preliminarmente a guarda ou detenção da coisa em litígio a uma das partes, antes da decisão proferida na ação reivindicatória.
Em relação a origem do conceito são inúmeras as teorias que surgiram para estabelecer seu conceito, que são divididas em dois grupos, a subjetiva e objetiva. (DINIZ, 2015). Á frente da teoria subjetiva está o conceito proposto por Savigny enquanto que na objetiva está Ihreing, considerados os dois grandes pensadores da construção do instituto possessório. A posse para a teoria subjetiva é o poder direito ou imediato que tem a pessoa de dispor fisicamente de um bem com a intenção de tê-lo para si e de defendê-lo contra a intervenção ou agressão”, assim percebe-se que são dois os elementos constitutivos da posse o elemento objetivo corpus e o elemento subjetivo animus.
O corpus é o elemento material que pode ser definido como o poder físico sobre a coisa, ou seja, ter a coisa sob sua detenção, podendo inclusive dispor dela, enquanto que o animus denominado de animus domini ou animus rem sibi habendi consiste no desejo de possuir a coisa como dono fosse, ou seja, exercer o direito de propriedade. Nesse sentido, Monteiro e Maluf (2011, p. 28) acrescentam, que são dois os elementos constitutivos da posse: “o poder físico sobre a coisa, o fato material de ter esta a sua disposição, numa palavra, a detenção da coisa (corpus) e a intenção de tê-la como sua, a intenção de exercer sobre ela o direito de propriedade (animus) ”.
Assim, para esta teoria, não basta somente o corpus, ou seja, o poder de dispor fisicamente da coisa, deverá também existir a vontade de ter a coisa como sua, como proprietário, portanto o animus, pois faltando o corpus, a posse será um fenômeno de natureza psíquica, sem relevância para o mundo jurídico, enquanto que faltando o elemento animus, será mera detenção, ou seja, a posse natural (DINIZ, 2015).
A consequência desta teoria, é que aqueles que tivessem a coisa, ainda que a justo título, como por exemplo o locatário, comodatário, usufrutuário, etc, seriam considerados apenas detentores, pois estes não possuem à intenção de serem proprietário da coisa, não podendo assim, invocar a proteção possessória em nome próprio no caso de serem turbados da coisa, necessitando recorrer à pessoa que lhe conferiu a detenção, para que este invocasse a proteção possessória (DINIZ, 2015).
Por outro lado, aquele que “tomou” a coisa mediante violência ou não, como por exemplo um ladrão ou bandido, estaria protegido juridicamente de acordo com a teoria subjetiva, pelo fato de terem o elemento corpus a partir do momento que “tomou” a coisa para si e como sua intenção é de ter a coisa como dono, seria considerado legítimo possuidor (GONÇALVES, 2015).
Diferentemente, a Teoria Objetiva de Ihering define posse como “o exercício de algum dos direitos inerentes à propriedade, independentemente da intenção do possuidor” (NADER, 2024, p. 31), salvo nos casos previstos em lei em que este exercício configurará mera detenção, portanto, pata esta teoria basta apenas o elemento objetivo corpus, para a caracterização da posse.
Entretanto, o corpus, não significa necessariamente contato físico com a coisa, mas sim, conduta de dono, ou seja, agir em face da coisa como proprietário faz, assim, posse “é a exteriorização da propriedade, visibilidade do domínio ou o uso econômico da coisa” (GONÇALVES, 2015, p. 51).
A partir dessa teoria, pode se separar a posse da propriedade, que é seria aquele que possui o registro do título do bem, enquanto que o possuidor é aquele que exterioriza o domínio da coisa, ou seja, que se utiliza economicamente ou da destinação socioeconômica ao bem. Isso permite que o próprio proprietário use economicamente do bem (utilização imediata), bem como cedê-lo a título oneroso (locação) ou gratuito (comodato) a outras pessoas (DINIZ, 2015).
Nesse sentido, Diniz (2015) diz que, dispensando a intenção de querer ser dono, animus domini, é possível que o locatário, o comodatário, o depositário, etc, sejam considerados possuidores, assim protegidos pelos interditos possessórios e não meros detentores da coisa, pois para Ihering e sua teoria o que importa é o uso econômico ou a destinação socioeconômica do bem. Em suma, o ordenamento jurídico brasileiro adotou a teoria de Ihreing, ou seja, a teoria objetiva para a definição de posse.
Quanto ao exercício da Classificação da posse pode ser direta e posse indireta, contudo antes de definir cada uma delas, é necessário entender que o direito de propriedade confere uma série de poderes previsto no artigo 1228 do Código Civil são elas usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha (DINIZ, 2015).
Poderes que normalmente estão reunidas na mesma pessoa, ou seja, no proprietário, entretanto, estes poderes podem estar distribuídos entre outras pessoas, que no caso da teoria de Ihering, proprietário é aquele que cede esse poder a outrem não perde a posse da coisa, conserva este direito, ocorrendo o fenômeno do desdobramento da posse em direta e indireta, prevista no artigo 1196, Código Civil que assim prescreve:
Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto (BRASIL, 2002).
Será considerado possuidor indireto, o proprietário ou o dono da coisa que entregará a coisa a outrem, que será considerado o possuidor direto ou mediato, que recebendo o bem, exercerá contato com o bem, podendo inclusive dispor fisicamente deste (VENOSA, 2014). São exemplos de possuidores diretos da coisa, o locatário, o comodatário, o usufrutuário, que por força de contrato possuem a posse direita da coisa.
A posse também é classificada quanto aos vícios ou pureza, podendo ser dividida em justa e injusta, conforme o artigo 1200 do Código Civil, “é justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária ” (BRASIL, 2002). Por outro lado, a posse será justa quando não for violenta, clandestina ou precária, “é aquele isenta de vícios, aquela que não repugna ao direto, por ter sido adquirida por algum dos modos previsto em lei. A posse violenta é aquela obtida pela força ou violência, não sendo necessário que a violência seja exercida contra o possuidor ou detentor da coisa, violência tanto a vis compulsiva (coação moral) como a vis absoluta (coação física) (VENOSA, 2014).
Enquanto que a posse clandestina é aquela que a coisa é obtida pelo furto do objeto ou pela ocupação da coisa de forma escondida, ou seja, caracteriza-se pela ausência de publicidade e conhecimento da pessoa que se tira a posse. E por último, a posse injusta quando for precária, ou seja, quando é obtida mediante abuso de confiança, praticada por aquele que recebeu a posse do proprietário e tinha o dever de restituí-la em determinado prazo certo ou incerto, e se nega injustamente a devolver a coisa, passando a possuí-la em seu próprio nome (GONÇALVES, 2015).
A classificação objetiva da posse se dará com base em critério objetivos, que pode ser de boa-fé e de má-fé. A primeira é definida no artigo 1201 do Código Civil, sendo “de boa-fé a posse, se o possuidor ignora vício, ou o obstáculo que o impede a aquisição da coisa” (BRASIL, 2002), ainda completa o parágrafo único do referido dispositivo que “o possuidor de justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção”. (BRASIL, 2002). O possuidor tem a convicção inabalável de que a coisa em seu poder lhe pertence, ou seja, de ser o legitimo possuidor, por outro lado o de má-fé, será aquele possuidor que tem a ciência do vício impeditivo da aquisição da sua posse (MONTEIRO; MALUF, 2011).
Quanto a idade a posse pode ser classificada como nova e velha considerando nova a posse que tiver menos de um ano e um dia e velha a posse com mais de um ano e um dia. Em relação ao tempo de um ano e um dia, a doutrina não sabe a explicação histórica acerca desse tempo previsto no Código de Processo Civil, que estabelece que ajuizado uma ação possessória, por exemplo de reintegração de posse no caso de esbulho ou de manutenção de posse no caso seja turbação, e da data do fato até o ajuizamento tiver mais um ano e um dia, esta seguirá o procedimento especial, caso seja, após esse prazo o procedimento será o ordinário (VENOSA, 2014).
A posse “ad interdicta” e posse “ ad usucapionem”. A “ad interdicta” é aquela que o possuidor pode se amparar nos interditos ou nas ações possessórias para defender sua posse nos casos de ameaça, turbação, esbulho ou perda dela, contudo não conduz a sua aquisição por meio do usucapião (DINIZ, 2015). Enquanto que a posse “ad usucapionem” é aquela que prolonga no tempo, permitindo ao seu titular a aquisição do domínio, ou seja, da propriedade, desde obedecido os prazos previsto em lei para o usucapião (GONÇALVES, 2015). O artigo 1.242, do Código Civil estabelece que “Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos. ” (BRASIL, 2002), usucapião este denominado de ordinário. O artigo 1.238 prevê o usucapião extraordinário, ao estabelecer que “Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé (BRASIL, 2002).
De acordo com o artigo 1.204, do Código Civil de 2002, a aquisição da posse ocorre “desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade”, (BRASIL, 2002), portanto a partir do momento que o indivíduo pode “usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha” (BRASIL, 2002), conforme artigo 1.228 do Código Civil.
A aquisição que pode é dividida em modo originário e derivado, no primeiro caso quando “realiza-se independentemente de translatividade, sendo, portanto, em regra, unilateral, visto que independe da anuência do antigo possuidor, ou seja, efetiva-se unicamente por vontade do adquirente sem que haja a colaboração de outrem” (DINIZ, 2015, p. 83).
A aquisição de modo originário pode ocorrer pelas seguintes formas, apropriação do bem ou coisa, que consiste na apreensão da coisa “sem dono” por ter sido abandonada (res derelictae), por não ser de ninguém (res nullius) ou por violência ou clandestinidade. A segunda forma é o pelo exercício do direito, que consiste na utilização econômica da coisa, por exemplo uma servidão (DINIZ, 2015). Por outro lado, o modo derivado de aquisição consiste “na existência de uma posse anterior, que é transmitida ao adquirente, em virtude de um título jurídico, com a anuência do possuidor primitivo, sendo, portanto, bilateral”, por exemplo, pela compra e venda, permuta, testamento, etc. (DINIZ, 2015, p 84).
A tradição é o primeiro modo derivado, se dá pela entrega da coisa pelo possuidor ao novo possuidor, tradição que pode ser material ou real, que é efetivada mediante a entrega a coisa, por exemplo um notbook, automóvel, etc, ou ficta, também denominada de simbólica, consistindo na entrega de um objeto significando abstratamente a entrega da coisa, por exemplo a chave do apartamento.
O constituto possessório é outra espécie, ocorre quando o possuidor do bem em nome próprio, passa a possuir em nome de terceiro, por exemplo a pessoa que é proprietária de uma casa, vende e permanece como locatária. (DINIZ, 2015). A terceira espécie derivada é a acessão, que é a posse adquirida em razão de sucessão inter vivos ou causa mortis, esta ocorre na sucessão legitima ou testamentária, aquela quando alguém compra uma coisa de outra, o novo adquirente, pode unir a posse do antecessor com a dele (GONÇALVES, 2015).
A perda da posse pode ocorrer, conforme artigo 1.223 do Código Civil, perde-se a posse a partir do momento que “cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se refere o artigo 1.196. ” (BRASIL, 2002), passando o possuidor não ter de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade, qual seja, os poderes de “usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha ” (BRASIL, 2002) previsto no artigo 1196, Código Civil.
Assim, a perda da posse pode ser classificada em por abandono, tradição, perda da própria coisa, destruição da cosia, posse de outrem, inalienabilidade da coisa e pelo constituto possessório, quanto a tradição e o constituto possessório já foram explicados na aquisição, pois enquanto um adquire ou outro perde a posse. Pelo abandono, o possuidor da coisa por vontade própria, ou seja, intencionalmente se afasta, deixa, se desfaz da coisa não exercendo mais qualquer um dos poderes inerentes da propriedade, por exemplo, aquele que joga o objeto na rua, no lixo, etc. No caso da perda da própria coisa, também ocorre o afastamento da coisa como no abandono, contudo neste caso esta ação é involuntária, pois, independe da vontade do possuidor (DINIZ, 2015).
A posse será perdida quando ocorrer a destruição do objeto ou coisa, fazendo com que este deixe de existir fisicamente ou inutilize-o definitivamente ao ponto de não ter mais utilização economicamente. Perde-se a posse pela inalienabilidade da coisa, quando este torna-se coisa fora do comércio e por último pela posse de outrem quando este não for manutenido ou reintegrado em tempo hábil (DINIZ, 2015).
Por último, a perda da posse dos direitos pode ocorrer pela impossibilidade de seu exercício, ou seja, quando o possuidor não tiver mais fisicamente ou juridicamente o exercício de alguns dos poderes inerentes ao domínio ou pelo desuso, quando a posse não é exercida durante um certo lapso temporal, por exemplo uma servidão predial. (DINIZ, 2015)
Na década de 50 a população brasileira estava praticamente concentrada na zona rural, tendo feições extremamente agrícolas, entretanto ao longo das décadas, houve uma intensa transformação com o início do processo de industrialização no Brasil, isto fez com que a oferta de trabalho nas grandes cidades aumentasse, frente a escassez de trabalho no campo, assim, não restou alternativa as inúmeras famílias, se não partirem em direção as cidades em busca de melhores condições de vida.
Conforme Cordeiro (2011, p. 129) confirma que o crescimento urbano transformou e inverteu distribuição da população no espaço geográfico naquele momento, pois, se nos anos 50, a feição do país era eminentemente agrícola, com 80% da população vivendo no campo, hoje a situação é contrária, haja vista que o povo brasileiro, em mais de 80%, vive nas cidades. Pereira (2016, p. 127) afirma que “em aproximadamente 40 (quarenta) anos, mais especificamente no período que se estendeu da década de quarenta aos anos oitenta, a população brasileira passou de predominantemente rural para majoritariamente urbana.”
Fato este que acarretou uma série de problemas, tanto de natureza social quanto de natureza estrutural, pois, o desenvolvimento econômico não acompanhou o crescimento demográfico, ocasionando o que foi conhecido como “inchaço populacional” (CORDEIRO, 2011).
Ocorre que, o desenvolvimento econômico foi baseado na concentração de renda, ou seja, a riqueza produzida ficava na mão dos detentores dos meios de produção, ou seja, da minoria, sem que houvesse distribuição de renda, contribuindo gravemente para a desigualdade social crescesse, consequentemente para o processo de segregação social.
Conforme Cordeiro (2011, p. 129) essa mudança ocasionou o inchaço populacional das áreas urbanas, trazendo, além de desordem na ocupação do território, desenvolvimento econômico baseado na concentração de renda, que resulta na injusta localização das habitações, de modo a tornar concreto o princípio da segregação residência.
De acordo com Pereira (2016, p. 127), este movimento desenvolveu um modelo de desenvolvimento urbano segregador, que privou as camadas populares de condições básicas de urbanidade, ou de inserção efetiva na cidade e mais que isso, revelou-se em um modelo de urbanização concentrador. Além do “inchaço populacional” e da concentração de renda, a atividade especulativa da propriedade urbana, que se caracteriza pela aquisição de propriedades urbanas com a finalidade exclusiva de vender futuramente após uma supervalorização, para fins de obtenção de lucro.
Nesse cenário, a falta de distribuição de renda e especulação imobiliária, a população pobre desses centros urbanos teve como única alternativa a ocupação irregular e precária de áreas periféricas, sem quaisquer condições básicas de urbanidade, ou seja, sem elementos necessários ao bem estar e à própria dignidade humana (CORDEIRO, 2011).
Segundo Cordeiro (2011, p. 131), a ocupação das favelas, morro e periferia foi a solução possível como moradia para a população pobre e despossuída, sem acesso ás formas de habitação oferecidas pelo mercado imobiliário e pelo fato de que as suas políticas habitacionais oferecidas pelo Estado não conseguem absorver a demanda sempre crescente dos carentes de moradia.
Atualmente, essas ocupações se tornaram favelas, morros, periferias, etc e estão presentes em todos grandes centros urbanos, pessoas essas que vivem em áreas de encostas, morros, matas de forma precária e sem qualquer estrutura para garantir que garante condições mínimas de existência.
Para entender esse processo retomo a etmologia da palavra usucapião. Ela é de origem latina e formada por duas palavras, “capere” que significa “tomar” e “usu” que quer dizer “pelo uso”, formando a expressão “tomar pelo uso”. (RIZZARDO, 2011). No entendimento jurídico é modo de aquisição originária de propriedade ou outro direito real, como usufruto, uso, servidão ou habitação em razão do exercício da posse do bem em determinado lapso temporal, desde que preenchido os demais requisitos previstos em lei.
No mesmo sentido, Diniz (2015, p. 178) conceitua como sendo, o “modo de aquisição da propriedade e de outros direitos reais (usufruto, uso, habitação, enfiteuse, servidões prediais) pela posse prolongada da coisa com a observância dos requisitos legais. ”
De acordo com Cordeiro (2010, p. 20), “Um modo originário da aquisição da propriedade de coisa hábil, móvel ou imóvel, além de outros direitos reais, que possam ser, legalmente, alcançados pelo instituto, diante da posse mansa, contínua, pacifica, por quem de direito, uma vez obedecidos os requisitos legais necessários e pelo prazo previsto em lei. Por esse conceito frise-se que a USUCAPIÃO também pode ser exercida sobre direitos reais, como é o caso do USO, do USUFRUTO, da HABITAÇÃO, da RENDA e da SERVIDÃO”.
A definição acerca do modo de aquisição do usucapião em originária ou derivada produz efeitos práticos diversos e importante para a propriedade, pois quando se trata de aquisição originária, a propriedade torna-se livre de quaisquer vícios ou limitações que anteriormente existiam sobre a propriedade, enquanto que na deriva a propriedade é transferida com as mesmas características, ou seja, vícios e limitações que existiam anteriormente (CORDEIRO, 2011).
De acordo com Gonçalves (2015) a aquisição originária, ocorre quando não há uma transferência de um sujeito para outro, haja vista, que o sujeito obtém o domínio da coisa, sem que lhe seja transmitido por outrem. Enquanto que a aquisição derivada ocorre pela transferência da propriedade por meio de uma relação negocial entre o proprietário anterior e o adquirente, ou seja, ocorre uma transmissão voluntária do domínio da coisa, objeto da relação jurídica, como em um contrato de compra e venda.
Apesar de divergências doutrinária, a parte majoritária, bem como Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que trata-se de modo originário de aquisição de propriedade ou outro direito real sobre coisa alheia.
Segundo Venosa (2014, p. 208), “O usucapião de ver considerado modalidade originária de aquisição, porque o usucapiente constitui direito a parte, independentemente de qualquer relação jurídica com anterior proprietário. Irrelevante ademais houvesse ou não existido anteriormente um proprietário. “
Conclui-se que a usucapião é a maneira originária de aquisição e se dá quando não existe relação entre um precedente e um subsequente sujeito de direito. A jurisprudência recente tem-se firmado nesse sentido, inclusive o Supremo Tribunal Federal, tem o entendimento de que a aquisição por usucapião é originária, não estando, pois, o bem usucapido, sujeito a eventuais encargos que o gravassem anteriormente (CORDEIRO, 2010).
Em sentido contrário, a doutrina minoritária representada por Caio Mário da Silva Pereira e Pedro Nunes entende que o usucapião ser modo de aquisição derivada, em razão de levar em consideração que aquisição da propriedade pelo usucapiente se dá em decorrência da perda do domínio do proprietário para aquele (PRATES, 2010).
De acordo com parte da doutrina, o usucapião constitui uma espécie de prescrição aquisitiva, contudo antes de discutir sobre esse tema, é necessária dizer que a prescrição aquisitiva não se confunde com a prescrição extintiva, também denominada de propriamente dita. Assim, tem-se que a prescrição aquisitiva está prevista na Constituição Federal de 1988, no Código Civil de 2002 e na Lei 10.257/01, já a prescrição extintiva está prevista na parte geral do Código Civil nos artigos 189 ao 206.
Conforme Prates (2010, p. 20), “ No Direito Brasileiro, temos duas espécies de prescrição; a AQUISITIVA e a EXTINTIVA, mais conhecida, a primeira, como USUCAPIÃO, ao passo que a última seria a prescrição, propriamente dita, ambas capituladas em separado no novo Código Civil: a primeira, na parte especial do Código (Artigo 1.238 a 1.244 e 1.260 a 1.262), ao passo que a prescrição “strictu sensu” se acha disciplinada nos artigos 189 a 206 do C.C. Essa abordagem da matéria em partes distinta do Código Civil denota que o legislador entende que os institutos têm natureza jurídica diversa.
Primeiramente, enquanto que a prescrição propriamente dita caracteriza pelo modo de extinção da pretensão de um direito o usucapião constitui como modo de aquisição de direitos reais.
Para Cordeiro (2011) enquanto que o usucapião exige uma conduta positiva do usucapiente, na prescrição extintiva a conduta do agente sempre é negativa, ou seja, passiva, inerte. Outra diferença reside na abrangência dessas duas espécies, o usucapião “ é menos abrangente do que a PRESCRIÇÃO, pois esta última envolve aspectos a se considerar dentre os direitos reais e obrigacionais, quando a USUCAPIÃO se situa no campo dos Direitos Reais”. (PRATES, 2010, p. 21).
Apesar das evidentes diferenças, essas duas espécies têm coisas em comum, primeiramente que ambas emanam do decurso do tempo, a segunda de que ambas prescrições servem para eliminar as incertezas dos direitos e terceiro que as causas de suspensão e interrupção do prazo prescricional aplicam as duas espécies nos termos do artigo 1.244 do Código Civil. “De comum, entretanto, têm os dois institutos o fato de que ambos emanam do decurso do tempo e servem para eliminar as incertezas do direito e as regras semelhantes no que diz respeito às razões que motivam a suspensão e a interrupção do prazo prescricional, conforme se depreende da leitura do artigo 1.244 do novo C.C.”
Cordeiro (2011) entende que não é possível considerar que o usucapião constitui uma espécie de prescrição aquisitiva, pois analisando cientificamente o usucapião, percebe-se que este possui regime diverso daquele, tendo apenas duas característica em comum com a prescrição, quais seja, o decurso do prazo e a inércia do titular do direito. Contudo, o próprio autor, acaba concluindo que, a definição do usucapião como prescrição aquisitiva já se consolidou em nosso ordenamento, sendo adotada por vários autores e pelos nossos tribunais.
Conforme Cordeiro (2011, p. 69), “Todavia, a par das diferenças e afinidades apresentadas entre os dois institutos, deve-se se considerar que o uso da expressão “prescrição aquisitiva” como sinônimo de usucapião já ganhou vida, por meio dos tempos, tanto nos livros de doutrina como nos julgados dos tribunais, de forma que o intérprete, devidamente advertido de sua diferenciação, poderá utilizar as palavras de maneira indistinta, desde que afaste do sentido estrito o significado de prescrição. “
O fundamento do usucapião refere-se à justificativa da existência desse instituto, ou seja, do usucapião, pois, fazer do sujeito que apenas detém a posse do objeto de seu novo proprietário, sem que haja um título anterior, consequentemente, retirando essa propriedade daquele que possui justo título somente em razão da lei, não seria uma justificativa plausível (GONÇALVES, 2015). Entretanto, não existe na doutrina um fundamento único para a explicação desse instituto em nosso ordenamento, desta forma, são inúmeros os fundamentos para o usucapião.
Segundo Cordeiro (2011, p. 72 apud FACHININ, 1998, p.37), “é possível grupar em torno de dez teorização acerca dos fundamentos do usucapião, muitas delas se entrelaçando, ora vista como pena de negligência, ora como medida da política jurídica, ora como ação destruidora do tempo, ora como adaptação da situação de direito à situação de fato, ora como presunção de abandono ou renúncia, ora como motivo de utilidade pública, ora como regra imposta pela necessidade de certeza jurídica, ora como interesse social, ora como instituição necessária à estabilidade dos direitos e, ainda, como fundamento da ordem e estabilidade social.”
Essas teorias estabelecidas que fundamentam o usucapião podem ser divididas em duas correntes, a objetiva e a subjetiva. A primeira fundamenta o usucapião, como uma presunção de renúncia do proprietário ao seu direito de propriedade, bem como uma punição ao proprietário negligente ou desidioso, que não cuida e nem se preocupa como o seu patrimônio (GONÇALVES, 2015). E a segunda fundamenta o usucapião no sentido axiológico e social, relacionando suas teorias com a utilidade pública, finalidade social, na paz social, segurança e estabilidade da propriedade, a consolidação da propriedade, etc (CORDEIRO, 2011).
De acordo com a teoria que fundamenta na paz social, o usucapião impede que eventuais reivindicações ao longo do tempo, por aquele que se declare legítimo proprietário, pudessem levar a situações de instabilidade e de insegurança aquele que cultivou a terra, construiu sua moradia e fez da propriedade seu lar.
Todavia a teoria que apresenta o fundamento de maior consenso é o cumprimento da função social da propriedade, ou seja, dar destinação a coisa possuída, seja ela móvel ou imóvel, ainda que indiretamente, como fazer dela sua moradia, cultivar o solo, etc.
Conforme Nascimento (1992. p.15) apud Filho (2013, p. 171), “Tem que se como fundamento racional da prescrição aquisitiva a função social que a propriedade deve ter. Função social esta que se declara pela conduta omissiva do proprietário, no exercício de um não uso, que por ser improdutivo e anti-social, é nocivo, e pela conduta comissiva do prescribinte que, usando a coisa, exercendo sua utilidade, lhe dá função, de conteúdo social. “
“Nos tempos atuais, percebe-se que a função social da propriedade vai adquirindo contornos mais nítidos, acentuado a tendência de se colocar equilíbrio os interesses coletivos/sociais com os interesses individuais e de certa forma, até se sobrepondo a estes.” (CORDEIRO, 2011, p. 74).
Desta forma a conversão da posse continuada em direito de propriedade, premiaria aquele que utiliza o bem utilmente, cuidando, produzindo ou residindo nele por um longo período de tempo sem oposição, diferentemente daquele que não utilizou nesse período, e requer o bem de volta, o que não haveria justiça neste caso (VENOSA, 2014).
Considerações finais
O processo de migração no Brasil, embora diminuído em relação a épocas anteriores, é muito intenso ainda, entretanto não mais do campo para a cidade, mais, sim de uma região do país para outra considerada mais rica. O motivo, praticamente de quase todos, a busca de melhores condições de vida para ele a e sua família, entretanto sem estudo e qualquer qualificação profissional encontram uma realidade diferente, sem trabalho, dinheiro e moradia, a grande maioria possui como certo o destino da ocupação de terrenos, matas, morros, encostas, como o único lugar para morar.
Nesse sentido, essas ocupações, se transformam em verdadeiro fenômeno para o mudo jurídico, haja vista, ainda que clandestina constitui posse, gera efeitos, um deles de permitir a aquisição da propriedade por meio de algumas das mordalidade de usucapião. A posse é definida como o exercício, pleno ou parcial, de alguns dos poderes inerentes de propriedade, conforme a Teoria Objetiva de Ihering, cuja é adotada em nosso Código Civil de 2002.
Assim, surge o usucapião, instituto jurídico que busca consolidar uma situação de fato (ocupação do imóvel) em uma situação de direito (direito de propriedade), a aquele que exerceu a posse sobre o imóvel, fazendo dela sua moradia ou dando destinação ao imóvel em face daquele que permaneceu inerte. Entretanto não basta simplesmente a posse, para a consumação do usucapião é necessário que os demais elementos, ou seja, requisitos previsto em lei estejam presentes, quais sejam, o tempo, animus domini, justo título, boa-fé e coisa hábil, salvos nos casos que a modalidade de usucapião dispensar, por exemplo o usucapião extraordinário, especial urbano e rural, que não exigem justo título e boa-fé dos possuidores.
Nesse contexto, falta de moradia e das crescentes ocupações irregulares, o legislador criou uma modalidade específica de usucapião, visando beneficiar essa classe de pessoas predominantemente de baixa renda, o usucapião especial urbano coletivo, vindo assim, não só regularizar uma situação de fato, mas também assegurar o direito à moradia a essa população que ocupam áreas urbanas irregulares, comumente visto nas médias e grandes cidades do Brasil. Assim, esta modalidade de usucapião apresenta uma série de requisitos e características específicas acerca de seus elementos constitutivo, seja quanto aos possuidores, a posse, o tempo, etc.
Por fim, como mencionado ao longo do texto, as alterações acerca da usucapião foram recentes, em 2017, por isso inúmeros questionamento e divergência existem acerca do usucapião especial urbano coletivo, assim, como o objetivo não foi esgotar o tema, novas pesquisas a partir dessa poderão surgir, como por exemplo a análise de todo o processo de regularização e obtenção do título de propriedade.
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