Resumo: O presente artigo foi elaborado como Trabalho de Conclusão de Curso, com intuito de fazer um estudo aprofundado com base em pesquisas bibliográficas, como doutrinas, artigos científicos e jurisprudências a respeito da recente introdução, do artigo1240-A do Código Civil, que prevê uma nova modalidade de usucapião: a usucapião por abandono do lar. Neste instituto a pessoa que permanecer por no mínimo dois anos ininterruptos, posse mansa, cuja divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, sobre imóvel urbano de até 250m², utilizando-o para sua moradia ou de sua família, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural, conforme diploma do artigo 1.240 – A do Código Civil Brasileiro, inserido pela lei pela Lei 12.424/11, que juntamente com a sua origem trouxe novos aspectos para os Direitos Reais com respaldo no Direito de Família. Logo, tal modalidade vem causando repercussão em relação aos seus requisitos, no âmbito jurídico por também se tratar de um direito social, à moradia, abrindo assim um leque de discussões na área do direito.
Palavras-chave: Abandono do Lar. Código Civil. Usucapião.
Abstract: This article was prepared as a work completion of course, in order to make a thorough study based on literature searches, as doctrines, scientific articles and jurisprudence regarding the recent introduction of article 1240-A in the Civil Law, which provides a new way of adverse possession: the adverse possession for family abandonment. In this institute the person to remain for at least two uninterrupted years, meek office, whose split with ex – spouse or ex – partner who left home on urban property up to 250m², using it to his or her family, since owner than any other urban or rural property as set forth in the Brazilian Civil Law´s article 1240A, inserted by law 12.424/11, which together with its origin brought new aspects to the Real Rights law in reliance on family law. Therefore, this mode is causing repercussions in relation to its requirements in the legal framework for also dealing with a social right, to housing, thereby opening up a range of discussions in the right area.
Keywords: Home abandonment. Civil Law. Adverse possession.
Sumário: Introdução. Direitos reais e a usucapião. Usucapião familiar. Requisitos da usucapião familiar. A proteção à moradia no âmbito da Constituição Federal. Tutela jurisprudencial da usucapião familiar. Considerações finais.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo analisar o artigo 1240-A do Código Civil de 2002, introduzido recentemente pela Lei 12.424/11, que trata da usucapião por abandono do lar, conhecido pela doutrina como usucapião familiar. Será abordado no discorrer do trabalho a sua origem histórica, definição, requisitos, o direito a moradia e a tutela jurisprudencial no âmbito jurídico.
O artigo 1.240 A foi introduzido pela Lei 12.424/11, que reduziu o prazo mínimo de 5 anos para 2 anos para aquisição por usucapião da propriedade dividida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar. Esse artigo foi criado para atender as políticas públicas dos direitos sociais, amparados na Constituição Federal.
Esse tema merece atenção, pois essa modalidade de usucapião visa garantir o direito à moradia, para o cônjuge abandonado e sua família, no entanto há muitas críticas favoráveis e contra, acerca do instituto, pois também se tratam de políticas social e fundamental, para as famílias de baixa renda, políticas essas que buscam uma melhor qualidade de vida para o cidadão.
Contudo é claro, não se pode deixar de falar sobre os direitos reais, ao citar as teorias da posse, conceito de propriedade, a Constituição Federal, quando se trata da proteção à moradia e o respaldo da tutela jurisprudencial, ao se referir de recursos interpostos nos Tribunais de Justiça do Brasil, sobre julgados que demonstram a importância de obedecer todos os requisitos do artigo supracitado.
2. DIREITOS REAIS E A USUCAPIÃO
O assunto abordado encontra-se previsto no ramo dos Direitos Reais, e, para compreendê-lo melhor é necessário definir a ideia de posse e propriedade. O Código Civil, não aborda o conceito de posse, e sim de possuidor, especificamente no art. 1.196 do referido diploma, nos seguintes termos: “Consideras-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.” Já o conceito de propriedade encontra-se no art. 1.228 do Código Civil, “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor, da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”
Conforme Farias & Rosenvald apud Beviláquia (2010, p. 01) os direitos reais são como “o complexo das normas reguladoras das relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem.” E o de direitos reais para Farias & Rosenvald (2010, p. 01) é “o direito das coisas regula o poder do homem sobre certos bens suscetíveis de valor e os modos de sua utilização econômica.” Quando o autor se refere a direito das coisas é a mesma coisa que direitos reais, mesmo que o Código Civil de 2002, trás em sua denominação direito das coisas.
O direito Real pode incidir sobre a coisa alheia ou a própria coisa, conforme leciona Venosa (2013, p. 5) ”O direito real é exercido e recai diretamente sobre a coisa, sobre um objeto basicamente corpóreo”. Aduz que, os direitos reais regulam as relações jurídicas referentes às coisas sobre objetos corpóreos.
O autor Santos (2013, p. 09) adota o posicionamento de que “a importância do instituto da posse não está apenas limitada ao mundo jurídico. Seu valor na sociedade é de suma relevância. Existem implicações sociais, políticas e econômicas fundamentais. Poucos têm condições de adquirir um imóvel onde residir ou mesmo locar”. Outrossim, a posse nem só resulta relações jurídicas, entre pessoas ou entre pessoas e Estado, como também nas políticas sociais e econômicas fundamentais.
A posse nos direitos reais recebe dois elementos, primeiro o corpus segundo Venosa (2013, p. 39): “é a relação material do homem com a coisa, ou a exterioridade da propriedade. Esse estado é caracterizador da aparência e da proteção possessória. Nessa ligação material, sobreleva-se a função econômica da coisa para servir à pessoa”. A segunda que o animus conforme Venosa (2013, p. 39) “é o elemento subjetivo, a intenção de proceder com a coisa como faz normalmente o proprietário”.
Quando se trata de posse, vêm à tona as teorias da posse defendidas por Savigny (Teoria Subjetiva) e Ihering (Teoria Objetiva), pois não tem como tratar de direitos reais sem antes diferenciar essas teorias. Deste modo, Venosa (2013, p. 39) explica a teoria de Savigny:
“Sustenta que a posse supõe a existência de dois elementos essenciais: corpus e animus. O corpus é o elemento físico, sem o qual não existe posse. Em sua forma mais típica, compreende a possibilidade de ter contato direto e físico com a coisa. […] Na teoria de Savigny, é o animus que distingue o possuidor do simples detentor. O elemento exterior, o corpus, não permite essa distinção.”
Na teoria subjetiva há críticas quanto à ligação da posse ao animus domini, pois Savigny defendia “a exacerbação do papel da autonomia da vontade pela incondicionada ligação da posse ao animus domini”. Conforme Farias & Rosenvald (2010, p. 28). No entanto Savigny projetou autonomia à posse: “o grande mérito de Savgny foi o de projetar autonomia à posse, por explicar que o uso dos bens adquire relevância jurídica fora da estrutura da propriedade privada, e que a titularidade formal deste direito subjetivo não encerra todas as possibilidades de amparo jurídico”. (Farias & Rosenvald, 2010, p. 28).
Dando continuidade às teorias da posse, Ihering o defensor da teoria objetiva, acreditava que: “O conceito de animus não é nem a apreensão física, nem a possibilidade material de apreensão. O importante é fixar o destino econômico da coisa. O possuidor comporta-se como faria o proprietário. O animus está integrado no conceito de corpus.” (VENOSA, 2013, p. 40). Segundo, Farias & Rosenvald (2010, p. 29), Ihering, explica que a posse é o poder de fato e a propriedade o poder de direito:
“A posse seria o poder de fato e a propriedade, o poder de direito sobre a coisa […] a posse é porta que conduziria à propriedade, um meio que conduz a fim. A propriedade sem a posse seria um tesouro sem a chave, uma árvore frutífera sem a escada que atingisse os frutos, pois a propriedade sem a posse restaria paralisada.” FARIAS & ROSENVALD (2010, p. 29).
Os autores Farias & Rosenvald (2010, p. 36) faz uma distinção das duas teorias: “As duas concepções são relativas, eis que a finalidade da posse para Savigny se situaria na tutela da integridade do possuidor, enquanto em Ihering defenderíamos a posse no interesse complementar da tutela da propriedade.
Tomando como ponto de partida os conceitos das duas teorias da posse, o Código Civil de 2002, adota a teoria objetiva, conforme Farias & Rosenvald (2010, p. 31), “filia-se à teoria objetiva, repetindo a nítida concessão á teoria subjetiva no tocante à usucapião como modo aquisitivo da propriedade que demanda o animus domini de Savigny”.
Sendo assim, os conceitos de posse e propriedade já elencados, cabe falar dos principais elementos dos direitos reais são eles, condomínio, servidão, superfície e usucapião. Dentre seus institutos acima descritos está a usucapião, que é objeto desse trabalho.
A origem da usucapião se deu no Direito Romano que tinha como principal objetivo de regularizar a documentação patrimonial no momento da aquisição, de acordo com as regras vigentes. Sem a posse não pode haver usucapião, entretanto a mesma deverá ser mansa e pacífica.
Conforme Venosa (2013, p. 201) a “usucapião como modo de aquisição da propriedade mediante a posse suficientemente prolongada sob determinadas condições” e já Gomes (2010, p. 180) a conceitua como “o modo de adquirir a propriedade pela posse continuada durante certo lapso de tempo, com os requisitos estabelecidos na lei”.
Em conformidade com o art. 1.241 do Código Civil “poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel”. Além disso, na parte dos procedimentos da ação serão intimados por via postal os representantes da Fazenda e agindo como fiscal da lei o Ministério Público quando querendo poderá intervir a qualquer momento do processo. Em se tratando dos confrontantes, pode-se verificar na Súmula 391 do STF: “O confinante certo deve ser citado pessoalmente para a ação de usucapião”. Sarmento (2013, p. 52) faz uma boa colocação sobre o registro do título no Cartório de Registro de Imóveis: “o possuidor pode requerer ao juiz que declare, por sentença, sua posse ad usucapionem, servindo o julgado como título para transcrição no registro de imóveis”. Vale ressaltar que apenas com a sentença judicial pode declarar a usucapião, e caso o autor receba o título e o não registra, o imóvel ainda ficará pertencendo à outra parte.
Portanto, com tudo que fora visto, Venosa apud Lopes (2013, p. 202) aduz que “encarado sob este aspecto, o usucapião pode ser admitido na lei sem vulneração aos princípios de justiça e equidade”. Tendo sido retratado os direitos reais a seguir será abordada à nova modalidade de usucapião familiar, analisando cada requisito com enfoque no direito a moradia, observando a tutela jurisprudencial.
3. USUCAPIÃO FAMILIAR
O Familiar é uma nova modalidade de usucapião, que vem recebendo diversos nomes, como usucapião conjugal, usucapião pró-família, ou usucapião por abandono do lar e está previsto no o art. 1.240-A do Código Civil, inserido pela lei 12.424/11:
“Aquele que por 2 (anos) ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-à domínio integral, deste que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural” (BRASIL, 2002, P.292).
Como já foi dito art. 1.240-A do Código Civil foi inserido pela lei 12.424/11, que dá direito ao cônjuge abandonado usucapir o imóvel que divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro, tendo em vista o menor prazo para aquisição prescritiva, desde que esse bem seja para utilização apenas de moradia, e que obedeça aos demais requisitos do instituto.
É importante ressaltar também a promulgação da Lei nº 11.977, 07 de julho de 2009, que legalizou o Programa Minha Casa Minha Vida, programa do governo federal, criado como políticas públicas é apenas um exemplo dos direitos sociais, constitucionais, previstos no art. 23, IX, da Constituição Federal: “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”, e no art. 3º, III, da Constituição Federal: “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, portanto tais programas como o do exemplo acima, tem o intuito de incentivar à produção e aquisição de novas habitações para famílias de menor renda.
Portanto, a lei 11.977/09, sofreu alteração introduzida pela Lei nº 12.424, de 16 de junho de 2011, que também alterou o Código Civil relativo à usucapião por abandono do lar, especificamente o art. 1.240A que trata da usucapião de imóvel urbano com área total do terreno medindo até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), sofrendo redução de 5 anos para 2 anos, cuja propriedade dividida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, não se importando o regime de casamento, na verdade é entre ex-casal, não precisa discriminar o sexo, pois a união estável também configura entidade familiar.
Essa nova modalidade de usucapião é extenso a qualquer imóvel urbano, desde que obedeça ao requisito de imóvel urbano até 250m² e quando se refere ao “Programa Minha Casa Minha Vida” é apenas um exemplo abordado pelo tema, ou seja, não se limita apenas a esse programa, conforme o texto de Vilardo (2011, p. 02):
“O legislador quis conferir proteção para o cônjuge ou companheiro que permanecer residindo, após a separação, em moradia que era comum ao casal, em área urbana, com no máximo 250 m2. A nova forma de usucapião estende-se a qualquer imóvel nessas condições e não somente aos adquiridos no mencionado Programa”.
O maior interesse dessa modalidade de usucapião é a valorização da proteção da moradia. O direito à moradia tem previsão legal na Constituição Federal de 1988, precisamente no art. 6, que trata dos direitos sociais: “São direitos sociais a educação, a saúde, alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
A autora Vilardo (2011, p. 02), leciona que o art. 1240-A visa à proteção do direito à moradia e isso deverá ser aproveitado pelos juízes no momento da interpretação de forma a garantir a disponibilidade do bem de moradia:
“A utilização de novo instituto para preservar a moradia, e de forma desembaraçada, daquele que ficou no lar conjugal é conferir meios para se cumprir a Constituição Federal. Essa é a relevância da criação legislativa e deve ser aproveitada pelos juízes no sentido de conferir ampla aplicação da lei com interpretação de forma a atender aos fins sociais e ao bem comum, tendo como propósito precípuo garantir o direito à disponibilidade do bem de moradia” (VILARDO, 2011, p. 02).
Ratificando essa proteção à moradia é muito importante saber que a contagem do prazo é valida a partir da vigência da lei, segundo Venosa (2013, p. 215) ”o intento desse artigo introduzido aqui é preservar e proteger um teto de moradia para o cônjuge ou convivente que se separa e permanece no imóvel. O texto não apresenta a melhor redação. O prazo é exíguo, o que exigirá atenção maior dos magistrados para evitar fraudes.” No mesmo sentido leciona Vilardo (2011, p.18) “A lei nova somente poderá ser aplicada e o prazo começará a ser contado a partir da publicação e sua vigência, pois os possíveis envolvidos não podem ser surpreendidos com a perda da propriedade sem o conhecimento prévio da existência da norma legal”.
Em relação ao prazo de dois anos da prescrição aquisitiva é o menor prazo previsto em lei (SANTOS, 2012). Além disso, o autor da ação deve provar que não é proprietário de nenhum outro imóvel urbano ou rural, caso seja, fica impedido de mover a ação, deverá provar ainda que a sua vontade é a de permanecer no imóvel.
Para Jatahy (2013, p. 90), há dois pontos marcantes no caso abandono do lar, pois para ser caracterizado ex-companheiro, é necessário computar o prazo prescricional após o abandono do lar, e para ser caracterizado ex-cônjuge, da forma mais justa, é necessário exigir o decreto do divórcio:
“Assim, enquanto o ex-companheiro computaria o início do prazo prescricional logo após o abandono do lar por parte do outro convivente, ao ex-cônjuge seria necessário, primeiramente, ajuizar a ação de divórcio. A solução mais justa é exigir o decreto do divórcio para configurar a situação de ex-cônjuge e afastar a comunhão sobre o bem. Porém, o início do prazo prescricional poder ser computado a partir do abandono do lar pelo cônjuge” (JATAHY, 2013, p. 90).
Quando o legislador se refere à ex-companheiro, estende-se também a união homoafetiva, pois o STF reconheceu no dia 5 de maio de 2011, a união civil entre pessoas de mesmo sexo:
“A validade da união civil entre pessoas de mesmo sexo. Os ministros concordaram de forma unânime em equiparar as relações homoafetivas às uniões estáveis. Com a decisão, o regime jurídico de união estável, previsto no artigo 1.723 do Código Civil como união entre homem e mulher, passa a valer também para as homoafetivas, assegurando mesmos direitos e deveres a companheiros de mesmo sexo” (SENADO FEDERAL, 2011).
Nessa linha de raciocínio alguns autores entendem que essa nova modalidade de usucapião também se estende a casais do mesmo sexo, como Blauth & Faria (2012, p. 13): “O comando pode atingir cônjuges ou companheiros, inclusive homoafetivos, uma vez que já há amplo reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, equiparada à união estável”. Como a Constituição Federal reconhece a união estável, previsto no art. 226 § 3º “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento” e o STF reconhece a união de pessoas do mesmo sexo e faz uma comparação com as pessoas que vivem em união estável o diploma do art. 1.240A também estende-se a essas pessoas.
Segundo Simão (2011, p. 05) “esta modalidade de usucapião significará acirramento de lutas patrimoniais no seio da família (mesmo acabada a família conjugal, prossegue a parental) comprometendo a manutenção de bons vínculos parentais, no mais das vezes”. Entende-se que a usucapião familiar pode acabar com o bom relacionamento, os bons vínculos entre os ex-casais e suas famílias por conta da luta pelos bens patrimoniais e na verdade os bons laços familiares deveriam estar além dos bens patrimoniais.
Mas para Tartuce (2011, p. 02), essa nova modalidade veio tentar solucionar alguns problemas familiares, como por exemplo, a disputa judicial ou extrajudicial de bens pertencentes à família:
“A nova categoria merece elogios, por tentar resolver inúmeras situações que surgem na prática. É comum que o cônjuge que tome a iniciativa pelo fim do relacionamento abandone o lar, deixando para trás o domínio do imóvel comum. Como geralmente o ex-consorte não pretende abrir mão expressamente do bem, por meio da renúncia à propriedade, a nova usucapião acaba sendo a solução. Consigne-se que em havendo disputa, judicial ou extrajudicial, relativa ao imóvel, não ficará caracterizada a posse ad usucapionem , não sendo o caso de subsunção do preceito. Eventualmente, o cônjuge ou companheiro que abandonou o lar pode notificar o ex- consorte anualmente, a fim de demonstrar o impasse relativo ao bem, afastando o cômputo do prazo” (TARTUCE, 2011, p. 02).
Logo, há autores que defendem a tese de que a nova modalidade veio para trazer mais problemas, mas, para outros veio como no intuito de resolver questões envolvendo bens familiares, principalmente no que se refere à moradia, porque, por exemplo, o cônjuge que abandonou o lar e não quer perder a parte do imóvel que lhe cabe, tenta resolver esse problema notificando anualmente seu ex-cônjuge ou ex-companheiro, a fim de demonstrar o impasse relativo ao bem, afastando o cômputo do prazo, com o intuito de impedi-lo de buscar amparo na nova Lei.
4. REQUISITOS DA USUCAPIÃO FAMILIAR
Em se tratando dos requisitos da usucapião familiar é necessário que haja o abandono do lar, posse direta ininterruptamente com exclusividade e sem oposição, pelo período de 2 anos, utilização do imóvel para moradia do cônjuge abandonado ou da família, ser imóvel urbano, inexistência de outra propriedade urbana ou rural, metragem total do imóvel com a área de até 250m².
Quando se fala em abandono do lar, a mesma deverá ser de forma espontânea, ou seja, configuração da separação de fato ou separação de corpos. Isto se faz necessário para que haja a proteção da integridade e até mesmo o respeito dos cônjuges. Para tanto serão admitidos todos os meios de prova permitidos pela lei, como retrata Souza (2011, p. 12): “Neste novo mecanismo de usucapião é essencial à presença da separação de corpos, já que, para iniciar o prazo prescricional entre ex-cônjuge deve haver o rompimento do vínculo, na medida em que, do art. 197, I, do Código Civil, não corre prescrição entre cônjuges na constância da sociedade conjugal”.
Existem autores que discordam desse argumento de abandono do lar, que o considera como figura ultrapassada no Direito de Família, pois a culpa ou não, passou a ser irrelevante, segundo o texto de Wesendonck, (2012, p. 575):
“[…] pois, o termo abandono de lar é uma figura ultrapassada no Direito de Família tendo em vista que a discussão a respeito da existência ou não da culpa para rompimento de vínculos matrimoniais ou de uniões estáveis passou a ser irrelevante e até mesmo repudiada no cenário atual, já que a doutrina comemorava fervorosamente o fato das mudanças no Direito de Família terem eliminado a aferição de culpa como requisito para a atribuição de qualquer efeito jurídico, no que concerne à dissolução do vínculo conjugal, na concessão de alimentos e na partilha de bens.”
Outro ponto que desperta discussões é acerca da culpa na separação, observa-se que o texto legal é omisso, abrindo o leque para várias interpretações. Como relata Souza (2013, p. 15) na sua indignação “que a precipitação do legislador em editar um complexo artigo de lei sem o correto debate jurídico demanda considerável preocupação daquelas que convivem diuturnamente com problemas relacionados”.
De fato, as críticas principais sobre a nova modalidade de usucapião são em sua grande maioria em relação ao prazo prescricional, pois o que ora era entendido ser de no mínimo de 5 anos passou a ser de 2 anos, como reza o artigo 1.240-A. Exemplo disso, Jatahy (2013, p. 88) faz até uma comparação com a usucapião especial urbana:
“A aquisição integral do domínio em dois anos encontra-se em desacordo com as demais modalidades de usucapião que receberam uma atenção especial do constituinte e do legislador. O ideal seria que fosse mantido o prazo de cinco anos, tal como ocorre com a usucapião especial urbana”.
No tocante ser imóvel urbano, a lei é omissa ao princípio da isonomia, pois a localização da residência da pessoa não deveria receber tratamento diferenciado, até porque na zona rural estão os maiores índices de baixa escolaridade e baixa renda. Venosa (2013, p. 216) faz uma crítica ao “o fato de o legislador ter restringido essa modalidade de usucapião ao imóvel urbano”. Venosa (2103, p. 214) diz, ainda, que a intenção do artigo 1.240 A “é de preservar e proteger um teto de moradia para o cônjuge ou convivente que se separa e permanece no imóvel”.
O regime de bens do casamento adotado pelos ex-cônjuges na constância do casamento, é requisito implícito, mas interessante ser tratado, precisamente o de separação de bens, pois não irá interferir nessa nova modalidade de usucapião, porque o STF, na sua súmula 377, entende que: “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”, e afirma que mesmo tendo adotado esse regime, o cônjuge abandonado poderá conseguir a propriedade do imóvel que é objeto da discussão. Assim, cai por terra a redação dos artigos 1.687 e 1.688 do Código Civil que trata do Regime de Separação de Bens:
“Artigo 1.687 – Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real.
Artigo 1.688 – Ambos os cônjuges são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial”.
Alguns autores concordam com esse entendimento do STF sobre o regime da separação legal, pois não importa qual regime foi adotado na constância do casamento, a usucapião familiar poderá ocorrer em qualquer deles, conforme Simão (2011, p. 02):
“O imóvel pode pertencer ao casal em condomínio ou comunhão. Se o casal for casado pelo regime da separação total de bens e ambos adquiriram o bem, não há comunhão, mas sim condomínio e o bem poderá ser usucapido. Também, se o marido ou a mulher, companheiro ou companheira, cujo regime seja o da comunhão parcial de bens compra um imóvel após o casamento ou início da união, este bem será comum (comunhão do aquesto) e poderá ser usucapido por um deles. Ainda, se casados pelo regime da comunhão universal de bens, os bens anteriores e posteriores ao casamento, adquiridos a qualquer título, são considerados comuns e portanto, podem ser usucapidos nesta nova modalidade. Em suma: havendo comunhão ou simples condomínio entre cônjuges e companheiros a usucapião familiar pode ocorrer.”
Ainda no que se refere ao regime de bens na constância do casamento Tartuce (2011, p. 03) afirma que “como se percebe pela leitura do novo dispositivo, a categoria somente se aplica aos imóveis que sejam de propriedade de ambos os consortes e não a bens particulares de apenas um deles”.
Por fim, quando se trata do requisito de ser imóvel urbano de até 250m², não há divergências sobre esse aspecto, pois o artigo deixa bem claro a metragem que o imóvel deve possuir.
Destarte, preencher as condições requeridas para ingressar com a usucapião familiar deve-se atender aos requisitos de tempo, de no mínimo de dois anos ininterruptos; exercer posse direta e com exclusividade, para fins de moradia; o abandono do lar pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro, ser imóvel urbano com metragem de até 250m² e o autor da ação não poderá ter outro imóvel rural ou urbano em seu nome.
5. A PROTEÇÃO À MORADIA NO ÂMBITO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Nessa modalidade de usucapião o bem em questão é o direito a moradia, considerado direito social que tem previsão legal na Constituição Federal, no artigo 6º. Fernandes & Ferreira (2000, p. 01), consideram o direito à moradia como direito essencial […] “percebe-se que o direito à moradia é um direto essencial, já há muito tempo fazendo parte do texto constitucional, agora robustecido com sua expressa menção no elenco do artigo 6º; proporcionando, no mínimo, a facilitação da exigência de sua concretização.” Os direitos sociais também funcionam para garantir que o patrimônio humano seja preservado. (Bulos, 2009, p. 422).
Os direitos sociais são caracterizado como direitos de segunda geração, desde o final do século XX, já no que concerne ao direito à moradia, foi inserido no rol dos direitos sociais por meio da emenda constitucional de nº 26 em 14 de fevereiro de 2000.
Segundo Lenza (2011, p. 976) o “direito à moradia busca consagrar o direito à habitação digna e adequada”. Assim, quando o autor se refere à habitação digna não pode ser outra senão adequada, seria uma moradia onde a pessoa possa viver com dignidade e que tenha os requisitos mínimos adequados, como: água encanada, rede de esgoto e energia elétrica, além de ruas pavimentadas para garantir o acesso aos moradores.
Os direitos sociais segundo, Silva (2010, p. 286) […] “são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais”. Portando, o Estado tem uma participação fundamental, na vida do cidadão, não só quando se fala em direito à moradia, mas também, tem o dever de proporcionar o direito à educação, a saúde, ao lazer, à segurança, entre tantos outros.
Ao se referir ao lazer, Lenza (2011, p. 977) menciona: […] “estabelece ser dever do Poder Público incentivar o lazer, como forma de promoção social” já no que se refere à segurança, ele afirma que a segurança pública é um dever do Estado: “Segurança pública, que, como dever do estado aparece como direito e responsabilidade de todos, sendo exercido nos termos do art. 144, caput, para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. (LENZA, 2011, p. 977). Então, não só o direito à moradia é essencial para a vida humana como também o lazer, a segurança pública dentre outros.
Os direitos sociais no estudo de Bulos (2009, p. 422) “tais liberdades ou prestações são positivas, precisamente porque têm por escopo beneficiar os hipossuficientes, assegurando-lhes situação de vantagem, direta ou indiretamente, a partir da realização da igualdade real.” Logo, os direitos sociais são pontos positivos para a sociedade, pois, visa beneficiar os hipossuficientes, como o próprio nome diz, são pessoas que tem pouco, resguardando-lhes de vantagens sociais. “Deveras, ao menos em tese, incumbe aos Poderes Públicos agir para melhorar a vida humana, evitando tiranias, arbítrios, injustiças e abusos de poder” (BULOS, 2009, p. 422). O autor ainda faz referencia ao posicionamento do Estado que deveria agir mais em relação à melhoria de vida das pessoas e evitar as injustiças e abusos de poder.
Alexandrino & Paulo (2012, p. 244) explanam de forma sucinta que um dos objetivos dos direitos sociais é: […] “a melhoria de condições de vida dos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social”. Os autores confirmam os argumentos acima, ao dizerem que um dos objetivos dos direitos sociais é a melhoria de vida dos hipossuficientes e a busca pela igualdade social.
Quando o legislador diminui o prazo de 5 anos para 2 anos, a intenção era proteger o direito a moradia do cônjuge ou companheiro abandonado impondo como requisito a ausência de outro imóvel em seu nome, e existe a presunção de que o autor da ação de usucapião familiar não tem outro lugar para morar. Conforme Silva (2010, p. 314) “Quer-se que se garanta a todos um teto onde se abrigue com a família de modo permanente […]. Mas é evidente que a obtenção da casa própria pode ser um complemento indispensável para a efetivação do direito à moradia”. Silva (2010, p. 314), também cita em seu texto, o art. 1º, III “à dignidade da pessoa humana” e o art. 5º, X que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”, art. 5º, XI “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial”, todos da Constituição Federal, então tudo isso está relacionado o direito à moradia.
A Constituição Federal determina a competência a todos os entes federados a promover a construção de moradias e combate às causas de pobreza, no art. 23, IX “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico” e no art. 23, X “combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos”. Porém, mesmo com todo comprometimento do Estado como um todo, as dificuldades para se conseguir essa igualdade ainda são inúmeras, pois, tal desigualdade no Brasil, é um processo que vem desde os primeiros habitantes e ainda muito há pra se fazer em prol desta sociedade mais justa e com condições iguais, ou pelo menos com oportunidades iguais para todos.
6. TUTELA JURISPRUDENCIAL DA USUCAPIÃO FAMILIAR
O instituto de usucapião familiar é tão recente e carece cada vez mais de aspectos jurisdicionais, sendo assim o presente tópico aborda a tutela jurisprudencial. Alguns casos julgados pelos Tribunais demonstram a importância dos requisitos para se requerer a ação de usucapião. A exemplo disso a apelação demonstra que o lapso temporal legalmente exigido foi provado nos autos e o requisito finalidade de moradia também, então diante de tais provas o recurso de apelação teve seu pedido provido:
“As provas arregimentadas ao processo corroboram de forma segura para constatação da posse pela requerente no lapso temporal legalmente exigido, com a finalidade de moradia, portanto, restam evidenciados os requisitos necessários para aquisição do título por usucapião.” (TJ-SE – Apelação Cível: AC 2010208834 SE, Relator(a) Des. Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima, 2010).
Corroborando o que reza o art. 1.240 A, no quesito finalidade, moradia e tempo mínimo de dois anos e a decisão do recurso acima é notório a importância do lapso temporal legalmente exigido para mover ação de usucapião familiar.
Já em caráter de recurso o julgado abaixo se refere à apelação interposta no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, na referida apelação não ficou comprovada os requisitos do art. 1.240-A, principalmente o abandono do lar e a posse sem oposição, em razão disso é inviável aplicação analógica:
“Direito Civil. União Estável. Imóvel Adquirido Durante Período de Convivência. Perda da meação pelo companheiro. Art. 1.240-A. Aplicação analógica. Companheira vítima de violência doméstica e familiar. Inaplicabilidade. Partilha necessária. Segundo dispõe o Art. 1.725 do Código Civil, reconhecida a união estável, aplica-se o Regime da comunhão parcial de bens. Não comprovado, na hipótese, os requisitos para usucapião nos termos do art. 1.240-A, em especial o Abandono do Lar e a posse sem oposição, inviável aplicação analógica deste dispositivo à companheira anteriormente vítima de violência doméstica e familiar a partir da Interpretação dos justos objetivos da Lei Maria da Penha, ainda mais quando já reparada financeiramente por tal ocorrência.” (TJ-DF – Apelação Cível: APC 20120310272384 DF 0026595-41.2012.8.07.0003. Relator(a) Carmelita Brasil, 03/07/2013).
Dando prosseguimento à tutela jurisprudencial, o recurso julgado abaixo trata da apelação interposta no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na mesma, o imóvel objeto de partilha do casal, é um bem exclusivo do covivente, no entanto, houve o rateio do valor referente às parcelas do financiamento do terreno na constância da relação:
“Apelação Cível. Família. Reconhecimento e dissolução de União Estável. Partilha De Bens. Terreno e casa adquiridos com valores em parte sub-rogados de bem exclusivo de propriedade do convivente. Rateio do valor relativo às parcelas do financiamento do terreno, pagos na constância da relação. Partilha igualitária das dividas contraídas pelo casal. Usucapião Familiar. Não caracterização. Litigância de má-fé. Inocorrência.” (TJ-RS – Apelação Cível: AC 70046433967 Rs. Ricardo Moreira Lins Pastl, 22/03/2012).
Logo a tutela jurisprudencial ratifica o caráter prescrito pela legislação contemporânea do artigo 1.240A do Código Civil, advinda da Lei 12.424/11, explicitando que a usucapião familiar é um direito social, previsto pela Constituição Federal de 1988.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em que se pese essa garantia há muitos desafios para a adoção dessa modalidade, porque trata-se de uma modalidade mais criteriosa do que as outras modalidades e em nenhuma hipótese permite a procedência da ação sem preencher algum requisito.
Em outras linhas, a usucapião familiar foi criada no intuito de beneficiar as pessoas mais carentes de direitos sociais, cônjuges ou família que não tem outro lugar para morar. Por isso, o prazo prescritivo é o mais curto em comparação com as outras modalidades de usucapião, pois, tem que se levar em consideração a urgência de um direito social.
Por fim, vários embates a respeito da modalidade de usucapião familiar. Diante do exposto observa-se que a usucapião familiar é um novo instituto criado para ratificar a previsão Constitucional, a saber, a uma moradia digna e adequada. Logo admite-se que este instituto apesar de ser contemporaneamente tem sido objeto de proteção da tutela jurisprudencial. Para solucionar as questões que estão por vir, o Judiciário deverá se atentar aos requisitos do artigo 1.240A, para que ao julgar não cometa injustiças.
Informações Sobre os Autores
Dielly Karillena Lima de Oliveira
Bacharela em Direito pela Instituição de ensino Faculdade Guanambi e Pós graduanda do Curso de Direito Público pela Universidade Anhanguera/Uniderp
Deborah Marques Pereira
Docente, Mestre em Desenvolvimento Social (subárea Direito Urbanístico), Docente Faculdade Guanambi – FG/CESG.