Valor humano da igualdade de gênero e a economia do cuidado

Resumo: A desigualdade de gênero impõe barreiras para o pleno desenvolvimento e autonomia de todos. E não há um consenso sobre igualdade de gêneros e igualdade da mulher na sociedade brasileira. Há ainda uma ideia nítida que aquele outro não é uma pessoa, mas só um corpo. Por isso, verificam-se índices alarmantes de violência domestica, violência sexual (estupro), diferença salarial, desigualdade na representação política, acesso a terra, acesso a propriedade. Para acabar com esse contraste de realidades, é necessário objetivo de desenvolvimento primordial para esse milênio que é promover a igualdade de gênero da autonomia das mulheres. Nesse sentido, estão sendo desenvolvidas uma série de ações para diminuir as disparidades entre os sexos em todos os níveis.

Palavras-chave: igualdade; dignidade; valores humanos; direitos fundamentais.

Abstarct: Gender inequality imposes barriers to the full development and autonomy of all. And there is no consensus on gender equality and the equality of women in Brazilian society. There is still a clear idea that that other is not a person, but only a body. Therefore, there are alarming rates of domestic violence, sexual violence (rape), wage differences, inequality in political representation, access to land, access to property. To end this contrast of realities, it is necessary to develop the primordial goal for this millennium, which is to promote the gender equality of women's autonomy. In this regard, a series of actions are being developed to reduce gender disparities at all levels.

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Keywords: equality; dignity; humans values; fundamental rights.

Sumário: 1. Introdução. 2. Avanços tardios mas saudáveis. 3.perspectiva do setor privado na discussão. 4. Pauta de consolidação. 5. Educação contra a desigualdade. 6. Mercado de trabalho interferindo na reversão. 7. Economia do cuidado. 8. Considerações finais.

1. INTRODUÇÃO

As mulheres brasileiras conquistaram diversas vitórias parciais no século XX: obtiveram o direito de voto, em 1932, mas não conseguiram ultrapassar o teto de 10% de deputadas federais; conquistaram graus crescentes de educação em todos os níveis de ensino, mas ainda estão pouco representadas nas ciências exatas e na liderança dos grupos de pesquisa; aumentaram as taxas de participação no mercado de trabalho, mas ainda sofrem com a segregação ocupacional, a discriminação salarial, além da dupla jornada de trabalho; conquistaram diversas vitórias na legislação nacional, mas, na prática, ainda são vítimas de discriminações e preconceitos.

Em termos de esperança de vida elas vivem, em média, sete anos acima da média masculina e são maioria da população e do eleitorado. Elas conseguiram reduzir diversas desigualdades de gênero e reverter outras. Contudo, ainda falta muito para o Brasil chegar a uma justa equidade de gênero.

Muitos são os estudos que tratam da desigualdade de gênero no Brasil e no mundo, em geral, abordando o desenvolvimento como condição para o progresso feminino. Vários estudos passaram a apontar a importância da autonomia feminina para o desenvolvimento.

O empoderamento das mulheres está positivamente relacionado com o desenvolvimento econômico, sendo que um fenômeno reforça o outro: em um sentido, o desenvolvimento joga um papel importante na diminuição da desigualdade entre homens e mulheres, em outra direção, o empoderamento das mulheres pode beneficiar o desenvolvimento.

Mas existem também estudos tratando, além do empoderamento das mulheres, das desigualdades reversas de gênero, abordando o fim da hegemonia masculina, sendo que neles o homem tem sido o sexo dominante desde o alvorecer da humanidade. Mas, pela primeira vez na história humana, este tipo de dominação está mudando com velocidade chocante. O Brasil é um exemplo de país que vem passando por diversas transformações econômicas, sociais e culturais, o que tem possibilitado uma reconfiguração das relações de gênero, como veremos nestas linhas.

2. AVANÇOS TARDIOS, MAS SAUDÁVEIS

Durante a maior parte do século XX, o Brasil conviveu com os princípios discriminatórios e patriarcais do Código Civil de 1916. Somente com a Constituição Federal de 1988 consagrou-se a igualdade entre homens e mulheres como um direito fundamental. O princípio da igualdade entre os gêneros foi endossado no âmbito da sociedade e da família, neste caso, quando o texto estabelece que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelos homens e pelas mulheres. As definições constitucionais foram gradativamente convertidas em legislação ordinária, cujo significado é relevante para a implementação da CIPD do Cairo/94 no Brasil, como, por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069 de 13/07/1990), a “Lei do concubinato” (Lei nº 8.971) de 29/12/1994, a Lei do Planejamento Familiar (Lei 9.263/1996), o Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741 de 01/10/2003) e o novo Código Civil brasileiro (Lei 10.406, de 10/1/2002).

Estes avanços possibilitaram não apenas a redução das desigualdades de gênero, mas passou a existir no país “desigualdades reversas” de gênero, além de crescentes desigualdades intragênero. Para se analisar a situação da equidade de gênero na sociedade brasileira é preciso considerar não apenas os indicadores que apontam para as situações de desvantagem social das mulheres, mas também as desigualdades em sentido contrário, ou seja, aquelas que desfavorecem o sexo masculino.  

3. PERSPECTIVA DO SETOR PRIVADO NA DISCUSSÃO

O sucesso educacional das mulheres não significa a superação das desigualdades. Os lugares sociais reservados para cada um dos sexos determinam o modo como meninos e meninas fazem suas escolhas profissionais. Isso produz a segmentação sexual do conhecimento, manifestada na escolha de um curso superior. Em 2012, as mulheres eram 70% dos alunos matriculados em cursos das áreas de Educação e de Saúde e Bem-estar Social, mas apenas por 30% das inscrições em Ciências, Matemática e Computação, e de Engenharia, Produção e Construção. Dessa forma, mesmo que elas possuam níveis educacionais superiores aos dos homens, a segmentação do conhecimento leva a um quadro de persistentes distâncias entre os dois sexos no acesso a postos de trabalho, na renda e na qualidade dos vínculos de emprego.

No mundo, as mulheres ainda são minoria entre os trabalhadores assalariados do setor não agrícola. No Brasil, em 2012, 47,3% da força de trabalho era feminina. Mas entre os profissionais com ensino superior, com cargos melhores e bem remunerados, as mulheres chegaram a 59,5%. Os avanços podem ser percebidos e eles estão diretamente relacionados às políticas públicas que destinam recursos para igualdade de gênero e a expansão desse mecanismo para os estados e municípios.

A permanência das mulheres em postos de trabalho precários, caracterizados por baixos salários e nenhuma proteção social, ainda precisa ser superada. Esse é o caso do trabalho doméstico que era a principal função de 15% das mulheres ocupadas no Brasil. Dados mais recentes indicam que somente 36,8% da categoria estava protegida pela previdência social, com carteiras de trabalho assinadas ou contribuindo individualmente como autônomas.

Nesse cenário, o setor privado tem um papel importante na luta pela igualdade no mundo do trabalho. Se traz para dentro das empresas padrões de igualdade salarial, oportunidade de ascensão, exercita-se a prática a igualdade. É importante que os empresários pensem sobre isso e implementem políticas da melhor maneira.

A avaliação das desigualdades entre os sexos passa, necessariamente, pela análise do poder e da decisão. O marco brasileiro foi a eleição da presidente mulher – a primeira mulher a ocupar o cargo na história do país. Apesar disso, não houve um aumento significativo da presença feminina nos demais cargos de poder dos Poderes Executivo e Judiciário, assim como também não aumentou significativamente a representação das mulheres em cargos eletivos. As brasileiras ainda tem pouco acesso a esses postos.

Para que houvesse a reversão desse quadro, algumas medidas legislativas foram adotadas, como a Minirreforma Eleitoral que promoveu mudanças na Lei dos Partidos Políticos e no Código Eleitoral, determinando um percentual mínimo de candidaturas femininas inscritas por partido para as eleições proporcionais. Os resultados iniciais dessas medidas já foram percebidos.

A ONU estima que a média global de participação das mulheres no parlamento é um pouco acima de 20%. No Brasil, apesar do aumento do número de deputadas federais e senadoras eleitas, o percentual de mulheres no Congresso nacional permanece abaixo dessa estimativa.

4. PAUTA DE CONSOLIDAÇÃO

 O enfrentamento à violência contra as mulheres vem se consolidando no país, especialmente na última década, e é tratado como prioridade pelo Estado brasileiro. Algumas medidas foram decisivas para que se chegasse a esse cenário, como a criação da Lei Maria da Penha, em 2006. A norma foi reconhecida pela ONU como uma das três leis mais avançadas do mundo, entre os 90 países que possuem legislação para coibir a violência doméstica e familiar.

Sobre o papel do judiciário no combate a violência de gênero, o aperfeiçoamento na formação de magistrados e advogados e a inclusão dos debates de direitos das mulheres nos cursos de Direito, assim como a criação de varas especializadas em violência doméstica. Dessa forma, criou-se um espaço institucional dentro da justiça para que se veja a desigualdade e se trate. É um conjunto de ações que vão redefinindo as regras do jogo. É muito importante ter essas leis de igualdade.

Outra política pública importante que permite análises e avaliações das mudanças ocorridas ao longo dos anos é a Central de Atendimento à Mulher. O serviço fornece informações e orientação às mulheres sobre seus direitos e os serviços públicos disponíveis para atendê-las. Além disso, importante é inovar, ou seja, garantir um conjunto articulado de ações e serviços preventivos e curativos, que possa promover um serviço público multidisciplinar de qualidade.

Sobre os avanços na luta pela igualdade de gênero, o país vive um novo momento. Assistimos a um número visível e crescente de homicídios contra mulheres, caracterizados como feminicídio, com mutilação, perversidade, tortura, crime de ódio. Há um campo de trabalho muito intenso para entender. Necessário o otimismo e considerar que houve uma evolução, mas ainda há um caminho longo pela frente. Quando olhamos para outras sociedades, percebemos que elas mudaram em 30, 40, 60 anos. No Brasil, temos somente 30 anos dessa luta. Ainda vamos viver mudanças profundas.

5. EDUCAÇÃO CONTRA A DESIGUALDADE

Além da saúde, a educação é outra área em que houve um grande avanço das mulheres e hoje existe uma desigualdade reversa, com o sexo feminino apresentando maiores níveis educacionais do que o sexo masculino. Embora a educação brasileira esteja abaixo da média e da qualidade daquela de outros países com o mesmo nível de desenvolvimento, os dados mostram uma evolução geral positiva, com redução das desigualdades regionais, raciais, situação de domicílio, etc.

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Houve redução nas desigualdades regionais. Em termos de situação de domicílio, as melhores médias são encontradas nas áreas metropolitanas, seguidas das áreas urbanas não metropolitanas e, por último, no meio rural.

O processo de reversão das desigualdades de gênero no Brasil aconteceu ao longo de décadas. Mesmo as mulheres brasileiras ainda sendo maioria entre a população analfabeta, isto só acontece pelo peso da exclusão das mulheres das gerações mais idosas. Nas gerações mais jovens, as mulheres conseguiram superar os homens no ensino fundamental e, especialmente, no ensino médio e superior. Neste último, 60% dos formandos são do sexo feminino. Mais recentemente, a partir de 2004, as mulheres são maioria também entre os titulados dos cursos de doutorado no Brasil. Em síntese, os dados mostram que as mulheres tiveram ganhos educacionais inequívocos nas últimas décadas.

A despeito da qualidade da educação brasileira, a análise dos diferenciais de educação entre homens e mulheres, mostra que o “sexo fraco” está cada vez mais forte, quando o assunto é níveis de escolaridade. Em outras dimensões sociais e econômicas da sociedade, particularmente no mercado de trabalho, os diferenciais de gênero ainda são grandes, com as mulheres em desvantagem. Mas quando se trata de observar o hiato de gênero na educação, o Brasil já superou as metas estabelecidas e hoje, nesta área, as desigualdades são reversas. O desafio atual é incrementar a educação dos homens e melhorar a qualidade da educação para ambos os sexos.

6. MERCADO DE TRABALHO INTERFERINDO NA REVERSÃO

Embora as mulheres tenham revertido as desigualdades de gênero na educação, ainda não conseguiram eliminar as desigualdades de gênero no mercado de trabalho, mesmo que os hiatos de atividade e rendimento tenham se reduzido. O desenvolvimento econômico e social de um país depende do pleno emprego dos insumos produtivos disponíveis e do crescimento da produtividade dos fatores de produção, especialmente das mulheres que são mais da metade da população e possuem dificuldades para uma inserção de qualidade no mercado de trabalho.

Evidentemente, o aumento da participação feminina no mercado de trabalho não eliminou os problemas de segregação ocupacional e discriminação salarial, embora tenham sido abrandados, como será visto mais adiante.

Alguns estudiosos consideram que este aumento da participação feminina no mercado de trabalho ocorreu em função da necessidade de uma complementação da renda familiar por parte das mulheres (cônjuges ou filhas), em uma situação de redução do rendimento per capita. Contudo, esta argumentação não considera que as mulheres continuam se inserindo no Mercado de trabalho nos momentos de aumento da renda domiciliar e são, principalmente, aquelas com maior nível educacional (e com salários acima do salário mínimo) que possuem as maiores taxas de atividade, inclusive as que moram sozinhas.

Na última década, houve significativa melhora do nível educacional da população ocupada. Para a força de trabalho feminina, o grupo de mulheres com 11 ou mais anos de estudo é maioria, empatando em termos absolutos e relativos com os homens de mesmo nível educacional. Um fato que merece destaque é que para o conjunto de 11 anos ou mais de estudo, as mulheres superaram os homens neste segmento mais escolarizado, sendo que em 2009 já existiam mais de 20 milhões de mulheres com mais de 11 anos de estudo.

Outro fator que contribui para as desigualdades de gênero é que o grau de informalidade e o desemprego das mulheres se manteve mais elevado do que o dos homens durante a década passada, embora a População Economicamente Ativa (PEA) feminina tenha crescido mais rapidamente do que a masculina.

Um dos fatores que contribui para o desequilíbrio entre oferta e demanda é a segregação ocupacional que torna o leque de profissões femininas mais estreito do que o masculino. Assim, ao oferecer mais opções para os homens, o mercado atingiria um equilíbrio em um nível mais baixo de desemprego masculino, enquanto a disputa pelas poucas ofertas de emprego feminino torna o desemprego das mulheres e a informalidade um fenômeno mais frequente.

Este quadro poderia mudar na medida em que houvesse um quadro de pleno emprego na economia. De fato, o grau de informalidade no mercado de trabalho e o desemprego vinham diminuindo de 2004 a 2008. A crise do ano 2009 não aumentou o grau de informalidade, nem de homens e nem de mulheres. Neste sentido, para o período em questão, não tem fundamento a afirmação de que a entrada da mulher no mercado de trabalho é acompanhada por “perda de direitos legais”. Porém, houve uma elevação da taxa de desemprego para ambos os sexos durante a crise de 2009 e uma redução a partir da recuperação da economia.

7. ECONOMIA DO CUIDADO

As desigualdades de gênero na realização dessas atividades são ainda mais visíveis quando se considera a população total de acordo com o sexo e os grupos de idade. Verificou-se que somente 51,1% dos homens realizam afazeres domésticos enquanto que entre as mulheres esse percentual é de 90,6%.

É no Nordeste que se observa a menor participação dos homens nos afazeres domésticos enquanto que no Sul se evidencia a maior taxa. Uma possível explicação para esta participação um pouco mais baixa dos homens nordestinos nos afazeres domésticos pode estar ligada aos aspectos culturais locais, que valorizam o “machismo” já que existe uma forte correlação positiva entre a realização de afazeres domésticos e sexo feminino.

Verifica-se que, no total, as mulheres dedicavam 25,1 horas semanais aos afazeres domésticos, contra 10,2 horas dos homens, em 2009. A análise por grupos etários mostra que o tempo dedicado aos afazeres domésticos cresce à medida que aumenta a idade para ambos os sexos. Isto porque os filhos que moram com os pais dedicam menos tempo aos afazeres domésticos.

Mas o destaque mais contrastante é a grande diferença entre o tempo dedicado aos afazeres domésticos por ambos os sexos. Além disto, apenas 49% dos homens contra 88,2 das mulheres fazem trabalhos domésticos. A sobrecarga de trabalho doméstico (ou da economia do cuidado) contribui para a inserção da mulher para a menor jornada diária e para a maior presença feminina nos empregos informais. A dupla ou tripla jornada feminina é um dos elementos centrais da desigualdade de gênero entre atividades produtivas e reprodutivas.

Por exemplo, famílias com muitos filhos pequenos exigem maior presença feminina no cuidado de seus membros, já que existe uma divisão sexual do trabalho que limita o potencial produtivo das mulheres ao responsabilizá-las pela economia do cuidado. O direito da mulher ao emprego remunerado tem obtido apoio crescente, inclusive de organizações empresariais.

Neste ano passado, o mundo passa pela maior recessão, em quase um século. É claro que a recuperação vai exigir, entre outras coisas, o melhor do talento, das idéias e da inovação. Portanto, é mais importante agora do que nunca que os países e as empresas prestem atenção a um dos fundamentais pilares do crescimento econômico de que dispõem: as habilidades e os talentos dos recursos humanos do sexo feminino.

A economia do cuidado envolve a criação dos filhos, a guarda das crianças, a atenção com os parentes idosos ou com necessidades especiais, as atividades de educação, saúde e dos afazeres domésticos, assim como a convivência das pessoas que cuidam umas das outras e do ambiente natural. No entanto, da economia do cuidado depende toda a reprodução humana e, portanto, a própria existência da produção e do mercado.

A conciliação entre a vida profissional e familiar baseada na redistribuição das tarefas de cuidado entre o Estado, o mercado e as famílias continua a ser o ponto cego das políticas públicas da América Latina e do Caribe. Existe um lapso entre as obrigações legais para com o cuidado de ambos os cônjuges em relação com seus descendentes e ascendentes e as normas, os serviços, a infraestrutura e as provisões disponíveis para sua realização.

Nesta situação, as desigualdades de gênero são evidentes. Não será possível conseguir igualdade de trabalho para as mulheres enquanto não for resolvida a carga de trabalho não remunerado e de cuidados que recai historicamente sobre elas. A incorporação das mulheres ao mercado de trabalho em iguais condições que as dos homens requer uma análise e uma mudança estratégica da função social e simbólica estabelecida na sociedade.

Isto implica, por uma parte, redistribuir a carga de trabalho não remunerada associada à reprodução e ao sustento da vida humana e, por outra, desmontar o sistema de poder que subjuga as vida livre de violência, o direito de decidir plenamente sobre a reprodução e suas condições), como na dimensão pública (a representação equitativa nos níveis de tomada de decisões da sociedade).

Desta forma, existe a necessidade de articulação entre as esferas da produção e da reprodução e do sistema de emprego e o cuidado das famílias e indivíduos. Na perspectiva da titularidade dos direitos, as políticas públicas devem garantir o acesso ao emprego, ao mesmo tempo em que provê serviços públicos para aqueles que dão e recebem cuidados. Conciliar trabalho e família é fundamental para que haja uma maior equidade entre homens e mulheres e para que a articulação entre Estado, Família e Mercado possa se dar em benefício das pessoas e da ascensão social ascendente de todos, com equidade de gênero.

A posição aqui sustentada é que, notadamente (mas não exclusivamente) em virtude da insuficiente consideração das estruturas argumentativas e dos métodos e princípios de interpretação mais adequados ao direito constitucional positivo, especialmente no que diz com o correto manejo dos critérios da proporcionalidade e das diretrizes que presidem a solução das colisões entre direitos fundamentais de um modo geral, seguidamente ocorrem certos abusos também na seara da assim designada constitucionalização do Direito Privado, com particular ênfase na aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas.

Não é sem razão, portanto, que mesmo adeptos insuspeitos de uma eficácia dos direitos fundamentais também na esfera das relações privadas têm pugnado por uma postura mais cautelosa, destacando, por exemplo, que um dos efeitos colaterais indesejáveis decorrentes de uma hipertrofia da Constitucionalização da ordem jurídica acaba por ser uma por vezes excessiva e problemática judicialização das relações sociais.

Cientes disso, não há como deixar de enfatizar, por outro lado, que o pleito em prol de uma eficácia direta prima facie dos direitos fundamentais nas relações privadas não se justifica apenas por razões de ordem dogmática, mas também em função da necessidade evidente de limitação do poder social e como resposta às persistentes desigualdades sociais, culturais e econômicas, ainda mais acentuadas em sociedades periféricas como a do Brasil.

Certamente o modelo de constitucionalização do Direito Privado também deve ser compatível com os desafios concretos de um determinado ambiente social, econômico, político-institucional e mesmo cultural. Acima de tudo, resulta importante destacar que entre os possíveis extremos de uma “civilização do direito constitucional e uma constitucionalização do direito civil”, seja possível trilhar um caminho intermediário, pautado pela proporcionalidade e razoabilidade, evitando-se aqui os efeitos nefastos de uma leitura fundamentalista da Constituição, mas especialmente dos princípios e direitos fundamentais.

Caso isto seja alcançado (e nos parece ser uma meta perfeitamente atingível) também será viável contornar os – em parte justificados – ao se pronunciar em relação a uma eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas. Com efeito, seguimos convictos de que tanto a Constituição e os direitos fundamentais, quanto o Direito Privado, nada têm a perder, mas somente a ganhar com uma adequada constitucionalização da ordem jurídica.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados mostram que cresce a presença feminina em todos os aspectos da vida brasileira. As conquistas femininas aconteceram de forma gradual e progressiva, de maneira quase silenciosa, mas foram efetivas e posicionaram as mulheres para romper com o teto de vidro e atingir o empoderamento no século XXI. O Brasil tem passado por um processo de redução das desigualdades de gênero e de desconstrução do patriarcado.

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O patriarcado é um sistema social no qual o homem (no papel de marido ou de pai) é o ator fundamental da organização social, e exerge a autoridade sobre as mulheres, os filhos e os bens materiais e culturais. Em cada país, algumas dimensões do patriarcado predominam sobre as outras, conforme o tipo de organização social e cultural, estabelecidas historicamente. Mas em geral, o patriarcado se caracteriza por ser um sistema no qual há o predomínio dos pais e dos maridos (pater famílias) sobre as mulheres e os filhos, no âmbito da família e da sociedade.

No patriarcado tradicional existe uma rígida divisão sexual do trabalho e uma grande segregação social, em geral, com as mulheres ficando confinadas ao mundo doméstico e os homens monopolizando o mundo público. O patriarcado, em termos materiais, possibilita ao homem o controle da propriedade e da renda da família, o controle do trabalho e da mobilidade da mulher e o destino dos filhos. No patriarcado o homem monopoliza o poder.

Resquícios do patriarcado ainda podem ser encontrados nas relações sociais brasileiras, mas as suas bases legais e materiais estão em visível declínio. Este processo não é apenas brasileiro, mas global.

Existe um processo de despatriarcalização da sociedade, que acontece de maneira gradual. A quarta Conferência Mundial das Mulheres, ocorrida em Beijing, em 1995, foi mais um passo neste processo de despatriarcalização, principalmente ao definir que os direitos das mulheres são direitos humanos, buscando o empoderamento das mulheres e sua plena participação, em condições de igualdade, em todas as esferas sociais, incluindo a participação nos processos de decisão e acesso ao poder, que são fundamentais para o alcance da igualdade, desenvolvimento e o fim da violência.

Nenhum poder na Terra pode parar uma ideia cujo tempo chegou. É neste sentido que o processo de despatriarcalização deve ser irreversível. A idéia básica do movimento de mulheres pode ser resumida em uma frase, as mulheres devem ser tão livres quanto os homens e deve haver igualdade de oportunidade entre os sexos na família e na sociedade.

Portanto, faz parte da contemporaneidade a luta pelos direitos iguais, contra a discriminação e a segregação entre os sexos, pelo reconhecimento e respeito e pela paridade e isonomia nos espaços de poder, ou seja, pela equidade de gênero. Até agora as vitórias foram parciais, mas foram conquistas acumulativas e irreversíveis. Os indicadores sociais e demográficos apresentados mostram que houve redução de algumas desigualdades de gênero e reversão de outras, mas ainda falta muito para o Brasil chegar a uma justa e plena situação de equidade de gênero.


Informações Sobre o Autor

Eduardo Paixão Caetano

Professor de Ciências Criminais. Delegado de Polícia Judiciária Civil. Mestrando em Direito Ambiental Especialista em Direito Público Pós-graduado em Direitos Difusos e Coletivos em Segurança Pública Especialista em Direito Penal e com certificação de MBA Executivo em Negócios Financeiros


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