Vaticano, Santa Sé e a Nunciatura Apostólica – Breves comentários

1.O VATICANO E A SANTA SÉ

O Estado do Vaticano, mais especificamente chamado de Estado da Cidade do Vaticano, situado dentro do perímetro territorial de Roma, Capital da Itália, é um ente de direito internacional sui generis e com várias particularidades.

A personificação jurídica do Vaticano se dá através da Santa Sé que tem o Papa – o Santo Padre – o Pontífice – seu representante supremo e religioso, ou, em outras palavras, seu chefe de Estado, de Igreja e de Governo.

O santo pontífice – o papa – é eleito por um Conclave composto atualmente de 117 Cardeais, com direito de votar e serem votados, para um cargo vitalício e que por tradição religiosa (concebida pela Bíblia e costumes católicos) e política pode ser comparado como única exceção a um cargo/título de um monarca absoluto – chefe de estado, abolido em toda Europa.

Dentro do território do Vaticano, há a Cúria Romana onde existem vários órgãos: administrativos, de cunho meramente religioso, e de cunho jurisdicional (v.g. O Supremo Tribunal da Signatura Apostólica, as Penitenciarias Apostólicas, Tribunal da Rota Romana), a Secretaria de Estado, e, até de um banco – O Banco do Vaticano, que agrega os investimentos, bens e doações feitas em nome da Suprema Igreja.

O Estado da Cidade do Vaticano é composto de Soberania, território e de população, mas, não de uma nação plenamente considerada em seus aspectos culturais, pois, os membros que compõem e/ou residem na Cidade do Vaticano permanecem com sua nacionalidade de origem, apenas adquirem funções dentro da Santa Sé e da Cúria Romana.

Por questões de ordem religiosa, como o celibato, as filhas solteiras de até 22 (vinte e dois) anos de idade, de famílias constituídas que residem dentro do Vaticano, não podem permanecer morando na Cidade do Vaticano.

2. A Nunciatura Apostólica, representação da Santa Sé

O Núncio Apostólico é o representante diplomático do Estado do Vaticano junto ao governo brasileiro. Além de representar a Igreja diplomaticamente, o Núncio exerce a função de ligar a Igreja Católica do Brasil junto à Santa Sé. Tais afirmações resultam ou não verdadeiras ou exageradas ou deturpadas, enfim, não corretas.

Não é verdade que o Núncio Apostólico é o representante diplomático do Estado do Vaticano junto ao governo brasileiro, pois ele é o Representante da Santa Sé, que não é um Estado nem é, tampouco, o Vaticano e não se identifica com ele, a não ser de uma maneira muito imprópria.

O Vaticano, ou para ser mais preciso, o Estado da Cidade do Vaticano, é um instrumento para a independência da Santa Sé que, por sua vez, tem uma natureza e uma identidade própria e sui generis, enquanto é a personificação do governo central da Igreja. Como dizia o Papa Paulo VI, a Santa Sé é um organismo completamente especial, pela sua origem, pela sua natureza e pelos seus fins.( Insegnamenti di Paolo VI, M. 1965, p. 675.)

Todos os Estados sabem que o sujeito internacional de direito da legação e da atividade diplomática não é o Vaticano, mas sim a Santa Sé, que é o Papa e a Cúria Romana, isto é, o Governo central e soberano da Igreja Católica. E a este respeito poderia citar a Convenção de Viena, sobre relações diplomáticas, que no artigo 16, § 3, fala do representante da Santa Sé e não do Vaticano.

Como Representante da Santa Sé, o Núncio desenvolve uma missão diplomática junto ao governo. Pois o Núncio é efetivamente um diplomata e como tal ele é enviado e recebido pelo governo do País para o qual foi nomeado.

Objeto da atividade diplomática junto ao governo é a Igreja local: a sua vida e a sua missão. São também, ao mesmo tempo, os grandes valores éticos: a paz, a justiça, a liberdade (em particular, a liberdade de religião e de consciência), os direitos humanos, etc.

Pode-se dizer que o objeto que interessa ao trabalho diplomático da Santa Sé é uma realidade que se encontra e está situada no interior do País para o qual o Papa envia o seu representante: trata-se da Igreja local, que está naquele País. Uma realidade que parece já enfatizada pelo próprio nome com que tradicionalmente é chamado o Representante Pontifício: não de Embaixador, mas sim de Núncio Apostólico. Tratamento reconhecido e ratificado até pelo direito diplomático internacional. A já citada Convenção de Viena, estabelecendo que há três classes de chefes de missão, precisa que a primeira classe se compõe de embaixadores ou de Núncios.

O núncio apostólico não exerce a representação diplomática da Santa Sé num consulado nem numa Embaixada, porém tem direitos por analogia, a um passaporte emitido pela Santa Sé – Vaticano que permite ao núncio exercer a diplomacia pontifícia no território local que foi incumbido pelo Santo Padre – o Papa, chefe supremo da Santa Sé – o Estado da Cidade do Vaticano. 

Acenando tão somente à história da diplomacia pontifícia da Santa Sé, permito-me dizer apenas que a diplomacia pontifícia remonta aos primeiros séculos da Igreja e que se desenvolve independentemente do poder temporal dos Papas; ao contrário, inicia-se muito tempo antes do exercício do poder temporal, desde o século IV.

Mesmo sendo Representante da Santa Sé junto ao governo, o Núncio Apostólico é também, e simultaneamente, representante da Santa Sé junto à Igreja local.

Em ambas as representações, o Núncio desenvolve uma atividade que tem um só objetivo: a Igreja, a sua vida e a sua missão. Com o governo, ele desenvolve a sua atividade em veste diplomática, com a Igreja, ao contrário, desenvolve a mesma atividade como eclesiástico, sem recorrer à modalidade e às formalidades próprias da diplomacia que regem os relacionamentos com os Estados.

Para a Igreja local, então, a Nunciatura Apostólica é a representação do Santo Padre e da Santa Sé. Representação não diplomática, e por isso dita habitualmente: Representação Pontifícia (ou seja, do Pontífice de Roma), justamente porque nos seus relacionamentos com os Bispos e as instituições eclesiásticas do País, e por conseqüência no desenvolvimento das suas atividades, não se inspira, menos ainda recorre, aos mesmos instrumentos que, ao contrário, emprega nos relacionamentos com o governo.

2.1 Figura e funções do Núncio Apostólico

A figura e as funções do Núncio Apostólico estão definidas no Código de Direito Canônico, promulgado em 25 de janeiro de 1983, que dedica o capítulo V, sobre a constituição hierárquica da Igreja, aos «Legados do Romano Pontífice.»

Ressalte-se o aspecto diplomático do representante pontifício, em vista de um melhor serviço nas relações com as comunidades civis.

E isto não somente em virtude do direito de legação ativa e passiva que pertence constitucional e historicamente ao Chefe da Igreja e da responsabilidade que lhe compete, mas também em harmonia com a constituição pastoral do II Concílio Ecumênico do Vaticano Gaudium et Spes e com o princípio anunciado na mensagem final do Concílio aos governantes: na vossa cidade terrestre e temporal, o Cristo constrói a sua cidade espiritual e eterna, a sua Igreja.( AAS, LVIII, 1966, p. 10)

Já o tinha expresso com clareza Pio XII na radiomensagem natalina de 1951: A Igreja não é uma sociedade política, mas religiosa; isto porém não a impede de manter com os estados relações não só externas, mas também internas e vitais. A Igreja, todavia, foi fundada por Cristo como sociedade visível e, como tal, se encontra com os Estados em seu próprio território, abraça na sua solicitude os próprios homens e de múltiplas formas e sob vários aspectos usa os mesmos bens e as mesmas instituições.( Pio XII, Discorsi e Messaggi. Vol. XIII, pág. 426.)

Trata-se, sem dúvida, de diplomacia, mas singular e a serviço do bem comum.

Paulo VI assim se exprimia, falando ao Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé, em 9 de janeiro de 1971, a propósito das relações com os Estados: Quais são os temas deste diálogo além dos problemas relativos á situação da Igreja nos vários Países e os fins da própria missão e do seu serviço com os diversos povos, se não as questões mais importantes e os grandes interesses da humanidade? Por exemplo: os direitos de liberdade religiosa, que são aqueles de Deus e da consciência; os direitos humanos; a consciência da ordem e do progresso internacional; a justiça e especialmente a paz. É necessário dizer: — continuava Paulo VI — as razões profundas das intervenções da Santa Sé passam desapercebidas ao olhar dos observadores superficiais porque nascem das motivações espirituais e morais e assim não se confundem com alguma ação de ordem temporal.( L’Osservatore Romano, 10-11 de janeiro de 1971.)

O eixo da nova legislação sobre a figura e as funções do Representante Pontifício, sancionada pelo Código de 1983, que se contrapõe ao Cânone 267 do Código de 1917, é constituído pelo artigo IV do Documento Sollicitudo Omnium Ecclesiarum, de Paulo VI.

Neste artigo se lê:

I.  Objetivo primeiro e especifico da missão do Representante Pontifício é tornar sempre mais estreitos e operantes os vínculos que ligam a Sé Apostólica e as Igrejas locais.

II.  Ele, além disso, interpreta a solicitude do Romano Pontífice para o bem do País no qual exercita a sua missão…

III. Ao Representante Pontifício cabe também o dever de tutelar, em concorde ação com os bispos, junto às autoridades civis… a missão da Igreja e da Santa Sé…

IV. Na sua qualidade de enviado do Supremo Pastor das almas, … promoverá, em harmonia com as instruções que recebe dos competentes Ofícios da Santa Sé e de acordo com os Bispos do lugar, oportunos contatos entre a Igreja católica e as outras comunidades cristãs…

O Núncio apostólico do Brasil – Alfio Rapisarda enfatizou as funções do núncio apostólico, há época: “Somente por este artigo é fácil notar, comentava Padre Fiorello Cavalli, SI, na publicação La Civiltá Cattolica, (quad. 2857, 1969, p. 36). que a impostação jurídica dada pelo Código de Direito Canônico para as funções do Representante Pontifício não desapareceu totalmente no Motu Proprio, mas está em larga medida superada por uma visão predominantemente pastoral. O Representante Pontifício não é um observador passivo e mesmo somente um embaixador empenhado a executar um plano imposto do exterior. É, ao contrário, o protagonista ativo, o artífice operoso de uma representação que diremos total, enquanto a sua missão deve adequar-se e até mesmo identificar-se com aquela do Papa, como está descrito na parte introdutória. Essa assume os grandes temas conciliares, movendo da renovada visão da eclesiologia, no justo ordenar-se do oficio dos pastores das igrejas particulares com aquele do pastor da Igreja universal.”

O artigo V do Motu Proprio de Paulo VI diz que o Representante Pontifício tem como sua função:

1. manter regularmente informada a Santa Sé sobre as condições das comunidades eclesiais para as quais é enviado, e sobre quanto pode ter reflexo na vida da Igreja e para o bem das almas.

2.Ele, por um lado, faz conhecer à Santa Sé o pensamento dos Bispos, do Clero, dos Religiosos e dos fiéis do território onde desenvolve o seu mandato, e também envia a Roma as suas propostas e petições; por outro lado, torna-se intérprete com quem de dever dos atos, documentos, informações e instruções que emanam da Santa Sé.

3. Por isso, cada Ofício e Dicastério da Cúria Romana não deixará de comunicar-­lhe as decisões tomadas e, ordinariamente, se valerá dos seus bons ofícios para fazer chegar ao destinatário; além disso, pedirá também o seu parecer sobre os atos e os procedimentos a serem adotados no território no qual desenvolve a sua missão.

Aqui a expressão devem velar sobre o estado das Igrejas e informar o Romano Pontífice, como se lia no Cânone 267, § 2 do Código de 1917, que podia interpretar-se como vigilância, controle ou até mesmo espionagem, foi substituída pela expressão manter regularmente informada a Santa Sé que faz do Representante Pontifício o autorizado, e por isso o responsável, porta-voz da Santa Sé e para a Santa Sé.

O artigo VI trata da delicadíssima questão da escolha dos candidatos ao episcopado e das nomeações dos Bispos.

O Motu Proprio de Paulo VI estabelecia a esse respeito:

1. Com relação às nomeações dos Bispos e outros Ordinários a eles equiparados, o Representante Pontifício tem o dever de instruir o processo canônico informativo sobre os candidatos, e de encaminhar os nomes aos competentes Dicastérios Romanos, juntamente com um relatório preciso, no qual exprimirá coram Domino o próprio parecer e voto preferencial.

2. No exercício desta função ele:

a) valer-se-á livre e reservadamente da opinião de eclesiásticos e também de leigos prudentes que pareçam idôneos para fornecer sinceras e úteis informações…

b) procederá de acordo com as normas estabelecidas pela Santa Sé na matéria de proponendis ad Episcopale ministerium in Ecclesia, tendo presente, em particular, a competência das conferências episcopais.

O artigo VII refere-se à geopolítica eclesiástica, isto é, à criação e supressão de novas circunscrições eclesiásticas.

A respeito lê-se que permanecendo a faculdade das Conferências Episcopais de formular votos e propostas sobre a ereção, o desmembramento e a supressão de circunscrições eclesiásticas diocesanas e provinciais… é tarefa do Representante Pontifício promover — também por própria iniciativa, quando disso sinta necessidade — o estudo de tais questões, e de encaminhar as propostas da Conferência Episcopal, munidas do próprio parecer, ao competente Dicastério da Santa Sé.

Típica expressão da solicitude pastoral e do empenho de solidariedade e de co­responsabilidade colegial que caracteriza todo o Motu Proprio é o artigo VIII, que diz respeito às relações com os bispos e com as conferências episcopais. A antiga e enxuta disposição contida no cânone 269 do Código de 1917: Legati ordinariis locorum liberum suae jurisdictionis exercitium reIinquant é substituida pela norma positiva da colaboração.

Leiamos, então:

1. Em relação aos Bispos, aos quais é confiado por divino mandato o cuidado das almas em cada diocese, o Representante Pontifício tem o dever de ajudar, aconselhar e prestar seu trabalho pronto e generoso, com espírito de fraterna colaboração, respeitando sempre o exercício de jurisdição própria dos Pastores.

2. No que diz respeito às conferências episcopais, o Representante Pontifício tenha sempre presente a extrema importância de sua tarefa e, portanto, a necessidade de manter, com elas, estreitas relações e de oferecer toda ajuda possível. Ainda que não seja membro da Conferência, ele estará presente na reunião inicial de cada assembléia geral, salva ulterior participação em outros atos da Conferência, de acordo com o convite dos próprios bispos ou por explícito mandato da Santa Sé. Ele será, além disso, informado, em tempo hábil, da pauta da assembléia e receberá cópia das atas, para seu conhecimento e para transmiti-las à Santa Sé.

Colaboração leal, portanto, e integração orgânica de responsabilidade e de carismas diversos.

O artigo IX faz referência às comunidades religiosas e aos institutos seculares de direito pontifício aos quais, assim como às Conferências, o Representante Pontifício deve conselho, assistência e coordenação.

As disposições relativas aos relacionamentos entre Igreja e Estado estão contidas no Artigo X que estabelece:

1. As relações entre Igreja e Estado são, normalmente, cultivadas pelo Representante Pontifício, ao qual é confiado o encargo, próprio e peculiar, de agir em nome da Santa Sé:

a) para promover e favorecer os relacionamentos com o governo da nação na qual é acreditado.

b) para tratar questões concernentes às relações entre Igreja e Estado.

c) para ocupar-se em particular da estipulação do modus vivendi, de acordos e de concordatas, bem como de convenções que se referem a questões da esfera do direito público.

2. Ao desenvolver tais tratativas, convém que o Legado Pontifício, no modo e na medida em que as circunstâncias permitirem, peça o parecer e o conselho do episcopado e o mantenha informado do andamento das negociações.

Inteiramente novo no ordenamento legislativo da Igreja é o artigo XI, relativo às organizações internacionais governamentais e não governamentais e àquelas católicas, que correspondem às diretrizes da Constituição Pastoral Gaudium et spes e ao decreto Apostolicam actuositatem e que podemos saudar como um sinal dos tempos.

3. Código de Direito Canônico de 1983

A reestruturação da figura e das funções do Representante Pontifício, conduzida pelo Papa Paulo VI com o Motu Proprio “Sollicitudo Omnium Ecclesiarum, está atualmente ratificada no Código de Direito Canônico, promulgado em 25 de janeiro de 1983, como segue:

O Cânone 362 estabelece o direito originário e independente do Romano Pontífice de nomear e enviar seus Legados, seja às Igrejas particulares nas várias nações ou regiões, seja, ao mesmo tempo, aos Estados e às Autoridades públicas…

O Cânone 363 sanciona que:

§ 1. Aos Legados do Romano Pontífice é confiado o encargo de representar estavelmente o Romano Pontífice, junto às Igrejas particulares ou também junto aos Estados e Autoridades públicas, aos quais são enviados.

§ 2. Representam também a Sé Apostólica os que são encarregados de uma Missão pontifícia, como Delegados ou Observadores, junto aos Conselhos internacionais ou junto a Conferências e Congressos.

O Cânone 364 é uma reprodução, quase literal, dos artigos IV – VIII do Motu Proprio de Paulo VI: Sollicitudo Omnium Ecclesiarum. Nele se lê:

O principal múnus do Legado Pontifício é tornar sempre mais firmes e eficazes os vínculos de unidade que existem entre a Sé Apostólica e as Igrejas particulares. Compete, por isso, ao Legado Pontifício, no âmbito de sua jurisdição:

1º. informar a Sé Apostólica sobre as condições em que que encontram as Igrejas particulares, e sobre o que diz respeito á própria vida da Igreja e ao bem das almas;

2º. assistir, com sua atuação e conselho, aos Bispos, sem prejuízo do exercício do legítimo poder destes;

3º. estimular freqüentes relações com a Conferência dos Bispos, dando a ela toda a ajuda possível;

4º. quanto à nomeação de Bispos, comunicar ou propor à Sé Apostólica os nomes de candidatos, bem como instruir o processo informativo sobre estes, de acordo com as normas dadas pela Sé Apostólica;

5º. esforçar-se para que se promova o que diz respeito à paz, ao progresso e à cooperação entre os povos;

6º. cooperar, junto com os Bispos, para estimular oportuno relacionamento da Igreja católica com as demais Igrejas ou comunidades eclesiais e com as religiões não-cristãs;

7º.  em ação conjunta com os Bispos, defender, diante das Autoridades do Estado, o que diz respeito à missão da Igreja e da Sé Apostólica;

8º. além disso, exercer as faculdades e cumprir os outros mandatos que lhe forem confiados pela Sé Apostólica.

O cânone 365 reporta ao artigo X do Sollicitudo Omnium Ecclesiarum, estabelecendo que:

§ 1. É, também, encargo especial do Legado Pontifício, que ao mesmo tempo exerce legação junto aos Estados, de acordo com as normas do direito internacional:

1º. promover e estimular as relações entre a Sé Apostólica e as Autoridades do Estado;

2º. tratar de questões concernentes às relações entre a Igreja e o Estado e, de modo especial, preparar e pôr em prática concordatas e outras convenções similares.

§ 2. No trato das questões mencionadas no § 1, conforme o aconselharem as circunstâncias, o Legado Pontifício não deixe de pedir a opinião e conselho dos Bispos de sua jurisdição eclesiástica e de informá-los sobre o andamento dos negócios.

Os últimos dois cânones, 366 e 367, tratam da isenção da sede do Representante Pontifício do poder de governo do Ordinário do lugar, exceto para as celebrações de matrimônios, e a continuidade do mandato, quando ocorre vacância da Sé Apostólica.

4. Constatações:

As funções do Representante Pontifício consistem em representar estavelmente o Romano Pontífice:

– junto às Igrejas particulares e

– junto aos Estados e às Autoridades públicas (Cân. 363, § 1) (MP, Art. 1).

Junto às Igrejas particulares o Representante Pontifício:

– tem o dever principal de tornar mais sólidos e eficazes os vínculos de unidade que existem entre a Sé Apostólica e as Igrejas particulares (Cân. 364; MP, Art. IV, 1).

– Cooperar, junto com os Bispos, para estimular oportuno relacionamento da Igreja católica com as demais Igrejas ou comunidades eclesiais e com as religiões não-cristãs (Cân. 364, 6º).

Foi o caso, por exemplo, da participação do Núncio Apostólico numa sessão da assembléia organizada pela Comissão Nacional do Diálogo Religioso Católico-Judaico para abordar o argumento: Histórico do Acordo entre a Santa Sé e o Estado de Israel.

Perante os Estados e as Autoridades Públicas, o Representante Pontifício deve

– esforçar-se para que se promova o que diz respeito à paz, ao progresso e à cooperação entre os povos. (Cân. 364, 5º);

– defender, diante das Autoridades do Estado, o que diz respeito à missão da Igreja e da Sé Apostólica (Cân. 364, 7º);

– promover e estimular as relações entre a Sé Apostólica e as Autoridades do Estado (Cân. 365,§ 1,1º);

– tratar de questões concernentes às relações entre a Igreja e o Estado e, de modo especial, preparar e pôr em prática concordatas e outras convenções similares (Cân. 365,§ 1, 1º).

Sobre o argumento das relações entre a Igreja e o Estado, Paulo VI sublinha, no seu documento, que ” o bem do indivíduo e da comunidade dos povos requer um aberto diálogo e um sincero acordo entre a Igreja de uma parte e o Estado de outra, para estabelecer, fomentar e reforçar relações de recíproca compreensão, de mútua coordenação e colaboração, e para prevenir ou sanar eventuais dissídios, com o objetivo de chegar à realização das grandes esperanças humanas, da paz entre as nações, da tranqüilidade interna e do progresso de cada País. Este diálogo, enquanto quer garantir à Igreja o livre exercício da sua atividade para que esteja em condições de corresponder à missão por Deus confiada, torna certa a Autoridade civil dos objetivos sempre pacíficos e profícuos concordados pela Igreja, e oferece o auxílio precioso das suas energias espirituais e da sua organização, para alcançar o bem comum da sociedade. O sincero colóquio que assim se instaura quando intervém uma relação oficial entre as duas Sociedades, ratificado pelos usos e costumes codificados no direito internacional, oferece possibilidades de estabelecer uma frutuosa relação e de organizar uma obra verdadeiramente salutar para todos.”

No desempenho das suas funções, seja em relação com a Igreja, seja em relação com o Estado, o Representante Pontifício deve agir assim:

– cooperar com os Bispos, para estimular oportuno relacio-namento da Igreja católica com as demais Igrejas ou comunidades eclesiais e com as religiões não­-cristãs (Cân. 364, 6º).

– defender, em ação conjunta com os Bispos, diante das Autoridades do Estado, o que diz respeito à missão da Igreja e da Sé Apostólica (Cân. 364, 7º).

– promover e sustentar as relações entre a Sé Apostólica e as Autoridades do Estado não deixando de pedir a opinião e conselho dos Bispos de sua jurisdição eclesiástica e de informá-los sobre o andamento dos negócios (Cân. 365, § 2).

Parece lógico por isto concluir que a missão do Representante Pontifício (da Nunciatura), seja nos relacionamentos com a Igreja local seja nos confrontos com o Estado, é eclesiástica. E também quando se trata da promoção de tudo o que diz respeito à paz, ao progresso e à cooperação entre os povos (Cân. 364, 5º), essa é também eclesiástica, já que tudo o que se refere à pessoa humana, à sua dignidade, à sua convivência, ao seu bem estar e progresso, pertence à substância da mensagem de Cristo e da missão da Igreja.

5. OS TRATADOS E A SANTA SÉ

– O Tratado é um acordo celebrado entre pessoas do Direito Internacional, gerando Direitos e Obrigações. Estados, Organizações Internacionais, Santa Sé podem celebrar contratos.
– Normatização: = convenção de Viena de 1969, normatiza os tratados (como devem ser).
· Espécies de Tratados:

– Carta: cria organizações internacionais, ex. ONU;

– Convenção: é um tratado que trata sobre um tema específico;

– Declaração: é um ato recomendatório;

– Acordo: versa sobre o conteúdo econômico financeiro, ex. tratado com o FMI:

– Concordata: é um tratado de cunho religioso;

– Protocolo: é um tratado que vem para explicar melhor o tratado anterior;

– Tratado: vem tratar de assuntos solene.

· O tratado pode ser:

– Bilateral: é feito por 2 entes (ex. Brasil e Portugal);

– Multilateral: é quando se tem vários Estados celebrando o tratado.

· Requisitos de validade do Tratado: Sociedade internacional o 1º é o Estado.

· O Estado sente necessidade de se agrupar a outros, por se sentir necessário.

· A Santa Sé é o auto-comando da Igreja, que exerce sua soberania sobre o Vaticano. Pode tratar de tratados internacionais.

O Vaticano, através da Santa Sé, que é a personificação jurídica do Estado do Vaticano, pode compor  um tratado entre dois entes de Direito Internacional (Estados, países) como ente intermediário, seja em questões de ordem  política, territorial ou religiosa, através do meio específico da concordata, e, também por meio de ofícios e pelo instituto da arbitragem internacional para dirimir e intermediar conflitos entre Estados – Entes Internacionais soberanos.

6.A NOVA LEI FUNDAMENTAL DA CIDADE DO VATICANO

No Suplemento das Acta Apostolicae Sedis, onde são regularmente publicadas as Leis do Estado da Cidade do Vaticano, encontra-se hoje o texto de uma nova Lei fundamental do Estado da Cidade do Vaticano, que substitui a precedente a primeira emanada em 1929 pelo Papa Pio XI de venerada memória.

Como é ilustrado na introdução da nova Lei, o Sumo Pontífice “considerou a necessidade de dar forma sistemática e orgânica às mudanças introduzidas em fases sucessivas no ordenamento jurídico do Estado da Cidade do Vaticano”.

Por conseguinte, com a finalidade de “o tornar cada vez mais correspondente com as finalidades institucionais do mesmo, que existe para a conveniente garantia da liberdade da Sé Apostólica e como meio de assegurar a independência real e visível do Romano Pontífice no exercício da Sua missão no mundo” de Seu Motu Proprio e de ciência certa, com a plenitude da Sua soberana autoridade, promulgou a seguinte Lei:

“Art. 1

1. O Sumo Pontífice, Soberano do Estado da Cidade do Vaticano, tem a plenitude dos poderes legislativo, executivo e judicial.

2. Durante o período de Sede vacante, os mesmos poderes pertencem ao Colégio dos Cardeais, o qual todavia poderá emanar disposições legislativas só em caso de urgência e com eficácia limitada ao período de vacância, a não ser que elas sejas confirmadas pelo Sumo Pontífice sucessivamente eleito segundo a norma da lei canônica.

Art. 2

A representação do Estado nas relações com os Estados estrangeiros e com os outros sujeitos de direito internacional, para as relações diplomáticas e a conclusão dos tratados, é reservada ao Sumo Pontífice, que a exerce por meio da Secretaria de Estado.     (negrito nosso)

Art. 3

1. O poder legislativo, excepto os casos em que o Sumo Pontífice o deseje reservar para si ou para outras instâncias, é exercido por uma Comissão composta por um Cardeal Presidente e por outros Cardeais, todos nomeados pelo Sumo Pontífice por um quinquénio.
2. Em caso de ausência ou de impedimento do Presidente, a Comissão é presidida pelo primeiro dos Cardeais Membros.

3. As assembleias da Comissão são convocadas e presididas pelo Presidente e nela participam, com voto consultivo, o Secretário-Geral e o Vice-Secretário-Geral.

Art. 4

1. A Comissão exerce o seu poder dentro  dos  limites  da  Lei  sobre  as fontes do direito, segundo as disposições a seguir indicadas e o próprio Regulamento.
2. Para a elaboração dos projectos de lei,  a  Comissão  serve-se  da  colaboração dos Conselheiros do Estado, de outros peritos e dos Organismos da Santa Sé e do Estado a que ela possa dizer respeito.

3. Os  projectos  de  lei  são  previamente submetidos, através da Secretaria de Estado, à consideração do Sumo Pontífice.

Art. 5

1. O poder executivo é exercido pelo Presidente da Comissão, em conformidade com a presente Lei e com as outras disposições normativas vigentes.

2. No exercício deste poder o Presidente é coadjuvado pelo Secretário-Geral e pelo Vice-Secretário-Geral.
3. As questões de maior importância são submetidas pelo Presidente ao exame da Comissão.

Art. 6

Nas matérias de maior importância procede-se em sintonia com a Secretaria de Estado.

Art. 7

1. O Presidente da Comissão pode emanar Disposições, em actuação de normas legislativas e regulamentares.

2. Em casos de urgente necessidade, ele pode emanar disposições com força de lei, as quais todavia perdem a eficácia se não forem confirmadas pela Comissão no prazo de noventa dias.
3. O poder de emanar Regulamentos gerais está reservado à Comissão.

Art. 8

1. Sem alterar quanto é disposto nos Arts. 1 e 2, o Presidente da Comissão representa o Estado.
2. Ele pode delegar a representação legal no Secretário-Geral no que se refere à actividade ordinária administrativa.

Art. 9

1. O Secretário-Geral coadjuva nas suas funções o Presidente da Comissão. Segundo as modalidades indicadas na Lei e sob as directrizes do Presidente da Comissão, ele:

a) superintende à aplicação das Leis e das outras disposições normativas e à actuação das decisões e das directrizes do Presidente da Comissão;

b) superintende à actividade administrativa do Governatorato e coordena as funções das várias Direcções.

2. Em caso de ausência ou impedimento substitui o Presidente da Comissão, excepto no que está exposto no art. 7, n. 2.

Art. 10

1. O Vice-Secretário-Geral, de acordo com o Secretário-Geral, superintende à actividade de preparação e redacção dos actos e da correspondência e desempenha as outras funções que lhe são atribuídas.

2. Substitui o Secretário-Geral em caso de sua ausência ou impedimento.

Art. 11

1. Para a predisposição e o exame dos balanços e para outros assuntos de ordem geral que digam respeito ao pessoal e à actividade do Estado, o Presidente da Comissão é assistido pelo Conselho dos Directores, por ele periodicamente convocado e presidido.

2. Nele participam também o Secretário-Geral e o Vice-Secretário-Geral.

Art. 12

O orçamento e o balanço do Estado, depois da aprovação por parte da Comissão, são submetidos ao Sumo Pontífice através da Secretaria de Estado.

Art. 13

1. O Conselheiro-Geral e os Conselheiros do Estado, nomeados pelo Sumo Pontífice por um quinquénio, prestam a sua  assistência  na  elaboração  das  Leis e noutras matérias de particular importância.

2. Os  Conselheiros  podem  ser  consultados quer individual quer colegialmente.

3. O Conselheiro-Geral preside às reuniões dos Conselheiros; exerce de igual modo funções de coordenação e de representação do Estado, segundo as indicações do Presidente da Comissão.

Art. 14

O  Presidente  da  Comissão,  além  de se servir do Corpo de Vigilância, para fins de segurança e da polícia pode requerer a assistência da Guarda Suíça Pontifícia.

Art. 15

1. O poder judiciário é exercido, em nome do Sumo Pontífice, pelos Órgãos constituídos segundo a organização judiciária do Estado.

2. A competência de cada órgão é regulada pela lei.

3. Os actos jurisdicionais devem ser realizados  dentro  do  território  do  Estado.

Art. 16

Em qualquer causa civil ou penal e em qualquer estádio da mesma, o Sumo Pontífice pode definir a sua instrução e a decisão a uma instância particular, também com faculdade de pronunciar equitativamente e com exclusão de qualquer ulterior agravamento.

Art. 17

1. Em nada alterando quanto está disposto no artigo seguinte, quem quer que se considere lesado num direito próprio ou interesse legítimo por um acto administrativo pode propor recurso hierárquico, o que significa pedir justiça à autoridade competente.
2. O recurso hierárquico exclui, na mesma matéria, a acção judiciária, a não ser que o Sumo Pontífice não o autorize no caso particular.

Art. 18

1. As controvérsias relativas à relação de trabalho entre os empregados do Estado e a Administração são da competência da Repartição do Trabalho da Sé Apostólica, segundo a norma do próprio Estatuto.

2. Os recursos adversos às medidas disciplinares dispostas em relação aos empregados do Estado podem ser propostos à Corte de Apelo, segundo as próprias normas.

Art. 19

A faculdade de conceder amnistia, indulgência, perdão e graça está reservada ao Sumo Pontífice.

Art. 20

1. A bandeira do Estado da Cidade do Vaticano é constituída por dois campos divididos verticalmente, um amarelo aderente à haste e o outro branco, que tem em si a tiara com as chaves, tudo segundo o modelo que constitui o anexo A da presente Lei.

2. O Brasão é constituído pela tiara com as chaves, segundo o modelo que forma o anexo B da presente Lei.

3. A chancela do Estado tem no centro a tiara com as chaves e em redor as palavras “Stato della Città del Vaticano”, segundo o modelo que forma o anexo C da presente Lei.

A presente Lei fundamental substitui integralmente a Lei fundamental da Cidade do Vaticano, 7 de Junho de 1929, n. I. De igual modo são ab-rogadas todas as normas vigentes no Estado em contraste com a presente Lei.

Ela entrará em vigor no dia 22 de Fevereiro de 2001, Festa da Cátedra de São Pedro Apóstolo.

Ordenamos que o original desta Lei, com a chancela do Estado, seja depositado no Arquivo das Leis do Estado da Cidade do Vaticano, e que se publique o texto correspondente no Suplemento das Acta Apostolicae Sedis, preceituando a quem compete observá-la e fazê-la observar.

Dada no nosso Palácio Apostólico do Vaticano a 26 de Novembro de 2000, Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, 23º ano do Nosso Pontificado. ”

7. A CÚRIA ROMANA

Para exercer o poder supremo, pleno e imediato sobre a Igreja universal, o Romano Pontífice vale-se dos Dicastérios da Cúria Romana. Estes, por conseguinte, em nome e com a autoridade dele, exercem seu ofício para o bem das Igrejas e em serviço dos Sagrados Pastores.

8.  Considerações Finais

As breves considerações, que derivam de tudo o quanto foi dito até agora são as seguintes:

– A função primária e especifica do Representante Pontifício é a Igreja local, seja em si mesma seja nas relações com a Sé Apostólica e com o Estado, compreendendo então todos os aspectos da vida e da missão eclesiástica no País.

–  Também como diplomata perante o Estado, ao Representante Pontifício cabe o dever e a responsabilidade de defender em ação conjunta com os Bispos (Cân. 264, 7º), tudo o que diz respeito à missão da Igreja em todos os seus aspectos. Em questões que poderiam colocar em risco a vida e a missão da Igreja, é seu dever não só estar atento, mas intervir. Assim, por exemplo, a Nunciatura Apostólica não deixou de intervir em alguns problemas — para citar algumas situações concretas — do aborto, do ensino religioso e da filantropia.

 

Bibliografia:
– A Nunciatura Apostólica – Alfio Rapisarda – (Exposição do Núncio Apostólico no Brasil, Dom Alfio Rapisarda, por ocasião do Encontro com os novos Bispos do Brasil nomeados entre outubro de 1998 e setembro de 1999.)
– Site Oficial do VATICANO em Português  http://www.vatican.va/phome_po.htm
– Manual de Direito Internacional Público – Oliveiros Litrento, 2ª ed., RJ, Forense,  1979.
– Elementos de Teoria Geral do Estado – Dalmo de Abreu Dallari, 15ª ed., SP, Saraiva, 1991.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Clovis Antunes Carneiro de Albuquerque Filho

 

Advogado e Consultor Jurídico atuando no Recife/PE

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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