Verba honorária percebida pelos Procuradores municipais


Nos termos do art. 37, XI da CF o teto remuneratório do Procurador municipal é o mesmo do Desembargador do Tribunal de Justiça, fixado em noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento (90,25%) do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, nele incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer natureza.


Realmente, o texto constitucional determina a aplicação do teto remuneratório dos Desembargadores do Tribunal de Justiça aos membros do Ministério Público e aos Procuradores e Defensores Públicos.


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Esse teto atualmente corresponde a R$ 24.117,62, mas, como vermos mais adiante, esse subteto não subsiste segundo a jurisprudência da Corte Suprema.


O Decreto Municipal de n° 52.192, de 18-3-2011, determina a observância desse limite remuneratório prescrevendo em seu artigo 9° que o “servidor será cientificado do corte remuneratório uma única vez, no primeiro mês em que sua remuneração exceder os limites de que trata este decreto … podendo apresentar defesa escrita no prazo de 15 (quinze) dias …”.


No mês de agosto de 2011, como resultado da divulgação pela mídia dos supostos “salários de marajás” que os Procuradores estariam percebendo, a administração municipal, por intermédio da Secretaria de Planejamento Orçamento e Gestão, enviou à generalidade dos Procuradores o “Termo de ciência do corte remuneratório” e o “Termo de ciência do débito referente ao corte remuneratório”, abrindo o prazo de 15 dias para defesa.


De acordo com esses “termos”, o redutor salarial veio com efeito retroativo a abril de 2011, porém, sem os demonstrativos dos “excessos” mencionados nesses “termos” impressos. Contudo, é possível presumir que esses “excessos” referidos nos aludidos “termos” decorrem da errônea inclusão da verba honorária no limite remuneratório, como mais adiante se verá.


 Não bastassem as omissões e a infelicidade do expressão utilizada “corte remuneratório” que nada tem de técnico, a pretensão da administração municipal não tem menor amparo legal e constitucional.


Da infelicidade da expressão


A expressão “corte remuneratório” não é jurídica, além de ofensiva aos servidores públicos em geral e especialmente aos Procuradores, como escreveu o ilustre professor da USP, o Procurador aposentado Mauro Penteado em nota de rodapé constante da defesa que ele  apresentou à administração municipal. São suas as palavras:


“Palavra e expressão despidas de qualquer juridicidade, e, ao que consta, jamais utilizadas por qualquer jurista, administrativista ou magistrado atentos à boa técnica jurídica a que se refere HANS KELSEN – jurista de há muito conhecido e que mais recentemente foi ‘redescoberto’ pelo Excelso Pretório. E erradas: além de  agredir o vernáculo (‘corte’ é ato de quem utiliza instrumento cortante, como um alfaiate ou um açougueiro, por exemplo), a Administração, ao inserir a palavra e a expressão no art. 9° do Decreto n° 52.192/11 (e depois repeti-las nos impressos recebidos) empregou-as para designar o que, juridicamente (e até no senso comum) corresponde a um ato com que pretende reter, compensar ou descontar parte de valores de remunerações que teriam excedido os limites remuneratórios constitucionais e legais, que unilateralmente definiu por Decreto. Desconto, compensação ou retenção de pagamento e não ‘corte’, portanto, palavra que, ademais, gera efeitos alarmantes e intimidatórios, além de desairosa e ofensiva à classe dos servidores públicos em geral e dos Procuradores em particular. NÃO SE TRATA DE OBSERVAÇÃO CAPRICHOSA OU IRRELEVANTE: (i) porque ‘a confusão de palavras acarreta sempre a confusão das coisas’, como já advertia o clássico DE PAGE; e (ii) porque quem erra na forma tende a errar no fundo ou substância – e no caso desta Resposta o erro da Administração (rectius: inconstitucionalidade e ilegalidade) é palmar e gritante, como será exposto ao longo deste arrazoado.”


A transcrição das observações feitas pelo ilustre Professor da USP quanto à agressão perpetrada à língua materna é bastante oportuna, pois, assim como errou no uso da linguagem correta – e como errou! –  errou, também, na interpretação do texto constitucional e ignorou a jurisprudência da Corte Suprema concernentes ao limite máximo de remuneração do Procurador municipal.


O correto teto remuneratório do Procurador


Como já o dissemos, o teto remuneratório dos Procuradores é o mesmo dos Desembargadores do Tribunal de Justiça.


E como sabemos, o Supremo Tribunal Federal, mediante interpretação conforme a Constituição do art. 37, XI e § 12 da CF, o primeiro na redação dada pela EC n° 41/03, e o segundo, introduzido pela EC n° 47/05, decidiu em sede de Medida Cautelar, excluir a submissão dos membros da magistratura estadual ao subteto remuneratório, porque uno é o Poder Judiciário, não permitindo a distinção entre a magistratura federal e a magistratura estadual (ADI n° 3854 MC-DF, Rel. Min. César Peluso, DJ de 29-6-2007, p. 22).


Logo, o teto remuneratório do Procurador não é de R$ 24.117,62 como consta do Decreto  mencionado e dos “termos” citados. Se não mais existe o subteto para os Desembargadores ele não subsiste, também, em relação aos membros do Ministério Público, Procuradores e Defensores Públicos.


Dessa forma, o valor correto do teto de remuneração do Procurador, assim como o dos membros do Ministério Público e da Defensoria Pública  é de R$ 26.723,13 correspondente ao subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.


Da inaplicabilidade do efeito retroativo


É elementarmente sabido que os vencimentos do servidor público têm natureza alimentar. Nem é preciso citar o § 1°, do art. 100, da Constituição Federal. E como tal não são passíveis de repetição.


Daí porque a jurisprudência sequer permite a repetição de vencimentos percebidos em razão de tutela antecipada posteriormente revogada, conforme se verifica da seguinte ementa:


“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MILITAR. PENSÃO ESPECIAL DE EX-COMBATENTE. RECEBIMENTO EM VIRTUDE DE TUTELA ANTECIPADA, POSTERIORMENTE CASSADA. RESTITUIÇÃO AO ERÁRIO DOS VALORES INDEVIDAMENTE PAGOS. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR. IMPOSSIBILIDADE.


1. Cinge-se a controvérsia à necessidade de devolução de vantagem patrimonial indevidamente paga pelo Erário, quando o recebimento da verba decorre de provimento jurisdicional de caráter provisório, não confirmado por ocasião do julgamento do mérito da ação.


2. Em respeito ao princípio da moralidade, insculpido no art. 37, caput, da CF/1988, tendo em vista o bem público em questão, a restituição desses valores seria devida, diante da impossibilidade de conferir à tutela antecipada característica de provimento satisfativo.


3. Aquele que recebe verbas dos cofres públicos com base em título judicial interino e precário sabe da fragilidade e provisoriedade da tutela concedida.


4. No entanto, o STJ tem adotado o posicionamento de que não deve haver o ressarcimento de verbas de natureza alimentar, como as decorrentes de benefícios previdenciários, recebidas a título de antecipação de tutela, posteriormente revogada, ante o princípio da irrepetibilidade das prestações de caráter alimentício e em face da boa-fé da parte que recebeu a referida verba por força de decisão judicial. (Precedentes: AgRg no AREsp 12.844/SC, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe 2/9/2011; REsp 1255921/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 15/8/2011; AgRg no Ag 1352339/PR, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 3/8/2011; REsp 950.382/DF, Rel. p/ Acórdão Ministro Hamilton Carvalhido, DJe 10/5/2011; AgRg no REsp 1159080/SC, Rel. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), DJe 12/5/2011).


5. Agravo Regimental provido, para negar provimento ao Recurso Especial da União” (AgRg no REsp n° 1259828/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 19-09-2011).


Pela mesma razão, os servidores aposentados que são revertidos, a pedido, para a atividade, não precisam devolver os proventos até então percebidos, segunda pacífica jurisprudência de nossos tribunais. Com muito maior razão, os Procuradores que receberam de boa-fé os vencimentos não podem se sujeitar à devolução de parte desses vencimentos a pretexto de exceder o teto salarial.


Da irredutibilidade de vencimentos


Outrossim, a irredutibilidade de vencimentos é um princípio constitucional protegido por  cláusula pétrea. Nem uma Emenda Constitucional poderá aboli-lo.


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Por isso, a jurisprudência do STF determina que o eventual excesso deve continuar sendo pago até que seja absorvido pelo reajuste do valor do teto remuneratório. É o que ficou decidido no MS n° 2477/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 6-10-2006.


Por oportuno transcreve-se trecho da r. decisão:


“2. Ainda que, em tese, se considerasse susceptível de sofrer dispensa específica pelo poder de reforma constitucional, haveria de reclamar para tanto norma expressa e inequívoca, a que não se presta o art. 9° da EC 41/03, pois o art. 17 ADCT, a que se reporta, é norma referida ao momento inicial de vigência da Constituição de 1988, no qual incidiu e, neste momento, pelo fato mesmo de incidir, teve extinta a sua eficácia; de qualquer sorte, é mais que duvidosa a sua compatibilidade com a ‘cláusula pétrea’ de indenidade dos direitos e garantias fundamentais outorgados pela Constituição de 1988, recebida como ato constituinte originário. 3. Os impetrantes – sob o pálio da garantia da irredutibilidade de vencimentos -, têm direito a continuar percebendo o acréscimo de 20% sobre os proventos, até que seu montante seja absorvido pelo subsídio fixado em lei para o Ministro do Supremo Tribunal Federal”.


Da natureza  não salarial da verba honorária


Mesmo considerando como correto o subteto de R$ 24.117,62 levado em conta equivocadamente pela administração municipal, nenhum Procurador teria alcançado esse valor se descontada a verba honorária indevidamente incluída no teto salarial.


Não há que se incluir nos vencimentos ou nos proventos, para efeito de aferição do teto remuneratório, uma verba que não é paga pelos cofres públicos.


Qualquer manual de Direito Administrativo ensina que vencimento é a retribuição pecuniária prevista em lei, relativamente a determinado cargo público, paga a título de despesa pública, isto é, por conta de verba consignada na lei   orçamentária anual para atender as despesas de pessoal. E a lei municipal, por óbvio, não poderia jamais  incluir uma despesa que não é do Município, mas da parte que sucumbiu  na demanda judicial contra o Município.


Não se confunde receita pública, algo que vem acrescer o vulto do patrimônio público preexistente, com o mero ingresso de dinheiro ou simples movimento de caixa, como se diz vulgarmente.


É o caso da verba honorária que, por disposição expressa da lei municipal, deve ser distribuída aos integrantes da carreira de Procurador.


De fato, prescreve o art. 1° da Lei n° 9.402, de 24-12-1981:


 “Art. 1° – Os honorários advocatícios, devidos à Fazenda Municipal, serão destinados à Secretaria dos Negócios Jurídicos, para:


I- Distribuição aos integrantes da carreira de Procurador, em atividade ou nela aposentados;


II- Aplicação no aperfeiçoamento intelectual dos integrantes da carreira de Procurador”.


Art. 2º (…)


Parágrafo único – O valor não utilizado das importâncias reservadas para os fins previstos no inciso II do art. 1º será, também, distribuído aos integrantes da Carreira de Procurador, na forma prevista nesta Lei”.


O replique e o triplique, instituídos pelo caput do  art. 2° da citada lei, foram suprimidos e tornados permanentes pela média dos últimos cinco anos pela Lei n° 13.400, de 1° de agosto de 2002. Não há mais dinheiro público destinado a título de verba honorária.


Logo, não tem mais pertinência a questão de saber se a verba honorária é ou não uma vantagem pessoal para fins de exclusão do teto remuneratório, mesmo porque o § 1°, do art. 39 da CF, que versava sobre a isonomia de vencimentos entre os servidores dos três Poderes, ressalvadas as vantagens de caráter individual, não mais subsiste, revogado que foi pela Emenda n° 19/98. Assim, não se cogita mais da aplicação conjugada do  inciso XI, do art. 37 e do § 1º, do art. 39 da Constituição Federal como vinha decidindo a jurisprudência de nossos tribunais na vigência desses textos constitucionais originais.


A partir da Lei n° 13.400/2002 existe apenas a verba honorária singela paga pela parte sucumbente no processo judicial contra o Município. Agora, basta tão só a perquirição da origem do valor dessa verba honorária para constatar que de dinheiro público não se trata.


A administração municipal funciona como mera fonte arrecadadora dessa verba honorária para ulterior repasse aos legítimos destinatários,  na forma da lei municipal de n° 9.402/81 que a vincula. Trata-se de mera arrecadação de dinheiro pela Prefeitura por razões de ordem prática, com finalidade específica: a distribuição entre os integrantes da Carreira de Procurador.


A administração pública municipal, sob pena de cometer crime previsto no art. 168 do Código Penal, não pode se apropriar da verba que não lhe pertence na forma da lei que ela própria elaborou e que está em perfeita harmonia com a legislação federal a respeito.


Realmente, dispõe o art. 23 do Estatuto da OAB, Lei n° 8.906, de 4-7-1994:


“Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.”


Assim, não faz sentido incluir no teto remuneratório essa verba que não é paga pelo poder público municipal e que  por isso mesmo não tem e nem pode ter  natureza salarial.


Como essa verba honorária arrecadada pela Prefeitura não pode ter outra destinação que não aquela prevista em lei, a cada redução salarial por conta da inclusão dessa verba honorária deve o montante reduzido retornar à Secretaria dos Negócios Jurídicos para rateio entre os Procuradores nos meses subseqüentes. Isso configura uma rotina cansativa, desnecessária, dispendiosa e irrazoável.


O bom senso está a demonstrar que não se deve incluir no teto remuneratório a verba honorária que não é paga por conta da despesa pública, isto é, pelos cofres públicos, porque ela tem origem na sucumbência infringida pelos Procuradores aos que litigam com a Municipalidade de São Paulo.



Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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