Vertente material do princípio da publicidade administrativa

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Resumo: O presente artigo tem a finalidade de analisar a vertente material do princípio da publicidade administrativa, consagrado pelo art. 37, da CF, consubstanciado no direito ao conteúdo dos atos administrativos, exigindo que estes sejam redigidos de forma clara e apta a compreensão do cidadão. Demais disso, propõe-se a adoção de medidas processuais para a exigibilidade do acesso ao conteúdo dos atos administrativos.

Sumário: 1 – Introdução; 2 – O Direito Administrativo e o Princípio da Publicidade; 3 – Vertente Material do Princípio da Publicidade; 4 – Instrumentos processuais de acesso ao conteúdo dos atos administrativos; 5 – Conclusões; REFERÊNCIAS BIBILIOGRÁFICAS; NOTAS.

1. Introdução

O estudo do fenômeno administrativo nunca decai. Todos os dias, inumeráveis atos administrativos são publicados, contratos administrativos são firmados e licitações são realizadas. Não se pode desconsiderar a influência da Administração Pública na vida do administrado. A amplitude deste ente na regulação do comportamento dos administrados é enorme. O Estado fornece, ainda que precariamente, educação, saúde, trabalho, moradia (e com a EC 64/10, alimentação). O Estado regula atividade econômica. O Estado promove a proteção ao consumidor, entre outras coisas.

Não é à toa que, em face de tal interferência, venha o Estado a sofrer uma série de limitações. O art. 37, da Constituição Federal, estabelece que o Estado deverá obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, dentre outros, encontrados nos textos infraconstitucionais. Interessa mais de perto.

Dentre o rol acima transcrito, o princípio da publicidade tem forte proximidade com administrado. É por meio dele que o particular terá acesso aos atos da Administração, saberá o que efetivamente está ocorrendo mediante publicação de portarias, atos e decretos e poderá, insatisfeito com determinado ato, manifestar-se contra ele. A publicidade fornecerá, pois, possibilidade de controle da Administração pelo administrado.

A “Constituição Cidadã” não foi apelidada assim de forma aleatória. A partir dela, em notória contraposição ao regime anterior, permitiu-se participação dos administrados nos atos de Estado. E com o passar dos anos a evolução dos meios de comunicação veio a contribuir ao acesso dos atos do poder publico.

Contudo, por diversas vezes, o cidadão médio se depara com atos administrativos notadamente inacessíveis. Não por falta de publicação, mas sim, por carência de publicização. Eis aí as duas faces do princípio da publicidade. Não adianta apenas publicar o ato. Deve-se também torná-lo compreensível ao administrado.

Ocorre que a doutrina, apesar de aceitar a necessidade de publicização dos atos administrativos, não dirigiu seus esforços na tentativa de promover o estudo dessa vertente. E é na tentativa de analisar estas duas faces que se propõe este artigo.

2. O Direito Administrativo e o princípio da publicidade

Sabe-se que com a edificação da Carta de 1988, o direito brasileiro passou por diversas mudanças. Conjuntamente à evolução do Direito Constitucional, a partir da Declaração de Direitos do Homem de 1948, a Constituição não foi mais apanhada como carta política, ocasião em que os outros ramos do direito passaram a tomá-la como norma jurídica fundamental.

O mesmo ocorreu com o Direito Administrativo. A princípio, este ramo nasceu com a função de submeter o Estado ao Direito. Observa-se aí, pois, o estágio embrionário do Estado de Direito[i]. A partir do momento se passou a adotar os princípios como normas jurídicas, a Constituição deixou de ser considerada como mera Carta Política para ser o ápice da fundamentação de todo o direito, o Direito Administrativo passou a tomá-la como fundamento de validade, em que toda a sua análise partiria de uma concepção constitucional, defendendo-se a dignidade humana do administrado.

Este último princípio, à toda evidência, situa-se numa posição de proeminência no sistema jurídico[ii]. A dignidade da pessoa humana não é mais tomada unicamente como valor fundamental, mas também como norma-princípio, guiando todo o sistema na maior maneira de sua efetivação.

Sendo assim, o Direito Administrativo terá por função regular as atividades humana e estatal de forma que não ofenda o princípio da dignidade da pessoa humana.

Neste viés, observa-se que os princípios norteadores da Administração Pública visam a proteção da dignidade do administrado. Não se volta a análise, neste estudo, sobre outros princípios administrativos senão o da publicidade, partindo-se imediatamente à sua análise.

O princípio da publicidade foi originado mediante uma reivindicação social. Durante a Revolução de 1964, o Brasil sofreu com duros Atos Institucionais, todos eles secretos. Foi com a finalidade de combater a perpetuação deste comportamento que a Constituição Federal de 1988 trouxe o princípio da publicidade em seu art. 37.

Nesse viés, Odete Medauar relaciona o princípio da publicidade com a democracia. Citando Bobbio, aduz que o governo é do poder público em público e, por meio de Celso Lafer, afirma que a visibilidade e a publicidade do poder são os elementos básicos de uma democracia, pois permitem o controle popular da conduta dos governantes[iii].

O princípio da publicidade veio, então, como uma luz sobre os atos secretos do governo, possibilitando ao cidadão “levantar o véu” e observar o que realmente era decido e implementado na esfera governamental. Assegurava ao administrado o até então ofendido direito à informação. Um dos desdobramentos desse princípio é o direito de receber, dos órgãos públicos, informações (art. 5º, XXXIII, CF). Outro é o direito de pedir certidões (art. 5º, XXXIV, b, CF), notadamente dificultado na Administração.

Em consonância com este entendimento, Celso Antônio Bandeira de Mello reivindica afirmando que:

“não pode haver um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida”[iv].

O princípio da publicidade coíbe ofensas ao direito de informação do indivíduo (art. 5º, XXXIII, da CF). Apesar de este direito estar constante no rol do art. 5º, da CF, e, por via de consequência, conter aplicabilidade imediata, sua eficácia é restringível. Isso porque comporta exceções à sua aplicação (e.g. segredo de justiça). No entanto, uma vez configurado como direito fundamental, decorrente do princípio-valor da dignidade da pessoa humana, o direito à informação impede que a Administração haja de maneira a ocultar seus atos dos administrados. Eis a razão do princípio da publicidade.

É válido transcrever a singela, mas extremamente importante exposição que o Ministro Carlos Britto faz sobre o princípio da publicidade. Fá-lo em linhas poéticas:

“Quanto ao princípio da publicidade, não é demais lembrar que ‘a maior parte dos institutos do Direito Administrativo buscam um equilíbrio entre de um lado as prerrogativas da Administração Pública e, de outro lado, os direitos do cidadão. E não só o controle judicial, mas inúmeras garantias são previstas em benefício do cidadão.’ . Aliás, o direito a publicidade, ainda que não expresso na lei, é farol que guia, os atos processuais do administrador público, ao porto da legalidade, desviando-o dos vícios, no mar das relações jurídicas”.[v]

Pelo extrato acima, infere-se que o princípio da publicidade é aquele que mais possui proximidade entre o administrador público e os administrados. A publicação dos atos e sua necessária publicização, como adiante se observará, permitem ao particular atentar para o que ocorre na imensidão do Estado. Em contrapartida, este ente torna-se transparente, permitindo um vislumbre do teor de seus atos. Tal é a importância do princípio da publicidade, que a um só turno protege o interesse público, a moralidade administrativa, e o respeito à dignidade humana.

Assim, o princípio em estudo assegura ao administrado o direito às informações sobre os atos da Administração que podem, direta ou indiretamente, invadir sua esfera de interesses, possibilitando uma forma mais eficaz de controle de tais atos pelo particular.

A publicidade é estendida a toda atuação estatal, inclusive na divulgação da conduta interna de seus agentes. Atinge, pois, os atos concluídos e em formação, os processos em andamento, os pareceres dos órgãos, técnicos e jurídicos, os despachos intermediários e finais, as atas de julgamentos das licitações e os contratos com quaisquer interessados, bem como os comprovantes de despesas e as prestações de contas submetidas aos órgãos competentes[vi].

A publicação em órgãos oficiais somente é exigida a partir do ato concluído ou de determinadas fases de certos procedimentos administrativos. É esta divulgação que produz efeitos jurídicos. Órgão oficial é o Diário Oficial dos entes, impresso ou eletrônico, como também o jornal contratado para publicação oficial. Vale também como oficial a afixação na sede da prefeitura ou câmara, onde não houver órgão oficial[vii].

O controle dos atos da Administração Pública é direito e dever do cidadão. Na esteira da lição de Celso Antonio Bandeira de Mello, acima transcrita, não adianta o poder público ser emanado do povo se este não puder se manifestar quanto aos atos da Administração. Desta forma, não basta exigir uma Administração proba e célere, mas deve-se agir para tanto. E se o princípio da publicidade não for respeitado, o administrado desconhecerá dos atos que ofenderam os seus direitos e não poderá manifestar-se. Nesse viés, é dever da Administração tornar públicos os seus atos, divulgando por meio de órgãos oficiais.

Ocorre que, por diversas vezes, o conteúdo desses atos não é alcançado pelo particular. Não por falta de publicação, mas pela linguagem excessivamente técnica adotada pelo administrador, o que impossibilita o acesso à informação veiculada. Trata-se, nesta hipótese, de uma ofensa ao princípio da publicidade em seu sentido material. Estudá-lo é o que se fará no tópico a seguir.

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3. Vertente material do princípio da publicidade

O princípio da publicidade tem por finalidade tornar públicos os atos da Administração. Uma vez ofendido este princípio, atenta-se reflexivamente ao direito fundamental à informação.

Conforme afirma Eduardo Takemi Kataoka, a necessidade de clareza nas relações jurídicas guarda noção conjunta à noção legalidade, uma vez que promove segurança jurídica. É necessário, pois, que o particular conheça antecipadamente qual o seu âmbito de liberdade dentro do Estado de Direito[viii].

A Administração tem o dever de publicar os seus atos. Este é o primeiro momento do princípio da publicidade, o que sugere uma noção formal, uma vez que o dever de tornar público, tratado pela Constituição Federal, não estabelece diretamente o acesso à matéria, ao conteúdo, mas somente à exposição do ato em meios oficiais.

A ofensa ao sentido formal do princípio da publicidade, por si só, já fere o direito fundamental à informação. Não somente este direito está ofendido, mas como também o próprio interesse público é ameaçado por cada ato praticado sem publicação ou em segredo. Interesse público é o interesse transparente, acessível ao público e antagoniza com o interesse secreto[ix].

Como a Administração não maneja interesses pessoais, resta o dever da transparência. Ressalta-se, aqui, a lição de Andrea Pubusa, sobre a qual afirma que a publicidade dos fins não justifica a dos meios:

“O segredo colocava-se como corolário natural de uma administração concebida como separada dos cidadãos, de fato, segredo significa ‘separado’, ‘distinção’. Diante da indeterminação e da generalidade do conteúdo do segredo administrativo, ele assumia o papel de instrumento de separação, de distinção da administração e da sociedade e dos demais poderes”[x].

A própria Constituição Federal de 1988 trouxe instrumentos para coibir a ofensa ao princípio da publicidade. O habeas data é instrumento que torna efetivo o princípio da publicidade (art. 5º, LXXII, CF). O direito de petição e o mandado de segurança também poderão ser utilizados para cobrar da Administração a publicação de seus atos.

No entanto, a divulgação oficial (vertente formal) não é o único viés do princípio da publicidade. Em sua inteireza, com apoio numa interpretação que torne efetiva a dignidade da pessoa humana, o direito à informação visa também possibilitar ao administrado conhecer a conduta interna dos agentes políticos. Esta é a vertente material do princípio da publicidade, que exige da Administração o acesso ao conteúdo das informações da maneira mais clara possível[xi].

O prof. Antonio Carlos Cintra do Amaral é categórico ao afirmar que não se confundem publicidade e publicação. Para ele, não adianta somente publicar os atos por meio oficiais e sim, fazê-los acessíveis a todo o público[xii]. Por outros termos, a Administração não tem apenas o dever de tornar público, isto é, tornar do conhecimento público, mas, também, tornar claro e compreensível ao público médio. É fazer com que a publicidade cumpra o papel essencial de verdadeiramente informar o público[xiii].

Em adendo a isto, o prof. Gustavo Binembojm afirma que o princípio da publicidade:

“impôs aos agentes públicos o dever de adotar, crescente e progressivamente, comportamentos necessários à consecução do maior grau possível de difusão e conhecimento por parte da cidadania dos atos e informações emanados do Poder Público”[xiv].

Entendendo-se os princípios como mandados de otimização, como ensinou Robert Alexy, o princípio da publicidade não se satisfaz unicamente com a pura exteriorização dos atos administrativos. Como ensina Binembojm, “otimizar o grau de concretização do princípio da publicidade significa adotar um conjunto de medidas progressivas voltadas ao melhor alcance possível dos seus fins”[xv].

Não se pode permitir, pois, um acesso restrito dos atos administrativos. A pura divulgação dos atos por meio de órgãos oficiais, sem ater-se ao conteúdo, gera na Administração Pública ofensa ao princípio da publicidade, em sua vertente material, ao princípio democrático, uma vez que se restringe o conteúdo da informação a uma camada social, ao princípio da dignidade da pessoa humana, que é desrespeitado na medida em que se tolhe a informação, e ao princípio da igualdade[xvi].

Ainda que de maneira tímida, o Supremo Tribunal Federal inicia o reconhecimento de uma vertente material do princípio da publicidade. Nesse viés é o posicionamento da Ministra Carmen Lúcia:

“Depreende-se da leitura do art. 156 do Código de Processo Civil que “em todos os atos e termos do processo é obrigatório o uso do vernáculo”. Portanto, é obrigatório que todas as manifestações processuais, orais e escritas, devam ser feitas em língua portuguesa, em cumprimento ao princípio da publicidade, e permitir o entendimento, não apenas pelas partes interessadas, como também pela população, em observância ao interesse público”[xvii].

Assim, o princípio da publicidade é direito à plena informação pelo administrado e dever de transparência da Administração. O sentido normativo completo do princípio da publicidade não se restringe a apenas a publicação dos atos administrativos em órgãos oficiais. Vai ao seu conteúdo, sendo uma exigência constitucional de que os atos normativos em geral (e aí se incluem os atos administrativos) deverão ser redigidos de forma clara e acessível.

Em consonância a este entendimento, José dos Santos Carvalho Filho, analisando o art. 2º, V, da Lei nº 9.784/99[xviii], ressalta que não importa o meio oficial pelo qual os atos administrativos devam ser divulgados. O que interessa é que as atividades da Administração devem ser transparentes, visando o alcance dos particulares[xix].

Pode ocorrer, inclusive, que o meio utilizado pelo administrador seja diverso daquele previsto em lei (vício de forma). Em tal situação, para o autor, não ocorrerá ofensa ao princípio da publicidade, que já cumpriu com sua finalidade material[xx].

Discorda-se do renomado autor ao tomar posição tão extremista. A publicação em imprensa oficial não tem o único fito de organizar as publicações em um só documento. Na realidade, o diário oficial tem o condão de transmitir ao leitor que aqueles atos ali constantes são provenientes de órgãos públicos. Sendo assim, a imprensa oficial cria com o administrado relação de confiança, cujo conteúdo tem presunção de veracidade. É necessário que haja publicação oficial para se efetivar uma garantia do cidadão de que o conteúdo é legal, seguro e verdadeiro.

No entanto, a máxima efetivação do princípio da publicidade não se restringe à publicação dos atos da Administração em órgãos oficiais. O ente político, para consagrar plenamente o princípio, deverá tornar o conteúdo dos atos acessíveis, evitando ofensas reflexas a outros princípios. A publicidade é um direito e uma garantia do administrado a conhecer com clareza dos atos para deles poder se manifestar. A finalidade do princípio não é somente a de publicar os atos, mas também publicizá-los.

Seria, com todas as ressalvas possíveis, uma semelhança ao quanto exposto no art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece um dever de informação plena ao consumidor[xxi].

Ocorre que o referido princípio não contém eficácia plena quando em conflito com outra espécie normativa do mesmo gênero. É possível encontrar exemplos de colisão entre o princípio da publicidade (consagrador do direito à informação) e direito ao sigilo. É válido atentar para celeuma no tópico a seguir.

4. Instrumentos processuais de acesso ao conteúdo dos atos administrativos

Como já se observou, o princípio da publicidade tutela um importante direito fundamental: o direito de acesso às informações. Por vezes, é sugerida a utilização de um meio processual de tutela desse direito. Trata-se do habeas data.

O habeas data tem por objetivo conceder pleno acesso do particular às informações CLARAS que a Administração possua a seu respeito. Sendo assim, ao se recusar a informação a qual o administrado tem direito, a Administração estará ofendendo o direito à informação e, por via lógica, o princípio da publicidade, garantidor desse direito.

Conforme o art. 7º, da Lei 9.507/97, pode-se dispor do habeas data, em face da Administração Pública direta ou indireta, assim como das instituições privadas que prestem serviços públicos, para:

I – para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registro ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público;

II – para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;

III – para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável.”

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Observa-se, diante o que já fora discutido, que o habeas data é instrumento eficaz de acesso às informações. Contudo, nota-se que sua eficácia somente se prende a uma vertente formal da publicidade. É utilizado somente para se ter acesso à informação, mas não ao seu conteúdo. Nos incisos acima transcritos, confirma-se a tendência do legislador em proteger o acesso ou correção dos dados.

Entretanto, ao se considerar que o princípio da publicidade possui uma vertente material, a aplicabilidade deste remédio torna-se um tanto mitigada em face da omissão legislativa da Lei 9.507/97. O que se deseja afirmar com isto é que a finalidade do habeas data é a de garantir o acesso a informação de determinado administrado. Contudo, o acesso ao conteúdo do ato é um direito coletivo e que necessitaria de maior amplitude da finalidade do mencionado remédio.

O habeas data, portanto, não servirá somente para prestar a informação desvinculada de seu conteúdo, o que afastaria o particular do conhecimento do que está escrito no documento. Com efeito, deve-se atribuir efeito extensível ao writ, permitindo que o administrado possua ciência do conteúdo da informação requerida. A decisão procedente em sede de habeas data deverá conferir ao administrado a informação de forma clara.

Além do mais, sugere-se a utilização do Mandado de Segurança, individual ou coletivo. Conforme a recente Lei nº. 12.016/09, o referido mandado é impetrado “para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça”. (grifos do original)

No caso do sigilo desnecessário dos atos administrativos, a ilegalidade e o abuso de poder andam juntos. Isso porque publicar um ato impossível de ser compreendido é um atentado direto a um princípio constitucional-administrativo. E, ao se manter incompreensível o ato, abre-se margem a atuações desarrazoadas do Poder Público. Por isso, ao se impetrar o referido mandamus, não se poderá manter a Administração Pública turva e distante do administrado.

O art. 21, da Lei nº. 12.016/09 expõe o rol de legitimados ativos a impetrar o mandado de segurança[xxii]. A partir deste dispositivo, pode-se imaginar a seguinte situação. Determinada autarquia federal resolveu, sumariamente, extinguir determinado setor relocando os servidores que prestam serviços naquele para outro departamento. Ocorre que, ao editar o ato administrativo, publica-o sem motivá-lo, o que gera automaticamente sua nulidade. Insatisfeitos com o ato, os servidores não entendem os seus motivos, uma vez que o texto não está em linguagem simples e clara. Neste caso, os servidores dirigem-se ao seu sindicato representativo que, por meio de seu departamento jurídico ajuíza o mandado de segurança.

Esta é apenas uma hipótese de cabimento. Todos os dias, conforme o início deste artigo, são editados inúmeros atos administrativos nulos, mas que surtem efeitos em face da obscuridade de sua linguagem. É necessário, portanto, evitar os efeitos desses atos, impetrando-se aí, o Mandado de Segurança.

Mas não se pode somente se restringir a este instrumento. Caso o ato obscuro atente contra o patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, conforme preceitua o art. 5º, LXXIII, da CFRB/88 e a Lei nº. 4.717/65 poderá o cidadão comprovado ajuizar ação popular com o fito de desconstituir tal ato.

A ação popular não necessita primordialmente de atentado ao patrimônio público como objeto essencial de seu ajuizamento. Conforme entendimento consolidado no STF, “a lesividade decorre da ilegalidade; a ilegalidade do comportamento, por si só, causa o dano” [xxiii]. Destarte, a ilegalidade do ato que provoca o dano ao erário é o que deve ser combatido por via de ação popular.

Deve-se atentar para o disposto no texto constitucional. A lei não comporta palavras desnecessárias. Não foi à toa a aposição do verbete “à moralidade” no inciso LXXIII, do art. 5º constitucional.

A moralidade administrativa exige uma atuação ética por parte do gestor público. Ele deve ser probo, ético e agir em conformidade aos bons costumes. E não poderá fazê-lo se não deixar claras as suas atuações. Sendo assim, o princípio da moralidade comporta estreita ligação com o princípio da publicidade. O interesse público não tolera comportamentos às cegas da sociedade. Como já ensinou o prof. Hely Lopes Meirelles:

“A ação popular é um instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer de seus membros, no gozo de seus direitos cívicos e políticos. Por ela não se amparam direitos próprios mas, sim, interesses da comunidade. O beneficiário direto e imediato da ação não é o autor popular; é o povo, titular do direito subjetivo ao governo honesto”[xxiv].

A falta de publicidade, em amplo sentido, conduz à imoralidade de um governo desonesto. E estas poderão coincidir para lesividade ao patrimônio público. É válida a transcrição da digressão de José dos Santos Carvalho Filho:

Permitimo-nos, contudo, distinguir: se a lesão não for aferida pecuniariamente, a decisão limitar-se-á à anulação do ato; caso possível essa aferição, aí sim, a sentença, além do conteúdo anulatório, terá também conteúdo condenatório, em ordem a responsabilizar os agentes e terceiros que deram ensejo à lesão, o expressamente autorizado pelo art. 11, da Lei 4.717/65.

No caso de ser procedente o pedido, e reconhecida a ilegalidade, o bem jurídico a ser obtido é o da restauração da legalidade rompida com a prática do ato lesivo. Como exemplo, se o ato de uma autarquia ofende o princípio da moralidade administrativa, o autor popular formula a pretensão de invalidar esse ato e de ver restabelecida a situação de legalidade existente antes da prática do ato.

Podemos averbar, por isso, que o objeto da ação é de caráter desconstitutivo, porque visa a desconstituir o ato lesivo a um dos bens sob tutela”[xxv].

No mesmo sentido é válida a propositura de ação de improbidade administrativa. Conforme se sabe, referida ação é proposta em face de agente público cujo ato incorra em enriquecimento ilícito, dano ao erário e violação dos princípios da Administração Pública. E é neste último que se enquadra o princípio da publicidade, de acordo com o art. 11, V, da Lei nº. 8.429/92:

“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

IV – negar publicidade aos atos oficiais;”

É ímprobo o agente público que não divulga seus atos. E isto não quer somente dizer expô-los em imprensa oficial, mas também, fazê-lo de forma turva, sem qualquer compreensão pelo administrado. Assim, ao aceitar a vertente material do princípio da publicidade, deve-se ampliar o sentido de sua ofensa, admitindo, como no dispositivo acima, que a negativa de publicidade dos atos oficiais refere-se à sua publicação e à sua  publicização.

Desta forma, tanto o habeas data, assim como o mandado de segurança, a ação popular e ação de improbidade administrativa, são instrumentos que visam o combate à ilegalidade e lesividade oriundos de atos administrativos ocultos e/ou ininteligíveis ao cidadão médio[xxvi].

Mas não se pode esquecer a Ação Civil Pública. Esta, conforme a Lei nº. 7.347/85 visa a tutela de direitos transindividuais, gênero à qual pertence o direito à informação.

É cabível aqui a seguinte digressão: o direito à informação poderá ser individual, difuso, coletivo e individual homogêneo, a depender da situação que ensejará a sua tutela. Assim, ele será individual quando for ofendido à somente uma pessoa. Será difuso quando por seu liame unir pessoas em situações jurídicas semelhante, mas que não possam ser individualizadas. Será coletivo, quando uma situação fática for ofensiva ao direito de um determinado grupo e será individual homogêneo quando sua repercussão não se restringir a um grupo, mas atingir toda uma coletividade.

A ação civil pública será instrumento manejado pelo Ministério Público a fim de atender interesses sociais, conforme dicção do art. 127, da Constituição Federal. Dentre estes direitos, figura o acesso à informação. A partir destas inferências, pode-se concluir pelo manejo da ação civil pública com o fito de requer dos órgãos públicos a publicização de seus atos, tornando seu conteúdo acessível ao cidadão médio.

Observe-se, à guisa de exemplo, o estudo de impacto ambiental (EIA) e do relatório de impacto ambiental (RIMA). O EIA contém elementos que “vão desde as informações gerais do empreendimento até a descrição dos impactos e das medidas mitigadoras”[xxvii]. O RIMA, por seu turno, trará as conclusões do EIA e, conforme Terence Trennepohl:

“As informações técnicas devem ser nele expressas em linguagem acessível ao público geral, ilustradas por mapas em escalas adequadas, quadros, gráficos, ou outras técnicas de comunicação visual, de modo que se possam entender claramente as possíveis consequências ambientais do projeto e de suas alternativas, comparando as vantagens e desvantagens de cada uma delas”[xxviii].

Nota-se, pois, que o particular poderá se valer de vários instrumentos processuais para realização da publicização dos atos administrativos. Pode-se apontar a utilização, inclusive, de vias comuns, como a ação ordinária, o requerimento administrativo e o direito de petição, regulamentado pelo art. 5º, XXXIV, da CFRB/88.

O direito de petição constitui uma prerrogativa democrática de caráter essencialmente informal. Trata-se de direito fundamental consagrado na Carta de Direito, de 1689. Desde então, as Constituições brasileiras, a espelho daquela Carta, adotaram o direito de petição como sendo fundamental[xxix].

Referido direito é consagrado na Carta de 1988 como instrumento de defesa contra ilegalidade ou abuso de poder, servindo também para a obtenção de certidões em órgãos públicos e para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações pessoais. Assim, o administrado (nacional ou estrangeiro) poderá peticionar ao Poder Público, exigindo-lhe proteção de direitos ofendidos, servindo de tutela do interesse geral[xxx].

Analisando o instituto como meio de tutela do aspecto material do princípio da publicidade, observa-se que o comando normativo estabelece que o direito de petição servirá para cientificação e proteção dos interesses dos administrados. Com efeito, é plenamente cabível a sua utilização pelo particular para esclarecer situações de seu interesse pessoal que ficaram obscurecidas por uma linguagem excessivamente técnica do administrador.

Ademais, o direito de petição servirá para proteção contra ilegalidade e abuso de direito, a espelho do mandado de segurança, que se originarem de atos turvos do administrador público. O direito de petição servirá, pois, como instrumento tendente a controlar os atos do Poder Público que desrespeitem o viés material do princípio da publicidade.

5. Conclusão

Este breve artigo tem por finalidade propor uma releitura do princípio da publicidade. A proposta é ousada, mas necessária. Não se pode mais compreender o referido princípio como apenas o dever de publicar o ato. Deve-se, além disto, tornar o seu conteúdo acessível a todos os administrados.

A Lei Complementar 95/98 já deu o primeiro, e importante, passo para esta renovação. Determina, em seu art. 11, que o conteúdo dos atos normativos deverá ser inteligível ao cidadão. Observa-se, a partir daí, que o princípio da publicidade possui duas vertentes: a formal, que se trata da publicação do ato, e a material, que é sua publicização.

Para se coibir a falta de clareza dos atos administrativos, o que impossibilitaria o controle da Administração pelos administrados, estes se devem valer de instrumentos processuais com a finalidade de requerer do ente público a publicização dos atos administrativos. Assim, poderá impetrar mandado de segurança, habeas data, propor ação civil pública, ação de improbidade administrativa, ação ordinária, e dispor do direito de petição e do requerimento administrativo.

Não se pode permitir, pois, que o ato administrativo seja publicado, mas ainda assim, seja secreto. O Brasil já experimentou amarga experiência deste tipo. A Administração e o administrado devem estar unidos em prol de uma necessária, mas não utópica transparência.

 

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Notas:
[i] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 21ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 39.
[ii] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3ª ed. ver. atual. ampl.. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2004, p. 20.
[iii] MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 11ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 126-127.
[iv] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 21ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 110.
[v] RE 349016/RR.
[vi] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 18ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 88.
[vii] Idem, p. 96.
[viii] KATAOKA, Eduardo Takemi. Segurança Jurídica como Direito Fundamental e as Cláusulas Gerais do Novo Código Civil Brasileiro. In: Direitos Fundamentais – estudos em homenagem ao professor Ricardo Lôbo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
[ix] BARCELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 49.
[x] PUBUSA apud Idem, p. 50.
[xi] Foi o caso do julgamento da suspensão de segurança 3902/SP pelo Supremo Tribunal Federal. Neste Caso, o relator Ministro Gilmar Mendes afirma que “prevalência do princípio da publicidade administrativa outra coisa não é senão um dos mais altaneiros modos de concretizar a república enquanto forma de governo”.
[xii] AMARAL, Antonio Carlos Cintra do. O PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 19, julho/agosto/setembro, 2009. Disponível na internet: HTTP://www.direitodoEstado.com.br/rede.asp. Acesso em: 16 de março de 2010.
[xiii] WLASSAK, Thomas. O princípio da publicidade. Considerações sobre forma e conteúdo. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/3425>. Acesso em: 23 dez. 2010.
[xiv] BINEMBOJM, Gustavo. O PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE ADMINISTRATIVA E A EFICÁCIA DA DIVULGAÇÃO DE ATOS DO PODER PÚBLICO PELA INTERNET. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 19, julho/agosto/setembro, 2009. Disponível na internet: HTTP://www.direitodoEstado.com.br/rede.asp. Acesso em: 16 de março de 2010.
[xv] Idem.
[xvi] O Constituinte Derivado Reformador admite a necessidade de acesso ao conteúdo da
informação. A Lei Complementar 95/98, reconhecendo essa obrigação, determinou em art. 11 a metodologia de construção dos atos normativos.
[xvii] HC 101109/SP.
[xviii] Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
V – divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição.
[xix] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo Federal. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 69.
[xx] Idem, ibidem.
[xxi]  Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
II – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
[xxii] Art. 21.  O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial. 
[xxiii] RT 162/59.
[xxiv] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 18ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 613.
[xxv] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 994.
[xxvi] Vale ressalvar o teor da súmula 101, do STF: “O mandado de segurança não substitui a ação popular”. Não há, ao se oferecer esses instrumentos, ofensa a este enunciado. Isso porque os objetos de cada um estão bastante delimitados: enquanto a ação popular visa combater ato administrativo ilegal que possa ofender o patrimônio público, o mandado de segurança tem por finalidade impedir ato administrativo que, por si só, seja ilegal, d’onde não proviera dano ao erário. Observa-se que há, na ação popular, dois requisitos que se complementam (ilegalidade + lesividade), sendo que o primeiro necessariamente poderá provocar o segundo. O mandamus, por seu turno, somente exige a ilegalidade (sem desconsiderar o abuso de poder, mas estes se independem mediante a conjunção alternativa “ou”) como elemento suficiente a impetração.
[xxvii] TRENNEPOHL, Terence Dorneles. Manual de Direito Ambiental. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 131.
[xxviii] Idem, p. 134.
[xxix] MENDES, Gilmar, et ali. Curso de Direito Constitucional.  5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 667.
[xxx] Idem, pp. 668-669.


Informações Sobre o Autor

Leandro Monteiro

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas


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