Violência estatal: A inutilidade da pena capital e seus aspectos discriminatórios

O tema ora abordado tem em mira demonstrar, por meio de dados científicos, a inutilidade da aplicação da pena capital no combate à criminalidade, bem como seus aspectos discriminatórios.

1- DOS SUPOSTOS DESTINATÁRIOS DA PENA DE MORTE

Desde há muito se discute a eficácia da aplicação da pena capital. Questão controversa paira, também, em torno de sua destinação. Beccaria, expoente da fase humanitária do século XVIII, em sua obra ¨Dos Delitos e das Penas¨, já questionava se essa inútil prodigalidade de suplícios seria regiamente útil num governo bem organizado. (1) Para ele, a pena de morte nada mais representa que uma “guerra da nação contra um cidadão”, em cujo absurdo reside a expressão das minorias dominantes – ávidas em defender seus próprios interesses – travestida em expressão geral de um povo. Povo esse que, ao ser manipulado por tais interesses, não se apercebe de que se torna vítima de sua falsa convicção. Para ele, não é a intensidade da pena que surte efeito sobre o espírito humano, mas a sua extensão. Assim, é puro engodo pensar que a pena capital possa coibir a criminalidade. Até porque, por mais árdua que seja a imputação penal, não terá ela o condão de impedir comportamentos frios, calculistas e até fanáticos do criminoso em potencial. Não são outras as suas palavras (in verbis):

Muitíssimos homens encaram a morte com o semblante firme e tranqüilo, alguns por fanatismo, outros por aquela vaidade, que quase sempre acompanha o homem no além- túmulo.  (2)

Nesse mesmo diapasão, ” la muerte tiene una vis atractiva de que carecen otras penas, v. gr. la prisión: sus efectos no pueden, por ello, compararse con los de las restantes penas. Vis atractiva de la pena de muerte bien conocida por el psicoanálisis. De Staub es la comprobación de que numerosos asesinatos, probablemente la mayoría, se realizam con la esperanza de morir ejecutado: la pena de muerte produce, más que intimidación, estímulo.” (3)

Resgatando as palavras de Beccaria à nossa realidade, podemos constatar a inutilidade da sanção capital como forma intimidativa, vez que muitos delinqüentes insistem em perpetrar seus crimes motivados por orgulho e fanatismo, quer no campo religioso (4), quer no campo sócio-político. É o caso do terrorista islâmico que, com orgulho e honra, explode embaixadas e centros culturais, matando vítimas inocentes, sob a alegação de agir em nome do Islã. Ou ainda no caso do louco moral citado pela psicologia criminal que perpetra o crime pela forma mais abjeta e fria, desprovido de qualquer remorso ou piedade em relação à vítima.

No Brasil, embora não se admita oficialmente a pena capital, ressalvada a sua aplicação em caso de guerra declarada, como dissemos outrora, a mídia e a população tendem a estimulá-la, em virtude do aumento expressivo da criminalidade.

Em fevereiro de 1993, o DATAFOLHA, em pesquisa realizada em 122 municípios brasileiros, constatou que a maioria dos entrevistados mostrava-se a favor da pena, somando 55% do total, contra 38% dos contrários a ela. (5)

O mero retribucionismo da pena capital não é visto apenas no Brasil mas, também, em países primeiro-mundistas. Em 1991, uma pesquisa realizada pela CNN/Gallup concluiu que dos 76% (setenta e seis por cento) favoráveis à pena de morte, 13% (treze por cento) acreditaram no seu efeito dissuasivo sobre os possíveis delinqüentes; 13% (treze por cento) à proteção social que ela oferece, e, os outros 50% (cinqüenta por cento) por fatores meramente retribucionistas (olho por olho, dente por dente). (6)

Perpassando pelas várias realidades que são peculiares a cada país, constata-se que, se o Estado é discriminatório em relação a seus concidadãos, em sua maioria pobres ou de cor, será ela aplicada de forma ainda mais discriminatória, senão vejamos. Nos países teocráticos , nos quais o direito é cingido “ à vontade de Deus ”, como no caso da Arábia Saudita, o direito à execução do condenado passa a ser um direito adquirido pelos herdeiros da vítima, os quais poderão ou não preferi-lo à determinada prestação pecuniária.

A Mauritânia, por seu turno, é também um exemplo de discriminação: em seu território o homossexualismo é punido com morte. No Iêmen, o cadáver do condenado é dependurado numa cruz como sinal de vergonha e ignomínia. (7)

Na década de 80, a África do Sul, país racista por excelência, tornou-se um grande exemplo de discriminação aos olhos da comunidade internacional: no período compreendido entre junho de 82 a junho de 83, dos 81 negros condenados por terem perpetrado crimes de homicídio contra brancos, 38 foram levados à forca; ao passo que, nesse mesmo período, apenas 01 branco, entre  52  condenados   por  terem  assassinado  negros,  foi  executado,  dada a cultura racista, dominante naquele país.(8)

No segundo e terceiro quartéis do século passado, verificou-se nos Estados Unidos, segundo números oficiais, um total de 3.853 execuções que vêm a referendar o racismo dominante naquele país, os quais, a saber, demonstramos:

 

ESTADOS UNIDOS

EXECUÇÕES EM MEADOS DO SÉCULO PASSADO

EXECUTADOS

BRANCOS

NEGROS

OUTROS

N

1.751

2.060

42

%

45,38

53,54

1,08

     Fonte: Imbert, p. 120, apud OLIVEIRA, Luciano. op. cit., p.57.

Em verdade, os números aqui demonstrados passam a ser importantes por confirmarem um certo teor de racismo, haja vista que, nesse período, a população negra estimava-se apenas em 11% do total populacional, provando que é mais comum naquele país a execução do negro por matar um branco, que a do branco por matar um negro. Ademais, esse mesmo país, que se arroga defensor da liberdade e da vida, ao tutelar bens jurídicos, procura, a contrario sensu, repelir o crime, lançando mão da institucionalização de uma prática homicida. (9)

Um relatório preparado a pedido da Secretaria de Justiça dos EUA revela que os pedidos de pena de morte por parte do Ministério Público daquele país afetam as suas minorias étnicas, de forma desproporcional. Segundo o relatório, nos 675 (seiscentos e setenta e cinco) casos de pedido de cominação da pena máxima, a população afro-americana correspondia à metade dos réus sobre os quais a pena capital deveria recair. Já os réus de raça branca correspondiam, apenas, a um total de um quarto (25%), excluídos os hispânicos. (10)

Na China, nos crimes de suborno, corrupção, tráfico de drogas e contrabando, o réu é punido com um tiro na nuca. Só no ano de 1983 procedeu-se naquele país a mais de 5.000 execuções. Entre janeiro e agosto de 1990, mais de 720 condenações. (11)

2 – DAS PESQUISAS DOS ÍNDICES DE CRIMINALIDADE NOS PAÍSES ADOTANTES DA PENA DE MORTE

Outro ponto de relevante interesse é o aumento da criminalidade nos respectivos países adotantes da pena capital. O Texas é o Estado norte-americano que mais executou desde 1976, e, justamente lá, o índice de assassinatos aumentou de 12,9 para 13,2 quando, em verdade, deveria ter decrescido. Em 1980 esses números chegaram a ultrapassar os índices, atingindo 16,9. No Canadá, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes diminuiu de 3,09 em 1975, ano em que ainda se infligia a pena capital, para 2,41 em 1980, um ano após a sua extinção. Passados 17 anos após essa extinção, o índice tornou-se ainda menor: 27% menos que em 1975, atingindo a cifra de 2,19. (12) A Antiga República Federal Alemã, onde os rigores do comunismo predominaram durante décadas, serve, outrossim, como exemplo da ineficácia da pena absoluta. As taxas mensais de crime naquele Estado, durante e depois da cominação da pena capital assim o demonstram: na Baviera, a taxa mensal durante a sua cominação era de 16, 40, com a sua extinção, reduziu-se para 9, 41; na Baixa saxônia decresceu de 17,10 para 8, 16; em Hesse de 4,12 para 1, 79; em Hamburgo de 2,37 para 1,41; em Berlim Ocidental de 2,25 para 2,05; em Bremen de 0,63 para 0,25; e, por último, em Baden de 1,13 para 0,58. Assim sendo, os sectários da extinção da pena capital alegam que, se a sua simples aplicação intimidasse, os números da violência não seriam demasiado alarmantes. A seguir, a título de ilustração, passamos a expor os números já mencionados:

 

AUMENTO DA CRIMINALIDADE NA VIGÊNCIA  DA PENA DE MORTE

TEXAS – E. U. A.

                         

ANO                ÍNDICE

1976                   12.9

1980                   16.9

Fonte: OLIVEIRA, Luciano. op. cit., pp. 17-18.

 

DIMINUIÇÃO DA CRIMINALIDADE COM A EXTINÇÃO

DA PENA DE MORTE CANADÁ

 

ANO       ÍNDICE

1975           3.09

1980           2.41

1992          2.19      (27 % menor)

 

ANTIGA   REPÚBLICA   FEDERAL   ALEMÃ

TAXA MENSAL DE CRIMINALIDADE

 

   CIDADE          DURANTE            DEPOIS

BAVIERA         16.40 9.41

BAIXA SAXÔNIA      17.10 8.16

HESSE        4.12   1.79

HAMBURGO     2.37   1.41

BERLIM  OC.  2.25   2.05

BREMEN         0.63   0.25

BADEN   1.13   0.58

Fonte: Silvio Dobrowolski, In Pena de Morte,  Apud Bonfim, op. cit. p. 183.

 

3 – DO DESEMPENHO DA JUSTIÇA NOS PAÍSES ADOTANTES DA PENA DE MORTE

Um fator de capital importância do qual não se pode prescindir é a problemática da falibilidade do desempenho da justiça. Por mais desenvolvida e avançada que seja a justiça de um Estado, ela, indubitavelmente, se concretiza pela ação humana e, como tal, jamais estará isenta de falhas praticadas por seus operadores. O erro judiciário que, ao longo dos séculos, contribuiu para condenações de inocentes, sem que esses tivessem perpetrado os crimes que lhes imputaram, merece aqui um certo destaque. Para tanto, há que se remontar ao passado e fazer um retrospecto histórico, mostrando esse falho desempenho, responsável, na maioria das vezes, pelas barbáries praticadas em nome da própria justiça.

Em 1855, o Estado do Rio de Janeiro tornou-se palco de um caso típico de erro judiciário: O fazendeiro Manoel Mota Coqueiro, cognominado de “a fera de Macabu” – assim conhecido, em virtude da acusação que lhe pesava pelo assassinato de toda uma família de rurícolas – fora condenado à forca, malgrado tenha tentado, sem sucesso, provar a sua inocência. Depois que se procedera à sua execução, verificou-se não ter sido ele o verdadeiro assassino, mas sim a sua esposa que, motivada por ciúmes, mandara executar as vítimas, tornando-se assim a verdadeira autora intelectual da chacina. Tão logo tomara conhecimento do fato, o Imperador D. Pedro II extinguiu a pena capital, comutando-a em pena de trabalhos forçados. Cumpre notar que não foi a possibilidade de erro judiciário o motivo principal da comutação da pena de morte em outras penas, como a de galés perpétuas, v.g., mas, as necessidades da economia escravista impostas na época imperial. (13)

Nos Estados Unidos, em 1927, Sacco e Vanzetti, dois anarquistas imigrantes, foram executados, depois de condenados por prática de latrocínio. Cinqüenta anos após as suas execuções, o próprio governo de Massachusetts reconheceu formalmente o seu erro.  (14)

Outro caso sui generis se deu no Estado de Indiana, E.U.A., em 1978, em que Larry Hicks, um jovem negro padecedor das faculdades mentais, fora condenado à cadeira elétrica. Em 1980, a condenação fora anulada por ter sido provado que havia sido fundamentada num depoimento falso. (15)

Na Califórnia, em março de 1957, Burton Abbot fora condenado à morte por ser acusado do assassinato de uma menor de quatorze anos. Chegada a hora da sua execução, foi-lhe concedida uma prorrogação, a fim de que seus advogados pudessem apresentar o último recurso. Malograda a tentativa, Abbot foi levado à câmara de gás. Após ter sorvido o gás mortífero, a comissão de indulto telefonou, comunicando ter mudado o parecer sobre sua condenação. Era tarde demais. Burton Abbot já havia sido executado.

Em virtude dos constantes erros judiciários, nos Estados Unidos, as execuções têm sido alvo de severas críticas. Os humanistas, hoje, passam a contestar tanto a legitimidade, quanto as modalidades da pena capital. Na década de noventa, (80%) oitenta por cento dos americanos eram a favor da pena capital; hoje, esse número não excede a (66%) sessenta e seis.

George Ryan, ex-governador do Estado de Illinois e assente defensor da pena de morte, em janeiro de 2000, decidiu suspender as execuções em seu Estado até que se formasse uma comissão incumbida de evitar qualquer erro judiciário. Foi ainda mais além: libertou (03) três condenados que estavam no corredor da morte, após verificar que foram vítimas do erro judiciário daquele Estado. Em virtude da tortura psicológica vivida durante o corredor da morte, as três vítimas poderão ajuizar uma ação contra o Estado. Para esses casos, a lei norte-americana prevê uma indenização cuja monta pode ser estimada em (U$90) noventa mil dólares. (16)

Fato notável é que, nos Estados Unidos, desde 1973 um grande número de condenados à pena capital teve sua liberdade restaurada, em virtude das constatações de erros judiciários. Algumas dessas vítimas passaram de (13) treze a (18) dezoito anos nos corredores da morte. Dentre essas, (08) oito que estavam fadadas à morte conseguiram salvar-se, provando serem inocentes, graças a testes de DNA realizados.

No Estado de Idaho, o caso Charles Fain, de grande repercussão naquele país, lamentavelmente, passou a fazer parte dessas cifras. Fain, que passou (17) dezessete anos no corredor da morte, em virtude da acusação de seqüestro, estupro e afogamento de uma menor, teve sua liberdade restaurada, depois que testes de DNA revelaram que um pêlo pubiano encontrado na roupa íntima da vítima não pertencia ao acusado.  (17)

No Texas, Estado norte-americano que mais executou, de 1983 a 1997, (07) sete condenados que já estavam nesses corredores, foram libertados, depois de se constatar que foram vitimados, inocentemente, por erros judiciários daquele Estado. (18)

Estudos dirigidos por penalistas da Faculdade de Direito da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, têm revelado constantes práticas de erros judiciários. Das 5.750 condenações à pena de morte entre 1973 a 1995, 4.578 apelações foram interpostas, em virtude dos gritantes erros cometidos pelos operadores do direito. Desse total de apelações, 68% das sentenças foram anuladas pelos tribunais, por reconhecerem a eiva de vícios processuais. Ficou constatado, ainda, que, do total das anulações, 37% resultaram da incompetência e descaso da defesa durante o processo – muitos advogados de defesa chegavam a dormir em pleno tribunal do júri durante a manifestação da promotoria -, 20% promanaram ainda das instruções errôneas dadas aos jurados por parte dos juízes; e 19% de procedimentos incorretos, quando das instaurações dos inquéritos por parte da polícia. (19)

O The Chicago Tribune, jornal de grande circulação nos Estados Unidos, divulgou dezenas de casos, suscitando várias dúvidas em relação aos processos que envolvem pena de morte, sobretudo durante as 131 execuções que se procederam durante o governo George W. Busch. Essas dúvidas pairam não só no comprometimento de provas inconfiáveis, mas, também, nos casos de depoimentos dúbios, como foi o caso, v.g., de Gary Graham, acusado de assassinato quando ainda tinha dezessete anos, em 1981. A sua sentença de morte fora consubstanciada no depoimento de (01) uma única testemunha, apesar de outras (06) seis serem ouvidas e levantarem dúvidas quanto à verdadeira autoria do crime. (20)

4 – DA MEDIDA DE SEGURANÇA SUBSTITUTIVA  DA PENA CAPITAL PARA OS“INSOCIÁVEIS” E “IRRECUPERÁVEIS”

É insustentável a tese da aplicação da pena de morte aos criminosos insociáveis e incorrigíveis. Segundo alguns juristas, a assertiva de que criminosos não podem adaptar-se à sociedade é por demais falaciosa. Nelson Hungria defende que não há criminosos incorrigíveis, mas incorrigidos ou que não se adaptaram aos meios impostos de correção. Cumpre notar, ademais, que, a reincidência não deve ser atribuída, apenas, à culpabilidade do infrator, mas à insuficiência do sistema penitenciário, que não proporciona os meios viáveis de reeducação preconizados pela lei. Em suma, o que se tem notado é a insuficiência de alguns processos correcionais ao tratamento do delinqüente. Em alguns países nórdicos, sobretudo na Dinamarca, o homicida sádico reincidente, considerado pela seara criminológica como um dos mais perigosos, é afastado do ambiente social para tratamento adequado, pelo tempo que o Estado julgar necessário.

De resto, técnicas com laborterapia podem ser aplicadas no processo de reeducação, desde que critérios de alta segurança sejam observados, podendo ser possível a restituição, em alguns casos, do apenado ao seio da sociedade.

No tocante à crítica aos gastos arcados pelo Estado na recuperação do delinqüente – argumento de que tanto os defensores da pena de morte se utilizam para defendê-la – esta já não mais procede em nossa realidade. O ônus, aqui, poderia ser parcial ou talvez inteiramente coberto pelo trabalho produtivo realizado pelo apenado, quando do cumprimento da pena. Ademais, segundo pesquisas realizadas nos E.U.A., os processos que envolvem condenações à pena de morte são tão onerosos quanto aos que envolvem crimes não comuns à pena capital, haja vista as despesas com testemunhas, peritos, médicos, recursos interpostos, materiais utilizados na própria execução etc., o que torna improcedente a afirmação de que a execução do condenado pouparia o erário público.

5 – DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

De um lado, temos os apologistas da pena de morte; doutro, aqueles que a recusam, mostrando cada um os seus respectivos prismas. Os que a advogam, prelecionam a sua aplicação para os casos em que o delinqüente seja considerado irrecuperável, e, desde que seja patente a autoria do crime. Há, ainda, aqueles que a pontificam por vislumbrarem em sua aplicação um forte poder de intimidação para o criminoso em potência. Para esses, ainda, a vida é um fenômeno eminentemente social, de modo que, quem não está apto a conviver em sociedade deve ser eliminado.

Diante de tais assertivas indagamos: o que se entende por irrecuperabilidade? Quais os critérios utilizados para aferi-la? O que significa conviver harmoniosamente em sociedade? O que significa ser um criminoso em potência? Todos estes termos são discutíveis.

Àqueles que nela vislumbram um forte poder de intimidação, as estatísticas revelam totalmente o contrário. Ademais, se a pena capital exercesse um forte poder de intimidação ou de contenção do crime, os grandes espetáculos de matança oficial em estádios de futebol ou praças públicas nos países que a executam, há muito surtiriam efeito. Quando, em verdade, a realidade se nos apresenta outra: homicídios, tráfico de drogas e armas, contrabando, corrupção etc., continuam a ser praticados à larga nesses principais países que a adotam.

Aos que advogam a eliminação por completo do criminoso, por ele constituir um mal à sociedade, indagamos: se a pena de morte fosse adotada em nosso país para crimes comuns ou de responsabilidade, recairia ela sobre todos os delinqüentes, indistintamente, ou apenas sobre a massa que está na base da pirâmide social (negros, pobres, analfabetos, desempregados, destituídos de poder econômico ou influência)? O nosso sistema prisional não já nos mostra essa realidade? Mesmo se a pena capital pudesse ser cominada a todos os infratores, não seria paradoxal a sua imposição, em virtude de a Constituição defender a vida como um bem inaliénavel, defendendo a integridade do ser humano?

Ao revés de se eliminar o condenado, não seria melhor que o Estado adotasse uma política criminal mais eficiente, sem ter que dar como resposta à sociedade um engodo para mascarar a sua fraqueza em dirimir os próprios problemas por Ele causados?

Se a função primordial da pena caracteriza-se pela possível reeducação do delinqüente, para que ele possa retornar ao seio da sociedade, resta induvidoso ser a pena de morte, não apenas um mero engodo, uma mera farça, mas, sobremaneira, um mero instrumento de arbítrio de um Estado arcaico, cuja força principal centra-se no saudosismo retribucionista, como garantia de uma falsa paz e controle sociais, disfarçados de medo e terror, incapazes de controlar ou suprimir os crescentes índices de criminalidade.

 

NOTAS:
 (1) “… em uma monarchia bem regulada … em que ha forcas para prender os Réus, e carceres para os-reter; em que ha todos os meios prontos e faceis de por o criminoso em estado d’impotencia de mais nos-fazer mal: não ha necessidade alguma de passar à sua destruição total…” (cf. CRUZ, Guilherme Braga. O Movimento Abolicionista e a Abolição da Pena de Morte em Portugal. In Pena de Morte, Colóquio Comemorativo do Centenário da Abolição da Pena de Morte em Portugal, cit., p. 465, apud MARQUES, Osvaldo Henrique Duek. op. cit., p. 67; respeitada a ortografia vigente à época); Rousseau, conquanto sendo favorável à pena de morte, defendia que (in verbis): “… a freqüência dos suplícios é sempre sinal de debilidade ou negligência dos governos.” (cf. ROUSSEAU, Jean – Jacques. Do Contrato Social. Tradução de Pietro Nassetti, São Paulo: Martin Claret, 2000, p. 46.) (grifo nosso).
(2) BECCARIA, Cesare Bonesana, Marquesi de.1738-1794. Dos Delitos e das Penas. (clássicos). São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 97.
(3) SANTOS, Marino Barbero. Pena de Muerte. (el ocaso de un mito) Buenos Aires: Depalma, 1985, p. 24, apud MARQUES, Osvaldo Henrique Duek. op. cit., p. 73.
 (4) A título de exemplo, mencionamos o caso do terrorista  norte-americano Timothy Mc Veigh, ex-combatente da Guerra do Golfo, responsável pelo atentado a bomba em 1995, que destruiu um edifício em Oklahoma, culminando na morte de 168 pessoas. De acordo com a versão do terrorista, a causa principal que o levara a cometer o atentado foi a vontade de vingança em relação a uma operação governamental, em 1993, contra integrantes da sede do Ramo Davidiano, em Waco, Texas, que culminou na morte de cerca de 90 (noventa) integrantes da referida seita. (cf. REUTERS. In http://www. info.abril. com.br/aberto/infonews, extraído em 21/07/2003, às 12h15).
 (5) CARVALHO FILHO, LUIS Francisco. op. cit., p. 68.
 (6) OLIVEIRA, Luciano. A Vergonha do Carrasco. Uma Reflexão sobre a Pena de Morte. Recife: Universitária, 2000, p. 15.
 (7) Ibidem, p. 37.
 (8) Idem, ibidem, p. 57.
 (9) Eis aqui o patente perigo de a institucionalização da pena capital ser direcionada aos excluídos da sociedade (analfabetos, pobres etc.) deixando livres da esfera punitiva estatal os que perpetram grandes crimes que afetam a sociedade de forma mais contundente ( crimes macrofinanceiros; de colarinho branco). A propósito, ” existem dados más que suficientes para concluir que los menos socio-económicamente privilegiados constituyen la maioría de los ejecutados. Surge aqui uno de los argumentos más fuertes contra la pena de muerte.” (LOPEZ-REY. Criminalidad y Abuso de Poder. Madrid: Tecnos, 1988, p. 89, apud ALBERGARIA, Jason. op. cit., p. 61). (grifo nosso).
 (10) In http://www.jt.estadao.com.br/editoriais [Extraído em 01/08/2003, às 12h15].
 (11) “ No dia 26 de junho de 2001, quando das comemorações do Dia Mundial Antidrogas, o ministro da segurança pública da China, Jia Chuunwang, cumprindo ordem de seu governo, mandou executar, nas Províncias de Yunan, Fujiam, Chonquing, Wuham e na Ilha de Hainan, 57 traficantes de ópio e heroína. ”(cf. FERNANDES, Newton e FERNANDES, Valter. Criminologia Integrada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, pp. 672-673).
 (12)   AI, 1996, p. 03; apud OLIVEIRA, Luciano. op. cit.,  pp. 17-18.
 (13) MARQUES, Osvaldo Henrique Duek. A Pena Capital e o Direito à Vida. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p. 57. “… pelo exame dos autos das comutações de penas, no Arquivo Nacional, chega-se à conclusão de que elas ocorreram também em virtude da ineficácia da pena capital diante do escravo, como prevenção geral.” (Idem, ibidem).
 (14) Ibidem, p. 62.
 (15) Ibidem, p. 64; dos 38 (trinta e oito) Estados norte-americanos que aplicam a pena de morte, 25 (vinte e cinco) continuam executando deficientes mentais. Um total de 35 (trinta e cinco) deficientes mentais já foram condenados à pena capital e executados. Consoante os dados fornecidos pelo Centro de Informação sobre a Pena de Morte (DPIC), os números dos condenados à pena capital que aguardam nos corredores da morte as suas respectivas execuções atingem as cifras de 200 (duzentos) a 300 (trezentos). (cf.Gazeta Brazilian News Corp. in http://br.share.geocities.com/hzetanoticias/penademorte/pm_r_04.htm. (Extraído em 01/08/2003, às 12h20).
 (16) DIÁRIO DE PERNAMBUCO, A9, 25/06/2000.
 (17) http://www.correiodaparaiba.com.br/mundo.htm1 [Extraído em 25/08/2001].
 (18) Ibidem, A9, 25/06/2000.
 (19) KABEL, Marcus. Reuters.In http//:www.jb.com.br/pesqjb [ extraído em 08/2002 ].
 (20) Idem, ibidem.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Admaldo Cesário dos Santos

 

Advogado em Pernambuco. Pós-Graduado em Direito Pela Universidade Católica de Pernambuco-UNICAP

 


 

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