Resumo: O artigo apresenta a atual configuração dos danos relacionados com as categorias de Wrongful Conception, Wrongful Birth e Wrongful Life, entretecendo os avanços registrados principalmente no Direito Norte-Americano e no Direito Francês. Este estudo serve de base comparativa para a análise da assistemática jurisprudência nacional, que trabalha principalmente com a responsabilidade civil decorrente de falhas em procedimentos de vasectomia e laqueadura tubária, com vistas a perceber as possibilidades de recepção dos modelos jurídicos estrangeiros, mormente no que concerne à quantificação dos prejuízos patrimoniais e extrapatrimonias sofridos pelas vítimas que trazem ao mundo crianças indesejadas.[1]
Palavras-chave: Wrongful conception – Wrongful birth – Wrongful life – vasectomia -reparação.
Abstract: This article presents the current configuration of damage related to the categories of Wrongful Conception, Wrongful Birth and Wrongful Life, entwining progress made mainly by American law and French law. This study serves as the basis for a comparative analysis of unsystematic jurisprudence, which deals mainly with civil liability for flaws in the vasectomy and tubal ligation procedures, in order to incorporate contributions from foreign legal models, especially with regard to the quantification of patrimonial and extra-patrimonial damages suffered by victims who give birth to unwanted children.
Keywords: Wrongful conception. Wrongful birth. Wrongful life. Vasectomy. Reparation.
Sumário: I-Introdução II- Novas tipologias de dano no direito estrangeiro 1.Wrongful Conception 2. Wrongful birth 3. Wrongful life III- Ordenamento Jurídico Brasileiro e a possibilidade de recepção das novas formas de indenização IV- Análise crítica da reparação por wrongful conception e uma proposta de quantificação racional para este tipo de dano V- Considerações finais
I-Introdução
O mestre francês Jean Carbonnier costumava afirmar que o direito de reparação de danos é a grande “vedete” do Direito Civil. Com efeito, o dinamismo com que novos bens tuteláveis são desvelados pela sociedade moderna acaba por implicar, inexoravelmente, discussões sobre os mecanismos mais adequados para reparar as lesões perpetradas a esses novos bens, gerando a ampliação constante do conceito de dano indenizável[2].
Exemplos bem acabados do fenômeno da ampliação dos danos indenizáveis encontramos nos casos que a doutrina norte-americana denomina de wrongful conception, wrongful birth e wrongful life[3]. As três espécies citadas lidam com o nascimento de crianças de alguma forma indesejadas.
O wrongful conception aborda os casos de casais que escolheram lançar mão de métodos para evitar o nascimento de crianças — desde os mais prosaicos, como a vasectomia e a pílula anticoncepcional, até o aborto — e, por falha médica, acabaram concebendo uma criança não planejada ou indesejada. As espécies de wrongful birth e wrongful life ganharam inegável destaque com o aperfeiçoamento dos testes genéticos e a conseqüente possibilidade dos pais terem conhecimento das possíveis deficiências físicas e psicológicas de seus futuros filhos. Esse novo conhecimento científico, aliado a métodos abortivos, permitiu o surgimento de estratégias procriativas tuteladas pelo ordenamento jurídico e cujo eventual desrespeito perpetrado pelos médicos pode, segundo a opinião de muitos juristas, gerar o dever de indenizar. A ação de wrongful life ganha contornos ainda menos habituais, pois permite que a própria criança deficiente seja a autora da ação de indenização[4].
Apesar de não utilizar taxionomia tão típica para o tratamento destes exemplos, o Direito Francês, mormente por também permitir o aborto, deparou-se com os mesmos problemas e efetuou análise não menos profunda. O “Arrêt Perruche”, julgado pela Corte de Cassação francesa, cujo conteúdo versava sobre o nascimento de uma criança deficiente que teria sido abortada caso os pais tivessem recebido um diagnóstico pré-natal correto, foi o caso mais discutido do século XXI, ultrapassando em muito o âmbito jurídico[5].
Em uma análise apressada, as conexões entre o tema do presente trabalho e o Direito Brasileiro parecem extremamente tênues, exatamente pela possibilidade reduzidíssima de hipóteses de efetivação de abortos lícitos no Brasil. Em trabalho anterior chegamos a analisar os pontos de contato entre a jurisprudência francesa sobre a matéria e as novas normas técnicas do Ministério da Saúde sobre o aborto[6].
Entretanto, a jurisprudência brasileira mostra-se fértil em julgados que abordam a temática de filhos indesejados, na maioria dos casos resultado de métodos contraceptivos equivocadamente realizados, como a vasectomia e a laqueadura tubária. Portanto, apesar de não apresentar manifestações jurisprudenciais tão ricas como as encontradas no direito estrangeiro, o ordenamento nacional já reclama sistematização, pois a doutrina pátria não se aprofunda sobre o tema[7].
No segundo capítulo trabalharemos — baseados na taxionomia proposta pela doutrina norte-americana, mas com profundas contribuições do ordenamento francês — as características, pressupostos, evolução histórica e atual estágio das espécies de responsabilidade civil que são objeto deste trabalho. O terceiro capítulo será dedicado ao estudo da incipiente produção doutrinária e da já relativamente substancial produção jurisprudencial pátria. No quarto capítulo serão efetuadas relações entre as possibilidades do ordenamento brasileiro e os sofisticados métodos de quantificação de danos utilizados no direito norte-americano, a fim de criar um modelo prospectivo de aplicação do wrongful conception ao cenário nacional.
II- Novas tipologias de dano no direito estrangeiro
As espécies de indenização referidas no título do presente trabalho já são fruto de uma escolha do autor, pois não há consenso na nomenclatura utilizada pela doutrina e jurisprudência norte-americanas. Pode-se afirmar que a única hipótese sobre a qual não há qualquer controvérsia é o wrongful life, pois a unanimidade de autores concorda que nesses casos teremos sempre o nascimento de uma criança deficiente que ocupará, normalmente representada por seus pais, o pólo ativo da ação de indenização movida contra o médico ou contra o hospital[8].
A controvérsia, portanto, restringe-se ao wrongful conception e ao wrongful birth. Alguns autores, como Michael Murtaugh, utilizam-se do termo wrongful birth para denominar todo e qualquer tipo de ação movida por pais de filhos indesejados, podendo estes nascer sadios ou com alguma deficiência grave[9]. Por outro lado, Darpana Sheth representa outra tendência doutrinária, que acredita que a designação wrongful birth deve ser empregada apenas para os casos de pais que deram à luz crianças deficientes. Nesses casos, os médicos normalmente deixam de efetuar o diagnóstico preciso sobre as condições do feto, retirando dos pais a possibilidade de abortamento. Para os casos em que os pais simplesmente não queiram ter filhos, mas estes acabem por nascer saudáveis, o wrongful birth não seria utilizado. A autora ainda apresenta uma subdivisão para esses casos: quando o erro médico ocorre por falhas na contracepção, como na hipótese de uma cirurgia de vasectomia mal realizada, utilizaríamos a designação wrongful conception e a designação wrongful pregnancy usaríamos para os casos do nascimento de crianças sadias em que o erro médico aconteceu após a concepção, como ocorre nas falhas em procedimentos abortivos[10][11].
Kathleen Mahoney, em aprofundado artigo sobre a nomenclatura utilizada pela jurisprudência norte-americana, reafirma a falta de consenso reinante na área, mas concorda com a tendência majoritária de considerar que o wrongful conception normalmente envolve gravidez não planejada, falhas contraceptivas por parte dos médicos e o posterior nascimento de uma criança “saudável”, enquanto o wrongful birth normalmente envolve gravidez planejada, falha médica no período pré-natal, falha em testes genéticos e o posterior nascimento de uma criança deficiente[12]. A autora ainda identifica, efetuando a conexão com os Estados americanos correspondentes, três correntes jurisprudenciais específicas.
Em Minnesota e na Carolina do Norte, as cortes utilizam um conceito amplo do termo wrongful conception, admitindo que este termo abranje questões envolvendo falhas em testes genéticos e o conseqüente nascimento de crianças deficientes. Importante notar que Minnesota impõe impedimento legal para a ação de wrongful birth, enquanto que a Carolina do Norte concretiza o mesmo impedimento por intermédio da jurisprudência de sua Suprema Corte, aceitando somente a ação de wrongful conception. Entretanto, para esses dois Estados, o fator determinante para caracterizar o wrongful birth é que o dano requerido pela vítima seja a perda da oportunidade de abortar o feto. Assim, admite-se a reparação do dano nos casos em que o nascimento de uma criança deficiente poderia ter sido obstado por métodos contraceptivos[13]. Portanto, tendo os pais efetuado testes genéticos que erroneamente apontaram para a ausência de determinado defeito genético numa eventual prole e, deste modo, resolvido conceber a criança que posteriormente mostrou-se deficiente, poderiam intentar demanda de reparação de danos em Minnesota e na Carolina do Norte, sob a égide de um conceito amplo e pouco utilizado de wrongful conception[14].
Já os Estados de Colorado e Washington consideram como wrongful birth toda a ação que envolva o nascimento de crianças deficientes, pouco importando que esse nascimento tenha ocorrido devido a diagnósticos equivocados e à conseqüente perda da oportunidade informada de abortar o feto ou que o nascimento da criança deficiente tenha como causa a falha em métodos contraceptivos e a conseqüente perda de oportunidade de evitar uma gravidez “de risco”. Essa visão parece ser majoritária no Direito Norte-Americano[15].
Por sua vez, Indiana e Nevada tratam as específicas ações de indenização aqui abordadas sem impor nomenclatura especial, evitando qualquer tipo de “etiqueta” que poderia ser conferida a essas hipóteses de indenização[16]. Concordamos com Mahoney nas críticas dirigidas a esses Estados, tendo em vista que uma sistematização mais específica de questões tão controvertidas auxilia a uniformizar conceitos e viabilizar discussões racionais. Essa observação pode ser ainda mais importante em um sistema de direito privado como o nosso, em que as cláusulas-gerais que caracterizam o direito obrigacional brasileiro devem ser concretizadas e devem propiciar a construção de catálogo de casos específicos, conferindo um padrão mínimo de segurança jurídica[17].
A doutrina francesa, que não conta com a taxionomia tão bem trabalhada na doutrina norte-americana, serve-se de grandes decisões paradigmáticas para conseguir lançar as bases de um discurso racional e calcado nas mesmas premissas. Paradoxalmente, como veremos a seguir, os autores franceses, mesmos sem fazer parte de um sistema que tem o precedente como principal fonte de Direito, fazem referência expressa ao “Arrêt Perruche” e a outros casos semelhantes para efetuarem os seus arrazoados.
O presente trabalho utilizará a taxionomia majoritariamente encontrada no direito norte-americano.
1. Wrongful Conception
Em 1934, a Suprema Corte de Minnesota foi provocada a julgar o caso Christensen v. Thornby, em que um casal requeria reparação pelos custos advindos da segunda gravidez da esposa, gerada pelos equívocos médicos verificados no procedimento de uma vasectomia que falhou ao não deixar o cônjuge varão estéril. A referida vasectomia, conforme restou comprovado nos autos, havia sido recomendada pelos médicos porque a segunda gravidez geraria grande risco para a vida da esposa. Este primeiro caso enfrentado pelos tribunais norte-americanos foi julgado improcedente, pois se verificou que o interesse jurídico tutelado pela vasectomia era a vida da esposa e, como a segunda gravidez acabou transcorrendo de maneira normal, não havia dano a ser reparado[18].
Vinte e dois anos mais tarde observou-se o segundo caso envolvendo wrongful conception: Shaheen v. Knight foi julgado na Pennsylvania e também foi considerado improcedente. Entretanto, aqui se encontra um fundamento novo, pois o tribunal considerou que o nascimento de uma criança, em qualquer hipótese, deve ser considerado um “evento abençoado”, colocando-se fora da moldura do conceito de dano indenizável.
Essa tendência negativa em relação ao wrongful conception somente foi invertida em 1967, dez anos após o caso Shaheen, pela Corte de Apelação da Califórnia, no caso Custodio v. Bauer[19]. O tribunal californiano decidiu que a falha do médico em esterilizar o autor da demanda era suficiente para gerar o dever de indenizar todos os danos em relação de causalidade com essa falha. O suporte dos magistrados da Califórnia para sobrepujar os dois claros precedentes encontrava-se em um julgado da Suprema Corte dos Estados Unidos: Griswold v. Connecticut, de 1965.
O caso Griswold explicitamente consagrou o direito da mulher a usar contraceptivos e a efetuar um consciente planejamento familiar, contrariando os argumentos encontrados no caso Shaheen, que asseverava que a procriação é o grande objetivo do casamento[20]. Posteriormente, em 1973, a mesma Suprema Corte julgou o paradigmático caso Roe v. Wade, consagrando a constitucionalidade do aborto e reafirmando a autodeterminação feminina em relação à constituição de descendência[21].
O caso Roe serve como pedra de toque de toda a sustentação constitucional das espécies de reparação de dano tratadas neste artigo, mas especificamente para o estudo do wrongful conception sua importância destacada está no fato de ter explicitamente negado o argumento de que o nascimento de uma criança é, em qualquer circunstância, um “evento abençoado”. Destarte, as razões da decisão possuem argumentos que ressaltam poder a maternidade ou a prole adicional impor uma vida estressante à mãe, pois a criação de uma criança pode ser causa de verdadeiro perigo para a sua saúde física e mental[22].
As premissas estabelecidas pela Suprema Corte dos Estados Unidos vêm iluminando a jurisprudência americana, mas sem jogar pá de cal sobre o assunto. Nove Estados americanos promulgaram leis proibindo a reparação por wrongful conception ou restringindo a reparação de algum aspecto dos danos normalmente reparados nessa espécie de responsabilidade civil. Bastante ilustrativo é a legislação promulgada em 1988 pelo Estado da Pennsylvania, que proíbe qualquer ação movida com base no argumento de que uma pessoa não deveria ter nascido. Como a lei trata apenas dos danos advindos do nascimento da criança, alguns tribunais conseguem tangenciar a lei, concedendo reparação pelos custos com despesas médicas e pelos desconfortos da gravidez[23].
Atualmente, pode se dizer que a maioria da jurisprudência americana aprova as ações de wrongful conception, contando com a simpatia de 32 jurisdições estaduais[24].
A situação encontrada no Direito Francês é bastante distinta. Com efeito, em 25 de junho de 1991, a Corte de Cassação francesa, seguindo a mesma linha de uma decisão do Conselho de Estado francês de 1982, julgou caso em que a imperícia médica possibilitou o nascimento de uma criança indesejada, solidificando o entendimento predominante no ordenamento francês. A Corte de Cassação manteve a decisão da Corte de Apelação de Riom, não concedendo qualquer reparação para uma jovem desempregada de 22 anos que se submeteu legalmente a um aborto, mas acabou dando à luz uma criança devido à falha cirúrgica do médico responsável, que não tomou o cuidado de verificar se o embrião havia realmente sido retirado do corpo da gestante[25].
O resultado chocou as associações de proteção aos direitos e à dignidade da mulher, comprovando, como aconteceria mais tarde com o caso Perruche, a grande repercussão social da matéria[26]
A reparação patrimonial não foi concedida sob o fundamento de que a criança poderia ter sido dada para adoção, não sendo a mãe obrigada a manter o filho e conseqüentemente arcar com suas despesas. Tampouco reparação por dano moral foi observada, sendo estatuído como princípio que “o nascimento de uma criança sempre é um acontecimento feliz”. Para aquela Corte Superior, somente um dano particular que fosse além dos ônus normais da maternidade poderia ser digno de reparação[27]. Alguns autores chegaram a afirmar que esse tipo de reparação não deveria ser concedido, pois seria aconselhável evitar o constrangimento de, futuramente, a criança ter a consciência de que seu nascimento foi considerado um “dano indenizável”[28].
Interessante notar que a Corte de Cassação, em 1991, utilizou exatamente o argumento base do caso Shaheen, de 1956, em que o nascimento da criança foi considerado, sob qualquer circunstância, um “evento abençoado”[29]. Destaca-se que assim como o direito norte-americano possuía, de forma mais destacada, o caso Roe v. Wade, desde 1973, para fundamentar o direito da mulher ao aborto e a métodos contraceptivos, fazendo com que a gestação não fosse considerada um evento inexoravelmente positivo, também o ordenamento francês conta com a lei, desde 1975, que torna a possibilidade de abortamento um direito subjetivo da gestante. Deste modo, a doutrina francesa é praticamente unânime em criticar a conduta da Corte de Cassação, tendo em vista que a lesão a um direito subjetivo reconhecido pela legislação francesa não pode deixar de ser reparado[30].
2. Wrongful birth
Conforme afirmado anteriormente, a espécie de responsabilidade civil denominada de wrongful birth normalmente envolve gravidez planejada, falha médica no período pré-natal ou falha em testes genéticos e o posterior nascimento de uma criança deficiente[31], resultando na perda da oportunidade dos pais de realizarem um aborto[32].
Os autores americanos indicam Gleitman v. Cosgrove, julgado pela Suprema Corte de New Jersey, em 1967, como a primeira decisão judicial enfrentando a problemática do wrongful birth. Em Gleitman, observamos o clássico exemplo da mãe infectada por rubéola no início da gestação que recebeu a equivocada informação, por parte de seu médico, de que o bebê não tinha riscos de nascer deficiente. Quando do nascimento, a criança apresentava retardamento mental e sérias deficiências de visão, audição e fala. A ação foi julgada improcedente, em grande parte fundada na santidade da vida e no argumento do “evento abençoado”[33].
Somente dez anos após Gleitman v. Cosgrove, observamos a atuação da Corte de Apelação de Nova Yorque[34]no caso Becker v. Swartz, na avaliação da demanda de uma mãe que ficou grávida com mais de trinta e cinco anos de idade e não foi informada pelo seu médico sobre os riscos desse tipo de gravidez, tampouco foi aconselhada a efetuar o exame de amniocentese[35]. A criança fruto dessa gravidez apresentava sério retardo, proveniente da Síndrome de Down. O tribunal considerou muito complexo conceder reparação por dano moral porque as alegrias da maternidade poderiam compensar integralmente os eventuais dissabores que o nascimento de um filho deficiente poderia gerar. Entretanto, conferiu reparação pelos custos adicionais que uma criança especial demanda, confirmando, desta forma, o primeiro caso de wrongful birth[36]. Não podemos olvidar que entre o julgamento dos casos Gleitman e Becker observou-se o paradigmático e já citado caso Roe v. Wade, julgado pela Suprema Corte daquele país, revertendo todo o olhar sobre a questão do aborto e do direito de escolha da gestante.
Essa decisão serviu para iniciar uma forte corrente jurisprudencial norte-americana que tem no caso Lininger v. Eisenbaum, julgado em 1988 pela Suprema Corte do Colorado, um dos seus mais célebres exemplos. Na espécie, os autores haviam sido equivocadamente informados pelos médicos de que a cegueira do primeiro filho não tinha causas hereditárias, fato que motivou o nascimento do segundo filho, igualmente cego. Posteriormente, ambos os filhos foram diagnosticados com um tipo de cegueira congênita e hereditária[37].
Atualmente, pode se afirmar que a corrente que admite o wrongful birth é majoritária e utiliza alguns argumentos recorrentes para justificar suas decisões, tais como evitar a negligência em testes pré-natais, preservar a autonomia nas escolhas reprodutivas dos pais e compensar os pais pelos altos custos associados com a criação de uma criança deficiente[38].
Apesar da corrente jurisprudencial majoritária contar com inúmeros doutrinadores que a respaldam[39], também há vozes que se opõem à reparação por wrongful birth[40]. A tese principal desses autores sustenta-se na discriminação contra os excepcionais que estariam no cerne da ação de wrongful birth. Essa discriminação, após o “Americans with Disabilities Act”, de 1990, seria expressamente proibida pelo ordenamento norte-americano[41]. Hensel argumenta que os benefícios pessoais que os autores podem ter em uma ação individual de wrongful birth poderiam botar em risco todos os ganhos de identidade e igualdade que a categoria dos deficientes físicos conquistou na sociedade[42]. Hensel ainda afirma que a indenização não é conferida a todos os pais de deficientes, mas apenas àqueles que estão dispostos a declarar a menor valia de seus filhos, criando, desta forma, verdadeiros bastardos emocionais. Em alguns casos, as mães levam seus filhos ao tribunal como prova, para que o júri veja a gravidade da deficiência, comprovando a sua vontade de ter efetuado um aborto[43].
O Direito Francês também teve oportunidade de enfrentar a discussão proposta pelos casos de wrongful birth. Em 14 de fevereiro de 1997[44], o Conselho de Estado julgou caso em que uma gestante de 42 anos de idade se submeteu a um exame genético para ter total certeza de que o filho não corria risco de nascer com alguma deficiência, tendo em vista que na sua idade as chances de uma anomalia na formação do feto eram muito elevadas. O exame realizado conferiu certeza de até 99% e indicou, por inquestionável erro do laboratório, que o bebê, que mais tarde viria a nascer com mongolismo, estava absolutamente saudável. Os pais da criança deficiente demandaram o hospital onde se realizou o exame e o médico responsável pelos danos decorrentes do nascimento. O Conselho de Estado conferiu como reparação material uma pensão mensal por toda a vida da criança, no valor de cinco mil francos franceses, como forma de reparar despesas com educação especial e cuidados extras que uma criança especial necessita. A título de danos morais, concedeu cem mil francos franceses para cada genitor, a fim de compensar as drásticas mudanças que adviriam em seu modo de vida.
Em 26 de março de 1996[45], a Corte de Cassação julgou dois casos que enfrentaram a mesma matéria. No primeiro, um casal procurou um médico para saber quais as chances de seus futuros descendentes sofrerem dos mesmos problemas genéticos do pai. O médico afirmou que não havia chance de transmissão da doença paterna para seus descendentes. Cinco anos mais tarde, o casal concebeu um filho que veio a apresentar exatamente os mesmos problemas que o casal visava evitar. A Corte de Cassação entendeu que havia o nexo causal entre o resultado do exame genético efetuado e a decisão dos autores da ação de indenização de ter um filho, pois nenhum dado permitia que se pensasse que aquela opção seria mantida caso o resultado dos exames genéticos fosse distinto, ou seja, apontasse chance considerável de a criança nascer com os mesmos problemas apresentados por seu pai.
Na segunda espécie, uma gestante que contraiu rubéola durante a gravidez requereu um exame para saber quais as chances de a doença aludida causar lesões ao feto. O médico responsável informou que a gestante estava imune à doença e que o bebê nasceria saudável. Um ano após o nascimento, a criança já apresentava graves seqüelas originadas pela rubéola congênita adquirida na vida intra-uterina. Esse caso ficou mundialmente conhecido como “Arrêt Perruche” e foi decisivo, como veremos no próximo capítulo, para definir a responsabilidade dos agentes pelos danos causados às próprias crianças excepcionais[46].
Assim como o Conselho de Estado, a Corte de Cassação concedeu reparação por danos patrimoniais e morais aos pais. Aqui não encontramos as divergências de opiniões doutrinárias que encontramos no item anterior e que, de maneira muito marcante, encontraremos no item sobre wrongful life. Desse modo, podemos afirmar que há considerável consenso, tanto nos tribunais como na academia franceses, em relação ao acerto em se conceder reparação para os casos de wrongful birth. O Direito Francês, contudo, mostra-se, em nossa opinião, um tanto contraditório quando indeniza o wrongful birth e nega reparação ao wrongful conception.
Como bem assevera Hermitte, os novos testes genéticos, conjugados com a possibilidade de abortamentos voluntários, ou seja, sem causas clínicas, permitiram verdadeiras “estratégias procriativas”[47]. Deste modo, pode-se afirmar que a livre escolha do planejamento familiar, mesmo que por intermédio de um aborto, parece não ser um interesse jurídico tutelado pelo Direito Francês, por outro lado, observa-se a proteção a um interesse jurídico que nos parece menos nobre, nos casos de wrongful birth.
A assertiva da autora desvela outra diferença marcante em relação aos casos que fundamentaram a argumentação sobre o wrongful birth, pois aqui os pais das crianças queriam ter descendentes, tendo a falha no dever de informar apenas aniquilado sua “estratégia procriativa”. Portanto, os pais não deram à luz filhos indesejados ou não planejados, mas apenas filhos que deveriam, de acordo com a estratégia dos pais, ter nascido destituídos de qualquer deficiência.
3. Wrongful life
O caso Gleitman v. Cosgrove, já narrado no item anterior, também é identificado pela doutrina norte-americana como termo inicial da análise do wrongful life[48]. Neste tipo de demanda, ao invés dos pais da criança excepcional requererem indenização, é o próprio deficiente, normalmente representado por seus pais, que figura no pólo ativo da ação. Aqui, portanto, a criança pede uma reparação que possa compensar a alegada miserabilidade de sua vida. A Suprema Corte de Nova Jersey, no citado caso Gleitman, assim como havia feito com o wrongful birth, rejeitou a reparação requerida pela criança deficiente, utilizando alguns dos principais argumentos usados até os dias de hoje. Destarte, um dos fatores primordiais apontados pelo tribunal desvela a dificuldade de se vencer as barreiras do nexo de causalidade, pois a falha médica, que impossibilitou os pais do requerente de efetuarem o aborto, não causou a deficiência da criança, a qual já estava na sua carga genética[49].
Em alguns casos análogos, podemos identificar o nexo de causalidade entre a ação do médico e o dano causado à criança, gerando, nesses casos, o dever de reparar. Em Walker v. Rinck, a Suprema Corte de Indiana condenou um médico a indenizar os sérios danos físicos e psicológicos causados à criança por um procedimento equivocado no momento do nascimento, envolvendo o fator RH do sangue da mãe[50]. Assim, como nos casos de wrongful life a conduta médica não causou o dano alegado, a única opção que teria o autor seria não-nascer!
A Suprema Corte do Colorado, no já citado Lininger v. Eisenbaum, coloca que para se avaliar o dano requerido pelo autor seria necessário comparar o atual valor da vida excepcional com o valor da inexistência, ou seja, o dano somente poderia ser possível se considerássemos que, para o autor, seria melhor nunca ter nascido. Essa avaliação, segundo o entendimento majoritário da jurisprudência norte-americana, é absolutamente impossível[51].
A força dos argumentos apresentados, com os quais concordamos, são responsáveis por influenciar a imensa maioria da jurisprudência norte-americana sobre wrongful life, já que apenas três Estados reconhecem a reparação deste tipo de dano[52].
A situação da jurisprudência francesa, no início do presente século, era por demais controvertida, havendo discordância entre a Corte de Cassação e o Conselho de Estado. O caminho jurisprudencial trilhado pelo já citado caso Perruche serve para demonstrar o nível da controvérsia. Em 1993, a Corte de Apelação de Paris concedeu reparação pelos danos sofridos pela Sra. Perruche, mas não concedeu indenização alguma ao recém-nascido (wrongful life), pois considerou que não havia nexo de causalidade entre os danos sofridos por ele e os equivocados procedimentos médicos. A Corte de Cassação, em 1996, cassou o acórdão da Corte de Apelação de Paris somente no que dizia respeito ao wrongful life. A Corte de Apelação de reenvio[53], de Orleans, recusou-se a acatar a determinação da Corte de Cassação, utilizando os mesmos argumentos do tribunal parisiense. Finalmente, a decisão foi censurada, em novembro de 2000, pela Assembléia plenária da Corte de Cassação, afirmando, de forma definitiva, que o menor poderia requerer reparação dos danos causados pelos médicos e pela imprecisão dos laudos laboratoriais, sufragando a tese do wrongful life.
A referida celeuma jurisprudencial foi responsável por uma das mais espetaculares reações doutrinárias, donde surgiram dois grandes grupos de opiniões contrárias, adotando os mais variados argumentos como fundamentação de suas posições[54]. Os reflexos da decisão Perruche na sociedade civil não foram menores, e a capacidade de o aludido caso despertar opiniões apaixonadas nos mais variados setores da sociedade lhe rendeu a alcunha de “affaire Dreyfus” do século XXI. A pressão social não passou despercebida pelo legislativo francês que promulgou, em 4 de março de 2002, a célebre “Lei Anti-Perruche” [55], a qual em seu art. 1 I prescreve que “ninguém pode se prevalecer de um dano decorrente do simples fato do seu nascimento”[56],
Além da mobilização social, a lei também foi fruto da manifestação decisiva da doutrina que, utilizando em grande parte os já analisados argumentos da doutrina norte-americana, rechaçou o wrongful life[57]. Entretanto, a controvérsia doutrinária é ainda acesa, contando a tese favorável ao wrongful life com autores de renome.
III- Ordenamento Jurídico Brasileiro e a possibilidade de recepção das novas formas de indenização
Em trabalho anterior chegamos a analisar os pontos de contato entre a jurisprudência francesa sobre a matéria e o Direito Brasileiro. Como os casos franceses, em sua imensa maioria, tratavam de hipóteses envolvendo abortos voluntários, as conexões com o ordenamento pátrio pareciam pouco promissoras[58]. Entretanto, as novas normas técnicas do Ministério da Saúde sobre o aborto[59], possibilitando que o procedimento fosse efetuado sem a apresentação do boletim de ocorrência comprobatório do estupro, aumentariam, em muito, segundo a opinião de alguns autores, o número de abortos no Brasil e, consequentemente, os pontos de contato com os ordenamentos alienígenas.
Com o estudo da jurisprudência norte-americana, notou-se que as espécies de responsabilidade civil estudadas poderiam ter causa em procedimentos contraceptivos permitidos e muito usados no Brasil, como a laqueadura tubária (comumente conhecida como ligadura de trompas) e a vasectomia. Mesmo sob essa nova perspectiva, ainda se observa que as hipóteses clássicas de wrongful birth e de wrongful life, por estarem vinculadas a gestações planejadas (que acabaram frustrando a “estratégia procriativa” dos pais), mantém uma dependência muito grande do direito ao abortamento voluntário encontrado em outros países[60].
Já no caso do wrongful conception — em que o grande objetivo dos autores da demanda, frustrado pelo erro médico, era ter evitado a gravidez – nota-se uma ligação evidente com os métodos contraceptivos considerados lícitos pelo ordenamento pátrio. Assim, empreender-se-á a análise dos principais exemplos jurisprudências do direito nacional, estudando de modo muito particular quais os prejuízos indenizados pelos tribunais brasileiros, bem como a sua metodologia de quantificação.
A primeira observação que se faz, ao analisar os julgados brasileiros, é que o estudioso tem ao seu dispor um número de casos bastante considerável para ser trabalhado, suficiente para que se tracem algumas nítidas tendências jurisprudenciais. Com efeito, nos oito primeiros meses de 2008, somente o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou três casos envolvendo o nascimento de crianças indesejadas originadas por problemas no procedimento de vasectomia[61].
Assim, parece-nos que o argumento seguidamente lembrado pelos norte-americanos e franceses, de que a ação de indenização poderia gerar um “bastardo emocional”, pois os pais teriam de afirmar explicitamente que não desejavam o filho concebido, não constitui barreira moral para grande parte das vítimas brasileiras.
Os casos de vasectomia e laqueadura tubária não encontram na possível dificuldade de enquadramento dos casos de wrongful conception dentro da moldura de dano indenizável a sua grande barreira para conceder indenização para as vítimas. Destarte, como esses procedimentos não são absolutamente seguros, pois apresentam uma probabilidade razoável de reversão, não se pode relacionar com absoluta certeza o nascimento da criança com uma eventual falha cirúrgica por parte do profissional de saúde[62]. Portanto, apenas uma pequena parte desses casos leva à procedência da ação de reparação, normalmente fundamentada na falha do dever de informar do médico ou da clínica médica, quando estes não informam corretamente sobre a possibilidade do procedimento cirúrgico não resultar em infertilidade absoluta[63].
Dentre as hipóteses de procedência da demanda, a jurisprudência brasileira mostra-se bastante assistemática nas modalidades de prejuízos que podem ser vinculadas ao nascimento de um filho saudável, mas indesejado. De início observa-se que — quando há a possibilidade de qualificar a conduta do réu como imputável – a jurisprudência brasileira, de maneira majoritária, não se furta em conceder reparação para as vítimas, afastando-se indubitavelmente da orientação seguida pela Corte de Cassação francesa, cuja identificação com a teoria do “evento abençoado” é absoluta.
Porém, alguns julgados brasileiros também usam o argumento do “evento abençoado”, algumas vezes para negar a existência do dano moral, outras vezes para negar a existência de dano patrimonial. No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em julgamento proferido em dezembro de 2005[64], o desembargador relator assim se manifestou,
“No que pertine ao pensionamento, entretanto, não merece vingar o pedido. O nascimento de um filho, abstraídas as circunstâncias do caso em comento, seguramente sempre causa enorme satisfação aos pais e a ordem natural da existência é a de que essa criança, com atuais três anos e meio, esteja enriquecendo a unidade familiar, além de se constituir, em tese, como provedor dos pais, na velhice destes.
O casal de agricultores, ainda que com eventuais dificuldades, vivendo em pequena comunidade do Interior do Estado, onde os parâmetros e as exigências são diferentes e menores do que na chamada “urbe”, por certo estará tendo condições de bem prover o sustento da criança. Em sentido contrário não há prova nos autos.
Ademais, não se pode admitir, em caso como o dos autos, que venha a se impor ao médico que obrou com culpa, mas sem dolo, o dever de pensionar os pais e/ou uma criança saudável.” (grifos nossos)
A verificação da concessão do dano moral, em casos envolvendo o procedimento de vasectomia, pode turvar um pouco nossa análise, pois nessas hipóteses os julgadores, com muita freqüência, identificam outro fator importante para a concessão dos danos morais: o considerável abalo no relacionamento dos pais, gerado pelas fortes suspeitas sobre uma possível conduta adulterina da gestante que engravida de marido vasectomisado[65].
As hipóteses de laqueadura tubária são mais apropriadas para a verificação da existência de dano moral pelo nascimento de um filho indesejado, o mesmo acontecendo com uma hipótese imensamente rica que assolou o Poder Judiciário brasileiro nos últimos anos: os casos de “pílulas de farinha” do muito popular anticoncepcional Microvlar. Em recente decisão, o Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu plena reparação patrimonial para os autores de uma ação de indenização pelo nascimento de um filho indesejado de uma cliente do anticoncepcional Microvlar, albergando inclusive amplo pensionamento. Entretanto, contrariando o voto do desembargador relator, o desembargador José Luiz Gavião de Almeida proferiu voto vencedor em que a teoria do “evento abençoado” foi utilizada para justificar a não concessão de dano moral. Nesse sentido o ilustrativo fragmento do voto citado,
“Não se duvida que, no caso dos autos, a gravidez não era esperada, mas pelo contrário, evitada pela autora, tanto que usava método contraceptivo. Princípio constitucional previsto no art. 226 § 7º o consagra diretriz pela qual “o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas” (Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, ed. Atlas, São Paulo, 2002, p. 683). (…)Tudo mostra que houve concepção indesejada imposta por culpa da requerida. E não se pode duvidar de inicial aflição da autora, quando da notícia de gravidez. Mas se tudo isso é verdade, não se pode falar em dano moral dessa situação decorrente. A dor, a aflição, a tristeza experimentada não pode ser superior à alegria, à felicidade do nascimento de um filho. Se assim não se entender não se pode reconhecer qualidade de pai ao ascendente biológico. Mais que isso, reconhecer tristeza dos pais na vinda do filho é garantir a este dano moral contra aqueles por desrespeito ao dever de assistência que os primeiros devem ao segundo. Nem toda dor é danosa, justificadora de reparação. A dor que sofre um pai com a criação do filho é antes regozijo. Já se disse que ser mãe é andar chorando num sorriso/ ser mãe é ter um mundo e não ter nada/ ser mãe é padecer num paraíso (Henrique Maximiliano Coelho Neto). Não se duvida da dor de ser mãe. Mas ela é compensada, e com sobras, pela vinda do filho que, por isso, não pode ser motivo para justificar dor moral. O sofrimento do torcedor durante o jogo de seu clube é compensado quando da vitória. A dor de curta duração, especialmente quando antecedente de alegria que a suplanta em intensidade, não tem preço. Por isso a necessidade, para efeitos indenizatórios, do efeito lesivo durável. Não se há de restituir a alegria pela dor sofrida pela autora se esta já se faz presente, ou ao menos é natural que isso tenha ocorrido. Com todo respeito ao posicionamento do voto vencedor, não se pode concordar com a comparação que se faz em relação ao estupro. O que choca, no caso do estupro é a violência sofrida pela mulher. E tanto essa violência é reconhecida que se permite, inclusive, o aborto. Não é o mesmo tratamento que a lei dá à gravidez involuntária decorrente da falha no método contraceptivo utilizado, tanto que não dá, nesse caso, bíll de indenidade ao aborto. Aqui não é a violência que marca a mulher, mas a quebra de promessa de quem forneceu produto que deveria ser eficaz e não foi. Por isso que, menos gravoso, se entende aplacado pela felicidade superveniente”[66].
Julgando hipótese com objeto semelhante, isto é, ação civil pública movida pela Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor contra a empresa produtora do contraceptivo Microvlar, o Superior Tribunal de Justiça confirmou o entendimento dos tribunais inferiores da procedência do pedido de condenação genérica da requerida ao pagamento de danos morais, incluindo-se no objeto da lide os direitos individuais homogêneos dos consumidores efetivamente lesados, de forma a permitir, por estes, futura execução individual da sentença. A fundamentação da condenação em danos morais, pela Ministra Relatora, Nancy Andrighi, segue abaixo explicitada,
“De forma muito breve, deve-se anotar, apenas a bem da verdade, que o produto por ela fabricado é um anticoncepcional, cuja única utilidade é a de evitar uma gravidez; portanto, a mulher que toma tal medicamento tem a intenção de utilizá-lo como meio a possibilitar sua escolha quanto ao momento de ter filhos. Nesse contexto, a falha do remédio frustra a opção da mulher, e nisso reside a necessidade de compensação pelos danos morais. O argumento da Schering, da forma irrestrita como está exposto, leva ao paradoxo de se ter uma empresa produtora de anticoncepcionais defendendo que seu produto não deveria ser consumido, pois a maternidade, ainda que indesejada, é associada à idéia de felicidade feminina.”[67]
Além das hipóteses em que o nascimento de um filho indesejado, pela utilização do argumento do “evento abençoado”, acaba privando as vítimas da reparação do dano moral ou do dano patrimonial, a jurisprudência brasileira também apresenta um número considerável de decisões que concedem reparação para ambos os prejuízos. Encontramos esses casos tanto nas hipóteses de métodos contraceptivos de viés cirúrgico, como a vasectomia e a laqueadura tubária, como nos casos das ineficazes pílulas anticoncepcionais[68]. Ilustrando essa última espécie, paradigmática é a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, que manteve a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que já havia concedido reparação integral, ou seja, pelos prejuízos patrimoniais, na forma de pensão mensal até a criança completar 21 anos de idade, e extrapatrimoniais (setenta mil reais) sofridos pela vítima. Vale ressaltar que o dano patrimonial não foi objeto do Recurso Especial, por não ter havido irresignação específica quanto ao pensionamento[69].
IV- Análise crítica da reparação por wrongful conception e uma proposta de quantificação racional para este tipo de dano.
O capítulo anterior comprovou que a reparação do wrongful conception no direito brasileiro ainda carece de sistematização. Com efeito, notamos que alguns acórdãos concedem uma reparação plena para o nascimento de filhos indesejados, incluindo danos morais e patrimoniais. Outras decisões, no entanto, utilizando-se do argumento do “evento abençoado”, acabam por concluir pela inexistência do dano moral ou, em outros casos, pela inexistência do dano patrimonial.
Como os juristas norte-americanos, com o pragmatismo que lhes é peculiar, muito discutem sobre quais os danos que podem ser identificados com a ação de wrongful conception e qual a sua correta quantificação, prestaremos particular atenção ao ordenamento norte-americano para, com o subsídio do método comparatista, tentar chegar a conclusões críticas sobre o tratamento do wrongful conception no ordenamento brasileiro.
Michael Murtaugh, em aprofundado estudo sobre o assunto, aponta 1982 como um ano decisivo para a definição da jurisprudência sobre wrongful conception nos Estados Unidos, pois nesta data foram decididos os principais casos, julgados por Estados diferentes, que servem de paradigma para as linhas jurisprudenciais encontradas até hoje naquele ordenamento[70].
Já analisamos, no segundo capítulo, a tendência majoritária da jurisprudência norte-americana em indenizar as ações baseadas em wrongful conception. Aqui passaremos a abordar as duas grandes correntes jurisprudenciais que divergem sobre variações em relação aos danos identificados com o wrongful conception. Portanto, focaremos nosso exame na maneira com que a jurisprudência estrangeira vincula prejuízos ao nascimento de uma criança saudável, mas indesejada.
Em Kingsbury v. Smith e em Wilbur v. Kerr, a Suprema Corte de New Hampshire e a Suprema Corte do Arkansas, respectivamente, julgaram casos de wrongful conception devido a problemas com métodos contraceptivos. Em Kingsbury — que analisou o caso de uma mãe de três filhos que se submeteu a uma laqueadura tubária, mas acabou engravidando do quarto filho 18 meses após o procedimento — os magistrados limitaram a indenização, entendendo que os danos que apresentavam uma conexão direta e imediata com a conduta do agente eram, além do dano moral, os custos médicos com a laqueadura tubária e a perda de rendimentos advinda com a gravidez, mas não concederam indenização pelos custos de criação da criança indesejada.
A mesma solução foi encontrada pelos magistrados de Wilbur v. Kerr, quando afirmaram que a concessão de indenização pelos custos de criação permitiria o aparecimento de um “bastardo emocional”, pois a criança, quando adquirisse maturidade, acabaria por descobrir que seus custos pessoais são pagos por terceira pessoa, tomando conhecimento de que seus pais não o desejavam[71]. O argumento do “evento abençoado” representa ponto de apoio importante para essa corrente, pois esta defende que seria uma injustiça o médico arcar com todos os custos de criação e não ter nenhum dos benefícios intangíveis que a criação de uma criança proporciona[72].
Representando outro entendimento, Ochs v. Borreli, julgado pela Suprema Corte de Connecticut, no mesmo ano de 1982, lembrou o direito de privacidade e autodeterminação indubitavelmente concedido às mulheres desde os casos Griswold e Roe, concluindo que todos os danos causados pelos médicos que desrespeitam esses direitos devem ser reparados, incluindo os custos de criação de filhos saudáveis, mas indesejados. Entretanto, a linha argumentativa encontrada no caso Ochs não negligenciou por completo o argumento do “evento abençoado” e determinou que ele deve ser levado em conta no momento da quantificação dos danos. Deste modo, os magistrados sugerem um inusitado modo de “compensação parcial” do prejuízo patrimonial sofrido pelos pais no custeio do filho indesejado com o regozijo típico que existe na criação de uma criança. É interessante que o caso Ochs não fixa os parâmetros para que essa compensação ocorra, deixando para o júri, no sistema processual norte-americano, essa delicada missão.
Atualmente, dos trinta e dois estados americanos que admitem a reparação pelo wrongful conception, apenas cinco se filiam à segunda corrente aqui apresentada, ficando a imensa maioria restrita à indenização do dano moral adicionado ao dano patrimonial gerado pelos custos dos métodos contraceptivos (cirurgia de vasectomia ou laqueadura tubária), pelos demais custos médicos e pela eventual perda de proventos durante a gravidez[73], nos moldes estabelecidos pelo caso Kingsbury v. Smith. Vale lembrar que a pensão integral capaz de cobrir todos os custos da criança somente é concedida nos casos de wrongful birth, ou seja, em casos de nascimento de crianças deficientes.
Em data mais recente, a Suprema Corte de Massachusetts julgou o caso Burke v. Rivo, concordando com os argumentos do caso Ochs. O tribunal referido explicitamente repeliu os argumentos contidos em Wilbur v. Kerr, afirmando que somente os pais da criança podem decidir se o pedido de indenização de um dano efetivamente sofrido poderá gerar algum tipo de efeito emocional negativo em seu filho, afastando, desta forma, o argumento do “bastardo emocional”. A instância máxima do Estado de Massachussetts ainda apontou a contradição contida em decisões como Wilbur v. Kerr, pois concedem a reparação de outros danos patrimoniais diretos e imediatos, que também podem fazer com que a criança um dia descubra que fora indesejada[74]. Interessante notar que um dos elementos que pode ter motivado o tribunal a desafiar a corrente majoritária foi a razão pela qual a laqueadura tubária da senhora Burke foi realizada. Destarte, a família Burke já tinha filhos e passava por uma situação de dificuldade financeira, levando a senhora Burke a ter de voltar a trabalhar. Por este motivo o procedimento contraceptivo foi efetuado, pois o nascimento de mais uma criança seria desastroso para a economia familiar.
Murtaugh ajunta que os casos de wrongful conception que efetuam a referida “compensação parcial”, propugnada em Ochs v. Borreli, tem como grande fundamento a seção 920 do Restatement (Second) of Torts[75], que prescreve que quando o dano causado pelo agente também gera um benefício para o interesse da vítima que foi lesado, o valor do benefício deve ser considerado para mitigar equitativamente o valor da reparação. O autor, contudo, acredita que a utilização deste dispositivo, da maneira como foi utilizado em Ochs v. Borreli e em Burke v. Rivo, contém algumas inconsistências, pois a seção 920 prescreve que o benefício obtido deve ser relativo ao interesse que a vítima visava proteger e que foi lesado pela conduta do agente.
Portanto, imperioso seria determinar qual o interesse que os pais visavam proteger quando lançaram mão do método contraceptivo[76]. Em 1990, a Suprema Corte de Wisconsin, no caso Marciniak v. Lundborg, respaldou o entendimento do autor, afirmando que na hipótese julgada, os demandantes queriam evitar uma gravidez para não ter o custo de uma nova criança. Portanto, a compensação parcial deve se dar com o potencial econômico que uma criança tem para seus pais[77], como a possibilidade de prestar alimentos em momento futuro. O autor também apóia o caso Hartke v. Mckelway, julgado no Distrito de Columbia, em que os custos de criação não foram indenizados, porque os pais nunca tiveram preocupações econômicas e a gravidez não era desejada unicamente pelos graves riscos que isto causaria para a saúde da gestante. [78] Parece-nos meritório o posicionamento de Murtaugh, pois acreditamos que se o bem jurídico que os pais da criança tentavam proteger não era econômico, os custos com a criação da criança, outrora indesejada, como no caso da mãe que fez laqueadura tubária simplesmente por razões de saúde, não poderiam ser encarados como um prejuízo indenizável.
Em síntese, observa-se que a jurisprudência norte-americana majoritária concede reparação por dano moral e pelos prejuízos patrimoniais relativos aos custos médicos com o parto e com o método contraceptivo ou abortivo frustrado, bem como pela diminuição dos ganhos dos pais devidos a gestação. Porém, a indenização, mesmo parcial, pelos custos de criação pertence a uma parte minoritária das decisões judiciais.
Na França, como tivemos oportunidade de observar no segundo capítulo do presente trabalho, a teoria do “evento abençoado” é utilizada para deixar os pais de uma criança indesejada sem qualquer tipo de reparação.
Em relação ao dano extrapatrimonial, concordamos com o posicionamento majoritário da doutrina francesa, que é equivalente ao posicionamento majoritário da jurisprudência norte-americana. Já nos manifestamos[79], na linha das citadas decisões do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de considerar que, mesmo admitindo a difícil hipótese de a mãe que um dia chegou a efetuar ou a tentar efetuar o aborto estar absolutamente radiante pela chegada de seu rebento, antes indesejado, exigir a prova de circunstâncias particulares, como um filho deficiente, para admitir qualquer tipo de reparação para a mãe, vítima de falha médica, representa um excesso. Em praticamente qualquer caso de aborto ou de utilização de método contraceptivo frustrado (como a vasectomia, por exemplo) podemos admitir, sem necessidade de imaginação fértil, que a gestante sofrerá alta dose de angústia até o nascimento da criança não planejada (indesejada), visto que a futura mãe, sopesando todas as peculiaridades de sua condição social, econômica e afetiva, efetivamente optou por não ter filhos ou por não ter mais filhos. Portanto, no particular julgamento realizado pela gestante, a utilização de métodos contraceptivos — direito garantido pelo ordenamento jurídico brasileiro — era a sua melhor opção, para si e para a criança indesejada que poderia trazer ao mundo. Desse modo, a negativa ilegal de implementar a legítima opção feita pela mulher representaria, sem sombra de dúvidas, angústia e abalo psíquico em intensidade para caracterizar o que nossa doutrina e jurisprudência têm considerado como suficiente para configurar o prejuízo extrapatrimonial.
Note-se que no citado caso do tribunal paulista, que utilizou o “evento abençoado” para inviabilizar a reparação por dano moral, resta complexa a verificação da utilização do mecanismo de “compensação”[80] utilizado no direito norte-americano, tendo em vista que se poderia considerar que o julgado entendeu pela própria inexistência de dano moral. Entretanto, a referida decisão comparou a situação da progenitora de uma criança indesejada com a situação de quem “padece no paraíso”, ou seja, afirmou que “nem toda a dor é danosa”. Deste modo, há o inegável reconhecimento, por parte do tribunal, da existência do padecimento ou da dor.
Nesse diapasão, a única forma de imaginar a não reparação do dano moral seria considerar que este não está relacionado com um interesse juridicamente tutelado[81]. Ora, parece-nos que a dicção do art. 226, parágrafo 7, da Constituição Federal, citado pelo próprio acórdão em comento, não deixa dúvidas sobre a legitimidade do interesse lesado pelo ato do agente, obrigando a reparação de todos os prejuízos que estiverem em relação de causalidade direta e imediata. Assim, acreditamos que a conclusão de que o dano moral possa ser “aplacado pela felicidade superveniente” nasce de uma desautorizada premissa, baseada no já desgastada fórmula do “evento abençoado”, desconsiderando a contundente argumentação contida no citado caso Roe v. Wade, bem como efetuando ilegal limitação da eficácia plena do comando constitucional referido.
Em relação aos danos patrimoniais, também estamos de acordo com a linha geral do ordenamento norte-americano. Assim, os custos médicos despendidos com procedimentos como a vasectomia ou a laqueadura tubária deveriam ser integralmente restituídos, bem como todas as despesas com parto e com a eventual perda de rendimentos que poderia afligir os pais devido aos extenuantes cuidados com um recém-nascido. Em relação ao pensionamento, amplamente concedido em alguns julgados brasileiros, principalmente nos casos envolvendo as “pílulas de farinha” do contraceptivo Microvlar, uma análise mais aprofundada se faz necessária.
Já dissemos que entendemos a possibilidade de chocar alguns juristas o fato do responsável pela má execução de uma vasectomia ser considerado imputável pelos custos de criação da criança até sua maioridade, já que esse menor, sustentado pelo agente, poderia, no futuro, até auxiliar sua mãe em caso de necessidade financeira[82]. Deste modo, chegamos a sustentar que ao menos as necessidades materiais indispensáveis para a adaptação mais imediata da mãe do filho indesejado a sua nova realidade deveriam ser suportadas pelo agente. Para sermos mais específicos, asseverávamos que todos os custos relativos aos primeiros anos de vida, como despesas com alimentação, higiene, medicação e educação deveriam ser suportados pelo agente, bem como as eventuais perdas salariais que a jovem mãe sofreria por ter menos disponibilidade para trabalhar, pois necessitaria de tempo para o cuidado com a criança. De acordo com as particularidades do caso, prejuízos adicionais poderiam ser facilmente detectados[83]. Intuitivamente, sem o conhecimento do direito norte-americano, propusemos uma certa reparação limitada, bastante semelhante à “compensação parcial” proposta por uma parte da jurisprudência dos norte-americanos.
Entretanto, parece-nos complexo, dentro dos marcos legais que regem o nosso direito de responsabilidade civil, utilizar como fundamento jurídico a “compensação parcial” conscientemente realizada pela jurisprudência norte-americana. Grande parte da argumentação utilizada anteriormente, em defesa da indenização do dano moral, pode ser aqui replicada, pois também há a evidente lesão a um interesse juridicamente tutelado e há o evidente prejuízo econômico por parte do réu.
No caso do tribunal gaúcho, igualmente citado no capítulo anterior[84], em que não houve reparação de dano patrimoniais, parece ter ocorrido real “compensação”, nos mesmos moldes efetuados pelos tribunais norte-americanos. Concordamos com o professor Murtaugh, quando, defendendo uma aplicação purista da seção 920 do Restatement (Second) of Torts, diz que a compensação deve ocorrer somente quando esta tiver relação com o interesse lesado. Portanto, também entendemos problemática a “compensação”, mesmo que parcial, de um interesse patrimonial com um benefício anímico[85].
Desta forma, seduzidos pelos conhecimentos recentemente amealhados, acreditamos que uma reparação ampla dos danos causados, incluindo um pensionamento integral pelos custos de criação da criança indesejada, seria a decisão mais correta, tendo em vista a existência, em grande parte dos casos, do nexo de causalidade certo e direto entre a conduta do agente e os custos de criação. Devemos fazer menção, uma vez mais, à necessidade de se levar em conta o interesse jurídico buscado pelos pais na efetivação do método contraceptivo, impedindo a reparação pelos custos de criação quando os pais nunca tiveram preocupações financeiras, como, por exemplo, no caso de laqueadura tubária efetuada com o intuito de prevenir uma gravidez de alto risco. Nossa propensão a propor um modelo jurídico nacional próprio para a reparação do wrongful conception, em oposição total à jurisprudência francesa e em oposição parcial à jurisprudência norte-americana, resta mais fortalecida pela evidente contradição encontrada nos sistemas estrangeiros, que optam pelo sistema aqui proposto, de reparação integral do prejuízo, somente nos casos de nascimento de filhos excepcionais (wrongful birth), consagrando odiosa discriminação[86].
Quando a ação de indenização é ajuizada contra médicos ou outros profissionais da saúde, nos casos de vasectomia e laqueadura tubária, observou-se que a tendência da jurisprudência brasileira é improceder totalmente a demanda com base no fundamento de não existência da culpa. Nos casos em que a condenação ocorre, notou-se que o fundamento normalmente reside na falta do dever de informar por parte dos médicos. Nessa hipótese, uma minuciosa análise do caso concreto deve ser realizada, pois nos parece que uma ligeira falha no dever de informar pode ser considerada como uma culpa leve que levou a vítima a suportar os altos custos de criação de uma criança. Deste modo, acreditamos que muitos desses casos poderiam preencher o suporte fático do parágrafo único do art. 944 do Código Civil, fazendo com que o médico não reparasse a integralidade dos danos sofridos pelas vítimas. É evidente que a aplicação do dispositivo aludido necessita de uma análise concreta, em caso específico, para verificar a real existência dos seus pressupostos de eficácia, quais sejam: a culpa leve por parte do profissional e a gravidade do dano sofrido pela vítima.
VI- CONSIDERAÇÕES FINAIS
As incontáveis questões complexas que envolvem o wrongful conception, o wrongful birth e, principalmente, o wrongful life, são responsáveis pela impressionante atração que essas novas espécies de danos causam na doutrina estrangeira. Com efeito, o cunho interdisciplinar contido na análise dessas espécies desafia inclusive pensadores afastados do mundo jurídico. A doutrina brasileira tem se mostrado mais tímida, mormente por acreditar que o assunto somente adquire relevância em países que apresentam a ampla possibilidade de abortos voluntários.
Com a observação de alguns métodos contraceptivos lícitos, como a laqueadura tubária, notou-se a possibilidade de vinculação estreita destes novos danos, principalmente o wrongful conception, com o Direito Brasileiro. Assim, estudou-se primeiramente os avançados debates existentes no direito estrangeiro para, valendo-se de um típico fenômeno de recepção e de circulação de modelos jurídicos, possibilitar a elaboração de um modelo jurídico-hermenêutico nacional[87]. Esse modelo, em nossa opinião, deve possibilitar uma ampla indenização dos danos advindos do nascimento de uma criança indesejada, permitindo a reparação da integralidade dos danos patrimoniais e extrapatrimonias observados.
bacharel e mestre em Direito pela UFRGS, Doutor em Direito Civil pela USP, Professor Adjunto da Universidade Federal de Santa Catarina, Professor da Escola da Magistratura Catarinense. Diretor Geral da ESA/SC
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