A Amazônia e a Soberania Nacional

O presente trabalho busca mostrar as transformações ocorridas desde o surgimento na noção de soberania até o presente momento, para tanto será realizado um paralelo entre soberania moderna e a possível Internacionalização Amazônica.

1. Introdução

Conflitante e passível de questionamentos a noção de soberania é histórica e constitui na atualidade um obstáculo a ser transposto, para que se concretize o processo de integração dos tratados e das organizações supranacionais.

Conciliar sua soberania e resguardar seu patrimônio ambiental tem sido um dos conflitos vivenciado pelo cidadão brasileiro, manter-se soberano e integrado aos Estados Internacionais é uma barreira a ser vencida pelo Estado Nacional.  E para que isso ocorra será necessário um remodelamento na política interna do país para que se comece a combater seus distúrbios de soberania primeiro, internamente para depois se consolidar como um Estado com Soberania Externa.

2. Aspecto histórico de Soberania

Ao conceituar-se soberania muitos são os obstáculos a serem vencidos. Em sentido lato, o conceito de soberania remete-nos ao  poder político de mando em última instância. Em sentido estrito, o termo soberania aparece, no final do século XVI, ao termino da era medieval em que o poder de mando repartia-se entre reinos e feudos, para entrar na era moderna, em que se constitui o Estado atual, em que cada Estado é soberano e independente, não reconhecendo outro poder que lhe seja superior.

Nessa acepção existe a soberania externa e interna. Externa não considerando a interferência de outros Estados em suas decisões e interna não permitindo que dentro da sociedade haja um poder superior ao seu. A soberania é vista como um alicerce do Estado. É inerente à sua própria idéia.

Um dos grandes impedimentos para se chegar a um acordo de conceitos sobre soberania está em estabelecer a sede desse poder soberano. Segundo Bodin1 este poder encontra-se nas mãos do rei, como um poder absoluto, ilimitado e incontrastável. No entanto, para o autor de Contrato Social a soberania funda sua sede no povo e encontra na soma do poder atribuído a cada membro o poder soberano. Mas não acabam por aqui as dificuldades em conceituar soberania, desde que se aceite o caráter absoluto nos termos da concepção de Bodin.

A soberania era concebida por Bodin como o poder supremo sobre os cidadãos e súditos, independente das leis. Ou seja, o poder absoluto e perpétuo de república ou reino, ilimitado no tocante ao poder, que o soberano não reconhecesse nenhuma  autoridade superior a si mesmo, que nenhuma lei o obrigasse, salvo Deus e as leis divinas.

No século XIX constata-se a separação do conceito de soberania da pessoa do monarca. Confirmava-se a tendência democrática do povo como titular da soberania. Constituindo desta forma soberania popular e democracia faces de uma mesma moeda.  (Assim como rege a CFB em seu art. 1º Caput e é ratificado no seu parágrafo único).

3. A Soberania Restrita da atualidade

O conceito tradicional de soberania introduzido por Bodin tem sido reformulado, desde a Primeira Guerra Mundial, através dos tratados internacionais, em seu conceito clássico de soberania Bodin, pressupunha a inexistência de comunidade internacional ou de Direito Internacional Público que vinculasse os diversos Estados entre si.

Muitos fatores cooperaram para o nascimento desse conceito inovador, mas o surgimento do Direito Internacional Público foi decisório no estabelecimento deste novo conceito em que o Estado vê-se obrigado a certas adaptações, posto que nem sempre será dele a última palavra em todos os assuntos, por o estabelecimento de um vínculo político, econômico e social.

Essa visão clássica de soberania já não mais se amolda ao mundo atual. As evoluções histórica, política, social, cultural, tecnológica, etc, estão se ocupando de reformular o vetusto conceito de soberania, já não mais claro, pelo contrário, cinzento, desorientado e heterogêneo face a diversos fenômenos no âmbito internacional, a exemplo de criação de tribunais internacionais supranacionais, formação de comunidades internacionais regionalizadas, etc.

Há autores que negam a própria soberania do Estado, tendo-a como inconciliável com o Direito Internacional, no qual repousa as raízes da existência da personalidade dos Estados. Com efeito, e claro que sem tamanho radicalismo, a evolução leva a eliminação do antigo conceito de soberania. Inquestionavelmente, tem-se que o termo soberania já não guarda os elementos de outrora.

Nesse sentido não é cabível falar em redução da soberania do Estado, na medida em que este consentiu livremente em se vincular a determinada Organização por meio de tratados, comportando as atribuições especificas transferidas à organização ou entidade supranacional.

O termo tratado é genérico abrangendo todo tipo de acordo formal concluído entre Estados soberanos e Organizações Internacionais, destinados a produzir efeitos jurídicos. Assim, são espécies o acordo, ajuste, carta, compromisso, constituição, contrato, convenção, convênio, pacto, protocolo, etc.

Atualmente, nenhuma outra entidade supranacional possui maior destaque no cenário mundial que a Organização das Nações Unidas. Kofi Annan, o secretário-geral da ONU dá novos passos rumo à concretização dessa soberania relativa. Em seu mandato Annan criou uma doutrina que caracteriza claramente esse aspecto além estados conferido à ONU. A Doutrina Annan confere legalidade e legitimidade para que a ONU possa interferir nos seus Estados Membros caso haja eminente desrespeito aos direitos do homem, apelando inclusive para forças militares.

Nos dias atuais, entende-se por soberano o Estado que não se encontra em situação de dependência, jurídica ou política, em relação a outro Estado. A soberania é, assim, o atributo do poder do Estado que o torna independente no plano interno e interdependente no plano externo.

Importante é salientar que a ONU é formada por um grupo de países o qual o Brasil também é integrante, não apenas pelos EUA, e que sua intervenção em território Iraquiano não foi apenas um atentado à soberania daquele povo, mas também um descumprimento as ordens da Organização, uma vez que ela tem como preceitos o respeito aos direitos humanos e tão somente na ausência desses, ela poderá interferir.

4. “O caso real”

Existe uma grande especulação em torno da nossa floresta amazônica, onde afirmam que em um futuro próximo ela não mais será território brasileiro, contudo área de controle internacional. Chegou a circular na Internet um e-mail cujo teor constava de uma página de um suposto livro usado para ministrar aulas nos EUA que trazia em seu bojo um mapa em que a Amazônia estava desmembrada do Brasil e caracterizada como área de controle internacional. Será verdade? Diante disso onde fica nossa soberania nacional que nos caracteriza como um Estado Pleno?

No que diz respeito ao e-mail e ao hipotético mapa, constatou-se sua não veracidade, não passou de uma “brincadeira” que muito incomodou ao patriotismo do povo brasileiro.

“Brincadeiras” à parte, é notória a importância planetária da Amazônia, por sua incomensurável biodiversidade. Por isso mesmo é preciso atentar para o movimento que vêm sendo realizado por um grupo de países que propõem a criação de uma área de controle internacional abrangendo toda a região amazônica. O fundamento dessa proposta é a necessidade de preservar o patrimônio ecológico mundial e de substituir a tradicional concepção de soberania absoluta (de Bodin) pela concepção de soberania relativa (compartilhada).

Caracterizando essa tendência que não é nova, o então presidente da França em 1989, François Mitterand, diz: “O Brasil deve delegar parte de seus direitos sobre a Amazônia aos organismos internacionais competentes”.Há poucos dias atrás (maio-2005) durante um discurso o então candidato à presidência da OMC, o francês Pascal Lamy, representante da EU fez comentários que mais uma vez mexeu com o patriotismo do nosso povo ao afirmar que, a saída para a questão da Amazônia é a patrimonialização global sobre seus recursos. Diante dessa afirmação que caracteriza o interesse mundial em nosso patrimônio territorial, fica a pergunta intrínseca: e a nossa soberania, a qual faz menção o art. 1º da CFB, inc.I, ratificado no art.4º,inc. I. Onde fica?

5.   AMAZÔNIA: “ terra de todos e de ninguém”

Apesar de todo esse interesse pela Amazônia e de todo esse sentimento espontâneo de patriotismo frente o perigo eminente, essa região sofre com uma má e insuficiente gestão brasileira.

Depois de tratados e tentativas de povoamento frustradas o fantasma do descaso ainda bate às portas. Paralelamente ao interesse de potências mundiais em ter para si o território amazônico, configurou-se o desafio de manter a soberania nacional frente à expansão descontrolada de garimpos, exploração e destruição ambiental, madeireiras, o cultivo e tráfico de drogas (narcotráfico) e a possível penetração de forças guerrilheiras da Colômbia.

Um dos maiores agravantes desse problema está no reduzido número de homens que fazem a guarda de nossas fronteiras cerca de 20 mil homens do Comando Militar da Amazônia2 numa área de 5,2 milhões de km2 , se levarmos em conta que no estado do Rio de Janeiro com um espaço territorial visivelmente inferior ao do Amazonas, há  44 mil homens fazendo sua guarda, entenderemos melhor o motivo de tantos problemas na maior bacia hidrográfica do mundo.

É evidente para todos a exorbitante importância de suas bacias hidrográficas não apenas para o mundo, mas para o Brasil de forma mais restrita, uma vez que 80% da água disponível no país está na Região Amazônica, e o restante distribui-se desigualmente para o consumo de 95% da população2. Em sentido amplo 8% de toda a água doce do planeta está concentrada em nosso país.

Indispensável também é mencionar que não fossem as riquezas encontradas na Amazônia a medicina moderna não seria a mesma. E até nesse aspecto é necessário exercermos nossa soberania, pois também é público o fato que muitas de nossas espécies são contrabandeadas e patenteadas por outros países, como aconteceu como o quebra-pedra, patenteada pelo Fax-Chase Center nos EUA.

No entanto, da rica fauna e flora, que tem gerado tantos produtos para o mundo, nenhum medicamento foi produzido até hoje, pelos cientistas brasileiros para a nossa sociedade. Os grupos fortes economicamente, detentores de tecnologias, ingressam na região das mais diversas maneiras à procura desses produtos. Depois industrializam e revendem para nós mesmos com valores infinitamente altos.

Atualmente, outra ameaça a destacar é a anormal presença de numerosos estrangeiros na Amazônia. Calcula-se que ali estejam cerca de 10 mil estrangeiros não-residentes, sendo que (pelo menos) 10% são clandestinos3. São pessoas que, na maioria, não passam pelo crivo de nossas autoridades de imigração. Esse é um fator a ser considerado.

Em 27 de março de 2001, o Senado Federal instalou a “CPI das ONGs” cujo objetivo foi apurar denúncias vinculadas pela imprensa a respeito da atuação irregular de Organizações Não-Govenamentais (ONGs) em território nacional, bem como apurar a interferência destas organizações em assuntos indígenas, ambientais e de segurança nacional, sobretudo daquelas que atuam na região Amazônica.

As ONGs são entidades de direito civil, sem fins lucrativos nem vínculos com governos, sindicatos ou partidos políticos. Será mesmo? Elas atuam em vários ramos de atividade – trabalham com projetos sociais e de promoção da cidadania, defendem o meio ambiente e os direitos das minorias.

O que é necessário atentar é para o fato que tamanha generosidade internacional tem um preço, e qual será? O Brasil tem que saber. Estudos realizados por Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) detectaram 320 ONGS atuando na Amazônia, ou cerca de 1 ONG para cada 1.000 índios, dos 320. 000 levantados pela FUNAI3. É necessário uma rede de controle mais rígida sobre a permanência de estrangeiros em nossas florestas, uma fiscalização que não permita que nossa flora seja contrabandeada e que nossos animais sejam vendidos.

6. Considerações finais

Nesse momento da história torna-se fundamental que o tema da Amazônia e a soberania nacional seja amplamente discutido, a fim de que os valores já conquistados não comecem a ser esquecido.

Manter a soberania nacional deve ser uma das ações prioritárias ao Governo Federal, não apenas a evasão da soberania externa, mas também a interna, para que cada cidadão se conscientize do seu papel nessa luta, a fim de que não aconteça como outrora em que os ingleses roubaram nossas seringueiras e levaram para a Malásia.

Torna-se imprescindível termos uma espécie de critério que propicie a outras pessoas e Estados utilizarem e se beneficiarem dos recursos que dispomos, desde que haja uma contrapartida  para o povo brasileiro, amenizando dessa forma os impactos desse uso.

É necessário que o povo titular da soberania nacional seja contrário ao discurso de Lamy, que viola a soberania nacional sem que haja nenhum benefício para o Estado Brasileiro. Compete também às autoridades nacionais fazer valer seu poder de coercibilidade não de forma desmedida, mas de forma coesa, pois devastação não é só a queimada, mas a patente de produtos originários de nossa fauna e flora contrabandeados. Esse modelo de controle internacional na preservação ambiental é apenas um nome moderno dado ao colonialismo.

E que assim como no Direito que parte de um caso abstrato para normatizar casos reais, esse suposto livro mencionado outrora sirva de incentivo para que GOVERNO E CIDADÃOS BRASILEIROS não se deixem levar por algumas palavras bonitas e venda o que o país tem de mais valioso.

Que o texto constitucional não seja apenas mais um amontoado de frases sem credibilidade e respeito e que se cumpra o que ele nos remete no art. 225 em que diz: “ Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Cumpra-se o que rege sua Lei Maior no que diz respeito às relações internacionais fazendo valer sua independência nacional, assim como a prevalência dos direitos humanos.

Independente do valor que se possa agregar a Amazônia, é a credibilidade do Brasil como Estado organizado e como Estado internacional que está em jogo. Que os órgãos de defesa não permaneçam desaparelhados e sem estímulo. E que se busque um ponto de equilíbrio entre a preservação ambiental, desenvolvimento econômico, controle político e manutenção da soberania nacional, para que ela realmente seja exercida pelo povo como enuncia o parágrafo único do art.1º da CF.

 

Notas:
1. Dicionário de Política, p. 1179
2. www.exercito.gov.br
3. www.resenet.com.br/ahimtb/ongsamazonia.html
 
Referências bibliográficas
BONAVIDES, Paulo. A Soberania.In: ______. Ciência Política. 10ª ed. revista, atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.p. 122-132.
BOBBIO, Noberto et al.Dicionário de Política. 5ª ed. V.2 L-Z. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado. p. 1179-1188, 2000.
Disponível em: < site: // www.exercito.gov.br/04maoami/ecologia/0021106. htm >. Acesso em: 16 maio 2004.
Disponível em: < site: // www.resenet.com.br/ahimtb/ongsamazonia.html >. Acesso em: 18 maio 2004.
Disponível em: < site: // webthes.senado.gov.br/bin/gate.exe >. Acesso em: 18 maio 2004.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Emilleny Lázaro da Silva Sousa

 

Acadêmica de Direito – CEULP/ULBRA/TO

 


 

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