A licitação pública foi criada com o objetivo de impor uma forma de restrição à Administração Pública, a fim de que esta não possa contratar livremente, tendo em vista a preservação do princípio da igualdade de todos para contratar com a Administração e também o princípio da moralidade. O Pregão se insere como a nova modalidade de licitação. É isso que será demonstrado.
1. Introdução
A Administração Pública tem um papel fundamental na sociedade que é o de atender aos interesses da coletividade. Nesse sentido, vários instrumentos foram criados para tornar essa finalidade uma realidade eficaz, embora o que se vê, na prática, é o mau uso da Administração Pública para atender, principalmente, os interesses pessoais daqueles que estão em um patamar de hierarquia superior.
A licitação pública foi criada assim para impor uma forma de restrição à Administração Pública, a fim de que esta não possa contratar livremente, a seu bel prazer, tendo em vista que se deve preservar o princípio da igualdade de todos para contratar com a Administração e também o princípio da moralidade, que será desrespeitado se verificar comportamento que, embora de acordo com a lei, ofenda à moral, os bons costumes e a idéia comum de honestidade.
Hoje no ordenamento jurídico a licitação é um gênero que se subdivide em várias modalidades: concorrência, tomada de preços, convite, concurso, leilão, todas têm características próprias e se destinam a determinados tipos de contratação . A lei licitatória, Lei n.º 8.666, de 21/06/93, no § 8.º, do art. 22, veda a criação de outras modalidades ou a combinação daquelas ali arroladas. Entretanto, a medida provisória n.º 2.182-18, editada em 23/08/2001, instituiu, no âmbito da União, uma nova modalidade denominada Pregão.
O objeto do presente artigo é justamente essa nova modalidade de licitação. Aqui será abordado o seu conceito, a sua aplicabilidade e os seus efeitos na Administração Pública, analisando também o pregão eletrônico, modalidade esta que está causando conforto aos profissionais da área por verificarem estes a sua eficiência, como se demonstrará no decorrer do artigo.
2. Licitação pública
Segundo Hely Lopes Meirelles[1], a licitação é um procedimento administrativo mediante o qual a Administração seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Desenvolve-se por meio de uma sucessão ordenada de atos vinculantes para a Administração e para os licitantes, propiciando igual oportunidade a todos os interessados e atuando como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos, conforme enfatiza Hely Lopes.
Há uma preocupação em se aprimorar cada vez mais o procedimento licitatório e por isso a licitação está sujeita a alguns princípios, os quais, se descumpridos, descaracterizam o instituto e invalidam seu resultado seletivo. São eles: procedimento formal; publicidade de seus atos; igualdade entre os licitantes; sigilo na apresentação das propostas; vinculação ao edital ou convite; julgamento objetivo; adjudicação compulsória ao vencedor; probidade administrativa. Aqui não se farão maiores explanações sobre esses princípios, mesmo porque o objeto principal do artigo é o pregão, a finalidade aqui é fazer uma panorâmica sobre o procedimento de licitação.
3. Pregão: conceito e funcionalidade
Apesar da Lei Licitatória n.º 8.666/93, vedar a criação de outras modalidades de licitação ou a combinação delas, a medida provisória n.º 2.182-18/2001, instituiu, no âmbito da União, uma nova modalidade denominada Pregão. Só que a referida lei vedava a criação de outras modalidades de licitação, salvo se introduzidas por outra norma geral. Foi aí que a Lei 10.520, de 17/07/2002, converteu a medida provisória em norma geral, determinando também a sua aplicação aos Estados, Distrito Federal e Municípios, o que acabou por dispensar estas entidades de editarem leis próprias sobre a matéria[2].
O pregão é a modalidade de licitação para aquisição de bens e serviços comuns em que a disputa pelo fornecimento é feita em sessão pública, por meio de propostas e lances, para classificação e habilitação do licitante com a proposta de menor preço. Sua grande inovação se dá pela inversão das fases de habilitação e análise das propostas, onde se verifica apenas a documentação do participante que tenha apresentado a melhor proposta.
Além disso, a definição da proposta mais vantajosa para a Administração é feita por meio de proposta de preço escrita e, após, disputa por lances verbais. Após os lances, ainda pode haver a negociação direta com o pregoeiro, no intuito da diminuição do valor ofertado.
Diversamente das demais modalidades de licitação, o pregão pode ser aplicado a qualquer valor estimado de contratação, de forma que constitui alternativa a todas as modalidades. Uma outra peculiaridade sua é que ele admite como critério de julgamento da proposta somente o menor preço.
A recém-implantada modalidade de licitação denominada pregão vem suscitando inúmeras dúvidas a todos aqueles que direta ou indiretamente atuam perante o vasto campo das licitações e bem conhecem os infindáveis percalços que este procedimento pode apresentar.
Mas o pregão já vem sendo utilizado com sucesso por algumas entidades e empresas, a exemplo da Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações, desde sua genérica previsão na Lei nº 9.472, de 16/7/97 (Lei Geral das Telecomunicações), tendo sido posteriormente regulamentado, por resolução expedida por aquela Agência reguladora, que, em suas notas técnicas, vem divulgando os benefícios da adoção do sistema de pregão. Marcello Palmieri[3] esclarece que em 52 licitações realizadas entre 1998 e 1999, cujo objeto era a contratação de bens e serviços, a Agência conseguiu reduzir em 34% os preços iniciais propostos pelas empresas licitantes, na medida em que é admitida a possibilidade de serem ofertados lances verbais após o efetivo conhecimento das propostas dos concorrentes que acorreram ao certame.
Segundo Marcello Palmieri[4], em termos monetários, a Anatel esperava gastar R$ 36,4 milhões com os contratos, alvo dos 52 pregões, que receberam uma proposta de R$ 36,5 milhões por parte dos fornecedores. Ao término dos pregões de viva-voz, entretanto, os valores contratados totalizavam R$ 27,1 milhões, situando-se R$ 9,3 milhões abaixo das estimativas da Agência.
O que se verifica com isso é que um dos principais benefícios que a modalidade pregão trouxe para a Anatel foi uma considerável economia financeira, além de ter agilizado as efetivas contratações, na medida em que é um procedimento marcado por maior celeridade e por um prazo de publicidade mais curto entre a publicação do aviso e a apresentação das propostas.
3.1. Bens e serviços comuns
Como já referido acima, o Pregão é a modalidade de licitação para aquisição de bens e serviços comuns, diferentemente das outras espécies de licitação que são estabelecidas em função do valor do objeto licitado. Mas o que é considerado bens e serviços comuns?
Pelo art. 1º, § 1º, da Medida Provisória nº 2.026/2000, são considerados bens e serviços comuns “aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado”. Mas esse conceito legal é insuficiente, tendo em vista que, em regra, todos os bens licitados devem ser objetivamente definidos, em descrição suscinta e clara, de acordo com o que preceitua o art. 40, I, da Lei 8.666/93.
Marcello Palmieri[5] enfatiza que:
todos os objetos e serviços que a Administração Pública necessita podem e devem ser objetivamente definidos no ato convocatório, de modo que simplesmente por essa conceituação não teremos condições de saber o que pode e o que não pode ser licitado por pregão.
A própria Medida Provisória admite que possui uma definição carente do que são bens e serviços comuns, na medida em que contém expressa disposição, no sentido de que o regulamento disporá sobre os bens e serviços comuns (art. 1º, § 2º).
De acordo com Hely Lopes[6], o que caracteriza os bens e serviços comuns é sua padronização, ou seja, a possibilidade de substituição de uns por outros, mantendo-se o mesmo padrão de qualidade e eficiência. Isto afasta, segundo ele, os serviços de Engenharia e todos aqueles que devam ser objeto de licitação nas modalidades de melhor técnica ou de técnica e preço, pois no Pregão o que é levado em consideração é o fator preço e não o fator técnico.
Palmieri[7] ressalta que a Anatel, ao regulamentar a Lei nº 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações), estabeleceu uma definição sobre os objetos que poderão ser licitados por intermédio dessa nova modalidade, ilustrando a conceituação com alguns exemplos:
Consideram-se bens e serviços comuns aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital por meio de especificações usuais no mercado, tais como peças de reposição de equipamentos, mobiliário padronizado, bens de consumo, combustíveis e material de escritório, bem assim serviços de limpeza, vigilância, conservação, locação e manutenção de equipamentos, agenciamento de viagem, vale-refeição, digitação, transporte, seguro-saúde, entre outros.
Verifica-se que inúmeros são os objetos passíveis de serem licitados pelo pregão, o que torna inviável qualquer tentativa de se estipular, num rol taxativo e fechado, uma enumeração de quais bens e serviços podem ser contratados por essa nova modalidade.
O Anexo II, do Dec. 3.555, de 08/08/2000, alterado pelo Dec. 3.693, de 20/12/2000, regulamenta a matéria, relacionando os bens e serviços comuns. Importante frisar que essa lista é apenas exemplificativa, servindo para orientar o administrador na caracterização do bem ou do serviço comum.
3.2. Fase interna do pregão
O pregão possui uma fase preparatória que se passa no âmbito interno do órgão ou entidade responsável pela aquisição dos bens ou serviços desejados. Esta fase tem início com o ato de autoridade competente pelo qual justifica a necessidade de contratação, define seu objeto, as exigências de habilitação, os critérios de aceitação das propostas, as sanções por inadimplemento e as cláusulas do contrato, com a fixação dos prazos para o fornecimento.
Trata-se, segundo Hely Lopes[8], da motivação do ato administrativo inicial do procedimento licitatório, a qual, diante dos requisitos impostos pela lei, transforma-se em elemento vinculante do mesmo, cuja ausência dá lugar à nulidade de todo o procedimento.
A definição do objeto deverá ser precisa, suficiente e clara, afastando-se as especificações irrelevantes e desnecessárias. Os elementos indispensáveis para a definição do objeto deverão constar de um termo de referência e do respectivo orçamento, considerando os preços praticados no mercado, a descrição dos métodos, a estratégia de suprimento e o prazo de execução do contrato, conforme determina o Dec. 3.555/2000.
A autoridade competente designará, então, dentre os servidores do órgão ou entidade, o pregoeiro – que será o responsável pela condução do pregão – e a respectiva equipe de apoio, que o auxiliará no recebimento das propostas, analisando a sua aceitabilidade e examinando os documentos da habilitação.
3.3. Fase externa do pregão
Esta fase se inicia com a convocação dos interessados por aviso no Diário Oficial da União e facultativamente, por meios eletrônicos (Internet) e em jornais de grande circulação. Esse aviso deve conter a definição do objeto e a indicação do local, dias e horários em que poderá ser lida ou obtida a íntegra do edital e poderão ser recebidas as propostas. Esse prazo não poderá ser inferior a oito dias úteis.
O julgamento, conduzido pelo pregoeiro, é feito em uma única sessão. A ele cabe receber o envelope com as propostas de preços, sua abertura e classificação, os lances, a análise de sua aceitabilidade e classificação final, como já frisado, bem como a adjudicação do objeto do certame ao vencedor. Como o pregão é uma modalidade de licitação de menor preço, as propostas que não preencherem esse requisito são automaticamente desclassificadas.
Na etapa de habilitação, com a abertura do envelope contendo a documentação do autor da proposta classificada em primeiro lugar, procura-se verificar primeiro quem venceu a etapa comercial para depois conferir os documentos de habilitação do vencedor. Com isso, suprime-se tempo precioso despendido no exame da documentação dos concorrentes que foram eliminados no julgamento das propostas. Se o vencedor não for habilitado, de acordo com as exigências do edital, será verificada a documentação do segundo classificado, e assim subseqüentemente.
Quando é proclamado o vencedor da licitação, contra essa decisão só poderá ser interposto recurso se o licitante interessado manifestar sua decisão de imediato, sendo-lhe concedido o prazo de três dias para apresentação das razões, ficando também intimados, em igual prazo, os demais licitantes para a apresentação das contra-razões.
4. Pregão eletrônico
O Pregão Eletrônico é uma modalidade de licitação fundamentada nos termos da Lei Estadual 14.167 de 10/01/2002 e regulamentada pelo Decreto 42.416 de 13/03/2002, visando a aquisição de bens e serviços comuns por meio da utilização de recursos de Tecnologia da Informação, ou seja, por meio de comunicação pela Internet.
Tendo em vista esta nova modalidade, e visando a modernização de seus processos de licitação, a COPASA – Companhia de Saneamento de Minas Gerais implementou essa ferramenta, objetivando uma maior transparência nos processos, melhores condições de negociação, redução de custos e mais agilidade em suas contratações[9].
O Pregão eletrônico é operado através do site da COPASA MG em páginas específicas, onde os licitantes, previamente credenciados, apresentam suas propostas e disputam mediante oferta de lances o fornecimento do objeto da licitação[10].
O procedimento do Pregão eletrônico segue as regras básicas do pregão comum, mas deixa de ocorrer a presença física do pregoeiro e dos participantes, tendo em vista que as comunicações são feitas por via eletrônica.
O Estado de São Paulo já deu início à operação dessa nova modalidade[11]. O primeiro órgão a utilizar o pregão eletrônico no estado foi a Secretaria de Estado da Saúde. O novo sistema beneficia principalmente as micro e pequenas empresas, visto que é um processo mais simples e barato, que facilita o acesso das empresas no mercado das compras públicas.
Alguns profissionais da área consideram o pregão como um leilão às avessas, onde vence o proponente que oferece melhor preço e qualidade. Ele possui três fases: preparatória, externa e competitiva. Na primeira, a autoridade competente justifica a necessidade da contratação, define prazos para fornecimento e designa o pregoeiro e a equipe de apoio. Na segunda, os interessados são convocados para definição do dia e horário do pregão. Na última, acontece o pregão.
Segundo reportagem na Revista Consultor Jurídico[12], a Administração Pública Federal já treinou cerca de 3 mil pregoeiros e instituiu uma escola virtual para capacitação dos servidores no sítio do ComprasNet, onde 150 pregões eletrônicos podem ser realizados simultaneamente. Até agosto de 2002, o Governo Federal já havia realizado cerca de 6 mil pregões, com mais de R$ 2 bilhões em valores adquiridos e economias de desembolso da ordem de R$500 milhões.
Quem mais se beneficia com essa nova modalidade de licitação é a sociedade, pois no Governo Federal, todos os lances e acontecimentos de um pregão são registrados em atas eletrônicas no endereço do Comprasnet, que podem ser consultadas por qualquer cidadão interessado. Não só a sociedade, mas também as micro e pequenas empresas se beneficiam com a implantação do pregão eletrônico.
A página do Pregão paulista[13] na Internet oferece informações como legislação, editais-padrão, composição de custos e serviços, catálogo de materiais e informações sobre o sistema de apoio aos pregoeiros.
Segundo ainda, a Revista Consultor Jurídico[14], no Governo Federal, a modalidade também não está atrelada a limites de valor e os bens de informática podem ser comprados por pregão, além de serviços de limpeza e vigilância. Estimativas do governo indicam que o pregão pode reduzir custos em até 25%. Além disso, enquanto o processo comum leva até 120 dias para ter resultado, no pregão o resultado é instantâneo. Em caso de recurso, o órgão responsável analisa apenas os documentos da vencedora, e não mais os de todas as concorrentes.
5. Considerações gerais
Os excelentes resultados obtidos pelo Pregão estão motivando a Administração Pública no sentido de adotar essa nova modalidade de Licitação, especialmente após a edição da Lei 10.520/2002., uma vez que o Pregão se destaca sobremaneira pela sua expressiva contribuição para a racionalização, a economia, a agilidade e a transparência das licitações.
Para sua utilização é necessária a habilitação dos servidores designados para o exercício da função de Pregoeiro, em conformidade com o que dispõe o Decreto 3.555/2000: “Somente poderá atuar como Pregoeiro o servidor que tenha realizada capacitação específica para exercer essa atribuição”.
Leandro Felipe Bueno[15], Procurador do Estado da Bahia, observa o intuito do Governo Federal em simplificar o procedimento licitatório com a criação desta nova modalidade, o pregão. Possa esta ser uma opção a mais no sentido de se coibir a burocracia que grassa em nosso País em sede da administração pública.
Importante ressaltar que essa nova modalidade de licitação não obriga a Administração a realizá-la toda vez que desejar obter um bem ou serviço de interesse comum, ela pode optar por qualquer outra modalidade, desde que atenda o interesse público. O Pregão é mais uma opção que a lei lhe concede, pois da leitura do art. 1.º da Lei 10.520/2002, depreende-se que o Pregão “poderá” ser adotado como forma de licitação para a aquisição de bens e serviços comuns.
Na prática, o que realmente se observa é a eficiência e, principalmente, a economia obtida com a realização do Pregão, modalidade está que está sendo procurada cada vez mais pela Administração Pública.
No Estado de São Paulo, dentre o grande número de pregões realizados, pode-se verificar uma economia de mais de 50% com a sua realização, em determinada área, como a Secretaria da Procuradoria, dentre outros setores, como o da Secretaria de Educação que teve uma economia de 33,20 % com a realização do Pregão[16].
[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 266.
Informações Sobre o Autor
Fernanda Holanda de Vasconcelos Brandão
Mestre e Doutoranda em Ciências Jurídicas pela UFPB. Professora da UFPB e UNIPÊ