A assistência em saúde vem evoluindo não só no aspecto tecnológico, como também no que se refere aos recursos humanos como bem observam Maria José Schmidt e Taka Oguisso: “Mesmo porque, hoje, a complexidade da assistência à saúde requer o concurso de muitos profissionais de áreas diferentes para atuarem coletivamente em função do paciente.” (O Exercício da Enfermagem sob o Enfoque das Normas Penais e Éticas. in: LEGISLAÇÃO EM ENFERMAGEM – Atos Normativos do Exercício e do Ensino de Enfermagem. Elaine Franco dos Santos et alii, São Paulo: Editora Atheneu, 1997, p. 287). No mesmo sentido vai Gilberto Baumann de Lima: “Mais do que nunca, as atividades dos profissionais de saúde se caracterizam por uma multidisciplinaridade, obrigando cada segmento a ser permeável em relação às suas conclusões sobre o estado e o tratamento do paciente.” (IMPLICAÇÕES ÉTICO-LEGAIS NO EXERCÍCIO DA ENFERMAGEM. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos Editora, 1999, p.42). O Enfermeiro vem cada vez mais se destacando neste atendimento multiprofissional em serviços de saúde aos pacientes. Isto tem acarretado uma exposição maior do seu atuar nos casos em que haja dano ao paciente no atendimento em saúde que este recebe. Com isto há possibilidade de ser responsabilizado por seus atos na atuação junto ao paciente, com repercussões legais que podem se situar na área jurídica da responsabilidade civil. Apresentamos aqui uma revisão dos aspectos legais da sua responsabilidade civil que podem ser valorizados pelos tribunais brasileiros, quando por ocasião da análise nestes de danos causados aos pacientes pelo Enfermeiro.
São Enfermeiros os que são citados na Lei nº7.498 (Dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem e dá outras providências), de 25 de junho de 1986, em seu artigo 6º, verbis: “São enfermeiros:
I – o titular de diploma de Enfermeiro conferido por instituição de ensino, nos termos da lei;
II – o titular do diploma ou certificado de Obstetriz ou de Enfermeira Obstétrica, conferido nos termos da lei;
III – o titular do diploma ou certificado de Enfermeira e a titular do diploma ou certificado de Enfermeira Obstétrica ou de Obstetriz, ou equivalente, conferido por escolas estrangeiras segundo as leis do país, registrado em virtude de acordo de intercâmbio cultural ou revalidado no Brasil como diploma de Enfermeiro, de Enfermeira Obstétrica ou de Obstetriz:
IV – aqueles, que, não abrangidos pelos incisos anteriores, obtiverem título de Enfermeiro conforme o disposto na alínea “d” do art. 3º do Decreto nº50.387, de 28 de março de 1961.”, e os que são relacionados no Decreto nº94.406, (Regulamenta a Lei nº7.498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o exercício da enfermagem, e dá outras providências.), de 8 de junho de 1987, em seu artigo 4º, que tem exatamente o mesmo texto, ipsis litteris, que o artigo 6º da Lei nº7.498/86.
O Enfermeiro pode ter assim descrita sua introdução no atendimento em saúde em nossa sociedade: “A Enfermagem moderna foi criada a partir de 1860, quando Florence Nightingale (1820-1910) fundou a primeira escola de Enfermagem, em Londres, a qual baseava-se na ciência, na arte e no ideal. Ela expandiu-se por todo o mundo, chegando ao Brasil em 1923, graças ao esforço de Carlos Chagas, então diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública, que implantou os moldes da Enfermagem nightingaleana através da Escola de Enfermagem Ana Nery. Nestes mais de 70 anos da Enfermagem brasileira, a profissão teve necessidade da criação de leis que regulamentassem seu exercício, e também, um pouco mais tarde, seu ensino.” (Elaine Franco dos Santos et alii, LEGISLAÇÃO EM ENFERMAGEM – Atos Normativos do Exercício e do Ensino da Enfermagem. São Paulo: Editora Atheneu, 1997, p.V)
No “Preâmbulo” da Resolução do Conselho Federal de Enfermagem – COFEN nº160, de 12 de maio de 1993 – Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, lê-se: “A enfermagem compreende um componente próprio de conhecimentos científicos e técnicos, construído e reproduzido por um conjunto de práticas sociais, éticas e políticas que se processa pelo ensino, pesquisa e assistência. Realiza-se na prestação de serviços ao ser humano, no seu contexto e circunstâncias de vida.”, que expressa com clareza a missão do Enfermeiro em nosso contexto social. No mesmo sentido vai o artigo 1º, do CAPÍTULO I, dos PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS, do mesmo Código de Ética, verbis: “A Enfermagem é uma profissão comprometida com a saúde do ser humano e da coletividade. Atua na promoção, proteção, recuperação da saúde e reabilitação das pessoas, respeitando os preceitos éticos e legais.”. E, adentrando no terreno da responsabilidade do Enfermeiro, diz mais o Código de Ética do Profissional de Enfermagem, no CAPÍTULO III, DAS RESPONSABILIDADES, em seu artigo 16, verbis: “Assegurar ao cliente uma Assistência de Enfermagem livre de danos decorrentes de imperícia, negligência ou imprudência.”, indo ao encontro dos artigos que, entre outros, regulam a responsabilidade civil do Enfermeiro no ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam, o artigo 186 (“Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.) e o artigo 951 (“O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho”.), ambos do nosso Código Civil brasileiro. Sem dúvida, a norma jurídica, artigo 951, ao usar o vocábulo “paciente” em seu texto, incluiu o Enfermeiro no seu campo de aplicação legal.
O Código de Ética do Profissional de Enfermagem e o Código Civil brasileiro, através de seus dispositivos caracterizam ser necessária a presença de culpa no agir do Enfermeiro, através da presença da imprudência, da imperícia ou da negligência no seu agir profissional para que se caracterize um ilícito civil passível de responsabilização judicial do Enfermeiro pelos danos que venha a ter sofrido um paciente. No mesmo sentido vai o Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei nº8.078, de 11 de setembro de 1990, Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências), que no artigo 14, em seu parágrafo 4º, diz: “A responsabilidade dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”. O profissional liberal, no escólio de Oscar Ivan Prux, é entendido como: “Assim, precipuamente, conclui-se serem os profissionais liberais uma categoria de pessoas, que no exercício de suas atividades laborais, é perfeitamente diferenciada, pelos conhecimentos técnicos reconhecidos em diploma de nível superior, não se confundindo com a figura do autônomo.” (RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROFISSIONAL LIBERAL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1998, p.107). E, nos diz mais, o mesmo Oscar Prux: “A responsabilidade civil dos profissionais liberais é tradicionalmente ligada à teoria subjetiva fundada na culpa.” (op. cit., p.181). E, o Enfermeiro é um profissional liberal, como nos ensina Taka Oguisso: “Em 1940, o Decreto-Lei nº2.381, de 9 de julho de 1940, aprovou o Quadro das Atividades e Profissões para registro das associações profissionais e o enquadramento sindical e dispôs sobre a constituição dos sindicatos e das associações sindicais de grau superior. O enfermeiro, como as parteiras (obstetrizes) estavam classificados como profissionais liberais, incluídos neste quadro.” (Entidades de Classe na Enfermagem. in: LEGISLAÇÃO EM ENFERMAGEM – Atos Normativos do Exercício e do Ensino de Enfermagem. Elaine Franco dos Santos et alii, São Paulo: Editora Atheneu, 1997, p. 283). Ainda é Taka Oguisso quem nos relata, que a profissão Enfermeiro após um período afastada do quadro do Ministério do Trabalho dos profissionais liberais foi reincluida neste: “A reinclusão do enfermeiro entre os profissionais liberais do referido quadro foi obtida após inúmeras dificuldades em 1962, pela Portaria nº94, de 27 de março de 1962, assinada pelo então Ministro do Trabalho André Franco Montoro.” (op. cit., p. 2). O artigo 577, da “CLT – Consolidação das Leis do Trabalho” (Decreto – lei nº5.452, de 1º de maio de 1943, “Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho”), tem como anexo um “quadro de atividades e profissões”, onde sob o título CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS, consta nos GRUPOS, na 21ª posição: ENFERMEIROS, evidenciando o registro na legislação trabalhista da inclusão do Enfermeiro como profissional liberal (Costa, Armando Casimiro; Ferrari, Irany; Martins, Melchiades Rodrigues, CLT-LTR – 2000. 26.ed., São Paulo: LTr Editora, 2000, p. 135). Portanto, como se depreende, também, do escólio de Gilberto Baumann de Lima: “A responsabilização dos profissionais de saúde por problemas ocorridos durante o tratamento dado aos pacientes é de caráter subjetivo, dependendo da prova de culpa do profissional, culpa essa que pode se manifestar em três formas: imperícia, negligência e imprudência.” (op. cit., 1999, p.85), a demonstração da culpa, no agir do Enfermeiro, é fundamental na responsabilização civil pelos danos porventura causados a um paciente.
Averiguar a culpa no agir do Enfermeiro, implica em aplicar em juízo na avaliação de prejuízo causado a um paciente os princípios doutrinários da responsabilidade subjetiva (teoria da culpa). E, essa culpa, ou seja, a responsabilidade subjetiva, Rui Stoco nos ajuda a entender, dizendo: “Quando existe intenção deliberada de ofender o direito, ou de ocasionar prejuízo a outrem, há o dolo, isto é pleno conhecimento do mal e o direto propósito de o praticar. Se não houve esse intento deliberado, proposital, mas o prejuízo veio a surgir, por imprudência ou negligência, existe a culpa (stricto sensu).
Na culpa ocorre sempre violação de um dever preexistente, se esse dever se funda num contrato, a culpa é contratual: se no preceito geral, que manda respeitar a pessoa e os bens alheios (alterum non laedere), a culpa é extracontratual ou aquiliana.” (RESPONSABILIDADE CIVIL E SUA INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL. 4.ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p.66-67). Para complementar o entendimento da responsabilidade subjetiva é útil o que nos transmite Marcelo Leal de Lima Oliveira: “Assim, para que determinada pessoa seja obrigada a indenizar o prejuízo causado a outrem, por sua atitude, é necessário que esta tenha emanado de sua consciência, ou seja, que tenha sido intencional, caracterizando o dolo; ou ainda que esta pessoa tenha descumprido seu dever de bom pater familiae (tradução do autor: bom pai de família) agindo, com negligência, imprudência ou imperícia (culpa).” (RESPONSABILIDADE CIVIL ODONTOLÓGICA. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2000, p.49). E, diz mais Marcelo Leal de Lima Oliveira, nos fornecendo os três elementos necessários para caracterizar, em juízo, a responsabilização do Enfermeiro pela Teoria da Culpa (responsabilidade subjetiva): “Assim para que surja o dever de reparar o dano, necessário se faz que o ofendido faça a prova da ocorrência de três requisitos fundamentais:
a) ação culposa do ofensor;
b) a existência do dano;
c) o nexo de causalidade entre a ação culposa do ofensor e o dano causado à vítima.
Ausente um destes requisitos, cuja prova compete ao ofendido inexiste o dever de indenizar.”, (op. cit., p.49) que são, doutrinariamente e jurisprudencialmente, os mesmos critérios utilizados para os demais profissionais liberais.
Nos ensina René Savatier que: “La faute est l’inexecution d’ún devoir que l’ágent pouvait conaitre et observer.” (TRAITÉ DE LA RESPONSABILITÉ CIVILE EM DROIT FRANÇAIS – Civil, Administratif, Professionnel, Procédural. 2.ed., Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1951, Tomo I, p.5), ou seja, em tradução do autor: “A culpa é a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar.”. A culpa em sentido restrito, ou seja, alguma de suas modalidades (imprudência, negligência ou imperícia) tem que estar presente no agir do Enfermeiro para que este seja responsabilizado por um dano ao paciente. A imprudência caracteriza-se por uma comissão, uma precipitação, um ato intempestivo, irrefletido, destituído da cautela necessária para aquela situação profissional. A negligência, manifesta-se por uma omissão, uma abstenção, aos deveres que uma situação exigir uma inação, inércia, indolência, preguiça psíquica. A imperícia, por sua vez, seria um agir sem conhecimentos técnicos adequados ou com utilização equivocada dos seus conhecimentos técnicos, uma falta de habilidade, uma incompetência profissional.
Entre o Enfermeiro e o paciente se estabelece uma relação contratual, um contrato. Há um inadimplemento deste contrato quando o Enfermeiro deixa de cumprir com a obrigação de meios (o jurista francês René Demogue, no início do século XX, classificou, doutrinariamente, as obrigações, objetos dos contratos, em de meios e de resultado) que é o objeto deste contrato entre ele e o paciente. Sobre a obrigação de meios nos ensina Maria Helena Diniz: “A obrigação de meio é aquela em que o devedor se obriga tão-somente a usar de prudência e diligência normais na prestação de certo serviço para atingir um resultado, sem, contudo, se vincular a obtê-lo. Infere-se daí que sua prestação não consiste num resultado certo e determinado a ser conseguido pelo obrigado, mas tão-somente numa atividade prudente e diligente deste em benefício do credor. Seu conteúdo é a própria atividade do devedor, ou seja, os meios tendentes a produzir o escopo almejado, de maneira que a inexecução da obrigação se caracteriza pela omissão do devedor em tomar certas precauções, sem se cogitar do resultado final. (CURSO DE DIREITO CIVIL BRASILEIRO. V.7, Responsabilidade Civil, 10.ed., São Paulo: Editora Saraiva, 1996, p. 194). A obrigação de resultado, tem como característica que o contratado se compromete com a obtenção de um resultado específico – o objeto contratado é determinado. Esta obrigação só estará adimplida, cumprida, se for alcançado integralmente o resultado específico avençado. A relação do Enfermeiro com o paciente tem, pois, natureza contratual, ou seja, as obrigações entre ambos derivam daquilo que foi consensualmete estabelecido entre as duas partes neste contrato. Poderá ser, em algumas ocasiões, extracontratual, quando derivar a relação da imposição de norma legal do ordenamento jurídico brasileiro, ou seja uma norma do nosso direito positivo, portanto expressa em lei. Via de regra, a relação entre o Enfermeiro e o paciente é contratual através de uma obrigação de meios.
Pode, o Enfermeiro, em juízo, argüir excludentes da responsabilidade civil para eximir-se da responsabilização judicial por eventuais danos que tenha sofrido um paciente, como as previstas no § 3°, do artigo 14, da Lei 8.078/90 – Código de Proteção e Defesa do Consumidor (“– O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”) e, também, no caput do artigo 393, do Código Civil pátrio (“O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.”).
Acentue-se, pois, que pode ser elidida a culpa do Enfermeiro com a comprovação, em juízo, de uma causa diversa para o dano ao paciente, que não a sua assistência de enfermagem. Em caso de dano ao paciente, a FORÇA MAIOR ou o CASO FORTUITO (artigo 393, do nosso Código Civil) exoneram da responsabilidade civil.
Tanto no caso fortuito, como na força maior, em momento algum há atuação culposa do Enfermeiro. A força maior é considerada um acontecimento natural, acima das forças humanas, sendo impossível ao homem impedir, tanto a sua ação, como as suas conseqüências, mesmo sendo ela previsível e mesmo identificada. Mesmo que se deseje não se lhe pode resistir. Seria, pois, a força maior, um acontecimento exterior à relação entre o paciente e o Enfermeiro. Já, o caso fortuito é decorrente da conduta humana, interno à relação Enfermeiro e paciente, sendo um fato que tem como característica não ser possível, por parte dos componentes desta relação, prever e evitar. Independe a existência do caso fortuito tanto do paciente como do Enfermeiro, é um fato ocasional, não aguardado naquelas circunstâncias. É feita uma abordagem uniforme, do caso fortuito e da força maior, pelo Código Civil brasileiro, no parágrafo único do seu artigo 393, verbis: “O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”.
Tem, pois, o Enfermeiro, um tratamento pela nossa doutrina e jurisprudência, em termos de responsabilidade civil, como profissional liberal. Mas, atuar como liberal, não é a característica da atividade do Enfermeiro, como nos ensina Maria Helena Machado: “Da mesma forma, a profissão desenvolveu forte dependência do trabalho assalariado em instituições de saúde, seja no setor público ou privado, tornando-se assim, uma atividade com reduzida autonomia econômica. Poucos são os profissionais que exercem atividades de forma liberal. A manutenção de consultório não é uma rotina incorporada pelos enfermeiros.” (A Profissão de Enfermagem no Século XXI. in: REVISTA BRASILEIRA DE ENFERMAGEM. Brasília – DF, v.52, n.4, out.dez, 1999, p.594).
E a sua atividade em hospital, ou outro serviço de saúde, em caso de dano ao paciente, vai levar à responsabilização civil também do ente hospitalar. A responsabilização, na área da justiça civil, atingirá a todos que de uma maneira ou outra estejam vinculados como causadores do prejuízo – todos que tenham sido responsáveis pelo dano causado ao paciente. Como expressa em seu caput, o artigo 942, do Código Civil pátrio, verbis: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.”. Inclusive, a responsabilidade civil atingirá as pessoas jurídicas prestadoras de serviços de saúde, como hospitais e clínicas, onde o Enfermeiro exerça suas atividades, o que é determinado pela Constituição Federal brasileira, no artigo 37, em seu parágrafo 6°:
“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”. Os serviços de saúde públicos e os serviços de saúde privados (serviço público delegado às entidades privadas) serão responsáveis, civilmente, pelos prejuízos sofridos por pacientes em virtude de danos causados por Enfermeiro. Estão os serviços de saúde, entre eles os hospitais, onde labutam os Enfermeiros, sujeitos à regra que vem esculpida no artigo 932, do Código Civil brasileiro, no caput e inciso III, que diz: “São também responsáveis pela reparação civil:
(…)
III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;”. E, a Súmula 341, do STF – Supremo Tribunal Federal, complementa que:
“É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto.”. O Enfermeiro que integra quadro funcional do hospital e a pessoa física ou jurídica que mantém esta empresa de saúde, são respectivamente, preposto e preponente. Alguém prestar serviços sob as ordens de outro ou em evidente dependência funcional (técnica ou administrativa) é o suficiente para caracterizar a relação de preposição. Isto traz como conseqüência que respondam, em juízo, de forma solidária pelos danos causados aos pacientes. Isto devido à responsabilidade “in eligendo” (responsabilidade civil, ao eleger os seus funcionários, pela conduta danosa ao paciente dos mesmos na execução de suas tarefas, tanto do ponto de vista técnico como moral) e “in vigilando” (responsabilidade civil nos mesmos aspectos referidos, mas no que tange à vigilância – fiscalização – da sua correta atuação na assistência aos pacientes). Se, por um lado, o Enfermeiro, com um ato culposo, que cause dano à um paciente, leva à responsabilização do ente prestador de serviço de saúde onde desempenhe suas atividades, pela incidência das mesmas normas legais o Enfermeiro, quando funcionário – preposto – em um serviço de saúde, vai responder (responsabilidade “in vigilando” e, por vezes, até mesmo “in eligendo”) solidariamente pelos danos causados se algum subordinado seu, ou seja, preposto seu, culposamente, prejudicar à um paciente. Cabe ao Enfermeiro, até por disposições legais a chefia, e responsabilidade pelo atuar, da equipe de enfermagem, nos diversos níveis de hierarquia de um Serviço de Enfermagem. Como expressa a Lei nº7498, de 24 de junho de 1986, Dispõe sobre a Regulamentação do Exercício da Enfermagem e dá outras providências, em seu artigo 11, verbis: “O enfermeiro exerce todas as atividades de enfermagem cabendo-lhe:
1) Privativamente:
a) direção do órgão de enfermagem integrante da estrutura básica da instituição de saúde, pública ou privada e chefia de serviço e unidade de enfermagem;
b) organização e direção dos serviços de enfermagem e de suas atividades técnicas e auxiliares nas empresas prestadoras desses serviços;
c) planejamento, organização, coordenação, execução e avaliação dos serviços de assistência de enfermagem;” e, determina o Decreto nº94.406, de 8 de junho de 1987, Regulamenta a Lei nº7498, de 25 de junho de 1986, que Dispõe sobre o Exercício da Enfermagem, e Dá Outras Providências, em seu artigo 8º, quando dispõe, de maneira idêntica, ipsis litteris, ao que está redigido no artigo 11, da Lei nº7.498/86. Esta solidariedade, em termos de responsabilidade civil, do Enfermeiro com seu subordinado, pode, até, não ter a magnitude e repercussão legal daquela que se evidencia da relação de preposição entre a empresa de saúde e este mesmo subordinado, mas da análise do caso concreto, em juízo, há possibilidade de emergir a responsabilização civil do Enfermeiro em virtude das atribuições legais que lhe são atribuídas na legislação específica à sua atividade profissional.
Ao Enfermeiro também é, em termos de responsabilidade civil, atribuída responsabilidade solidária quando atua em grupos. Ou seja, em termos de responsabilidade civil de grupos, neles incluídos, frise-se, os de assistência em enfermagem, a solidariedade segue o que determina a criação doutrinária do “Princípio da Causalidade Alternativa”. Por este princípio qualquer dos membros do grupo responde solidariamente, a menos que comprove que do seu atuar e do seu agir não resultou dano ao paciente. O Código Civil brasileiro responsabiliza todos que tiveram atuação efetiva no dano que foi causado ao paciente. Neste sentido, pois, determina o nosso Código Civil no caput, do seu artigo 942, verbis: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado: e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”. É o que, também, nos ensina, e esclarece, Vasco Della Giustina: “É um grupo homogêneo, talvez um grupo permanente, que se mantém grupalmente no campo das intervenções cirúrgicas.
Sabe-se quem o integra, mas se ignora onde está a autoria em um caso concreto. Onde há relação entre o dano e a causalidade?
Nossos tribunais há mais tempo vêm resolvendo que, nestes casos, qualquer dos membros do grupo responde solidariamente, a menos que demonstre que do seu modo de atuar e do seu agir não resultou o dano.” (RESPONSABILIDADE CIVIL DOS GRUPOS – Inclusive no Código do Consumidor. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 1991, p.14). Por didático, e por suas implicações legais, transcreve-se, para complementar, o que determina no Capítulo III, DAS RESPONSABILIDADES, o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem (Resolução do Conselho Federal de Enfermagem – COFEN – 160), em seu artigo 20, verbis: “Responsabilizar-se por falta cometida em suas atividades profissionais, independente de ter sido praticada individualmente ou em equipe.”.
O Enfermeiro no exercício de sua atividade pode ser responsabilizado judicialmente por danos causados por equipamentos, materiais e substâncias que venha a utilizar no paciente. Fica, nestes casos, caracterizada a responsabilidade civil do Enfermeiro pelo fato da coisa.
Se ocorrer um dano ao paciente decorrente do uso dos equipamentos que utiliza este arcará com a responsabilidade civil. A utilização do objeto confunde-se com a tarefa executada pelo Enfermeiro no seu trabalho quotidiano. A normatização da responsabilidade civil pelo fato da coisa, encontra respaldo em nosso Código Civil no artigo 938, verbis: “Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.”. Por esta a norma, o julgador vai avaliar se subsume a conduta do Enfermeiro em um ato ilícito que demande em responsabilização civil pelo fato da coisa. Isto, naqueles casos em que algum equipamento, material, substância, ou mesmo medicação, cause um dano ao paciente submetido a um procedimento de assistência em enfermagem.
Fica claro, que a responsabilização do Enfermeiro pelos danos que porventura lhe sejam imputados, no atendimento a um paciente, serão avaliados por nossos tribunais nos termos da responsabilidade subjetiva (Teoria da Culpa), profissionais liberais que são. Entre o Enfermeiro e o paciente se estabelece uma relação contratual. Esta relação contratual se dá através de uma obrigação de meios onde o objeto jurídico é a adequada, dentro do “estado da arte” (lex artis), assistência de enfermagem.
Informações Sobre o Autor
Neri Tadeu Camara Souza
Advogado e Médico – Direito Médico
Autor do livro: Responsabilidade civil e penal do médico – 2003 – LZN