Ao que tudo indica, a delação premiada encontra a sua origem no “Acordo” de vontade entre as partes, mas, sem ser “acordo” propriamente dito, revela sua característica e como tal opera efeitos. Não pode ser considerado acordo porque envolve a decisão por uma terceira parte – o Juiz, que não participa da “negociação”. A situação da revelação dos dados existe entre o acusado, diretamente ou por seu Advogado, com o Promotor de Justiça e, ainda que com a expressa concordância por parte deste, a decisão final caberá ao Juiz, por conceder ou não algum benefício como troca.
Instituto pouquíssimo utilizado na prática, mas de enorme eficiência para a justiça penal, sua natureza decorre, entendemos, do chamado “Princípio do Consenso”, que, variante do Princípio da Legalidade, permite que as partes entrem em consenso a respeito do destino da situação jurídica do acusado que, por qualquer razão, concorda com a imputação. No Brasil, pelo teor da legislação, esta aplicação do Princípio do Consenso pode atingir aquele que colaborou eficazmente com a administração da justiça.
Há Leis diversas que prevêem a aplicação da delação premiada. Citamos como exemplos, a Lei nº 9.034/95, a Lei nº 9.613/98 e a Lei nº 9.807/99. Dentre as questões que advém da vigência de todas elas, estão a forma de aplicação e o seu alcance, mas quer nos parecer que a principal será definir eventual existência de conflito entre as normas. Apresentaremos nossas opiniões nas colunas das próximas semanas, para as quais remetemos o leitor. Interpretamos, desde logo, que cada uma destas Leis tem sede própria de aplicação, com âmbito definido. Só assim torna-se possível a coexistência de todas, cada uma para determinadas situações, conforme o alcance e o espírito da própria Lei.
Assim, a Lei nº 9.034/95, que “Dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas” deve ser aplicada nas situações em que o acusado, através de sua colaboração espontânea, leve as autoridades ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria, de fatos criminosos que não sejam aqueles pelos quais se encontra investigado ou processado – mas por outros fatos que tenham sido praticados por organização criminosa qualquer, inclusive eventualmente a que participe.
A Lei nº 9.613/98, que “Dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para o ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências”, torna-se aplicável exclusivamente para os casos em que se investigue a prática de crime de lavagem de dinheiro. Com relação aos crimes associados a lavagem, previstos nos incisos do artigo primeiro da Lei, através dessa interpretação sistemática, deverá ser aplicada, se couber, a Lei nº 9.034/95.
Já a Lei nº 9.807/99, que “Estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas e dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que tenha voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal“, ao contrário do que ocorre com a aplicação do instituto na Lei nº 9.034/95, tem âmbito de aplicação em relação aos mesmos fatos, objetos da investigação ou processo criminal, e, diferentemente daquela Lei, podem ser aplicáveis ainda que inexistente organização criminosa.
Sem pretender esgotar o assunto, veremos então, nas colunas das próximas semanas, de forma pouco mais pormenorizada essas hipóteses em que se opera o instituto de Delação Premiada na Legislação brasileira.
Informações Sobre o Autor
Marcelo Batlouni Mendroni
Promotor de Justiça/SP – GEDEC, Doutor em Processo Penal pela Universidad de Madrid, Pós-Doutorado na Università di Bologna/Italia