A[1] sociedade contemporânea é caracterizada por um contexto intrinsecamente crítico. A etimologia do termo crise indica sua definição como conflito, tensão ou modificação brusca e intensa. Indaga-se, então, qual é o momento conflituoso vivido atualmente? Qual tensão que acomete a sociedade? Que modificação brusca se encontra?
As respostas são tão difíceis quanto as questões suscitadas, mas justamente por esta razão carecem de resoluções ou, ao menos, de tentativas de respostas. Pode-se, em linhas gerais, identificar o contexto crítico principalmente no caráter paradoxal da vida humana e suas possibilidades: ao mesmo tempo em que o homem desenvolve inúmeros instrumentos (ciência, direito e trabalho) que propiciam, além da sua autonomia perante a natureza, incontáveis possibilidades de uma vida digna, enfrentam-se, por outro lado, problemas persistentes que assolam todos os segmentos sociais, gerando medo, insegurança, guerras e incertezas.
O momento conflituoso está umbilicalmente associado à crise do Estado e das formas de se organizar a sociedade. Apesar da derrocada das experiências comunistas no leste europeu, o capitalismo sobrevivente não tem conseguido oferecer soluções e modelos de Estado que assegurem uma vida digna. Pelo contrário, tem-se visto a retomada de guerras e invasões de caráter mundial, especialmente aquelas produzidas pelas políticas autoritárias e unilaterais dos Estados Unidos. À medida que a concepção hegemônica de Estado impõe um Estado Mínimo – não intervencionista – as garantias individuais e os direitos sociais são cada vez menos assegurados. Privilegia-se a liberdade em detrimento da igualdade.
A tensão decorrente da incapacidade do Direito moderno em regular eficaz e agilmente as relações sociais (Crise do Direito) é outro componente importante da crise. A efetividade das normas jurídicas, principalmente das normas constitucionais – justamente as mais importantes, tem encontrado cada vez mais obstáculos, os quais são produtos da cultura jurídica predominante, calcada no modelo jurídico individualista, formalista e patrimonialista, que não mais se adequa a atual sociedade plural, desigual e diferente. O acesso ao Judiciário tende a se restringir, em face da tensão entre o Direito e a realidade, ensejando o surgimento de juridicidades não-estatais e práticas pluralistas. Ademais, uma considerável parte da legislação existente é incompatível com a situação fática contemporânea, não possuindo, portanto, eficácia, enquanto inúmeras situações cotidianas, sem regulação, que resultam em conflitos; não, portanto, tem como ser solucionadas à luz das normas positivas.
A sociedade vive uma mudança brusca, decorrente dos avanços tecnológicos, que com a microeletrônica, robótica e tele-informática, que têm redimensionado as formas de viver globalmente. Tais adventos tecnológicos construíram um mundo altamente interligado com múltiplas possibilidades comunicativas, provocando aumento intenso das relações internacionais, como as trocas comerciais, culturais, entre outras. Imaginar que se esteja interligado instantaneamente a qualquer lugar deste planeta é indubitavelmente uma mudança brusca. O mundo do trabalho é inteiramente reorganizado, criando-se novas formas de execução e até mesmo se tem cogitado o seu fim, provocando uma Crise no Trabalho.
O conflito, a tensão e as mudanças bruscas conformam a crise, que são as circunstâncias que ocasionam a crise do Direito do Trabalho, especificamente. Destarte, pretendemos com este trabalho apresentar, em termos gerais, as concausas da Crise do Direito do Trabalho, seus reflexos e as perspectivas.
A crise do Direito do Trabalho.
Para compreender a crise do Direito do Trabalho em sua integralidade, torna-se imprescindível considerar a conjuntura econômica e social que engloba esta disciplina. Nesse sentido, a série de crises da sociedade contemporânea enseja desdobramentos nas instituições basilares, como o Estado, a Ciência e o Direito. Conseqüentemente, a crise Direito do Trabalho estará concatenada com a crise que assola a sociedade, posto que sendo o Direito uma Ciência Social Aplicada, refletirá as conseqüências das crises do Estado, da Ciência e do Trabalho. Registre-se que, tratando-se o presente trabalho de uma síntese da monografia, optamos por resumir os tópicos sobre Crise do Estado, Crise da Ciência e do Direito, primando pelo aprofundamento sobre a Crise do Trabalho.
A globalização, norteada pelo neoliberalismo, ao promover as integrações das economias mundiais, também impõe uma redução na atuação estatal. Em verdade, estabelece como diretriz um Estado-Mínimo em contraposição ao Estado-Providência. A autonomia privada ressurge com força, criticando a intervenção estatal, que segundo este pensamento, tem propiciado obstáculos para o crescimento econômico. Este contraste entre um Estado, ainda interventor, que sofre reduções, limitações e privatizações provoca uma crise particular do Estado.
Em concomitância, os estudos científicos mais profundos têm demonstrado a própria crise da ciência, especialmente porque tem apontado seus limites. A epistemologia2 pós-moderna descontroí os mitos científicos da modernidade, quais sejam: o cientificismo e a neutralidade. Vislumbra-se, portanto, uma crise nos paradigmas científicos, que caminham na direção de relativizações, na compreensão de que todo conhecimento é provisório, inconcluso e inacabado, ou seja, de que não existem verdades absolutas e tampouco a ciência, ou melhor, a racionalidade científica não possui o monopólio na produção de verdades. Tem-se a crise na Ciência, que também repercute no Direito[2].
Na seara jurídica, as discussões sobre a crise do Direito são aventadas em consideração às criticas ao positivismo jurídico e do paradigma moderno do Direito[3]. Todas estas séries de questões conduzem a crise do Direito que, além de tributária da crise da ciência, advém da crise de efetividade das normas jurídicas, resultante tanto da dificuldade de acesso à Justiça, como decorrentes da cultura jurídica moderna individualista, positivista e formalista, inclusive gerando um distanciamento e declínio das tradicionais formas legais de composição dos conflitos, em face de uma sociedade cada vez mais complexa e diferenciada.
No plano do trabalho, a fábrica pós-fordista, hegemonizada pelo modelo toyotista adota estratégias de fragmentação, heterogeneização e externalização do trabalho. Em sua essência, o toyotismo ampara-se no contexto da complexidade-diferenciação pós-moderna, para constituir-se um novo paradigma no processo produtivo. É caracterizado por ter sua produção vinculada à demanda, desenvolvimento de produtos diferenciados, adequados aos interesses e necessidades do adquirente, resultado de ação em equipe de técnicos com multifunções e especialidades. Complementa Ricardo Antunes:
O processo organizativo pós-fordista está em constante aperfeiçoamento, obtendo ganhos de produtividade em escala ascendente, por conseguinte, gerando mais riqueza. Particularmente, o toyotismo representa o sistema organizativo mais produtivo já visto e mais compatível com o contexto pós-moderno da complexidade, isto segundo os detentores dos meios de produção. Infelizmente, toda a melhoria nesses processos, especialmente o aumento de produtividade e riqueza, não tem, em contra-partida, assegurando aos trabalhadores melhores condições de trabalho ou mesmo salariais. Aliás, toda evolução da organização da produção que tem obtido aumento de produtividade não tem traduzido para o trabalhador sua contrapartida, isto é, melhoria nas condições de trabalho e vida.
Todas essas circunstâncias provocam reflexos importantes no Juslaboralismo, pois implicam redução da atuação legiferante do Estado, na redução de custos – redução de direitos e fragmentação da classe trabalhadora. De fato, o Direito do Trabalho termina sendo o direito de poucos trabalhadores. A partir de uma visão liberal, Arion Romita ilustra a crise do Direito do Trabalho como:
Inadequação dos instrumentos legislativos vigentes, imprestáveis antes às novas exigências de uma quadra econômica particularmente difícil, marcada pela recessão, pela ameaça constante do fechamento de empresas e conseqüente desemprego e pelo aviltamento do nível real dos salários, única fonte de subsistência do trabalhador e sua família. (ROMITA; 2000, p. 188).
Constata-se que as crises do Direito do Trabalho sempre estiveram correlacionadas com os momentos de crise econômica. Nesse sentido, Arion Romita (2000, p. 189) historiciza que Hugo Sinzheimer publicou artigo intitulado “A crise do Direito do Trabalho” já em 1933. Relata, também, que Polomeque Lopez caracterizou a crise econômica como “companheiro de viagem histórico do Direito do Trabalho”.
Destarte, o objetivo principal deste trabalho é caracterizar a crise do Direito do Trabalho como resultante dos reflexos de três crises que acometem a sociedade: a crise do Estado; a crise da Ciência e do Direito; a Crise do Trabalho. Identificadas, ainda que rapidamente, as causas que circunscrevem a crise no Direito Laboral (Crise do Estado, Crise da Ciência e do Direito), pode-se, então, aprofundar a analise sobre a Crise do Trabalho, bem como os reflexos da crise, e entender as perspectivas que são apresentadas.
Reflexos da Crise.
Entende-se como reflexo a reação a uma estimulação. As reações à crise do Direito do Trabalho podem ser sintetizadas no discurso da redução de custos, nas práticas flexibilizantes, na precarização do trabalho, na terceirização e na heterogeneização do trabalho.
O principal argumento utilizado para propor alterações no Direito do Trabalho é a redução de custos, que é considerada como imprescindível perante a concorrência global. Este discurso tem encontrado intenso respaldo nos países em desenvolvimento, nos quais, contrariamente, os trabalhadores ainda estão sujeitos a intensa exploração e baixa remuneração. No Brasil, é notória a alegação de que os encargos sociais impedem novas contratações, que o trabalho é extremamente oneroso, que a legislação brasileira é excessivamente benéfica. Porém, não se chega a esta conclusão quando se compara os custo do trabalhador brasileiro com de outros países.
Ainda que considerado o custo paralelo do direito do trabalho, o custo de mão-de-obra, no Brasil, mesmo integrado de todos os encargos sociais, é baixíssimo, se comparado a outros países. Segundo informações de Arnaldo Sussekind o custo da mão-de-obra no Brasil é igual a R$ 2,79, enquanto que esse mesmo custo no Japão é R$ 12,84; nos EUA de R$ 14,83; e, na Alemanha, R$ 21,50. Relevante destacar, também, que o valor do salário mínimo no Brasil equivale a US$ 75,00, enquanto que em outros países o valor é bastante superior: Itália, US$ 500,00; Espanha US$ 600,00; EUA, US$ 680,00; Canadá US$ 920,00; França US$ 1.000,00; Holanda, US$ 1.075,00; Dinamarca, US$ 1.325,00. (SUSSEKIND; 2002, p. 59)
A segunda estratégia consiste na flexibilização. Flexibilizar é o ato de vergar-se ou curvar-se perante algo ou alguém. No entanto, os defensores da flexibilização contextualizam seu sentido como apenas flexibilidade ou adaptação da norma, face à situação econômica mundial em crise e intensa concorrência. Então, a flexibilização preconiza a redução de vantagens e direitos, permitindo que o empregador, diminuindo custos, obtenha sucesso no cenário competitivo.
Outro fenômeno que tem ascendido no contexto da crise do Direito do Trabalho é denominado comumente de desregulamentação, embora se adote, neste trabalho, por ser mais adequado, cunhá-lo como precarização (FREITAS, 2001). A precarização é, de fato, a eliminação do Direito do Trabalho, uma vez que “torna o contrato e as condições de trabalho mais frágeis … tornam as empresas mais livres para contratar e dispensar empregados … retiram do Estado atribuições relacionadas a proteção trabalhista e/ou previdenciária” (FREITAS; 2001, p. 6). Desta forma, pode ser considerada uma postura mais extremada do que a flexibilização porque pretende a retirada de regulamentação, delegando para a autonomia privada o estabelecimento das condições de trabalho e sua retribuição. A título de diferenciação, a flexibilização reside na seara interna do contrato, realizando redução/adaptação dentro dos termos estabelecidos no contrato de emprego, enquanto que a precarização age na seara externa do contrato, uma vez que não assegura qualquer direito ou vantagem estabelecida no contrato, por isso é chamado de contrato precário.
A Terceirização, originada no toyotismo, fundamenta-se em argumentos de ordem técnica que sustentam uma maior e melhor produtividade, através desta forma organizativa da produção. A terceirização caracteriza-se pela presença de um intermediário entre o trabalhador e a empresa que usufrui dos serviços deste. Trata-se da sublocação, isto é, na terceirização a força de trabalho não é locada diretamente a empresa que recebe o resultado do trabalho, mas inicialmente locada a um terceiro, que subloca a uma outra empresa, que corresponde a tomadora dos serviços.
É preciso desvelar que a terceirização compreende uma estratégia externalizante. Com efeito, repassa para uma terceira a responsabilidade por uma etapa do processo produtivo, e, por conseqüência, a responsabilidade pelas obrigações trabalhistas e previdenciárias. Registre-se que também possibilita um regime de diferenciação entre os empregados diretos e os terceirizados, confirmada pela distinta representação sindical e inclusive com parâmetros salariais incompatíveis. Propicia, então, o surgimento de pequenas empresas ao redor da tomadora, sem idoneidade, incorrendo, geralmente, no inadimplemento dos créditos trabalhistas. “Mas existe outro detalhe importante. Na verdade, como vimos, o que a empresa faz é um duplo movimento. Ela expulsa o trabalhador protegido e o retorna sem proteção, seja por meio de terceirizações internas, como por meio das externas” (VIANA; 2002, p. 785)
Além destes problemas, a terceirização representa o enfraquecimento da categoria e dos sindicatos de trabalhadores, pois dificulta a organização associativa. No sistema jurídico brasileiro, o enquadramento sindical é definido pela atividade econômica predominante da empresa, que implica dizer que os trabalhadores terceirizados não têm direitos às vantagens coletivas praticadas nas empresas tomadoras dos serviços, pois seu vínculo não é com esta empresa que terceiriza o serviço, no qual ele trabalha, mas sim com uma terceira, que comumente tem como atividade econômica a prestação de serviços ou locação de mão de obra.
Percebe-se, então, que há imediatamente uma exclusão das vantagens normativas, não obstante o trabalhador terceirizado exercer uma função que, se não houvesse o vínculo interposto com uma terceira, lhe garantiria as mencionadas vantagens. Há, também, uma dispersão da categoria de prestadores de serviços que dificulta a formação ou o fortalecimento de um sindicato que possa representar e pleitear melhoria nas condições de trabalho. Portanto, o modelo terceirizante e toyotista é nitidamente anti-sindical e prejudicial ao trabalhador, criado com o intuito de reduzir salários e enfraquecer os sindicatos. Nesse sentido, “a quebra do movimento operário se explica pela terceirização. Foi ela a arma secreta que o capitalismo (re)descobriu ou (re)inventou. Ela permite resolver a contradição entre a necessidade do trabalho coletivo e a possibilidade de resistência coletiva” (VIANA; 2002, p. 789).
Por fim, verifica-se que, como último reflexo da crise do Direito do Trabalho, o mundo do trabalho é atualmente caracterizado pela heterogeneização das formas de trabalho, particularmente com o decréscimo do trabalho classicamente assalariado, o emprego. Frise-se que a redução do emprego em favor de relações supostamente autônomas ou precarizadas, importa em exclusão de um imenso contingente de trabalhadores do sistema protetivo trabalhista, social e previdenciário. Esse novo mundo do trabalho criou, conseqüentemente, uma classe trabalhadora, assim definida por Antunes:
Essas mutações criaram, portanto, uma classe trabalhadora mais heterogênea, mais fragmentada e mais complexificada, dividida em trabalhadores qualificados e desqualificados do mercado formal e informal, jovens e velhos, homens e mulheres, estáveis e precários, imigrantes e nacionais, brancos e negros, etc., sem falar nas divisões que decorrem da inserção diferenciada dos países e de seus trabalhadores na nova divisão internacional do trabalho. (2000, p. 184)
Assim, a heterogeneização implica a conformação de um mundo do trabalho plural, diferenciado, multifacetado e difuso. Vejamos a referida pluralidade nas possibilidades de trabalho no mundo contemporâneo:
Encontramos entre essas formas o trabalho temporário, o estágio, o trabalho em tempo parcial, autônomos, falsos autônomos, cooperados, trabalhadores organizados em forma empresarial, eventuais, avulsos, free-lancers, domésticos, diaristas, horistas, empreiteiros, subempreiteiros, trabalhadores com emprego partilhado (job sharing), trabalhadores a distancia, contrato de solidariedade externo ou expansivo, trabalhadores engajados em contratos civis, etc. (CARELLI; 2004, p. 17)
Pode-se, portanto, analogicamente dividir o mundo do trabalho em dois grupos de trabalhadores: os incluídos, com perfil de profissional especializado e/ou detentor de técnica, contratado nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, embora representem um pequeno contingente no total dos trabalhadores; os excluídos, os demais não englobados no tipo anterior e que não se configuram como autônomos, por não ter perfil especializado, sendo submetidos a contratações precárias ou mesmo a uma relação civil de prestação de serviços, na qual prevalece a hiper-exploração, em razão de que cabe aos trabalhadores todo o risco e custo da atividade, não obstante seja da empresa contratante a possibilidade de fixação da retribuição. O modelo toyotista pretende, então, “em vez de incluir, excluir – empregados, direitos, políticas sociais, etapas do processo produtivo.” (VIANA; 2002, p. 779).
Repensando o Direito do Trabalho.
Como visto, o contexto crítico que perfaz a crise do Estado – decorrente da globalização e do neoliberalismo, a crise da ciência – advinda das críticas pós-modernas ao cientificismo e o positivismo, a crise do Direito – inserta na crise da ciência, mas acrescida das críticas ao formalismo, patrimonialismo e individualismo, e a crise das formas tradicionais de trabalho, notadamente o emprego, engendram a crise do Direito do Trabalho, uma vez que atingem seus pilares principais, quais sejam, o Estado, o Direito e o Trabalho. Márcio Túlio Viana assinala:
Para um regime instável de hoje, um direito precário, fragmentado, quebradiço. Um direito que poderia até ser chamado de pós-moderno, posto que pragmático, caótico, oscilante. Mas que nem por isso deixa de ter uma diretriz: quer se estabilizar na instabilidade, quer flexibilizar para endurecer [as formas de exploração do trabalhador]. Afinal, a empresa exige redução de custos, e um de seus custos é próprio direito (VIANA; 2004, p 169).
Constata-se, no plano jurídico, que os efeitos da crise do Direito do Trabalho são confirmados pela adoção da flexibilização, precarização e sub-contratação (ou terceirização), ressaltando-se a heterogeneidade das formas de trabalho. A título de perspectivas, têm-se identificado tendências ou alternativas para o direito laboral. A grosso modo, pode-se agrupá-las em duas direções: liberalizantes e protecionistas.
Este primeiro grupo sugere que as relações de trabalho devem ter uma maior liberalização na tutela do empregado, afrouxando ou diminuindo a proteção ou mesmo as vantagens estabelecidas na lei ou nas estipulações coletivas ou individuais no contrato de trabalho. Pregam, conseqüentemente, a prevalência da autonomia privada em detrimento da legislação trabalhista, sustentando que seria esta a única forma de garantir empregos diante da competitividade global e das novas formas produtivas.
O sentimento que inspira esta liberalização pode ser representado na afirmativa de Maurice Cohen (apud ROMITA; 2000, p. 185): “O volume do Código de Trabalho engrossa continuamente, enquanto diminui o número de trabalhadores aos quais ele se aplica”
Percebe-se que este pensamento conduz o Direito do Trabalho ao retorno ao plano da igualdade de partes, que caracteriza o Direito Civil. A opção por este modo de conceber o juslaboralismo, importa, de fato, na própria anulação da autonomia do Direito do Trabalho, gerando sucessivamente sua destruição, eis que negaria a sua função eminentemente protetiva do trabalhador, que é a característica essencial.
Portanto, a liberalização, que inspira a flexibilização, a precarização e a terceirização, se levada a cabo integralmente, provocará o fim do Direito do Trabalho, porque ao aplicar ao empregado e ao empregador a igualdade civilista, além do retrocesso, estaria ignorando – como almejam seus defensores, a função de proteção dos trabalhadores ante a exploração existente no trabalho subordinado.
O pensamento protecionista é ainda hegemônico, mas encontra-se mitigado por posturas moderadas, que têm aceitado a flexibilização, a precarização e a terceirização, desde que observados certos limites. O fundamento deste protecionismo é originado diretamente na exploração do trabalho na sociedade capitalista que impõe ao trabalhador uma condição mais fraca e dependente. Além deste fundamento, há que se destacar a dignidade humana é fundamento maior dos ordenamentos jurídicos contemporâneo, que no Direito do Trabalho atrai a proteção ao trabalhador.
Nesse sentido, não se pode considerar ou tratar igualmente o trabalhador, ainda hipossuficiente, e por conseqüência fraco e dependente do trabalho para assegurar sua sobrevivência, com o empregador que detém o poder de admitir e despedir numa conjuntura de altos índices de desemprego e de exclusão social. Com razão Luiz Otávio Renault ao dizer que
O Direito do Trabalho não se convence do argumento corriqueiro atualmente rechaçado em acanhada proporção até pelo novo Código Civil, que entrou em vigor no dia 11.1.2003, de que todo homem é livre e igual, capaz em direitos e obrigações, por isso apto a celebrar e a cumprir o contrato que desejar com as cláusulas que bem entender, sem dirigismo estatal, sem preocupação com a difusa destinação social do contrato. (RENAULT; 2004, p. 66)
A reestruturação produtiva, as novas tecnologias e a diminuição da intervenção estatal não têm provocado melhoria nas condições de trabalho e remuneração na atualidade, o que mantém a condição de hipossuficiência dos trabalhadores, reafirmando a necessidade de proteção. Depara-se, ao revés, não com trabalhadores dependentes, em larga escala, proveniente da grande fábrica no Estado do Bem Estar Social, mas encontra-se precisamente uma fragilidade difusa, heterogênea e complexa, dificultando a organização coletiva destes trabalhadores e sua capacidade de reivindicação, que tem que conviver com o aterrorizante desemprego.
Urge confirmar a dignidade humana. Na análise de documentos normativos (Carta Internacional dos Direitos Humanos e Constituição Federal) pode-se identificar uma filosofia subjacente aos direitos humanos, centrada na dignidade essencial do homem, que impede toda forma de instrumentalização do ser humano (coisificação). Sendo assim, as modificações nos processos produtivos advindos dos avanços tecnológicos, a reestruturação produtiva e a redução de custos têm que observar estes preceitos, devendo, ainda, ser compromissárias da reinvenção da concepção de trabalho, como expressão de dignidade humana.
Em consonância com a uma postura protecionista, sustenta-se que o Direito do Trabalho urge em ser repensado, com o objetivo de conferir maior efetividade na proteção aos empregados e ampliar-se para ofertar proteção aos trabalhadores heterogêneos e diferenciados, mesmo que, para estes últimos, se instala uma tutela menor do que para os empregados. Considerando que a ontologia do juslaboralismo se adstringe ao protecionismo, os princípios do Direito do Trabalho devem assumir dimensão mais ampla e compatível com uma sociedade em transição para o pós-fordismo e para a pós-modernidade.
Repensar o Direito do Trabalho implica compreender que as inovações tecnológicas e a reestruturação produtiva forjaram uma crise no conceito clássico de subordinação. Diga-se, de passagem, que a fuga à subordinação tradicional é notadamente um movimento intencional, pois procura fugir da tutela trabalhista da relação empregatícia, visando a redução das despesas. “Forçado a autonomia, o trabalhador não chega a ser autônomo de fato: mesmo em seu micro-negócio, carrega um estigma de desempregado. Aliás, muitas vezes, continua a ser um verdadeiro empregado, pois a relação de dependência não termina: apenas se desloca e se traveste” (VIANA; 2004, p. 185).
Precisa-se, então, resgatar a essência do Direito Laboral advinda de sua gênese. Na análise da origem do Direito Trabalho, pode-se encontrar seu sentido e sua ontologia, que teve surgimento a partir das ações e reivindicações da coletividade dos trabalhadores. No contexto em que a igualdade jurídica era basilar, o Direito do Trabalho afirma a desigualdade como fundamento de sua existência, inferindo a necessidade da proteção do hipossuficiente. No dizer de Arnaldo Sussekind (2003) “é o produto da reação verificada no século XIX contra a exploração dos assalariados por empresários”. A atual realidade repete os dilemas de surgimento do Direito do Trabalho: a excessiva exploração do trabalhador através de formas distintas da relação de emprego, com o agravame de relativizar o conceito de subordinação jurídica Precisa-se, então, resgatar a essência do Direito Laboral advinda de sua gênese. Proveniente, diretamente, do mundo fático, o Direito do Trabalho nasceu com eminência e particularidade na seara jurídica.
É mister, então, repensar o Direito do Trabalho para encontrar novos parâmetros e fundamentos que justifiquem sua existência, uma vez que o discurso liberalizante sugere, em contra-senso, a sua redução ou o seu fim.
Destarte, a superação da crise, numa vertente protecionista, deve ser executada através da ampliação ou expansionismo do Direito do Trabalho. Orlando Gomes e Elson Gottschalk já esboçavam uma projeção, quando se referem à noção de expansionismo no Direito do Trabalho, ex vi:
O expansionismo do Direito do Trabalho manifesta-se em sua tendência de alargamento de suas fronteiras, quanto às pessoas que devem reger. Esta tendência contemporânea se explica essencialmente pelo fato de ser o Direito do Trabalho uma legislação de proteção aos economicamente débeis. (1989, p. 34)
Portanto, sustenta-se que a perspectiva futura do Direito Laboral deve-se coadunar com sua ontologia originária: a proteção ao ser humano. Partindo desta premissa de proteção ao homem, o Direito do Trabalho não pode silenciar acerca das diversas formas de trabalho não-subordinado atuais que afetam assustadoramente a dignidade do homem. Urge, assim, a releitura do Direito do Trabalho, para que este assegure a proteção a estes trabalhadores.
Em termos conclusivos, defende-se a manutenção da tutela do empregado e a necessidade de invenção de novas tutelas para os trabalhadores heterogêneos e diferenciados são indicativos para a superação da crise do Direito do Trabalho. Todavia, a ontologia juslaborista – que inspira a expansão do Direito do Trabalho, indica que a proteção ao trabalho é a própria proteção do homem e de sua dignidade e que, portanto, não deve se restringir a somente uma categoria de trabalhadores, os empregados. Enfim, assegurar proteção ao todo e qualquer tipo de trabalho é assegurar proteção ao homem e sua dignidade, valor maior da Constituição e da própria sociedade.
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Notas:
[1] Este trabalho é uma síntese da defesa de tese de ingresso no Instituto Baiano de Direito do Trabalho, ocorrida em 10/02/2006.
2 Epistemologia compreendida como teoria do conhecimento, disciplina filosófica, que pretende investigar a possibilidade, a produção, organização e validade do conhecimento cientifico.
[2] A crise da Ciência, mais precisamente a transição entre racionalidade moderna e a pós-moderna, promove profícuos questionamentos aos limites e o próprio papel da Ciência. O Direito, considerado como Ciência Social, sofre, por derivação, conseqüências gravosas, particularmente a crítica severa ao positivismo jurídico e a cultura jurídica moderna, conforme se verá no tópico seguinte.
[3] Sustenta Antônio Carlos Wolkmer que um dos fundamentos da crise do Direito é a crie da legalidade estatal, isto é, do monismo jurídico. É que justamente esta concepção de Direito não consegue mais regular ou oferecer parâmetros de resolução dos conflitos nesta nova realidade atual. Estas instabilidades ou crises sociais provocam também crises no Direito ou, nos termos de Antônio Carlos Wolkmer (1997; p. 62), “o esgotamento do modelo jurídico tradicional”. É preciso perceber que o Estado, notadamente o seu modelo atual centralizador e burocrático, não consegue mais produzir normatividades capazes de corresponder à nova organização social.
Informações Sobre o Autor
Murilo Carvalho Sampaio Oliveira
Juiz do Trabalho na Bahia e Professor Adjunto da UFBA, Especialista e Mestre em Direito pela UFBA, Doutor em Direito pela UFPR, Membro do Instituto Baiano de Direito do Trabalho – IBDT