O senso de justiça é sempre a tônica da argumentação quando se trata de comentar algo que se relaciona à conduta humana, ainda que desprovida de concreta fundamentação jurídica. O comentário de um leigo a respeito da prisão do devedor de alimentos e a contingência de coloca-lo no convívio carcerário que raramente recupera o condenado e serve simplesmente para segrega-lo do meio social, instou reflexão sobre o instituto da prisão civil cada vez mais invocado na lide forense diante do freqüente descumprimento do dever de amparo entre parentes, cônjuges ou conviventes (CC 1.694), desafetos e em litígio.
A priori é necessário destacar que a prisão civil é instituto que, embora afim, difere da prisão penal, porquanto a primeira aplica-se a quem descumpriu obrigação alimentar ou de guarda de bens, enquanto que a segunda destina-se a quem incorreu em conduta criminosa. A sociedade, na sua forma mais primitiva, impunha que o indivíduo respondesse pelas obrigações pecuniárias com a sua vida, depois com a privação da liberdade ou com todo o seu patrimônio e, atualmente, apenas com os bens necessários ao pagamento da dívida. No entanto, embora a evolução dos critérios, o Direito moderno manteve a tradição de permitir a privação de liberdade como instrumento para intimidar o devedor a cumprir aquelas obrigações em particular.
A Carta Magna de 1988, reconhecida nos seus valores de cidadania, admite a prisão civil do devedor de alimentos e do depositário infiel (CF 5º LXVII) prevendo-as como as únicas exceções admissíveis ao ordenamento infraconstitucional. O Brasil, entretanto, posteriormente firmou o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto de São José da Costa Rica que não admitem a prisão civil por dívida de dinheiro, exceto a que decorra de obrigação alimentar, razão pela qual restou controvertida a do depositário infiel, ao menos o judicial (CPC 148), porquanto a do contratual (CC 652) afasta-se pela circunstância da obrigação ser meramente patrimonial, ao menos pela linha de quem entenda que os Decretos 592/92 e 678/92, validando internamente os aludidos pactos, tenham limitado aquela cláusula constitucional.
A prisão civil ao devedor de alimentos tem por finalidade proteger o direito de subsistência do dependente considerando sua necessidade alimentar e a possibilidade do obrigado a presta-los. A necessidade, assim, está relacionada, no mínimo, à alimentação, à habitação e ao vestuário, ditos alimentos naturais; a possibilidade, elemento mais complexo, está relacionada às posses materiais do alimentante e à potencialidade pessoal de obter os recursos, já que a ele corresponde o dever de fazer tudo o que estiver ao seu alcance, de forma lícita, para cumprir a obrigação de dar sustento aos que dele dependam no conceito da Constituição Federal ou do Código Civil. A proporcionalidade (CC 1.694 § 1º), elemento que equivocadamente vem sendo acrescentado àquele binômio para fixar alimentos que não os de sobrevivência com dignidade, mas de status, por certo não deve ter sido considerada pela Constituição (CF 229) ou pelos aludidos Pactos para justificar a medida extrema de coerção.
Pode-se afirmar, assim, que a prisão civil não é uma pena ao criminoso, nem um meio de pagamento dos alimentos, mas um meio indireto de execução, um instrumento de coerção que o Estado utiliza para constranger o devedor – pais, mães ou quem responda nas suas impossibilidades – a empreender todo empenho possível para não deixar seus dependentes ao desamparo. Há, então, um caráter humanitário, reconhecido internacionalmente, na finalidade da extremada providência.
A prisão civil, entretanto, é uma providência que pode ser atenuada ou afastada. Primeiro, ela não pode exceder de três meses – tendo em conta a interpretação mais rígida do confronto entre o art. 733 do CPC e o art. 19 da lei de Alimentos; segundo, o decreto cessa se forem pagas as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo – de acordo com a equivocada Súmula nº 309 do STJ; e terceiro, não será decretada se o juiz aceitar as justificativas do devedor quanto à impossibilidade de pagar os alimentos vencidos – questão que sujeita-se ao subjetivo convencimento do magistrado, mas que sempre ensejará revisão por grau superior, seja através do agravo de instrumento, que pode ser recebido suspendendo a ordem de prisão, ou por habeas corpus em que pese alguma resistência ao uso do remédio constitucional.
O instituto, portanto, não se destina a quem esteja impossibilitado de prestar os alimentos, mas àquele que podendo faze-lo não o faz, ou não tendo os recursos deixa de adotar as providências necessárias para obtê-los. Algumas vezes não há dinheiro para os alimentos dos dependentes, mas há para a própria subsistência e para a manutenção de supérfluos; em outras, há patrimônio, mas o devedor não quer sacrifica-lo para honrar o compromisso; em outras tantas, o devedor omite-se porque não se conforma com a decisão judicial que lhe condenou a prestar alimentos; e, em muitas outras, simplesmente não paga para fustigar o alimentado ou quem tem sua guarda.
No caso do devedor que tem bens aptos a responder pela dívida alimentar o credor não precisaria postular a medida extrema da prisão civil. No entanto, como a atividade executiva não é célere o suficiente para estimular a via expropriatória o pedido de prisão muitas vezes é instado por mera fustigação ou vingança como no caso do ex-cônjuge ou ex-convivente que em nome próprio ou dos filhos postula-a sabendo da dificuldade do devedor em alcançar os alimentos, embora tenha meios para remediar a situação enquanto aquele não se equilibra econômica e emocionalmente. Neste caso, há que se considerar que, mesmo para o filho que não esteja recebendo alimentos pode haver dano maior, presente ou futuro, ao saber que o alimentante – em regra o pai – tornou-se um “presidiário”, ainda que o alimentado esteja instigado pelo ódio ou desafeto de quem detenha a sua guarda.
A legislação não prevê a substituição da prisão civil por outros mecanismos próprios à condenação penal, inclusive as penas alternativas – não tramita nenhum projeto legislativo neste sentido – mas impõe-se a aplicação e ampliação de tese já reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a Lei das Execuções Penais, Lei nº 7.210/84, art. 201, interpretada com prudência, ou por analogia, pode ser aplicada, em casos excepcionais, à prisão civil do devedor para que o mesmo seja levado à prisão albergue ou à prisão domiciliar (RE Nº 199802/2000); embora a regra de que, inexistindo motivos relevantes para a conversão do regime a segregação deva ser executada em regime fechado considerando que a finalidade da prisão civil é coagir o devedor ao cumprimento da obrigação (RHC 16824/2004).
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, sempre adiantado na visão concreta do direito, segue orientação de sua egrégia Corregedoria-Geral da Justiça exarada nos ofícios circulares nºs 21/93 e 59/99, primando pelo cumprimento da pena em prisão albergue não sendo caso de prisão domiciliar, tendo em conta a absoluta inconveniência de cumprimento da prisão civil em estabelecimento destinado aos criminosos, embora com rigor admita o regime fechado para o devedor recalcitrante como reiterou a Sétima Câmara Cível (HC nº 70009442161/2004). Portanto, se o apenado por fato criminoso dispõe daqueles benefícios, com bom senso, além de lógica jurídica, os mesmos podem ser aplicados ao devedor civil. Este é o melhor caminho à justiça.
Informações Sobre o Autor
João Moreno Pomar
Advogado – OAB/RS nº 7.497; Professor de Direito Processual Civil da Fundação Universidade Federal de Rio Grande; Doutor em Direito Processual pela Universidad de Buenos Aires.