Causas Extintivas do Contrato de Mandato

O presente estudo procura fazer uma análise das diversas causas de extinção do contrato de mandato, enfocadas pelo Código Civil. Palavras-chaves: Extinção do mandato. Revogação do mandato. Resilição do mandato.

1. INTRODUÇÃO

O contrato de mandato, em razão de suas peculiaridades, fornece um profícuo campo de estudo no que pertine as suas causas extintivas, tendo em conta a multiplicidade de fatores capazes de engendrar o desfazimento da relação contratual entre mandante e mandatário, além da natureza tipicamente fiduciária, que molda o caráter intrínseco desse tipo de contrato.

O artigo procura analisar de modo circunstancial, a representação legal e a representação voluntária, de forma a fixar o conceito do contrato de mandato, fazendo uma fugaz abordagem de sua gênese e natureza jurídica.

Alude ainda, a pretexto de embasamento didático, às diferenças conceituais entre mandato e procuração, assim como os aspectos formais do contrato

Como enfoque principal, a reflexão converge para o exame das causas extintivas aplicáveis ao mandato, disciplinadas pelo Código Civil quando trata particularmente desse tipo contratual.

A escolha do contrato de mandato foi intencional em razão do fator diversidade que caracteriza o repertório de causas extintivas conforme já aludido, e que, na verdade, é o móvel do trabalho, recomendando a abordagem investigativa de cada uma delas. A pesquisa gravita, em sua essência nas disposições do art. 682 do Código Civil, que trata da cessação do mandato, pinçando outros dispositivos que trazem correlação com a matéria, especialmente no tocante às diversas regras exceptivas, que enriquecem o estudo da temática, atinentes a cada uma das causas de extinção, assim como as situações em que ocorre a irrevogabilidade do contrato sob comento.

2. REPRESENTAÇÃO E MANDATO

As relações negociais são, ordinariamente, exercidas pelos próprios agentes interessados, que atuam pessoalmente nos negócios através de sua manifestação volitiva. Entretanto, ocorrem situações em que o agente deve, por expressa determinação legal, ser representado por outra pessoa. Em outros casos, o agente pode ser representado por conveniência subjetiva e não por disposição de lei. Assim, quando uma pessoa age em nome de outra em uma relação jurídica, dá-se o fenômeno da representação civil.

O art. 115 do Código Civil aponta que os poderes de representação conferem-se por lei ou pelo interessado. Infere-se daí, que a representação se apresenta sob duas espécies: a representação legal e a representação convencional, também dita voluntária. A doutrina faz ilustrações sobre os tipos:

A representação, assim, pode ser legal, como a deferida pela lei aos pais, tutores, curadores, síndicos, administradores, etc., e convencional ou voluntária, quando decorre de negócio jurídico específico: o mandato.[1]

Depreende-se daí, que a representação legal é de cunho personalíssimo; e, muitas das vezes, tem o traço de munus público, por versar sobre direitos indisponíveis. A representação convencional, por outro lado, tem sua gênese na cooperação jurídica voluntária e se perfaz por meio do contrato de mandato. Através dessa espécie de representação, o representado pode ampliar sua área de atuação jurídica, relacionando-se através de seu representante em negócios em que não possa ou não queira agir pessoalmente e em locais onde não possa ou não queira estar.

Arnaldo Rizzardo alude em sua obra, sobre a origem do vocábulo:

A palavra deriva do latim mandatum, de mandare, com o sentido de ‘dar poder’, ou manum dare, visto que, antigamente, o mandatário dava a mão ao mandante em testemunho da fidelidade daquilo que prometia. No direito romano, não continha este contrato relações de gestão e de trabalho, limitando-se a expressar uma simples confiança e amizade.[2]

O mandato é contrato típico, disciplinado nos arts. 653 a 692 do Código Civil. O art. 653 traz disposição conceitual sobre o mandato, ao definir que: opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. O comando legal arremata referindo-se à manifestação unilateral do mandante: a procuração é o instrumento do mandato. Nesse sentido, impende esclarecer a diferença entre mandato e procuração, elucidada no magistério de Venosa:

Procuração e mandato, porém, não se confundem. Mandato é contrato e como tal requer manifestação bilateral de vontade. Procuração é manifestação unilateral de vontade daquele que pretende ser mandante. Enquanto não há aceitação, a procuração é mera oferta de contratar. Sob tais premissas, portanto, nada impede que se formalize procuração outorgando poderes a qualquer pessoa. Na procuração, há outorga de poderes. Somente haverá mandato se o outorgado aceitar os poderes conferidos. Característica peculiar do instituto, por conseqüência, é o fato de, ordinariamente, mas não de forma exclusiva, emanar de ato unilateral, que é a procuração.[3]

Dos conceitos acima, infere-se que, por intermédio do contrato de mandato, uma das partes, denominada mandante, nomeia e constitui outra parte, denominada mandatário, a quem confere poderes de representação, de natureza convencional, para praticar atos jurídicos e administrar interesses.

O contrato de mandato é, via de regra, não solene, podendo constituir-se informalmente, conforme aduz o art. 656 do Código Civil, ao asseverar que o mandato pode ser expresso ou tácito, verbal ou escrito. Entretanto, o art. 657 do mesmo diploma, serenou a acalorada celeuma que existia sob o império do Código Civil revogado, ao estatuir que a forma do mandato deverá se subordinar à mesma forma prescrita em lei para o ato a ser praticado. Destarte, em virtude do princípio jurídico da atração de forma, quando a lei determina que é da essência de determinado negócio jurídico sua celebração por escritura pública, o ato praticado por mandatário em tal negócio, deverá estar estribado em procuração por instrumento público, de maneira a preservar a simetria formal. Vale destacar, que algumas das causas de cessação do mandato, que serão abordadas neste estudo, estão também submetidas ao princípio de atração de forma, como é o caso da resilição, manifestada unilateral ou bilateralmente. Sílvio Venosa faz observação atinente ao tema:

O art. 472 (antigo, 1.093) estatui que “o distrato faz-se pela mesma forma que o contrato”. Ou seja, na resilição do contrato existe uma atração da forma por força da lei. A questão deve ser vista com reservas, tendo em vista a validade e eficácia do negócio de desfazimento.[4]

3. CAUSAS EXTINTIVAS DO MANDATO

O mandato é solo fértil no campo das causas extintivas do contrato. Dentre as diversas formas contratuais tipificadas pela legislação, este é um dos mais prolíficos quando se enfoca os fatos que determinam sua extinção.

Não serão tratadas as causas extintivas derivadas de vícios que inquinem o contrato de nulidade ou anulabilidade, posto que tal enfoque refoge a esfera do tema proposto.

O art. 682 do Código Civil, elenca as causas de cessação do mandato, abaixo pormenorizadas.

3.1. MORTE DE UMA DAS PARTES

Mors omnia solvit. A morte é apontada pelo Código Civil (art. 6º), como fato natural que põe fim à existência da pessoa natural. Decorre daí uma série de efeitos jurídicos, com reflexos diretos no direito de família e, principalmente no direito das sucessões.

Além disso, a morte de uma das partes, determina a extinção dos contratos personalíssimos. O contrato de mandato, posto ser ancorado em estrita relação de confiança e lealdade estabelecida entre as partes, é, insofismavelmente, um contrato de feição personalíssima. O mestre Caio Mário, ao levantar seus caracteres jurídicos, aduz ser o mandato:

Intuitu Personae, celebrando-se especialmente em consideração ao mandatário, e traduzindo, mais que qualquer outra figura jurídica, uma expressão fiduciária, já que o seu pressuposto fundamental é a confiança que o gera.[5]

O falecimento do mandante ou do mandatário trará, como conseqüência, a impossibilidade de execução do contrato, impondo, automaticamente e de forma tácita, a sua resilição. É o princípio romano mandatum solvitur mortem, incorporado em nossa legislação através do art. 682, II, do Código Civil. A falta do mandante ensejará um ataque irremediável ao vínculo de representação. A falta do mandatário inviabilizará qualquer efeito prático do mandato, em função da ausência de representante para exercer os poderes outorgados. Discorrendo sobre a extinção dos contratos, Carlos Roberto Gonçalves lembra que a morte de uma das partes só impõe extinção aos contratos personalíssimos:

A morte de um dos contratantes só acarreta a dissolução dos contratos personalíssimos (intuitu personae), que não poderão ser executados pela morte daquele em consideração do qual foi ajustado. Subsistem as prestações cumpridas, pois seu efeito opera-se ex nunc.[6]

É determinante destacar, que, conforme esclarece o doutrinador, a morte de uma das partes só produz o efeito extintivo a partir do evento, aproveitando-se, portanto, os atos praticados pelo mandatário em época pretérita ao óbito do mandante, descartando-se qualquer eficácia ex tunc com relação a esses atos ou negócios. Nessa linha, o Código Civil vai além, ao asseverar, em seu art. 689, que são válidos, a respeito dos contratantes de boa-fé, os atos com estes praticados em nome do mandante pelo mandatário, enquanto este ignorar a morte daquele ou a extinção do mandato, por qualquer outra causa. Assim, a plena ciência pelo mandatário da morte do mandante, é condição essencial para que seja caracterizada a causa extintiva do mandato. Os atos praticados pelo mandatário, com base no instrumento de procuração, pendente o desconhecimento da morte do mandante e após a sua ocorrência, têm suporte jurídico, desde que os terceiros com quem o mandatário haja tratado, também não sejam conhecedores do evento extintivo. Note-se, por oportuno, que conforme estabelece o artigo mencionado, o princípio se aplica a qualquer das causas extintivas aqui estudadas.

A regra da causa extintiva que a morte do mandante inflige ao contrato é atenuada em virtude das disposições do art. 674 do Código Civil, consolidado no princípio jurídico do periculum in mora. Havendo risco de dano potencial, envolvendo o objeto do mandato, deverá o mandatário concluir negócio já iniciado, mesmo ciente da morte do mandante, de modo a prevenir eventuais prejuízos aos sucessores do mandante ou aos terceiros com quem o mandatário transacionar.

Outro dispositivo que excepciona a extinção do mandato em razão da morte de uma das partes, encontra-se insculpido no art. 685 do Código Civil, que estabelece a manutenção da eficácia do mandato em causa própria, mesmo na ocorrência da morte de qualquer das partes. O mandato em causa própria ou in rem propriam, tem contornos especiais caracterizados pela suposição da existência de um negócio jurídico envolvendo a transferência de determinado bem de propriedade do mandante para o mandatário, ficando este último com a opção de transferi-lo para si ou para terceiros, uma vez que é pressuposto de validade dessa espécie de mandato, a clara caracterização dos elementos consentimento, coisa, e, se caso, preço. Há, por conseguinte, a presunção da existência de negócio jurídico perfeito e acabado entre mandante e mandatário. O instituto é objeto de dissensões doutrinárias, posto que alguns autores entendem que a procuração em causa própria tem características que a torna título hábil à submissão registral quando tiver por objetos bens imóveis, prestando, por si só, como veículo apto a transmitir o domínio ao mandatário, independentemente da celebração de contrato típico posterior. Outra corrente doutrinária não admite a procuração em causa própria como instrumento competente para registro de transferência de propriedade de bens imóveis, considerando ser mister a celebração de contrato translativo com base no mandato em causa própria, para dar ingresso no serviço registral de imóveis. De qualquer forma, subsiste a eficácia plena da procuração em causa própria após a morte do mandante ou do mandatário, não beneficiando, destarte, os herdeiros do mandante, nem prejudicando os herdeiros do mandatário.

Os arts. 690 e 691 do Código Civil, delineiam a hipótese de falecimento do mandatário que deixa negócio em curso ou pendente de solução. Os dispositivos cometem aos herdeiros do representante, desde que cientes da outorga da procuração, o encargo de noticiarem ao representado, a morte do mandatário, bem como de empreenderem as medidas conservatórias e prosseguirem na execução de atos e negócios iniciados que estejam sujeitos a dano potencial, dentro dos limites do mandato.

3.2. INTERDIÇÃO DE UMA DAS PARTES

A interdição como causa extintiva encontra-se talingada ao comando legal do art. 682, II, do Código Civil. O dispositivo é, de certa forma, despiciendo, visto tratar de modalidade de mudança estado que inabilita a capacidade de uma das partes, hipótese esta, contemplada no inciso III do mesmo artigo.

A proposição diz respeito à violação a um dos pressupostos de validade do negócio jurídico, que requer agente capaz, conforme referencia o art. 104, I do Código Civil. Ora, a superveniência de causa que determine a interdição de qualquer das partes, imporá a cessação do mandato, uma vez que a declaração judicial de incapacidade do mandante macula a manutenção dos poderes conferidos, inviabilizando sua sustentação a partir do momento em que a sentença de interdição passar a surtir seus efeitos. Outrossim, declarada a incapacidade do mandatário, o cumprimento do contrato através do exercício dos poderes conferidos, restará prejudicada de maneira peremptória.

Vige também nos casos em que a causa extintiva do mandato é a interdição, a regra do art. 674, acima aludida. Ocorrendo perigo na demora, o mandatário deverá arrematar ato já iniciado com base na procuração outorgada, mesmo informado da interdição do mandante, com fito de evitar prejuízos ao mandante ou a terceiros.

3.3. MUDANÇA DE ESTADO DE UMA DAS PARTES

A hipótese elencada no art. 682, III, do Código Civil se perfila, como já foi relatado, com a cessação do mandato em razão de interdição de uma das partes. Trata-se de evento que imponha reflexo na capacidade de uma das partes no mandato, de modo a comprometer a execução dos poderes conferidos. A inabilitação se dá ipso jure, operando a extinção automática do contrato, tão logo se verifique a mudança de estado de uma das partes, independentemente de notificação da outra parte, ressalvados os direitos dos terceiros que tratarem com mandatário desconhecedor da causa que promoveu a extinção do mandato.

A doutrina aponta diversos exemplos de mudança de estado que determinam a extinção do mandato. O mandato outorgado por pessoa solteira, divorciada ou viúva, que confere poderes para alienação de bem imóvel, para constituição de direito real ou para prestar fiança, extingue com o casamento do seu outorgante. A procuração para o foro em geral outorgada a um advogado, cessa, na hipótese de ser esse advogado nomeado para o cargo de juiz, promotor, delegado, notário ou registrador, tendo em vista a incompatibilidade do exercício da advocacia com o cargo assumido. O mandato outorgado por menor absolutamente incapaz, por via de representação de seus progenitores, extingue com a aquisição da capacidade relativa pelo mandante, que passa a ter, frente a lei, e embora de forma não absoluta, certo discernimento para a prática de atos jurídicos, devendo, portanto, ser apenas assistido por seus pais.

Da mesma forma que ocorre no mandato em razão de morte ou interdição de uma das partes, aplica-se, no caso de mudança de estado do mandante ou mandatário, que implique em sua extinção, a exceção do dano potencial, impondo ao mandatário que leve a termo negócio já iniciado, quando presente a iminência do periculum in mora.

3.4. TÉRMINO DO PRAZO

A causa extintiva versa sobre o advento do termo final, que produz efeito resolutivo ao contrato (dies ad quem). Desta maneira, estando estabelecido na procuração seu prazo de vigência, verificar-se-á sua extinção pleno jure quando vencido o termo. É o que cogita o art. 682, IV do Código Civil.

A outorga de procuração por prazo determinado é de uso corrente, quando tem por objeto poderes da cláusula ad negotia, como, por exemplo, aquelas conferidas pela presidência ou diretoria de instituição bancária aos gerentes de suas agências. A imposição de termo final permite que tanto o mandante quanto o mandatário tomem ciência, desde o início da vigência do mandato, do momento de sua extinção, evitando com isso, os transtornos causados pela resilição bilateral ou unilateral, inclusive no tangente a direito de terceiros, tendo em conta, que, como já foi explicitado, a resolução opera de pleno direito.

3.5. CONCLUSÃO DO NEGÓCIO

Traço distintivo dos direitos pessoais é seu caráter de transitoriedade, que os distinguem dos direitos reais, caracterizados pela perenidade. Ao contraírem obrigações, os agentes almejam seu adimplemento, dentro de um prazo variável, de modo a que possam se desvincular do liame negocial que o originou. Ao ser concretizado o objetivo que deu azo à obrigação, ocorre seu desfazimento. Esse é o princípio da transitoriedade dos contratos, explorado por Sílvio Venosa:

Ao contrair uma obrigação, ao engendrar um contrato, as partes têm em mira, desde o início, a possibilidade de seu término, ainda que não se fixe a priori um prazo para o cumprimento. O vínculo contratual, quando o bojo de suas obrigações atinge o desiderato, desfaz-se.[7]

O art. 682 do Código Civil, na mesma alínea IV, faz previsão da cessação do mandato pela conclusão do negócio que o objetivou. Cuida a circunstância, da exaustão completa dos poderes conferidos, de forma que torne impossível ao mandatário a continuação de seu exercício. Deve ser notado que dependendo da natureza dos poderes outorgados na procuração, o seu exercício acarretará a perda do objeto, inviabilizando a possibilidade de que o ato seja novamente executado. É o que ocorre, v. g., quando se confere poderes para uma pessoa outorgar escritura pública definitiva de uma casa residencial. O mandatário ao exercer os poderes conferidos na procuração, provocará, automaticamente, o seu esgotamento pela perda de objeto. Paulo Nader examina a questão, chamando a atenção para a eventual pendência de obrigações residuais, que poderão subsistir, não obstante a extinção do contrato:

Causas diversas podem provocar o término do mandato. O mais comum é que seja pela realização da tarefa atribuída ao mandatário. “A” constitui “B” para seu procurador, com a finalidade de representá-lo em escritura pública de compra e venda. Uma vez declarada a vontade, o mandato se dissolve. Conforme a obrigação assumida pelo mandatário, embora extinto o contrato perdura a relação jurídica entre as partes até que se ultime a prestação de contas com o acerto devido.[8]

Note-se ainda, que a cessação do mandato por conclusão do negócio terá lugar quando a outorga versar sobre poderes determinados e delimitados. Esgotada a possibilidade de exercício de tais poderes, extinto está o mandato, uma vez que o mandatário não poderá utilizá-lo para finalidade diferente daquela para a qual foi outorgada, conforme aduz o doutrinador:

Outorgados poderes para determinado negócio, a conclusão deste opera ipso facto a cessação do mandato, pela aplicação da regra segundo o qual o mandatário especial não pode representar o comitente em ato diverso.[9]

3.6. RESILIÇÃO BILATERAL – DISTRATO

A dissensão e a confusão grassam nos meandros doutrinários quando a temática se volta para a terminologia empregada na extinção dos contratos. Não existe consenso entre os autores sobre a precisa significação da nomenclatura utilizada nos meios jurídicos. A polêmica aqui referenciada, versa sobre os conceitos dos termos resolução, rescisão e resilição. A similitude fonética dos vocábulos, já contribui, por si só, para o engendrar a confusão; e, alguns juristas acabam por agravar a desordem conceitual, quando abordam o tema. Entretanto, objetivando traçar uma linha que guarde um mínimo de harmonia entre as posições doutrinárias, pode-se compor um esboço de conceituação medianamente democrática.

Resolução é causa superveniente de extinção do contrato, em razão da inexecução das obrigações contraídas. Rescisão é a ruptura do contrato por sentença judicial. Pode operar-se quando houver lesão provocada por uma das partes, ensejando à parte prejudicada, o desfazimento do vínculo contratual pela via judicial. O termo é comumente utilizado no sentido de resolução e resilição, sendo que alguns autores reputam a rescisão como espécie do gênero resolução. Resilição é a dissolução do contrato decorrente da manifestação de vontade de ambas as partes, por mútuo consentimento; ou por uma delas, quando lhe é atribuído tal direito. Impende frisar, que todas são formas de desfazimento do vínculo contratual.

Esta última forma de extinção do contrato, a resilição, tem interesse direto ao estudo das causas extintivas do mandato, posto que pode ocorrer sob três formas distintas: o distrato, a revogação e a renúncia.

A resilição bilateral ou distrato não foi objeto de apontamento expresso pelo legislador no elenco de causas extintivas do mandato, valendo, portanto, a interpretação de que a referência à revogação constante do art. art. 682, I, do Código Civil, traz ínsita, tanto a idéia de resilição bilateral, ora abordada, quanto a concepção de resilição unilateral, que será enfrentada em seguida.

Mandante e mandatário, por mútuo consentimento, podem desfazer o vínculo contratual existente entre eles, a qualquer tempo, transigindo a liberação dos liames obrigacionais que os apendiam. A doutrina traz o conceito de resilição bilateral:

Resilição bilateral ou distrato, que consiste num acordo liberatório, pois a dissolução do vínculo contratual será deliberada por ambos os contratantes. O distrato, portanto, é um negócio jurídico que rompe o vínculo contratual, mediante declaração de vontade de ambos os contraentes de pôr fim ao contrato que firmaram. É um contrato que extingue outro, cujos efeitos não se exauriram e cujo prazo de vigência não expirou.[10]

Relembrando o que já foi dito sobre a diferença entre procuração e mandato, frise-se que, muito embora a procuração seja outorgada pelo mandante de modo unilateral, já que esta é o veículo do contrato de mandato, a sua resilição bilateral, ou seja, o distrato, deverá ser celebrado por via de manifestação bilateral de vontade, com a aquiescência de ambas as partes, que ajustarão, por consenso recíproco, o desfazimento do elo contratual.

Entretanto, é importante destacar que, conforme alude a doutrina, para que o distrato possa produzir efeito, o mandato não pode ter seus efeitos dissipados pela execução dos poderes ou pelo advento do termo, posto que tais situações engendrariam a ineficácia do distrato por falta de objeto, a medida que caracterizam, por si só, formas de extinção do contrato, por conclusão do negócio ou por término do prazo, respectivamente, já explorados neste trabalho.

3.7. RESILIÇÃO UNILATERAL – REVOGAÇÃO

Da mesma forma que as partes, por mútuo consentimento, podem ajustar o desfazimento do mandato por meio de distrato, pode também, somente uma delas, através de declaração unilateral de vontade, promover a resilição do contrato. Entretanto, não é qualquer contrato que suporta a resilição unilateral. O art. 473 do Código Civil, assevera que tal modalidade de extinção só é admitida quando a lei expressa ou implicitamente o permita. Destarte, os contratos fundeados na fidúcia, tais como o comodato, o depósito e o mandato, são essencialmente revogáveis. Também o são aqueles contratos de prestação contínua, posto que a vinculação perpétua não coaduna com os princípios formadores do Direito das Obrigações. O mesmo dispositivo prescreve ainda que a resilição unilateral opera mediante denúncia notificada à outra parte. Desse modo, sua eficácia só se dará com a notificação da outra parte, por apresto inequívoco de prova.

A resilição unilateral no caso do mandato apresenta-se, conforme alude o art. 682, I, do Código Civil, sob a forma de revogação e renúncia. Conforme será visto, a revogação deflui da declaração de vontade do mandante, enquanto que a renúncia é ato unilateral exercido pelo mandatário. Ambas as modalidades, assim como a resilição bilateral, produzem efeitos ex nunc, ou seja, não operam retroatividade, restando incólumes os atos e prestações realizados antes da ciência sobre o ato que ensejou o desfazimento do contrato.

O mandato é contrato revogável por essência. Sendo pacto alicerçado na relação de confiança entre as partes, deve oferecer aos contratantes a possibilidade de dissolução do laço contratual a qualquer tempo por meio de denúncia. A doutrina enfatiza essa característica, realçando a viabilidade da resilição unilateral imotivada, sem justificativas ou formalidades prévias:

É contrato personalíssimo ou intuitu personae porque se baseia na confiança, na presunção de lealdade e probidade do mandatário, podendo ser revogado ou renunciado quando aquela cessar e extinguindo-se pela morte de qualquer das partes. Celebra-se o contrato em consideração à pessoa do mandatário, sendo, destarte, a fidúcia o seu pressuposto fundamental. Como conseqüência, é essencialmente revogável, salvo as hipóteses previstas nos arts. 683 a 686, parágrafo único, do Código Civil. Cessada a confiança, qualquer das partes pode promover a resilição unilateral (ad nutum), pondo termo ao contrato.[11]

A revogação, no contexto das reflexões que ora são propostas é, portanto, a configuração tomada pela resilição unilateral, quando emanante de declaração isolada do mandante, com o fito de desfazer o vínculo originado pelo mandato, que deverá ser noticiada ao mandatário, para que produza efeitos jurídicos. Maria Helena Diniz traz o conceito genérico da revogação:

Revogação, que se opera quando a lei concede tal direito, como no mandato e nas doações, que podem ser resilidos mediante simples declaração de vontade, independentemente de aviso prévio, mas condicionada a certas causas, desde que manifestada pela própria pessoa que praticou o ato negocial que se revoga. Assim, no mandato, o mandante pode liberar-se do contrato, revogando os poderes que outorgou ao mandatário.[12]

Fábio Ulhôa Coelho trata do conceito específico da revogação do mandato:

Revogação. Trata-se da declaração unilateral do mandante no sentido de cassar os poderes outorgados ao mandatário. Admite-se a revogação como regra. Lembre o pressuposto da lei: os sujeitos de direito tendem a praticar os atos diretamente; a representação convencional tem, por isso, pertinência temporária e excepcional. Em outros termos, ninguém pode ser privado de retomar a direta administração de seus interesses quando lhe aprouver. A revogação do mandato, em conseqüência, é sempre cabível.[13]

Venosa também faz a conceituação, realçando a característica de revogabilidade intrínseca desse tipo de contrato:

(…) Fundado na confiança, a qualquer momento pode o mandante revogá-lo, da mesma forma que pode o mandatário a ele renunciar. Pela revogação, o mandante suprime os poderes outorgados. Essa revogação constitui, na verdade, uma denúncia vazia ou imotivada do contrato de mandato, pois independe de qualquer justificativa. Ao mandante cabe julgar o interesse de manter ou não o mandatário. Essa revogação é ato unilateral, independe de justificação ou aceitação do mandatário. Pode ocorrer antes ou durante o desempenho do mandato. Ineficaz e despicienda será a revogação após a conclusão da atividade do mandatário.[14]

Como já foi apontado, o comando genérico do art. 473 do Código Civil, deságua na inferência de que a revogação do mandato só produz seus efeitos após a denúncia notificada do mandatário. O preceito legal conduz, de forma hialina, a uma inarredável conclusão de ordem pragmática: não é razoável ou lógico, exigir que o mandatário se abstenha da prática dos atos e negócios que objetivaram o contrato de mandato, sem que o mesmo tenha ciência absoluta da cassação dos poderes que lhe foram outorgados. Dessa forma, a produção dos efeitos da revogação só é considerada após a notificação do mandatário, provada por meio inequívoco. A regra vale, mesmo que o animus unilateral do mandante em desfazer o vínculo contratual seja manifestada formalmente. Note-se, portanto, que o critério temporal envolvendo a ciência do mandatário sobre a resilição unilateral promovida pelo mandante é de fulcral importância para determinar o termo final do mandato. A partir daí, a revogação produz efeito ex nunc, conforme já foi mencionado.

Ao abordar a extinção do mandato por morte de uma das partes, foi evidenciado que, a teor do art. 689 do Código Civil, os atos praticados por procurador em época posterior à causa extintiva do mandato, têm arrimo jurídico, desde que este ignore a causa extintiva. A regra vale também para a hipótese de revogação e faz justiça tanto ao mandatário, que desconhecia a resilição unilateral promovida pelo mandante, quanto aos terceiros, que, desconhecendo igualmente a causa extintiva, trataram com o procurador. Manifesta-se aqui, mais uma vez, a importância da notificação e sua prova.

A preocupação do Código Civil acerca da ciência das partes envolvidas nos negócios jurídicos intermediados por representação convencional ultrapassa, assim, as pessoas do mandante e do mandatário. O art. 686 do Código Civil, põe a salvo os terceiros que, ignorando a revogação do mandato, promoveram negócios com o mandatário, mesmo que este tenha sido notificado da revogação. O dispositivo tem o fito de prestigiar a boa fé do terceiro em detrimento do abuso do mandatário. A parte final do artigo municia o mandante com arsenal processual a ser utilizado contra o mandatário que agir de má-fé, carreando-lhe prejuízos.

No intuito de imunizar o terceiro de boa fé dos eventuais entreveros oriundos da revogação do mandato, o parágrafo único do art. 686 do Código Civil, estabelece ainda a irrevogabilidade do mandato, quando destinado ao exercício, pelo mandatário, de atos pertinentes à confirmação ou cumprimento de negócios já concluídos ou em vias de conclusão. A intenção do dispositivo legal é pôr o terceiro a salvo dos impulsos ou caprichos do mandante, que, infringindo seus direitos, promove a revogação do mandato, por razões muitas vezes alheias ao negócio, como, por exemplo, o desentendimento com o mandatário.

A circunstância acima aventada é uma das poucas situações que tem lugar a irrevogabilidade dos poderes conferidos no mandato, visto que, como já exposto, a possibilidade de resilição imotivada é tônica deste tipo de contrato, e a irrevogabilidade aparece sempre com medida excepcional. Assim, é possível ao mandante revogar o contrato mesmo que o instrumento respectivo tenha estabelecido cláusula de irrevogabilidade. Neste caso, o mandante fica obrigado ao mandatário pelas perdas e danos apurados, conforme preceito legal do art. 683 do Código Civil. Destarte, a irrevogabilidade do mandato, mesmo quando pactuada pelos contratantes, é relativa, podendo ser elidida por quem confere os poderes, desde que se sujeite a suportar os eventuais prejuízos sofridos por seu representante. A doutrina discorre sobre o cunho de relatividade da cláusula que impede a revogação, justificando sua existência:

Ordinariamente, o mandante pode revogar ad nutum o mandato conferido. Ainda que as partes tenham estipulado cláusula de irrevogabilidade, o mandante pode extinguir unilateralmente o contrato, hipótese em que responderá por perdas e danos (art. 683). O poder revogador do mandante contrasta com o princípio geral de que os contratos só podem ser dissolvidos por mútuo consenso. A exceção se justifica por três razões, que normalmente motivam o contrato: a) a confiança do mandatário (finita voluntate, finitum est mandatum); b) o contrato, via de regra, visa a atender interesse exclusivo do mandante; c) a gratuidade como caráter, em geral, do contrato. A cláusula de irrevogabilidade é considerada, por alguns autores, como contrária à natureza do mandato.[15]

Completando o pensamento do autor, Fábio Ulhôa Coelho analisa o detalhe, fazendo ilustração:

Até mesmo quando a procuração contempla cláusula de irrevogabilidade, o mandante pode, em princípio, revogar o mandato. Nesse caso, está obrigado a arcar com a indenização pelos danos que isso trouxer ao mandatário (CC, art. 683), que terá, por exemplo, direito à remuneração proporcional à evolução das tratativas com os potenciais interessados.[16]

No entanto, situações há em que a irrevogabilidade decorre de mandamento legal. Além da particularidade de vinculação contemplada no parágrafo único do art. 686 do Código Civil, já abordada neste estudo e destinada a proteger a conclusão de negócios envolvendo interesse de terceiros, existem outras poucas situações em que e estatuto civil impõe a irrevogabilidade do mandato. A primeira delas, referenciada no art. 684, primeira parte, do Código Civil, diz respeito ao impedimento de revogação imposto em razão da existência de vínculo a outro contrato, de feição bilateral, em que se tenha estabelecido irrevogabilidade. Vislumbra-se, in casu, o mandato como acessório de um outro contrato, que neste caso tem como característica, a bilateralidade. Caio Mário aborda o tema:

Em razão de sua vinculação a outro contrato, não suscetível de resilição unilateral, não pode cessar pela revogação (…). Nestes casos, qualquer tentativa de revogação por parte do mandante será considerada ineficaz.[17]

A situação ventilada na parte inicial do art. 684 do Código Civil pode ser exemplificada pelo caso do mandatário que detêm poderes para, em nome do mandante, celebrar contrato definitivo de compra e venda com terceiro, conseqüente a outro contrato preliminar formalizado através de promessa quitada por este mesmo terceiro, em que se estabeleceu condição de irrevogabilidade, em razão da própria quitação do preço. Ora, estando cumpridas todas as obrigações do terceiro para com o mandante no contrato preliminar; e, estando este estribado em cláusula de irrevogabilidade, não pode o mandante cassar os poderes outorgados ao mandatário para celebrar com o terceiro o contrato definitivo de compra e venda.

A parte final do mesmo art. 684 do Código Civil impõe também a irrevogabilidade quando o mandato tenha sido conferido no exclusivo interesse do mandatário, ou seja, quando os poderes outorgados acorrem em benefício único do próprio mandatário. Deriva, geralmente daquelas situações em que, por conveniência das partes, a prestação a cargo de uma delas em determinado contrato é substituída pela outorga de procuração ao outro contratante que deveria receber o adimplemento da obrigação. Os doutrinadores emprestam estampas ao comando legal:

De igual modo, se firmado o mandato em favor do mandatário. É, v. g., ele constituído procurador para receber valores que lhe deve o mandante, ou para vender um imóvel, cujo preço lhe é devido pelo mandante.[18]

Desse modo, também não é passível de revogação o mandato outorgado como instrumento de venda de bem destinado à revenda: se o vendedor pago pelo preço, ao invés de vender a coisa ao comprador, outorga-lhe procuração para que possa vendê-la a quem quiser e quando quiser, o mandato não pode ser revogado porque a irrevogabilidade foi contratada para atender a interesse exclusivo do mandatário.[19]

O art. 685 do Código Civil faz referência à outra condição de irrevogabilidade do mandato, que, a exemplo do que foi dito anteriormente, incorpora um modo de mandato que também é estipulado no exclusivo interesse do mandatário. Trata-se do mandato em causa própria (procuratio in rem suam). Quando o mandato é ajustado com tal estipulação, a indelebilidade é seu traço. O dispositivo legal prescreve que a procuração em causa própria não se extingue por revogação, nem por morte de qualquer das partes, dispensando o mandatário de prestação de contas ao mandante, e possibilitando ainda, que os bens móveis e imóveis que objetivam a procuração possam ser transferidos para o próprio mandatário. Daí a denominação procuração em causa própria. Essa modalidade de outorga de poderes, decorre geralmente de contrato preliminar de compra e venda quitada entre mandante e mandatário, em que as partes, por interesse mútuo, ao invés de celebrarem o contrato definitivo, estabelecem a outorga pelo mandante ao próprio mandatário dessa figura específica de procuração, que, sendo fruto de venda quitada, beneficiará este último com o apanágio da irrevogabilidade, além dos outros caracteres elencados no dispositivo legal. A razão da irrevogabilidade é lembrada pelo ícone doutrinário do Direito Civil:

O caráter especial, que lhe reconhece o Código, é o da irrevogabilidade, porque, embora agindo em nome do mandante, o mandatário gere os seus próprios interesses. Como já se observou acima, também por ser do mandatário o interesse, os seus poderes são ilimitados e não há contas a prestar pelo mandato.[20]

3.8. RESILIÇÃO UNILATERAL – RENÚNCIA

Conforme visto anteriormente, a resilição unilateral do mandato pode tomar as formas de revogação ou renúncia. Quando a declaração unilateral de vontade tendente a desfazer o vínculo do mandato é de iniciativa do mandatário, ocorre o fenômeno jurídico da renúncia, que, como acontece na revogação, deve ser anunciada à outra parte, no caso, o mandante, para a implementação plena de seus efeitos. Trata-se, destarte, da abdicação por parte do mandatário, dos poderes que lhe foram conferidos pelo mandante, referenciada no art. 682, I, do Código Civil.

Os fatores que justificam a revogação do mandato, já explorados quando de seu enfoque, aplicam-se, como regra geral, ao exercício da renúncia operada pelo mandatário, sendo por conseguinte, dispensável a repetição dos contornos e características jurídicas do fenômeno, a fim de não tornar fastidiosa, a condução do estudo. Os mesmos princípios atinentes ao caráter de pessoalidade e confiança, destacados na abordagem da revogação do mandato e que oferecem esteio a essa causa extintiva do contrato, servem também como supedâneo à concretização da renúncia por parte do mandatário. A renúncia opera-se, portanto, ad nutum,

Deve ser acrescentado, no entanto, que consoante as disposições do art. 688 do Código Civil, a renúncia deve ser oportuna, de forma a que o mandante não seja surpreendido por uma atitude intempestiva do mandatário, carreando-lhe prejuízos. O dispositivo legal estabelece o direito de indenização ao mandante, caso a renúncia do mandatário seja inoportuna e, por conseqüência, gere perda ao mandante, pela impossibilidade de investir substituto para os negócios cometidos ao renunciante. O mesmo fragmento legal dispersa a responsabilidade do mandatário, quando restar provado que a manutenção do contrato poderia lhe ocasionar prejuízos consideráveis e que o instrumento vedava o substabelecimento.

O professor Caio Mário faz registro à renúncia do mandato, esclarecendo, convenientemente, que a inoportunidade referida no art. 688 do Código Civil não conduz a esterilidade da renúncia. Ela subsiste, mesmo que inoportuna, mas submete o renunciante a eventual responsabilidade por perdas e danos:

Renúncia. Simetricamente ao poder de cassação conferido ao mandante, guarda o mandatário a faculdade de abdicar da representação, comunicando a renúncia ao mandante, com tempo para que este proveja à sua substituição, sob pena de responder por perdas e danos (Código Civil, art. 688). A inoportunidade não tem, como conseqüência, a ineficácia da renúncia, mas sujeita o mandatário renunciante a indenizar. Este direito à renúncia, não obstante assentar na tradição romana da gratuidade do mandato, e haver autores que ainda sustentam que só por aí se explica, prevalece no direito moderno, ainda nos casos de mandato oneroso.[21]

A questão que o autor alude na parte final do fragmento doutrinário selecionado, é fruto divergências. Sílvio Rodrigues, sem descartar expressamente a possibilidade de resilição imotivada do mandato oneroso por parte do mandatário, argumenta que seu cabimento se legitima mais no mandato gratuito:

A possibilidade de renúncia ad nutum, por parte do mandatário, talvez mais se justifique no mandato gratuito do que no oneroso. Isso porque naquele há um comportamento desinteressado que não deve trazer maiores ônus para o mandatário, enquanto no mandato remunerado o procurador, que visa um proveito, deve, também, arcar com alguns inconvenientes.[22]

Fábio Ulhoa Coelho também faz referência ao desfazimento do contrato por via de renúncia do mandatário, ressaltando a responsabilidade legal deste, na presunção de resilição inoportuna:

Renúncia. Cuida-se da declaração unilateral do mandatário no sentido de se desvencilhar dos poderes de representação que lhe foram outorgados. Cabe em qualquer hipótese, por considerar-se a limitação da renúncia incompatível com a liberdade humana. O mandatário que renuncia injustamente é obrigado a indenizar o mandante, se o ato lhe ocasionar prejuízos, como no caso de falta de tempo hábil para providenciar-lhe a substituição. A renúncia é justa, entre outras hipóteses, quando a continuidade do mandato é excessivamente onerosa para o mandatário e ele não tem poderes para substabelecer (CC, art. 688).[23]

Outrossim, ocorrem situações em que o mandatário, mesmo após renunciar o mandato, fica obrigado, por certo tempo a exercitar os poderes outorgados, até que o mandante lhe proveja substituto. Nesse sentido, a norma processual traz imperativos de interesse ao assunto em foco. O art. 45 do Código de Processo Civil, dispõe que o advogado pode renunciar ao mandato, mediante notificação ao seu constituinte, impondo, entretanto, ao mandatário, que permaneça representando seu constituinte nos 10 (dez) dias conseqüentes à renúncia. Dispositivo no mesmo sentido é encontrado no art. 5º, § 3º, da Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1974 (Estatuto da Advocacia).

3.9. NOMEAÇÃO DE NOVO MANDATÁRIO

As causas extintivas abordadas neste artigo são aquelas que compõem o elenco do art. 682 do Código Civil. Entretanto, o legislador estabeleceu no art. 687 do mesmo diploma, uma situação que também determina a extinção do contrato de mandato. Assim, de acordo com o comando deste dispositivo, a notificação feita ao mandatário pelo mandante, colocando-o ciente da nomeação de novo representante para o negócio objeto do mandato, tem índole substitutiva, aniquilando assim, o contrato de mandato até então vigente. O preceito remonta a codificação primeva do Direito Civil em Roma:

Iulianus ait, eum, qui dedit diversis temporibus procuratores duos, posteriorem dando priorem prohibuisse videri. (“Disse Juliano, que aquele que, em distintos tempos, nomeou dois procuradores, entende-se que nomeando o posterior revogou a primeira nomeação”). [24]

É de se ressaltar que a extinção só atinge o mandato anteriormente celebrado, quando o mandato posterior tiver por objeto, a outorga dos mesmos poderes já conferidos. Destarte, a outorga de uma procuração superveniente a outra, mas com diferente objeto negocial, não produz qualquer interferência no primeiro. Mais uma vez, a lei deixa evidente a índole fiduciária do mandato, facultando ao mandante que, ao ver desvanecida a confiança depositada no mandatário, possa, através da nomeação de outro representante, desfazer o vínculo contratual existente. Clóvis Beviláqua enfrenta o tema com peculiar perspicácia, estabelecendo paralelos entre a procuração geral e a especial:

A nomeação de do novo procurador, para ter o efeito de revogar o anterior, deve ser pera o mesmo negócio. A procuração geral para todos os negócios não revoga a especial anterior se a ela, expressamente, se não referir, e a especial posterior só revoga a geral anterior no que concernir ao seu objeto peculiar.[25]

Impende destacar que para o estabelecimento da eficácia extintiva, mister a ciência do mandatário primitivo, por via de notificação, a exemplo do que já foi exaustivamente examinado quando do enfrentamento das outras causas extintivas do mandato. Após tomar conhecimento da nomeação de novo mandatário, deve ele se abster da prática de qualquer ato com base no instrumento contaminado pela nova nomeação, sob pena de responder por perdas e danos, conforme já foi também explanado no decorrer do estudo.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As reflexões que suscitaram a elaboração do presente artigo não conduzem a nenhum desfecho de cunho conclusivo. As ponderações apresentadas tiveram o escopo exclusivo de promover uma incursão exploratória ao rol de causas extintivas do mandato, procurando oferecer uma visão mais ou menos pormenorizada de cada uma delas, tendo em conta o fecundo terreno didático em que transforma o contrato de mandato, quando está a se tratar de causas contratuais extintivas.

Como o trabalho teve o cometimento de examinar aquelas causas extintivas estabelecidas pelo Código Civil de concernência própria do mandato, não foram assimiladas outras de caráter genérico, como as decorrentes da infringência dos pressupostos de validade dos negócios jurídicos estampadas no art. 104 do Código Civil ou a resolução por inadimplemento contratual, que, embora não referenciadas neste trabalho, incluem-se, por óbvio ao rol de causas extintivas do mandato.

O estudo das causas extintivas do mandato, deu acesso, invariavelmente, à coleta das diversas condições que excepcionam ou postergam o desfazimento da conexão contratual entre mandante e mandatário, assim como aquelas poucas situações em que a lei reputa irrevogável o contrato de mandato.

Espera-se que a investigação que objetivou a elaboração deste texto possa contribuir de alguma forma para o incremento da pesquisa acerca do tema de grande interesse para o Direito Civil.

 

5. Referência bibliográfica
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Commentado. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1919, v. 5.
COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2005, v. 3.
DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 1 e 3.
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. 3.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 3.
RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. 29ª ed. São Paulo: Forense, 2003, v. 3.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, v. 2 e 3.
Notas:
[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 1, p. 322.
[2] RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 679.
[3] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, v. 3, p. 272.
[4] Ibid.., v. 2, p. 529.
[5] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 3, p. 399.
[6] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 3, p. 183.
[7] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, v. 2, p. 527.
[8] NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. 3, p. 409.
[9] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 3, p. 414.
[10] DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 198.
[11] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 3, p. 386.
[12] DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 199.
[13] COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2005, v. 3, p. 325.
[14] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, v. 3, p. 296.
[15] NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. 3, p. 409.
[16] COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2005, v. 3, p. 325.
[17] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 3, p. 416.
[18] RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 723.
[19] COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2005, v. 3, p. 326.
[20] BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Commentado. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1919, v. 5, p. 65.
[21] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 3, p. 413.
[22] RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. 29ª ed. São Paulo: Forense, 2003, v. 3. p.303.
[23] COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2005, v. 3, p. 326.
[24] NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. 3, p. 411, apud Digesto, Livro III, tit. III, frag. 31, § 2º.
[25] BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Commentado. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1919, v. 5, p. 67.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Carlos Kennedy da Costa Leite

 

Bacharel em Direito pela FADIVA.
Especialista em Direito Civil pela Faculdade de Direito do Sul de Minas.
Tabelião do Serviço Notarial do 1º Ofício da Comarca de Machado-MG.
Professor de Direito Civil do Curso de Graduação em Direito do IMES-FUMESC.
Professor Orientador do Curso de Especialização em Direito Registral Imobiliário da PUC MINAS.

 


 

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