Em quem se pode confiar? Esta pergunta provavelmente é feita quando somos vítima de decepções, quer no campo familiar, político e religioso. Num mundo em que não existe mais tanta confiança e que está cheio de pessoas desonestas, a escolha de um representante para assuntos importantes torna-se extremamente delicado. Quem é a pessoa mais adequada e até que ponto esta terá poder para tratar dos meus interesses? Mais complicado que a resposta é, sem dúvida, a escolha dessa pessoa ideal.
Quando a confiança envolve negócios, agir com a devida cautela nunca é demais. Comprar, vender ou assumir qualquer outra obrigação requer, além da confiança, conhecimento por parte daquele a quem é conferido o poder. É o que acontece nas licitações, onde empresas apresentam e legitimam seus representantes através de procurações a praticarem todos os atos relativos ao certame. Correm o risco, todavia, de serem vítimas de abusos por parte dos mandatários.
Opera-se o mandato, através do seu instrumento representativo, a procuração, quando alguém, no caso a sociedade empresária ou empresário individual, outorga poderes a alguém para representá-la em atos e administração, em seu nome. Desta forma, o que caracteriza a procuração é a especificação dos poderes outorgados pelo mandante ao seu mandatário.
O alcance dos poderes de representação pode ser de caráter geral ou especial. Quando abranger negócio específico que importe a transferência ou comprometimento do patrimônio do mandante, tem-se o mandato com poder especial. Pela importância do negócio a ser firmado e área de atuação, não se admite que tal poder seja verbal ou tácito.
Toda licitação, consoante art. 3° da Lei 8.666/93, se destina a garantir a igualdade de condições entre os licitantes, obrigando a Administração Pública que este procedimento seja processado em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade e estrita vinculação ao instrumento convocatório. No caso do pregão, regido pela Lei 10.520/02, esta regra também é obrigatória.
Por descuido, pregoeiros têm desconsiderado um detalhe importante no momento de se credenciar os participantes, especialmente no que se refere aos poderes conferidos pelas empresas aos seus representantes para a fase de lances. O instrumento do mandato, exigido como pré-requisito à participação e conseqüente oferta de lances, por vezes é apresentado apenas com poderes gerais, embora os legitimando a representarem, não os autoriza a comprometer os negócios, como oferecer lances de preços ou renunciar recursos, em nome da empresa.
Nas licitações, e visando garantir por todos os meios os interesses do ente público, inclusive evitando transtornos futuros, alguns editais já trazem modelos de procurações que serão aceitas pelo pregoeiro. Entretanto, é comum a aceitação de procurações credenciando os representantes com poderes expressos, mas que caracterizam apenas poderes gerais, ou aquelas que, de alguma forma, mesmo com dados incompletos ou poderes insuficientes, possam ser confirmadas pelo mandante que nem sequer encontra-se presente no momento do credenciamento, e pior, nem é ele consultado.
Procurações contendo expressões tais como “para representar a empresa na presente licitação”; “para tudo praticar como se presente fosse para o bom e fiel desempenho deste mandato”; “com poderes para transigir (ceder, chegar a acordo) e praticar os demais atos durante a licitação” ou “a quem confere amplos e gerais poderes”, apesar de expressas, conferem ao mandatário apenas poderes gerais. Não envolve, portanto, o comprometimento da sociedade empresária ou empresário individual ao fornecimento do objeto licitado, tampouco a possibilidade de oferecer lances no certame ou formular e desistir de recursos. Nem se deve admitir considerar como implícito o poder de ofertar lances de preços apenas por conter a redação “para praticar todos os atos referentes ao certame”.
Na lição de Sílvio de Salvo Venosa, em “Contratos em Espécie”, pág. 276, “para os atos que exigem poderes especiais e expressos é necessário que o mandato especifique exatamente o objeto da outorga”. Noutras palavras, significa que devem ser especificados os poderes e a quem são dirigidos, sob pena de responsabilidade do mandatário pelo excesso ou abuso do poder. E no caso do pregão, invalidade dos lances ofertados ou recurso interposto.
O excesso de poder é diferente do abuso de poder por parte do mandatário. O excesso pode, por exemplo, caracterizar-se pela interposição de recurso no momento do certame, caso não conste expressamente na procuração. Estará indo além das determinações do mandante, embora possa ser confirmada posteriormente, não deixa de extrapolar os poderes que lhe foram outorgados. O ato poderá, por outro lado, ser anulado somente no que se refere a este excesso, caso o mandante não o ratifique, conforme art. 662 do Código Civil. O abuso e o excesso do poder podem confundir-se, porém, o abuso denota situação mais grave, o comprometimento de uma obrigação com conseqüências graves para o mandante, enquanto que no excesso o mandante confia no mandatário para que pratique o ato, porém, devido a circunstâncias eventuais, fez-se necessário um agir além do limite pelo mandatário.
Em linhas gerais, esclarece o art. 661 do Código Civil que o mandato só confere poderes de administração, ou seja, aqueles que não envolvem comprometimento do mandante a determinada licitação. Para os demais atos requer poderes especiais e expressos. O mandatário estará capacitado a representar o mandante onde quer que haja ato possível de ser praticado, dentro do campo de uma administração comum. Fora dessa área, a lei determina que o mandatário deva ser revestido de poderes especiais, ou seja, poderes que determinem o negócio jurídico em mira. Por exemplo, “para hipotecar exigir-se-á do mandatário poderes especiais e expressos. Contudo, não pode hipotecar o mandatário que apenas dispõe de poderes para alienar”. Para oferecer lances, este pode deve estar expresso, ainda mais por exigência do edital, e não estará apto o mandatário que tenha poder apenas para representar a empresa na licitação ou praticar todos os atos necessários. Ofertar lances em nome do mandante requer redação expressa na procuração, bem como desistir de recurso ou interpô-lo.
Ao outorgar o poder de representação, o mandante deve discriminar os atos que o mandatário pode praticar de maneira clara e minuciosa, visando todos os atos do certame, sob pena de descredenciamento para a oferta de lances, interposição de recurso, impugnação etc., enfim, todos aqueles atos posteriores ao credenciamento.
Apesar de ser comum a ratificação do mandante em relação aos atos praticados pelo mandatário mesmo munido de procuração apenas com poderes gerais, a Administração Pública tem, não a opção, mas o dever de pautar-se sempre pela legalidade. Os editais, de maneira geral, mantêm uma cláusula onde, expressamente, os participantes “deverão estar devidamente credenciados por instrumento público ou particular de procuração com firma reconhecida com poderes para formular ofertas e lances de preços”. Ocorre que nem todas as procurações trazem estes poderes de forma expressa, como determina o Código Civil, e mesmo assim são aceitas.
O mandatário carrega uma grande responsabilidade, ainda mais em se tratando de assumir obrigações com o Poder Público. Por isso, está obrigado a dar contas de sua gerência ao mandante, e a aplicar toda a diligência habitual na execução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, os poderes que lhe foram outorgados e devia exercê-los pessoalmente.
Não só no que se refere aos poderes, mas especialmente quanto à conduta e habilidades do mandatário, deve o mandante ficar atento. Não bastará rechear uma procuração com todos os poderes possíveis, outorgando um leque de possibilidades ao mandatário para fazer valer seus direitos numa licitação se o outorgado, com inabilidade, não fizer uso desses poderes ou pior, não souber aproveitá-los. Não raro representantes apresentam mandato por instrumento público caprichosamente redigido, discriminando diversos poderes especiais, mas quando da lavratura da ata esquece de consignar sua intenção de apresentar recurso. Outros preferem fazê-lo posteriormente, mesmo com a preclusão (art. 5°, XX da Lei 10.520/02), e acabam correndo o sério risco de ter o direito do mandante perdido por mero descuido, quiçá, desconhecimento de seus poderes. Talvez não seja exagero se perguntarmos a um grupo de representantes o significado do poder de transigir, expressamente definido em sua procuração, e nenhum deles souber a resposta.
Portanto, todos os atos necessários ao bom andamento do certame devem ser acompanhados de poderes expressos dados aos respectivos representantes das empresas participantes e serem explicados e entendidos e, essencialmente, bem utilizados quando necessário. A falta de clareza quanto aos poderes conferidos e necessários ao desenvolvimento do certame implicará na impossibilidade de o mandatário exercê-los. Afinal, se o mandatário ultrapassar os poderes que lhe foram outorgados, o art. 662 do mesmo Código responde: “Os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar”. O mandatário excedente equipara-se a um estranho, porquanto a representação somente ocorre quando há poderes suficientes para a prática do ato.
O mandante, ao decidir em quem se pode confiar poderes através de um mandato, deverá ter paciência, pois é sabido que não se ganha a confiança de alguém de um dia para o outro. Uma medida prudente a ser adotada é gradativamente aumentar os poderes, sobretudo os especiais, observando de perto o modo de agir do mandatário. Se perceber que tal pessoa designada para representar o mandante mostra-se de confiança em pequenas coisas, será mais fácil e seguro confiar-lhe poderes especiais para assuntos mais relevantes. Mostra-se, portanto, veraz as palavras do evangelho de Lucas, “quem é fiel no mínimo, é também fiel no muito”. Ser seletivo, gradativo e claro ao formalizar um mandato ajudará a evitar grandes decepções.
Informações Sobre o Autor
Bruno Soares de Souza
Acadêmico do Curso de Direito das Faculdades Integradas do Oeste de Minas – FADOM/Divinópolis/MG