Os tribunais brasileiros têm recebido postulações processuais in limine litis de beneficiários dos planos de saúde privados com bastante freqüência. Buscam estes a obtenção do cumprimento em caráter de antecipação, dentro do processo, de determinadas obrigações que seriam dever destes planos quando do atendimento aos seus beneficiários e estariam sendo negadas por estas entidades. Cabe, pois, uma identificação das determinações legais que permitem aos magistrados manejarem juridicamente, nos tribunais, esta pretensão de antecipação de algum direito postulado pelos beneficiários dos planos de saúde, bem como uma análise da visão de como a doutrina e a jurisprudência pátrias abordam este tema.
Abordando a visão da nossa doutrina sobre o tema cabe citar o que nos ensina Clayton Reis: “5. O direito à integridade física e psíquica – a dignidade da pessoa humana como fundamento universal
O direito à integridade física e psíquica dos seres humanos é uma norma que se encontra consagrada no princípio da dignidade da pessoa humana, prescrito no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988. Essa ordem constitucional sobreveio da disposição contida no artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, sob o seguinte título: “Artigo I – todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”
Ao tutelar o ser humano em sua personalidade, o Estado objetiva preservar a integridade do conteúdo axiológico das pessoas, verdadeira fonte de valor.” (A Teoria do Risco na Modernidade. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (coordenador), GRANDES TEMAS DA ATUALIDADE; v.6; RESPONSABILIDADE CIVIL. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.55). E, diz mais o mesmo autor: “Na personalidade da pessoa se encontram concentrados todos os demais direitos do cidadão – direito à vida, à liberdade, à autonomia contratual, direito à privacidade, direito à imagem, à liberdade de manifestação do pensamento – enfim, toda uma gama de direitos que assegurem a plena realização da pessoa na esfera jurídica, na ordem social e no mundo dos valores.” (op. cit. p.56).
No seu exercício como profissional liberal, ou seja, no exercício de sua profissão o médico, mesmo que remunerado pelos planos de saúde, têm considerado os tribunais brasileiros que devem prevalecer as orientações técnicas destes profissionais, e não as determinações administrativas dos planos de saúde, como no que se refere às limitações no tempo de permanência em Unidades de Tratamento Intensivo, prevalecendo em suas decisões a manutenção dos pacientes durante o tempo que for determinado pelos seus médicos assistentes. E, é válido aqui transcrever o que nos diz Maria Helena Machado sobre o que seja uma profissão: “Utilizando a definição parsoniana de profissão, podemos dizer que profissões são sistemas de solidariedade cuja identidade é assegurada na competência técnica de seus membros, obtida em instituições de ensino credenciadas para este fim. Desta forma profissionais são aqueles indivíduos que possuem domínio sobre um determinado conhecimento com forte racionalidade cognitiva aplicável em uma dada realidade. Nesta perspectiva, o conhecimento específico tem um realce particular, definindo condutas técnicas e áreas de aplicabilidade dessa base cognitiva” (A Profissão de Enfermagem no Século XXI. REVISTA BRASILEIRA DE ENFERMAGEM. Brasília – DF, v.52, n.4, p. 589-595, out/dez, 1999). Até por isto, prevalece, pois, nos tribunais, dependendo, claro, sempre das peculiariedades dos casos concretos, a orientação técnica do profissional médico no que tange à quais tratamentos, e por quanto tempo, devem os pacientes receber nas instituições de saúde.
Por outro lado, os planos de saúde têm sua viabilidade econômica regida por conceitos de mutualidade, baseados em cálculos atuariais que permitam sua viabilidade financeira, ou seja, não causem a sua insolvência – inviabilidade. Sobre isto nos Edmilson de Almeida Barros Júnior: “Um direito fundamental nunca pode ser interpretado como meio de realização de um interesse ou bem coletivo geral, mas pode e deve ser confrontado com inúmeros outros direitos individuais vistos em conjunto” (A RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO – Uma Abordagem Constitucional. São Paulo: Atlas, 2007, p.205).
Impingir-se aos planos de saúde a obrigatoriedade pelo atendimento integral, ou mesmo tendendo à integralidade, até porque, constitucionalmente não é subsidiária, muito menos solidária, mas sim complementar a responsabilidade dos planos privados de saúde no atendimento ao cidadão brasileiro, pode ter uma boa argumentação contrária. Como nos diz Élida Seguin: “Claro que a obrigação constitucional prevista no já citado artigo 196 de atendimento universal é dever do Estado, não do setor privado, sendo injusto fazer com que este arque com todo o custo operacional dessa garantia, salvo se contratualmente obrigada, posto o seguro ser uma aléia e, quem se propõe a segurar, deve arcar com o risco dos imprevistos” (Plano de Saúde e o Código de Defesa do Consumidor. In: LANA, Roberto Lauro; FIGUEIREDO, Antônio Macena de (coordenadores), TEMAS DE DIREITO MÉDICO. Rio de Janeiro – RJ: Editora Espaço Jurídico, 2004, p.557).
Há, frise-se, necessidade de que sejam respeitados os cálculos atuariais para o bem da comunidade segurada pelos planos privados de saúde. Há referências nas decisões de nossos tribunais, da necessidade de se manter a viabilidade econômica dos planos de saúde privados no interesse de que a contribuição coletiva para um fundo administrado por determinado plano seja respeitada, não parecendo que possa ser admitido que da satisfação das pretensões de determinados segurados advenha a falência econômica de um plano de saúde, prejudicando todos os demais beneficiários deste plano. É necessário evitar-se decisões judiciais que se assemelhem à “jurisprudência sentimental”, característica dos julgados do “bom juiz” Magnaud (1889 –1914), que “imbuído de idéias humanitárias avançadas (…) atravessou o firmamento da Europa como um meteoro; da sua trajetória curta e brilhante não ficaram vestígios”, como nos relata Carlos Maximiliano (HERMENÊUTICA E APLICAÇÃO DO DIREITO, 16. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1996, p.83).
Indispensável, também, é a presença nos contratantes, não só o plano de saúde, como também na pessoa do segurado da boa-fé. Exemplifique-se com a norma legal, pois no que se refere às doenças preexistentes, cabe destacar o artigo 766, do Código Civil brasileiro, verbis: “Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido”, que dispõe no sentido de que estas sejam declaradas previamente por aquele que estiver contratando um plano de saúde com uma operadora, numa clara demonstração de boa-fé objetiva. E, não só no momento da contratação, como também no exercício daquilo que foi avençado contratualmente, ainda que contrato de adesão seja, devem, o contratante (segurado) e o contratado (plano de saúde), exercitarem a prática da boa-fé nas suas relações negociais. Como preleciona Maria Helena Diniz: “As partes deverão agir com lealdade e confiança recíprocas, auxiliando-se mutuamente na formação e execução do contrato” (CURSO DE DIREITO CIVIL BRASILEIRO. 3º Volume. Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. São Paulo – Saraiva, 1996, p.38). No mesmo sentido encontram-se decisões de magistrados brasileiros reconhecendo haver distinção entre a saúde pública (ilimitada) e saúde privada (limitada ao avençado em contrato); uma é dever do estado brasileiro, a outra é contratual, no terreno do Direito Privado, onde o contratante – segurado – está ciente das limitações de cobertura de gastos do seu plano de saúde, inclusive havendo diversas alternativas de cobertura dos gastos médico-hospitalares em um mesmo plano de saúde. Por isto mesmo, os pagamentos mensais, ou mesmo anuais, efetivados pelo segurado serão maiores, ou menores, de acordo com o tamanho da cobertura financeira dos gastos com a sua saúde que o mesmo deseja ter. O que não parece adequado é a filiação, voluntária, opcional, pelo segurado a uma determinada alternativa de cobertura de gastos de um plano de saúde onde pague menos e, depois, pretenda ter a cobertura de despesas com sua saúde cuja previsão de cobertura é feita apenas em modalidade, do seu plano de saúde privado, onde o desembolso financeiro pelo segurado é maior para ter direito a esta.
Devido ao cronológico tratamento legal diferenciado que o nosso ordenamento jurídico dá ao tema, havendo inclusive a possibilidade de se identificar três momentos de transição bem determinados no regramento normativo dos planos de saúde, quais sejam, antes do ano de 1990 (lei nº8.078, de 11 de setembro), e ntre 1990 e 1998 após o ano de 1998 (lei nº9.656, de 3 de junho).
Sobre este enfoque Cláudia Lima Marques nos diz: “A jurisprudência atual e reiterada do Superior Tribunal de Justiça, estabeleceu que a lei nova não se aplica aos contratos assinados antes da entrada em vigor desta lei. Isto porque, o Supremo Tribunal Federal instituiu uma forte linha de proibição da retroatividade mínima de qualquer lei, mesmo as de ordem pública, face ao mandamento constitucional de manutenção dos direitos adquiridos com base em contrato anterior à vigência da lei nova e da visão deste contrato como ato jurídico e perfeito e intocável pela legislador posterior” (Planos Privados de Assistência à Saúde. Desnecessidade de opção do consumidor pelo novo sistema. Opção a depender da conveniência do consumidor. Abusividade de cláusula contratual que permite a resolução do contrato coletivo por escolha do fornecedor. REVISTA DE DIREITO DO CONSUMIDOR. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nº 31, julho-setembro, 1999, p.129-169). E diz mais a mesma autora: “Face à reiterada jurisprudência brasileira, indiscutível, pois, hoje que aos contratos de seguro e planos de saúde assinados antes da entrada em vigor da nova lei (e suas modificações) aplica-se somente o CDC e a legislação anterior especial aos seguros. A aplicação retroativa a estes contratos da nova Lei 9.656, somente poderá se dar por força do próprio CDC, em um verdadeiro diálogo de fontes, como especificou Erik Jayme.
Efetivamente, o CDC trabalha com cláusulas gerais, como a da conduta segundo a boa-fé do combate ao abuso e ao desequilíbrio contratual, logo é possível ao juiz considerar que a nova lei consolidou o que é (e já era) abusivo segundo o CDC e ofensivo, pois as suas normas, então em vigor. O espírito do intérprete deve aqui ser guiado pelo do art. 7º do CDC, que com uma interface aberta do sistema tutelar dos consumidores (lex speciales rationae personnae), estabelece que a legislação tutelar incorpora todos os direitos assegurados aos consumidores em legislação ordinária, tratados etc. A ratio legis é, pois, de incorporar os “direitos” assegurados na leis especiais e não os deveres, o ônus, ou o retroceder da interpretação judicial já alcançada apenas com a lista de direitos asseguradas pelo CDC” (op.cit.).
Mas, no sadio exercício do contraditório, cabe citar o que afirma Rizzatto Nunes: “Por mais razão de ser, o mesmo se dá com os contratos de prestação diferida ou continuada, como são os de plano privado de assistência à saúde. Eles são contratos que implicam em prestação de serviços contínuos e que se propagam no tempo. Podem, portanto, ser atingidos pela lei nova. E, por isso, todos os contratos desse tipo assinados antes da entrada em vigor da Lei 8.078/90 foram por ela atingidos a partir de 11.03.1991 (data do início da sua vigência) (O Código de Defesa do Consumidor e os planos de saúde: o que importa saber. REVISTA DE DIREITO DO CONSUMIDOR. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nº48, outubro-dezembro, 2003, p.85-88).
Na busca da tutela jurídica de seu direito contratual, frente às condutas de um plano de saúde que julga lhe serem desfavoráveis dentro da relação contratual de cobertura dos riscos financeiros em saúde que estabeleceu com este, o segurado de um plano necessita, em juízo, demonstrar a presença dos pressupostos para o fornecimento destas liminares, quais sejam, podendo se dizer que variam, sem perderem o seu significado, nas diversas normas pertinentes ao tema, as denominações (descrições) que lhes são dadas: o Periculum in mora: TUTELA DA URGÊNCIA (“justificado receio de ineficácia do provimento final”) e o ”Fumus boni iuris: TUTELA DA EVIDÊNCIA (“relevante o fundamento da demanda”).
No que tange aos aspectos processuais das liminares que postulam os direitos dos beneficiários dos planos de saúde, cabe inicialmente citar o artigo 461, do Código de Processo Civil brasileiro, referindo-se às obrigações de fazer (que, pode-se aceitar, são aquelas pelas quais os planos de saúde se obrigam, mesmo que hajam vozes em contrário), em seu §3º, verbis: “Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada”. O mesmo artigo 461, do nosso Código Civil, dispõe sobre a possibilidade de ser imposta multa diária (“astreinte”) ao plano de saúde que não cumprir com o que lhe for processualmente determinado in limine litis”, agora em seu §4º: “O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito”.
Em nosso Código de Processo Civil, em seu LIVRO III – PROCESSO CAUTELAR – TÍTULO ÚNICO: DAS MEDIDAS CAUTELARES – CAPÍTULO I – DAS DISPOSIÇÕES GERAIS, do artigo 796 até o artigo 812, inclusive, estão descritos os procedimentos adequados para o manejo em juízo das medidas cautelares inominadas, que permitem ao magistrado tutelar o que for postulado pelo beneficiário de plano de saúde através de uma liminar de caráter assecuratório, cuja ação no processo pode se expressar pelo significado do verbo: “assegurar”, ou seja, estabelecer uma garantia do direito que porventura venha a ser atribuído, em juízo, ao beneficiário na decisão final irrecorrível. Ressalte-se o artigo 798, verbis: “Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação”. Neste sentido é válido transcrever o que preleciona Francisco Raimundo de Araújo: “Se o tempo exerce fundamental importância na vida humana, idêntico efeito produz no processo e, assim ocorrendo, não pode servir de empecilho à efetivação do direito reclamado por quem se mostra seu titular” (As tutelas de urgência e tutelas coletivas. MINISTÉRIO PÚBLICO & SOCIEDADE – Revista da Associação Cearense do Ministério Público. Fortaleza: ACMP, ano 7, nº14, janeiro/fevereiro/março, 2007, p.53-57).
Mais recentemente o Código de Processo Civil recebeu em seu artigo 273 a TUTELA ANTECIPADA: decisão judicial de cognição sumária antecipadora do mérito, que pode ser expressa pelo significado do verbo: “satisfazer”, ou seja, já há antecipadamente, em caráter liminar, e até incidental, a satisfação do direito postulado pelo beneficiário do plano de saúde. Transcrevem-se por esclarecedores do exposto o caput, com seus incisos, e o parágrafo 7º do referido artigo: “O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
(…)
§7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado”.
Todas estas medidas antecipatórias da tutela de um direito se caracterizam pela provisoriedade, podendo ser revogadas (artigo 273, §4o: A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada) à qualquer momento pelo magistrado e não fazem coisa julgada material. Cabe acentuar que todas estas decisões que antecipam, dentro do processo, uma tutela daquilo que postula o beneficiário de um plano de saúde podem ser determinadas pelo magistrado inaudita altera parte (não ouvida a outra parte) ou após justificação, como se vê no artigo 804: “É lícito ao juiz conceder liminarmente ou após justificação prévia a medida cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz; caso em que poderá determinar que o requerente preste caução real ou fidejussória de ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer”. A utilização dos instrumentos de antecipação, assecuratória ou satisfatória, da tutela de um direito: medida cautelar inominada (processo cautelar) e tutela antecipada (artigo 273 do Código de Processo Civil), nos tribunais, encontra, na doutrina e jurisprudência pátrias, defensores da possibilidade de se aceitar a fungibilidade destas diversas medidas na utilização processual das mesmas pelos procuradores das partes.
É conveniente lembrar a possibilidade de redundar em perdas e danos a obtenção da tutela antecipada por uma das partes como dispõe o artigo 811, do nosso Código de Processo Civil, em seu caput e incisos, verbis: “Sem prejuízo do disposto no art. 16, o requerente do procedimento cautelar responde ao requerido pelo prejuízo que Ihe causar a execução da medida:
I – se a sentença no processo principal Ihe for desfavorável;
II – se, obtida liminarmente a medida no caso do art. 804 deste Código, não promover a citação do requerido dentro em 5 (cinco) dias;
III – se ocorrer a cessação da eficácia da medida, em qualquer dos casos previstos no art. 808, deste Código;
IV – se o juiz acolher, no procedimento cautelar, a alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor (art. 810)”.
Vamos encontrar, também, em leis especiais a possibilidade do magistrado antecipar a tutela de um direito, como na Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985 – Lei da Ação Civil Pública – que em seu artigo 12 prevê: “Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo. (…)
§2º A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento”. Assim, também, determina a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor – que em seu artigo 84 determina: “Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o Juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (…)
§ 3º – Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao Juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu”.
As antecipações de direito dentro do processo foram agrupadas, de maneira esclarecedora, em grupos (tipos) por Luis Fux:
“a) Tutela antecipada deferida para tratamento urgente sob o fundamento de uma interpretação de cláusula contratual benéfica ao segurado, posto que vínculo de adesão conforme preceito do Código de Defesa do Consumidor.
b) Tutela antecipada em ação de obrigação de fazer visando o cumprimento do plano de saúde com fulcro no artigo 461 do Código de Processo Civil.
c) Tutela antecipada considerando a cláusula limitativa de prazo de internação como ineficaz quando um período maior é solicitado pelo médico, porque interpretação geradora de onerosidade excessiva.
d) Tutela antecipada considerando a cláusula limitativa de doença porquanto os riscos constituem ônus da seguradora.
e) Tutela antecipada concessiva diante da dúvida sobre a natureza da doença, prevalecendo a boa-fé nas mútuas informações, sem prejuízo da não comprovação da insolvabilidade do beneficiário e, em conseqüência da irreversibilidade do provimento.
f) Tutela antecipada conferida com dispensa de caução, reconhecendo a deficiência do serviço público” (Tutela Antecipada e Plano Privado de Saúde. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo – Coordenador – DIREITO E MEDICINA: aspectos jurídicos da Medicina. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p.283-300).
Cabe aqui a colocação de normas constitucionais que permitam o seu uso na argumentação da postulação de antecipação de um direito, pelo segurado, frente aos planos de saúde. Dentre outras, pode-se citar, da nossa Constituição Federal brasileira de 1988, os seguintes artigos: artigo 1º: “A República Federativa do Brasil (…) tem como fundamentos: (…) III – a dignidade da pessoa humana”, artigo 6º: “são direitos sociais (…) a saúde, e o artigo 196: “A saúde é direito de todos e dever do estado”. E, na argumentação, em juízo, da inadequabilidade desta antecipação de um direito pelo segurado de um plano de saúde vamos encontrar dentre outros a utilização dos seguintes artigos da Constituição Federal brasileira: no artigo 5º o seu inciso II: “– ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei;” e o seu inciso XXXI: “– a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;” e no artigo 199, o seu parágrafo 1º: “As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde”. Para o entendimento da possibilidade de não ser concedida a antecipação de um direito ao segurado, é útil a menção de que mesmo que o princípio expresso pela expressão latina pacta sunt servanda (os contratos devem ser cumpridos) que norteava o Código Civil brasileiro de 1916, revogado, encontre no adágio latino rebus sic stantibus (permanecendo assim as coisas), no Código Civil brasileiro, aprovado pelo Congresso Nacional em 2002, a expressão do espírito que deve conduzir as relações negociais na nossa sociedade no momento atual, não parece ser o adequado aplicar-se este conceito de restabelecer o status quo ante (no estado em que se encontrava anteriormente) às relações contratuais entre segurados e planos de saúde, já que não é a imprevisão, ou seja, uma mudança na realidade contratual prejudicando uma das partes, que caracteriza as diferentes interpretações contratuais em caso de necessidade de tratamento de saúde pelos beneficiários destes planos. O que ocorre são divergências no entendimento e aplicação das cláusulas entre as partes envolvidas nos contratos de planos de saúde, quando da execução do avençado nestes legítimos contratos de adesão. E, nem sempre, as aspirações antecipatórias dos beneficiários dos planos de saúde expressam a realidade contratual pactuada, como preleciona Luis Fux: “Aplicados os Institutos ao tema, depreendemos que os litígios judiciais envolvem segurados que, a pretexto de possuírem prova inequívoca conducente à verossimilhança da alegação que formulam, pleiteiam a antecipação de tutela para imediata internação em hospital, por vezes não conveniado, para a realização de serviços médicos não previstos ou, enfim, para reembolso de despesas não cobertas etc.”
(op. cit.). A boa-fé contratual, ou seja, assegurar o exercício dos direitos legítimos, das partes contratantes é imprescindível nas relações negociais, como nos diz Fernanda Schaeffer: “O princípio da boa-fé pode ser considerado como orientador de toda a legislação consumerista e que deverá ser observado tanto na fase pré-negocial, como nas fases de formação e execução dos contratos” (RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE. Curitiba: Editora Juruá, 2003, p.74). No mesmo sentido vão outros doutrinadores: “Assim, a conduta dos contratantes, no transcorrer da execução do contrato, deve obedecer à mais estrita boa-fé.
Ademais, o Código de Defesa do Consumidor, além de estabelecer a cláusula geral de boa-fé, relacionou vários direitos relativos à adequação da conduta dos contratantes. Assim, deverão tais regras continuar a incidir na interpretação dos contratos relativos a planos e seguros de saúde” (MARQUES, Claudia Lima; LOPES, José Reinaldo de Lima; PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. SAÚDE E RESPONSABILIDADE: seguros e planos de assistência privada à saúde – Biblioteca de Direito do Consumidor, v.13, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p.77-78). O Código Civil brasileiro é farto de comandos na mesma direção como se deduz do texto dos artigos 113: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”, 187: “Também comete ato ilícito titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”, 422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”, e 765: “O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes”. Também o Código de Defesa do Consumidor apresenta dispositivo no mesmo diapasão em seu artigo 4º, no caput e no inciso III: “A Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (…)
III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores” e em seu artigo 51: “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (…)
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade”.
As decisões dos nossos tribunais têm oportunizado, no que se refere aos contratos de planos de saúde privados, aos pacientes a tutela, em caráter liminar, dos lídimos direitos dos pacientes, encontrando-se, atualmente, predominância nesta direção nos seus julgados. Mas há situações que se caracterizem por, exemplificando: referirem-se a contrato anterior à Lei dos Planos de Saúde; reembolso dos gastos decorrentes da internação em hospital que não seja conveniado não tendo ocorrido as condições especiais necessárias a isto como: urgência em ser internado, inexistência de estabelecimento de saúde credenciado em um determinado local, recusa de um hospital credenciado de receber o paciente, etc.; haver uma cláusula expressa, de fácil constatação (destacada) na leitura no contrato, em que determinada cobertura de gastos tenha sido excluída contratualmente, em que podemos encontrar decisões dos tribunais brasileiros favoráveis aos planos de saúde.
É permitido deduzir-se serem numericamente favoráveis aos segurados as decisões dos tribunais em nosso país, quando da postulação de liminares que reivindicam os seus direitos contratuais face aos planos de saúde privados. Mas não descabe que planos de saúde apresentem, em juízo, argumentações legais que impeçam, que em prol de interesses individuais, sejam causados prejuízos econômicos para uma coletividade de segurados de um plano de saúde privado, os quais em consonância com os modernos conceitos de mutualidade, baseada em cálculos atuariais, contrataram um plano de saúde. Também, respeitada a dignidade humana dos segurados, parece adequado os planos de saúde postularem em juízo o cumprimento das cláusulas contratadas, até em prol da segurança jurídica que deve pautar as relações em sociedade.
Informações Sobre o Autor
Neri Tadeu Camara Souza
Advogado e Médico – Direito Médico
Autor do livro: Responsabilidade civil e penal do médico – 2003 – LZN