I – Introdução
Caros leitores, gostaria de lhes dedicar parte de minha monografia de final de curso, intitulada “AÇÃO CIVIL PÚBLICA em defesa do meio ambiente”, com o objetivo de convidá-los a refletir sobre a importância da preservação ambiental e da repressão e responsabilização daqueles que, em função de sua conduta lesiva, põe em risco a qualidade de vida em nosso mundo.
O crescimento de um país é indispensável, não resta dúvida, porém, deve ser feito de maneira planejada e sustentável, visando o objetivo primordial de garantir a harmonia entre o desenvolvimento sócio-econômico e a preservação da qualidade ambiental, de modo que o progresso se verifique em função do homem e não às custas dele. A política ambiental não deve ser entendida como elemento inibidor do desenvolvimento, mas sim, como um de seus instrumentos mais valiosos, ao propiciar a gestão racional dos recursos naturais.
O meio ambiente é um dos bens mais importantes para o ser humano. Assim sendo, não podemos permitir que ninguém, de modo algum, o danifique. É inadmissível que tragédias como aquela verificada nas águas da Baía de Guanabara em janeiro deste ano, caiam no esquecimento e na impunidade.
Quase um ano após o desastre, analisamos as medidas que vem sendo adotadas na apuração e responsabilização das condutas que deram origem a esta tragédia que chocou a todos os cariocas, mostrando os procedimentos adotados e de que forma a Petrobrás vem sendo punida.
1 – A constante degradação ambiental
É público e notório que nosso planeta atravessa uma séria crise ambiental, que vem se agravando a cada dia. A atuação indiscriminada do homem na busca dos bens naturais necessários à satisfação de seu bem estar têm sido fator determinante para o desequilíbrio e a progressiva destruição dos ecossistemas em nosso mundo.
O processo de desenvolvimento dos países, principalmente a partir do século XIII, com o advento da Revolução Industrial, tem se caracterizado pela acentuada exploração dos recursos naturais, induzindo a constante deterioração das condições ambientais. Se, por um lado, os avanços técnicos e científicos aumentaram as possibilidades de sobrevivência de nossa espécie, por outro lado, esses mesmos fatores contribuem para um grande crescimento da população humana. Em razão deste aumento populacional, intensificou-se a exploração da natureza para a produção de energia e alimento. Esta exploração deveria ter sido promovida de modo a garantir a renovação dos recursos naturais e a reciclagem dos produtos, o que evitaria um acúmulo de resíduos tóxicos e o surgimento de desequilíbrios ecológicos. Infelizmente, porém, o homem não deu a devida atenção a esses problemas, passando a encarar a natureza apenas como fonte de lucro imediato.
Consequentemente, essa conduta ecologicamente nociva, tem ocasionado a gradativa poluição do ar, do solo e da água, bem como, a aceleração do processo de extinção de inúmeras espécies animais e vegetais. A poluição vem provocando inúmeras modificações nas características do meio ambiente de Nosso Planeta, tornando-o impróprio aos seres vivos que nele habitam.
Diante desta realidade alarmante, a preocupação com o desequilíbrio ecológico tem sido acentuada nas últimas décadas, e se integra hoje ao cotidiano de políticos, juristas, artistas, jornalistas sociólogos, etc. Ao que parece, milhões de pessoas estão se conscientizando da necessidade de se manter o equilíbrio ecológico, sob pena da mais completa deterioração da qualidade de vida. A todo o momento, os veículos de comunicação divulgam as agressões ao meio ambiente e suas consequências. Todos dias sentimos o ritmo acelerado das mudanças ambientais. O ser humano está percebendo que, ao alterar o meio ambiente poluindo-o, está prejudicando a própria vida
Nesse sentido, foi estipulado na Constituição Federal de 1988, em seu art.225, “caput“, os princípios norteadores do Direito ambiental, garantindo que:
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”1.
O combate à devastação do meio ambiente é fenômeno comum a todos os países do mundo. Nós brasileiros temos que fazer nossa parte, pressionando nossos legisladores à formulação de leis mais rigorosas quanto a punição das condutas que devastam o meio ambiente, mandando para cadeia quem promover sua degradação. Estamos cansados de ver os poluidores escaparem impunes de seus crimes!
A apuração dos prejuízos pelo derramamento de óleo na Baía de Guanabara, deve resultar, pois, na imposição de uma pena rigorosa sobre a Petrobrás. Só através de uma sanção severa é que poderemos inibir a conduta das empresas, públicas ou privadas, que poluem o meio ambiente. Na Baía de Guanabara, por exemplo, temos observado, todos dias, manchas de óleo provenientes de pequenos vazamentos de petroleiros, de oleodutos, ou mesmo da lavagem inescrupulosa dos tanques dos navios petroleiros, tudo isto, porque os poluidores apostam na impunidade. As autoridades não podem ficar inertes a isto!
2 – Como aconteceu o desastre?
Este acontecimento lamentável foi verificado nas águas do Estado do Rio de Janeiro na madrugada do dia 18 de janeiro de 2000, onde, em virtude de um problema originado em uma das tubulações da Refinaria Duque de Caxias (Reduc), foram lançados, segundo dados noticiados pela imprensa, algo em torno de 1,3 milhões de litros de óleo cru na Baía de Guanabara.
Considerado o segundo desastre mais grave já verificado na área marítima do Rio de Janeiro, sendo apenas superado pelo acidente ocorrido com o navio “TARIK”, em 1975, provocou graves danos ao ecossistema, o qual, segundo especialistas, só deverá recuperar suas condições normais daqui a dez ou quinze anos.
A mancha de óleo se estendeu por uma faixa superior a 50 quilômetros quadrados, atingindo o manguezal da área de proteção ambiental (APA) de Guapimirim, praias banhadas pela Baía de Guanabara, inúmeras espécies da fauna e flora, além de provocar graves prejuízos de ordem social e econômica a população local.
As comunidades que tiravam seu sustento de atividades ligadas, direta ou indiretamente, a boa qualidade das águas da Baía de Guanabara, tais como, a pesca e o turismo, foram muito prejudicadas, quer pela contaminação dos peixes e crustáceos, quer pela inviabilização do turismo pela poluição do ambiente.
O presidente da Petrobrás, o Sr. Henri Phillipe Reichstul, admitiu a existência de falha no projeto de instalação do oleoduto PE-2, fato este, responsável pelo acidente com o óleo, que provocou toda espécie de prejuízos, tais como; a contaminação do espelho d’água da Baía de Guanabara, com reflexos na fauna nectônica e plantônica; a contaminação das areias, costões rochosos, muros de contenção, pedras, lajes e muretas das Ilhas do Governador e de Paquetá; danos à vegetação de mangue existente no entorno da Ilha do Governador; danos a avifauna; danos à comunidade bentônica em função da sedimentação do óleo no fundo da Baía; prejuízo às atividades pesqueiras; drástica redução das atividades turísticas da Ilha de Paquetá; entre outros.
No dia 22 de janeiro de 2000, a Petrobrás vinculou comunicado junto à imprensa, reconhecendo não haver desculpa para o desastre e comprometendo-se a tomar todas as medidas necessárias à recuperação completa de todo ecossistema. Essa postura da Petrobrás, não chega a ser louvável, uma vez que, a lei 6.938/81 dispõe, em seu art. 4º, inciso VII, que a Política Nacional de Meio Ambiente visará à imposição ao poluidor e predador da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados. Portanto, as medidas adotadas pela Petrobrás até o presente momento, representam tão só o cumprimento de uma conduta prevista em lei.
Infelizmente, a preocupação da empresa com o meio ambiente surgiu tardiamente, após o desastre. Os danos já foram infligidos e, dificilmente, o ecossistema se recuperará em sua plenitude.
Interessante notar que, nos últimos quatro anos, ocorreram inúmeros vazamentos de óleo provocados pela Petrobrás, sem falar, é claro, no acidente ocorrido recentemente em Araucária(Pr) e, ainda assim, não houve a implantação de uma política ambiental hábil a evitar esse tipo de acidente. Hoje colhemos os frutos dessa conduta, um desastre lamentável que provocou morte e destruição ambientais.
3 – Dos efeitos no Manguezal
O manguezal é um ecossistema litorâneo que ocorre em terrenos baixos sujeitos à ação das marés localizadas em áreas relativamente abrigadas. Constitui em um ecossistema frágil e sensível, que merece uma proteção efetiva devido a sua grande importância ambiental. Representa local de refúgio para as várias espécies marinhas que usam o seu substrato – sedimentos lamosos ricos em matéria orgânica, restos vegetais e sais marinhos – para fins de reprodução e abrigo, sobretudo durante a fase juvenil (larvas e alevinos), são, portanto berçários naturais e a própria vida marinha depende de sua constante manutenção e preservação.
A vegetação local é do tipo Rhizophora mangle, enquanto as espécies típicas da fauna são de áreas estuarinas, tais como: moluscos bivalves, crustáceos, e algumas espécies de ictiofauna. O potencial pesqueiro de grande parte do litoral depende diretamente desse tipo de ecossistema, daí a necessidade imperativa em protegê-lo contra ação depredativa do homem.
A maré negra, ocasionada pelo vazamento na Reduc, invadiu o manguezal da área de proteção ambiental (APA) de Guapimirim – considerada como área de preservação permanente para efeito de Código Florestal (Lei 4.771/65) e resolução CONAMA (4/85), bem como, pelo fato de sua fragilidade e importância ambiental como ecossistema associado à Mata Atlântica – afetando-o profundamente.
O derramamento de óleo na água provoca o surgimento de uma película que passa a envolver as raízes das árvores de mangue, impermeabilizando-as. Por conseguinte, a planta não consegue mais absorver oxigênio por suas raízes aéreas e ao mesmo tempo é envenenada. Após algum tempo, o óleo se decanta e desce para o fundo do mar, intoxicando fauna e flora fixas. O óleo mata os moluscos, mexilhões, conchas, ostras, caranguejos. A morte dessas espécies causa, irremediavelmente, um total desequilíbrio na cadeia alimentar de todo ecossistema.
Quanto a sua reconstituição, temos que cada sistema tem suas características próprias que indicarão se a recuperação natural é possível ou se será necessário o replantio manual. A recuperação de todas as funções ecológicas originais do manguezal, no que se refere à produtividade, refúgio e criadouro de espécies marinhas e terrestres são uma possibilidade ainda não bem definida e varia caso a caso.
A ocorrência de degradação ambiental em áreas de proteção permanente constitui contravenção passível de multas, penalidades e, principalmente, a reparação do dano. O art. 14 da Lei 6.938/81 estabelece multas e penalidades aplicáveis quando do não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados pela atividade.
4 – O dano ambiental
É aquele que compreende qualquer lesão ou ameaça de lesão prejudicial à propriedade (privada ou pública) e ao patrimônio ambiental, com todos os recursos naturais ou culturais integrantes, degradados, descaracterizados ou destruídos individualmente ou em conjunto. Resulta da poluição decorrente do uso nocivo da propriedade e pelas condutas ou atividades lesivas ao meio ambiente que afetam, necessariamente, uma pluralidade difusa de vítimas, mesmo quando, sob certo aspecto, atinjam individualmente certos sujeitos.
De acordo com a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, em seu art. 14, parág. 1º, apreendemos duas modalidades de danos ambientais: o dano ambiental público e o dano ambiental privado. Aquele, quando cobrado, – sempre por ação civil pública – tem eventual indenização destinada a um fundo. Este, diversamente, enseja à indenização dirigida a recomposição do patrimônio individual das vítimas.
O dano ambiental, em razão de sua própria natureza, corresponde a evento de difícil reparação e valoração, pois, mesmo que levado avante o esforço reparatório, nem sempre é possível, promover a reparação ou efetuar o cálculo da totalidade do dano ambiental. Assim sendo, temos, por exemplo, o caso de uma espécie de vida levada à extinção. A reparação seria impossível! E quanto valeria, sob o aspecto econômico, a quebra do equilíbrio de um ecossistema, com a extinção de formas de vida animal e vegetal e com a mais alta degradação da qualidade de vida?
A Baía de Guanabara, recanto de beleza exuberante, cartão postal do Rio de Janeiro, vem a muito tempo sofrendo com a poluição desmedida. Segundo dados noticiados pela equipe responsável pelo projeto governamental de Despoluição da Baía de Guanabara, 80% da poluição industrial que atinge a Baía é proveniente de 52 empresas, sendo a Reduc responsável pelo despejo de 1,4t/dia de óleo, representando 20% do total lançado, além dos despejos contendo fenóis, metais pesados e micro poluentes orgânicos. O descaso é evidente.
Está na hora de serem tomadas medidas drásticas para a responsabilização dessas empresas pela poluição causada ao meio ambiente. A punição pelo derramamento de 1,3 milhões de litros de óleo provocado pela Reduc, deve servir de exemplo de que não serão mais toleradas condutas irresponsáveis como esta.
5 – A responsabilidade civil ambiental
A responsabilização de pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, será realizada em função das condutas ou atividades causarem qualquer lesão ao meio ambiente.
A Constituição Federal de 1988 conferiu proteção ao meio ambiente de maneira bem abrangente, e estabeleceu no art. 225, parág. 3º que:
“as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.2
O Direito Ambiental compreende três esferas de atuação: a preventiva, a repressiva e a reparatória. Neste segmento, nos deteremos mais na instituição da reparação do dano provocado ao meio ambiente.
O funcionamento da reparação ambiental se observa através da aplicação das normas de responsabilidade civil, atuando na tutela e controle da propriedade. A responsabilidade civil consiste na apuração de prejuízo a terceiro, ensejando pedido de reparação ao dano causado, consistente na recomposição do status quo ante ou mediante indenização (em espécie), ou seja, impõe-se ao infrator a obrigação de indenizar ou reparar o prejuízo causado por sua conduta ou atividade.
O direito a um meio ambiente sadio e equilibrado não pode ser individualizado. É um direito pertencente a toda sociedade. Assim sendo, Toda pretensão que se apure em juízo buscando reparação por dano causado ao meio ambiente será difusa, visto que se trata de direito cujo objeto é indivisível, pois que os seus titulares são indetermináveis e ligados por circunstâncias de fato.
Existem duas teorias no que se refere à responsabilidade civil, a subjetiva e a objetiva. Na primeira, a vítima tem que provar a existência de nexo entre o dano e a atividade danosa, e, especialmente, a culpa do agente. Na Segunda, basta a existência do dano, e o nexo com a fonte poluidora ou degradadora.
A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), adotou a sistemática da responsabilidade civil objetiva (art.14, parág. 1º.) e, foi integralmente recepcionada pela ordem jurídica atual, de sorte que é irrelevante e impertinente a discussão da conduta do agente (culpa ou dolo) para atribuição do dever de indenizar.
6 – Responsabilidade civil objetiva
A adoção, pela lei, da teoria da responsabilidade civil objetiva, sob a modalidade do risco integral, significou apreciável avanço no combate a devastação do meio ambiente, pois que, sob esse sistema, não se leva em conta, subjetivamente, a conduta do causador do dano, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e ao ambiente. Assim sendo, para que se observe exigibilidade a reparação do dano, é suficiente que se demonstre o nexo causal entre a lesão infligida ao meio ambiente e a ação ou omissão do responsável pelo dano.
Então, verificando-se a ocorrência de acidente ecológico, ocasionado por falha humana ou técnica, seja por obra do acaso ou por força da natureza, deve o empreendedor responder pelas lesões infligidas ao meio ambiente, sendo-lhe facultado, quando possível, exercer o seu direito de regresso contra o responsável direto.
Importante salientar, que a obtenção de licença junto aos órgãos públicos competentes, ou seja, a autorização ou permissão para o desenvolvimento de certas atividades, ante a presença dos requisitos legais, não exime ninguém da responsabilidade pelo dano ambiental, fundado na relação de causalidade entre o comportamento do agente e o dano dele conseqüente, para fins de obrigação indenizatória.
No âmbito da ação civil pública não se discute, necessariamente, a legalidade do ato. O principal elemento a ser observado, é a potencialidade de dano que o ato nocivo possa produzir sobre os bens ambientais, é em função deste elemento que será fundamentada a sentença.
Também não tem relevância, para fins de exclusão da responsabilidade objetiva pelo dano ambiental, o caso fortuito ou de força maior.
A previsão, no ordenamento jurídico brasileiro, da reparação da lesão ambiental com base na responsabilidade civil objetiva resultou de uma progressiva evolução dos tratamentos legislativo, jurisprudencial e doutrinário dispensados a responsabilidade civil e à proteção ambiental. Assim, surgiu pela primeira vez a eleição da modalidade denominada responsabilidade objetiva, no Decreto nº79.347/77 que promulgou a convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil por Danos Causados por Poluição por Óleo, de 1969. Posteriormente, também a Lei 6.453/77, no seu art. 4º, caput, acolheu responsabilidade objetiva relativamente aos danos provenientes de atividade nuclear.
Finalmente, a Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente, consagrou, em termos gerais, a responsabilidade civil objetiva, relativamente a todo e qualquer dano ao meio ambiente. Pretendeu o legislador, deste modo, não fosse examinado o comportamento do poluidor do ponto de vista subjetivo, mas, tão só, o evento danoso.
O sistema de responsabilidade civil por lesões impostas ao meio ambiente encontra-se ainda, em estágio de aprimoramento, sujeitando-se, pois, a aperfeiçoamentos que possibilitem a plena realização das normas que instituem a reparação dos danos ambientais como meio eficaz de promover o alcance das metas de conservação do equilíbrio ecológico, para as gerações presentes e futuras, princípio fundamental estabelecido pelo art. 225 da Constituição Federal e presente, também, na Lei 6.938/813.
Portanto, o aspecto fundamental da responsabilidade objetiva consiste em desvincular a obrigação de reparar danos da existência de culpa por parte do agente causado. Para que ele seja obrigado a reparar os danos infligidos ao meio ambiente é suficiente que, além dos demais pressupostos também exigidos na teoria da culpa – o ato ou fato danoso, o dano provocado e o liame de causalidade entre eles -, seja comprovado que o dano foi proveniente do risco criado por uma atividade de quem o causou. A palavra-chave da modalidade de responsabilidade civil fulcrada nesta teoria é, portanto, o risco, o risco de dano criado pela atividade exercida pelo agente poluidor.
7 – A responsabilidade civil, penal e administrativa das empresas por dano ambiental
A Lei da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6938/81) dispõe em seu art. 14º, #1, que:
“sem obstar a aplicação das penalidades previstas nesse artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.
Ainda que a Lei 6.938/81 tenha sido parcialmente revogada pela Lei 9.605/98, continua em vigor o art. 14 daquela, permanecendo inalterada a concepção da responsabilidade civil objetiva para questões ambientais.
No exercício de atividade industrial, sempre haverá sério risco de lesão a bens ou interesses de terceiros, inclusive, na esfera ambiental. Daí a relevância do estudo sobre a responsabilidade das empresas.
A doutrina não é pacífica quanto a teoria a ser adotada, para Édis Milaré deve-se adotar a teoria da responsabilidade civil objetiva sob a modalidade do risco-proveito, onde se tem por base que todo aquele que no exercício da atividade da qual venha ou pretenda fruir algum benefício, sujeita-se a reparação dos danos que provoca.
Neste sentido, também ensina Eliseu de Morais Corrêa que:
“o dano causado por força maior (por exemplo, fato da natureza), não exclui o dever de indenizar, pois pelo princípio ubi emolumentum ibi onus, ou seja, aquele que lucra com a atividade, assume o ônus desta mesma atividade, não afasta o dever de indenizar. A licitude da atividade, (p.ex: atividade licenciada) também não pode excluir o dever de indenizar, admite-se neste caso, se configurada a participação da Administração Pública à solidariedade na indenização, mas não a exclusão”4.
Já para Jorge Luís Nunes Athias, a doutrina brasileira, em termos de responsabilidade ambiental, adota a teoria objetiva sob a modalidade do risco integral para a responsabilização das empresas, ainda que não utilize essa expressão, posto que, muitas vezes permite essa dedução através da análise daqueles aspectos que considera irrelevantes para exclusão da responsabilidade, tais como, a não invocação do caso fortuito e da força maior, entre outros.
A Lei 9.605/98 dos crimes ambientais, por sua vez, introduziu inovações interessantes no nosso ordenamento jurídico, a saber, a possibilidade de condenação do diretor, administrador, membro de conselho e órgão técnico, auditor, gerente, preposto ou mandatário de pessoa jurídica que, sabendo da conduta criminosa de outrem prevista na lei, deixar de impedir sua prática, quando podia agir para evitá-la (art. 2), a possibilidade da desconsideração da pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente (art. 4º). Esse dispositivo é fundamental à repressão da fraude de pessoas que utilizam as regras jurídicas da sociedade para fugir de suas responsabilidades.
A constituição fixa em seu art. 225, #3º, que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar o dano”.
Com efeito, “faltava para a plena efetividade dessa norma programática, um tratamento adequado da responsabilidade penal e administrativa, espaço este agora preenchido com a incorporação ao ordenamento jurídico da Lei 9.605/98, que dispõe sobre sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
Fechou-se , então, o cerco contra o poluidor”.5
8 – Quais foram as providências adotadas até o momento?
Em virtude da tragédia ambiental – o segundo maior vazamento da história da Baía de Guanabara e o 12º provocado em 3 anos – o Ministério Público do Estado e da União, e as polícias Civil e Federal abriram inquéritos para apurar as responsabilidades pelo vazamento. O Ministério Público Estadual pediu abertura de inquérito por crime ambiental em conformidade à Lei 9.605/98 de Crimes Ambientais, na qual, está previsto, inclusive o pagamento de R$ 5 mil por animal morto.
Responsável pela refinaria Duque de Caxias (Reduc), a Petrobrás foi multada em R$94 mil. Metade do valor aplicado pela Feema e o restante pelo Instituto Estadual de Florestas. O valor da multa do Ibama , por sua vez, alcançou R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais). A Petrobrás, entretanto, foi beneficiada com um desconto de cerca de 30%, pelo pagamento antecipado da multa.
Paralelamente, em virtude da ausência de providências realmente eficazes por parte da Petrobrás, no sentido de evitar a propagação da poluição causada pelo vazamento de óleo proveniente de uma de suas refinarias, ocorrida na madrugada do dia 18 de janeiro deste ano, o Dr. Francisco José Marques Sampaio, Procurador Chefe da Divisão de Urbanismo e Meio Ambiente da Procuradoria Geral do Município do Rio de Janeiro, impetrou, no dia 21 de janeiro, ação cautelar, preparatória de ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, com intuito de obter uma medida liminar para ordenar a Petrobrás a tomar todas e quaisquer medidas, necessárias para assegurar a proteção do meio ambiente na Cidade do Rio de Janeiro. O objetivo primordial desta ação era evitar a propagação de óleo sobre as praias oceânicas, uma vez que as situadas na Baía de Guanabara já haviam sido, em muito, afetadas.
A iniciativa da municipalidade teve fundamento no art. 225, parágrafo 3º, combinado com o art. 23, VI e VII da CF/88; bem como nos art. 4 e 5 da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985; e artigos 796 e seguintes especialmente os art. 804 e 846 a 851 do CPC.
O art. 225, caput, da Constituição Federal de 1988, assegura a todos o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e, estabelece no parágrafo 1º que para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público;
“I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais a prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas”;
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas na formas da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.”
Determina, ainda, em seu parágrafo 3º, que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independente da obrigação de reparar os danos causados.
Importante ressaltar que, a competência do Município do Rio de Janeiro para a proposição de tal medida, é constitucionalmente garantida, pelo art. 23 da CF/88 que fixa competência comum para proteção ao meio ambiente e combate à poluição em qualquer de suas formas, e preservação das florestas, fauna e flora.
A aplicabilidade das disposições do Código de Processo Civil a esta medida cautelar, de caráter preparatório, se observa, claramente, em função dos art. 796 e seguintes do Código de Ritos, sendo que o pleito de concessão independente de prévia manifestação da parte contrária está expressamente previsto no art. 804 da mesma lei.
A Lei da Ação Civil Pública, por sua vez, estabelece, expressamente, tanto a possibilidade de ajuização de ação cautelar objetivando evitar danos ao meio ambiente e ao consumidor (art. 4º), quanto à legitimidade do Município para propositura da ação civil pública (art. 5º).
A medida liminar sem justificação prévia, a seu turno, está expressamente prevista no art. 12 da Lei 7.347/85 e destina-se exatamente, a situações como esta, onde a demora nos procedimentos de convocação pode resultar em ineficácia da medida.
Diante da ameaça concreta de um impacto ambiental ainda maior, e de consequências irreversíveis, o pedido liminar foi deferido por decisões proferidas em 21 de janeiro de 2000, e em 4 de fevereiro de 2000 pelo juiz da 5ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital, para que fosse imputada, à poluidora, a adoção de todas e quaisquer medidas necessárias à proteção efetiva do meio ambiente no que se refere a evitar a propagação da mancha de óleo pelas praias da Cidade do Rio de Janeiro, sob pena de multa diária.
9 – Da legitimidade ativa do Município para a propositura de ação civil pública
Os interesses difusos e coletivos não se referem a um titular específico, ou a um número perfeitamente denominado de titulares, mas pressupõe, no entanto aqueles interesses de uma coletividade mais ou menos determinada.
Conforme princípio consagrado em nosso sistema processual, “ninguém pode pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”.6 Portanto, o direito ao exercício da ação civil pública deverá estar, expressamente, previsto em lei.
Assim sendo, podem propor a ação civil pública, todos os entes elencados no art.5 da Lei 7.347/85, bem como, no art. 82 do CDC.
Assim sendo, estabelece o art. 5. Da Lei 7.347/85, claramente, a legitimidade do Município para propositura da ação civil pública:
“A ação civil principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação que:
I – esteja constituída a pelo menos um ano, nos termos da lei civil;
II – inclua entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”.
(grifei)
Cumpre esclarecer que as pessoas físicas não foram incluídas no rol dos legitimados a proposição da ação civil pública, porém, reservou-se a elas o direito a propositura da ação popular, que constitui instrumento hábil para fazer valer os seus direitos.7
10 – Foro competente
Conforme estipula o art. 2º da LACP, a ação civil pública será proposta no foro do local onde ocorrer o dano, e estipula a competência funcional do juízo do local onde for perpetrado o dano ambiental para processar e julgar a causa, respeitadas as exceções constitucionais.8
Assim, os demais órgãos são incompetentes, em regra, de forma absoluta para processar e julgar tais ações. O legislador utilizou-se do critério do local do resultado, que vai coincidir, em muitos casos, com o do domicílio das vítimas e da sede dos entes e pessoas legitimadas, facilitando acesso à Justiça e a produção de prova.
Essa competência não pode ser modificada, ainda que da ação venha a participar a União ou suas autarquias, não se deslocando o feito para a Justiça Federal, como seria Mister em outras situações similares.9
Nesse sentido, ensina o ilustre mestre Rodolfo de Camargo Mancuso que:
“A questão, a nosso ver, envolve dois aspectos básicos: a) os interesses que cuida a Lei 7.347/85 não são interesses públicos, stricto sensu, e sim interesses difusos, valendo a distinção para concluir-se que a matéria não pode ser resolvida em termos de “Titularidade do interesse”, isto é, a nível de exclusividade, já que ele pertine a um número indeterminado de pessoas. Assim, o interesse da União, suas empresas públicas e autarquias há que ser visto com os temperamentos impostos pela natureza mesma dessas ações coletivas; b) jurisprudência simulada, do TRF e Supremo Tribunal Federal, torna evidente que o “interesse da União”…A que se referia o art. 125, I, da EC/69(e hoje está no art. 109, I, da Carta Magna), não se confunde com o mero interesse; nem simplesmente, o “ingresso” da União no feito é condição necessária e suficiente para o deslocamento da competência para a Justiça Federal… E isso, porque conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, em voto do Ministro Vitor Nunes Leal, citado por Roberto Rosas, “o interesse da União deve traduzir-se numa posição processual definida, e não na simples alegação de interesse (RJT 51/242) num interesse jurídico…”; e, em outro aresto, relator o Ministro Soares Munhoz: “Não basta à mera afirmação de interesse da União para deslocar a competência. Ela deve ser expressa”.(RJT 75/945).10
O critério da lei é o que melhor satisfaz o interesse público, René Ariel Dotti nos orienta no sentido de que:
“o sentimento de reação emocional ao dano é mais bem vivenciado pelo agente público que habita na localidade, que convive com as mesmas vítimas e testemunhas e assim poderá, com mais eficiência que outro colega distanciado da área das consequências do fato, promover as medidas adequadas à perseguição dos agressores, bem como lutar pela prevenção do dano”.11
Em resumo, por trás da regra do local do dano identificamos, como seu fundamento, a busca da eficiência da implementação ambiental. Não só os implementadores situados na área da danosidade têm, como regra, uma certa identificação com a causa, como os elementos probatórios são mais adequadamente recolhidos e equacionados.
Nas hipóteses onde o dano atingir diversas localidades, até mesmo Estados, então, a ação poderá ser ajuizada por qualquer delas, resolvendo-se a questão, em havendo pluralidade de causas pela prevenção.
Se houver, entretanto, conflito entre os Estados e a União, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, em hipóteses ensejadoras de ação civil pública, competente será o STF.12
11 – Da ação civil pública
Superado o primeiro momento, com o deferimento da medida liminar, o Município do Rio de Janeiro, por intermédio do Dr. Francisco José Marques Sampaio, interpôs ação civil pública de responsabilidade por danos ao meio ambiente.
Tal medida teve por fundamento os art. 225, parágrafos 1º e 3º, combinado com o art. 23, incisos VI e VII, da Constituição Federal; art. 4º, inciso VII e art. 14 da Lei nº6.938/81; art. 5 º da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985; art. 81 e 82, inciso II, combinado com o art. 91, e art. 84, do Código de Defesa do Consumidor.
A defesa e proteção do meio ambiente do Município do Rio de Janeiro estão inseridas no conjunto dos bens de interesses difusos, isto é, bens que, uma vez danificados ou destruídos, deixam de contribuir, não apenas para o equilíbrio ecológico da região como também para a preservação da sadia qualidade de vida e bem estar dos habitantes desta Cidade e de todos os que nela transitam, isto é, um número indeterminado de pessoas.
Neste momento, a Ação Civil Pública proposta pelo Município do Rio de Janeiro, ainda está em julgamento na 5ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital/ RJ, com a possibilidade de se estipular uma indenização de R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais) a ser paga pela empresa poluidora à municipalidade.
12 – Da responsabilidade da Petrobrás e do dever de indenizar
A existência dos danos e do respectivo nexo causal, que teve origem no derramamento de óleo cru proveniente de duto da Refinaria de Duque de Caxias, a Reduc, de propriedade da Petrobrás, nas águas da Baía de Guanabara, comprova, de modo indubitável a responsabilidade da empresa.
O art. 14 da Lei Federal 6.938/81, recepcionado pela CF/88, em seu artigo 225, parágrafo 1º, consagra a responsabilidade objetiva do poluidor, isto é, independente da existência de culpa, sob a modalidade do risco integral e sem excludentes de responsabilidade, ficando a Petrobrás, deste modo, obrigada a reparar o meio ambiente lesionado. Importante salientar que, de acordo com o princípio estabelecido no art. 1.525 do Código Civil, a responsabilidade civil é independente da criminal.
13 – Conclusão
É com alegria que observamos que, nos últimos tempos, a legislação brasileira tem avançado bastante na criação de instrumentos essenciais à proteção e reparação do meio ambiente, bem como, à repressão das condutas que infligem danos ao mesmo. A criação da Lei 9.605/98 dos Crimes Ambientais e da Lei 7347/85, da Ação Civil Pública é prova irrefutável disso.
Porém, apesar do avanço do Direito e do papel fundamental exercido pelo Ministério Público e pelos legitimados à propositura da ação civil pública, não se pode vislumbrar êxito sem a participação efetiva de todos os cidadãos. A conscientização da sociedade é imprescindível, posto que, se não forem tomadas medidas urgentes, o futuro das novas gerações estará comprometido.
Portanto, devemos estar atentos e vigilantes para a maneira pela qual o processo de responsabilização da Petrobrás vem sendo conduzido e lutar para que se faça justiça, pois, tais fatos não podem passar impunes e despercebidos, devem ser apurados com seriedade, punidos de forma exemplar, e mantidos na memória de toda sociedade, de modo que, jamais sejam observados desastres de tal grandeza.
Bibliografia
Benjamin, Antônio Herman V. (Coordenador) – Dano Ambiental: Prevenção, reparação e repressão/ São Paulo; Editora Revista dos Tribunais, 1993
Édis Milaré, Ação Civil Pública, Ed. Revista dos Tribunais, 1995
Leme Machado, Paulo Afonso, Direito Ambiental Brasileiro – 5ª ed. – S.P. – Malheiros, 1995.
Mancuso, Rodolfo de Camargo – Ação Civil Pública em defesa do meio ambiente, patrimônio cultural e dos consumidores: Lei 7.347/85 e legislação complementar – 5ª ed – S.P. – Ed. Revista dos Tribunais.
Notas
1. Art. 225, Constituição Federal de 1988.
2. art. 225, # 3º, da CF/88
3. art.4º.
4. O dano ecológico e sua reparação. Teia Jurídica. http://www.teiajurídica.com.br.
5. Édis Milaré: “A NOVA TUTELA PENAL DO AMBIENTE” in Revista de Direito Ambiental nº16, editora Revista dos tribunais.
6. (art.5 , LXXIII, da Constituição Federal de 1988).
7. art. 6 do CPC.
8. Constituição Federal, art. 102, I, “f” e 109, I.
9. (art. 109, CF/88).
10. Ação Civil Pública, Mancuso, Rodolfo de Camargo – 5ª edição, RT, página 56).
11. René Ariel Dotti, “A atuação do Ministério
Público na proteção aos interesses difusos”, in Revista do Ministério
Público do Rio Grande do Sul, edição especial, Porto Alegre, 1986,
p.84.
12. (art. 102, I, da Constituição Federal de 1988).
Informações Sobre o Autor
Fabiano Pereira dos Santos
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)