Há mais de 20 anos, primeiro estagiando, depois, desde 87 advogando na área trabalhista vejo a mesma discussão sem fim: a legislação trabalhista ajuda ou atrapalha a criação de empregos, ocupação e renda.
A discussão tem se tornado cada vez maior, e infelizmente as análises não têm sido isentas de paixão. Paixão que não pode permear a análise de uma questão tão delicada. Nos últimos dias a discussão encampa vários pontos: a legislação trabalhista como um todo, a natureza das ações trabalhista, a reforma da super receita em relação ao conceito de PJ (pessoa jurídica – basicamente a empresa individual)
O advogado, com os anos de prática, aprende a ter isenção de ânimo nas causas que patrocina, sob pena de prejudicar seu cliente. Necessário é analisar a questão sem paixões e indicar o melhor caminho. Todo advogado sabe que toda questão tem várias versões: a do réu, a do autor, a das testemunhas e a que o Juiz enxerga e decide. Normalmente, a não ser em casos extremos, nenhuma delas é tão errada em contraponto com a outra, ou seja, a má-fé não é regra.
Essa visão de que partes em litígio não são inimigos mortais em divergência social inexpugnável, infelizmente não é regra no imaginário popular quando se trata de Direito do Trabalho. Infelizmente ainda, a representação social da natureza do conflito é dolorosamente ideológica.
A ideologia precisa ser vista com cautela. É necessário que aprendamos a perceber que “pensar diferente” é só isso, e ninguém merece a fogueira por isso.
Vamos a alguns fatos.
A lei trabalhista é atrasada? É, quando ainda considera o trabalhador um ser relativamente incapaz, quando trata empregados com diferentes graus de entendimento e cultural da mesma forma, ou quando desconfia de qualquer acordo firmado entre entidades sindicais e uma empresa, ou um sindicato patronal. O direito trabalhista sindical de vários Países – Europeus – para citarmos os mais protecionistas, permitem e dão ampla liberdade aos acordos sindicais. O que nos mostra uma análise desses países? Que os países com maior tradição de acordos coletivos temporários, que se adequam à realidade social e econômica do País, como a Áustria, têm menor taxa de desemprego; os com uma legislação mais estatal com menor capacidade de negociação coletiva, como a França, têm taxas de desemprego mais elevadas e se vêm em situações de instabilidade social e êxodo de seus empregados para, pasme-se, países com menor proteção social como a Inglaterra. ( e quem conhece História sabe o que é um francês ter que ir trabalhar na Inglaterra).
E por que o Brasil desconfia tanto dos acordos sindicais? Porque não temos uma tradição de entidades sindicais independentes do Estado. Nosso sindicalismo ia bem até Getúlio Vargas, quando foi sufocado e transformado e em um sindicalismo praticamente estatal, sem representatividade de base. Alguns sindicatos se desenvolveram com o tempo a despeito da lei rígida e têm maior confiança de seus representados e da sociedade, mas isso não é regra. Como se conseguem entidades sindicais representativas, livres e fortes? Com liberdade sindical. Horror dos horrores! Sem controle estatal!
Com confiança social, os acordos coletivos poderiam ser feitos em situações de menor desenvolvimento econômico, reduzindo direitos para preservar empregos, ou aumentando direitos em situação de crescimento sindical, mas isso nos levaria a outro pecado mortal flexibilização! Que, ao contrário do que pensa a maioria não é retirar direitos, a flexibilização justamente permite a preservação do emprego com direitos mínimos em situações de recessão e o aumento desses direitos e vantagens (sem estagnação e imobilidade) num momento de crescimento.
Outro ponto: as ações trabalhistas – todas – referem-se a malvados empregadores que deixam de pagar direitos dos empregados por que querem? Não.
Veja-se a situação das horas extras: é possível sim que um empregador seja condenado a pagar por horas extras que não usufrui! Como? Basta que haja uma alteração de interpretação jurisprudencial, como em caso de acordos de compensação de jornada verbais ou individuais descartados, ou acordos coletivos de compensação como nos turnos ininterruptos que passam à ilegalidade após a edição de decisões em sentido contrário ao que era então aceito. Nesses casos, se somarmos o trabalhador que por exemplo trabalhou uma hora a mais de 2a à 5a feira para não trabalhar no sábado, e tem seu acordo de compensação considerado nulo por qualquer motivo, fará jus a uma hora extra diária, apesar de não ter extrapolado as 44 horas semanais! E mais uma condenação de horas extras entrará para as estatísticas.
E a Pessoa Jurídica, ou PJ como normalmente é chamada? Por que colocar sob a ótica da má fé toda empresa individual, se é uma forma de criação de uma pessoa jurídica usada há décadas! Há comerciantes, prestadores de serviços pequenas indústrias criadas sob essa forma jurídica!
É a mesma situação do projeto de lei do governo que obriga as cooperativas a terem fundo de 13o, férias, respeitarem piso salarial hora, porque não consegue coibir as cooperativas fraudulentas, punindo e onerando as regulares!
Ora, achar que um fiscal, sem análise cuidadosa, sem o contraditório que é princípio constitucional, tem condições, ainda que de bom ânimo, de analisar uma situação jurídica complexa e decidir sozinho sem apelação pela natureza jurídica de uma situação, seria descuidado, não fosse um perigo imenso à liberdade constitucional.
As normas trabalhistas devem garantir direitos mínimos, mas será que não enxergamos que quase 60% da nossa população ativa não tem direito nenhum? Nem à previdência, nem a aposentadoria, nem nada?
Não vamos nos alongar, as opiniões existem em diversos sentidos, mas ou a sociedade brasileira amadurece e amadurecida saberá quando a negociação será correta e salutar, e quais os direitos mínimos que devem ser garantidos, ou continuaremos nos enganando a todos, fingindo que temos relações trabalhistas modernas. E que todas as ações que existem na Justiça do trabalho são fruto de desrespeito e má-fé com a lei.
Quem tem coragem de iniciar o diálogo social que se impõe?
Informações Sobre o Autor
Maria Lucia Ciampa Benhame Puglisi
Advogada formada pela Faculdade de Direto da USP, com pós-graduação latu-sensu em Direito do Trabalho, pela mesma Faculdade. Atua na área de assessoria jurídica empresarial como advogada desde 1988. Em 1998 fundou, com Maria Inês de Três Rios, o escritório Benhame e Três Rios Advogados Associados que atua em assessoria empresarial contenciosa, consultiva e contratual nas áreas do Direito Civil, do Trabalho e Recursos Humanos, sendo sócia responsável pela área de Direto do Trabalho (contenciosos e contratual) e recurs os humanos e coordenadora do comitê de legislação e emprego do Instituto Amigos do Emprego.