Precarização das relações de trabalho no ordenamento brasileiro – Estágio de Estudantes

A opção pelo título deste artigo merece uma justificativa razoável, afinal, porque PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO[1]? O vocábulo precarização neste ramo do Direito Social (Direito do Trabalho) se justifica quando observamos três fenômenos resultantes da prática intermediadora da mão-de-obra: a) a subtração de direitos fundamentais dos trabalhadores cooptados nas espécies de trabalho flexibilizadoras; b) a fragmentação da classe trabalhadora, devido a perda do poder organizacional coletivo (sindicalização)[2]; e c) a degradação do meio ambiente de trabalho, pois os trabalhadores terceirizados trabalham em jornadas maiores, ocupam funções perigosas, não são capacitados para o exercício das atividades laborais e acabam sofrendo diversos acidentes ou doenças ocupacionais[3]. Esta clarificação dos elementos constitutivos da precariedade ajudou-nos a problematizar a relação entre esta e as novas formas de trabalho “atípicas” adotadas em diversos países da Europa, nomeadamente Portugal.

As noções apresentadas para definir esta especificidade das relações de trabalho são as de precariedade de direito (aspectos jurídicos ou formais) e de precariedade de fato (se apresenta em todas as formas particulares de emprego não estáveis). Sinteticamente, a precariedade corresponde a uma dimensão de durabilidade, ou seja, considera-se situação precária toda aquela que não tem um futuro assegurado, e também, significa insegurança, uma vez que, em toda a história do trabalho por nós apresentada o homem lutou contra a insegurança no mundo do trabalho.

Sendo que uma das conseqüências mais flagrantes da precarização dos mercados e do próprio trabalho, imposta pela globalização, e o aparecimento de formas atípicas de trabalho, que as empresas utilizam para ajustarem a quantidade e disponibilidade de mão-de-obra aos imperativos de mercado, que, de certa forma, acentual as inseguranças e conduzem à perda de expectativas, uma vez que os trabalhadores enfrentam um conjunto de incertezas no desempenho das suas funções, ficando a sua capacidade para lidar com o inesperado diminuída. E, por conseqüências podemos assim dizer que as alterações na organização do trabalho e as mudanças ocorridas ao nível da estrutura empresarial aumentam os riscos para os trabalhadores. Com efeito, a percepção das incapacidades e limitações para terminar uma tarefa dentro de determinado prazo gera um ambiente de stress e conduz a um fraco desempenho profissional, aumentando as probabilidades de erro e conseqüentemente de ocorrência de acidentes de trabalho (LIMA, 2005).       

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Dentro de uma perspectiva mundial, a idéia da globalização do ponto de vista da percepção, para FLORIANI (2004), todos sentimos o efeito dela, embora houvesse uma enorme dificuldade para compreendê-la e explicá-la. Pois, na visão do autor, ao buscarmos distintas reflexões sobre esse fenômeno, citando Anthony GIDDENS, identifica dois tipos de posições opostas: Os céticos, para quem a globalização é apenas uma questão de retórica, onde o comércio exterior não é tão expressivo para dizer que todos os mercados estão globalizados; além do que, uma boa parte do intercâmbio econômico se dá entre regiões, afirmam os céticos. Por sua vez, os radicais (isto é, os favoráveis) asseveram que, além de ser real a globalização, ela mostra suas conseqüências em todas as partes.

Porém, complementa FLORIANI (2004) que, a crítica que GIDDENS faz a ambas a posições é de que elas concebem a globalização exclusivamente em termos econômicos, quando de fato, ela é política, tecnológica, cultural, além de econômica. Além desse espectro, a globalização pode ser interpretada tanto em seus aspectos objetivos e processuais quanto em seus aspectos íntimos e pessoais de nossas vidas. Além da complexidade que acompanha a globalização, pois trata-se de uma série de processos e não de apenas um, esses processos são contraditórios em si mesmos.

Há duas décadas submetidos a uma flexibilidade ou precarização crescente do trabalho, os países desenvolvidos seriam vítimas da rápida extensão da economia informal ou “desregulamentada” no Terceiro Mundo. Nos países dominados pela globalização ou mundialização, a mão-de-obra sofre uma precariedade multiforme: extrema mobilidade, tele-trabalho, trabalho a domicílio, empregados sem registros, contratos com prazo determinado, salários irregulares e geralmente inferiores ao mínimo para sobrevivência, proteção social e regimes previdenciários meramente formais, atividades independentes com rendimentos aleatórios ou dependentes de produtividade, e até mesmo escravidão, servidão ou trabalho forçado de categorias supostamente protegidas por normativos internacionais, como as crianças e adolescentes e as mulheres. Trata-se de um descaso consensual pelo Direito Social nestes Estados subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento. Por outro lado, com sua legislação trabalhista bem elaborada, os países desenvolvidos seriam o protótipo de uma modernidade estatutária, hoje ameaçada pelo simples jogo das transações internacionais.

A precarização das relações de trabalho no direito brasileiro, tema objeto desta investigação, trouxe informações doutrinárias para a compreensão da flexibilidade como instrumento de redução do custo da mão-de-obra e a possibilidade da produção brasileira atingir mercados no mundo globalizado.

A proibição estabelecida na Portaria Ministerial n°. 865, do Ministério do Trabalho e Emprego, de 14, de setembro de 1995, teve inicialmente suspensos os seus efeitos por decisão judicial e, em 05 de abril de 2004, foi revogada através da Portaria n°. 143, porém, os servidores federais com atribuições fiscalizatórias, no âmbito das relações de trabalho e emprego, já autuavam os infratores de normas legais com alterações in pejus em acordos ou convenções coletivas de trabalho com base no princípio da legalidade.

Na visão de PASTORE (1998) a argumentação de que a flexibilização do quadro legal-trabalhista provoca a precarização do trabalho é controvertida. Relata o autor que nos Estados Unidos os salários do início da década de 80 cresceram de forma mais lenta e o poder de compra dos trabalhadores subiu graças ao aumento dos benefícios não-salariais e da redução de impostos.

Tratando-se da contratação formal no Brasil, é importante considerar também, que a rotatividade da mão-de-obra é causada pela própria legislação, que leva muitos trabalhadores de baixa renda a provocarem sua saída para levantar os recursos garantidos por lei (FGTS, multa de 40%, férias e 13° salário proporcionais, abono de férias, etc) além do famigerado Seguro Desemprego e passarem a trabalhar na informalidade.

A evolução tecnológica tornou-se instrumento de flexibilidade devido especificamente ao baixo nível de educação da força de trabalho brasileira, além do desaparecimento de algumas qualificações. Isto numa visão tecnicista, denomina-se desemprego estrutural, pois a função desaparece ou é substituída pela tecnologia[4].

Dentre as razões que objetivaram a substituição de trabalhadores contratados por prazo indeterminado ou contrato típico de trabalho por estagiários no Brasil, destaca-se pelo excessivo custo da mão-de-obra em decorrência de dispositivos constitucionais e legais, onde a contratação de um trabalhador impõe despesas na ordem de 102,06%[5] conforme tabela abaixo:

TABELA 01 – Encargos Sociais Básicos no Setor Industrial

 Tipos de Encargos Incidência (%)
A-              Obrigações Sociais

Previdência Social

FGTS

Salário Educação

Acidente de Trabalho (média)

SESI

SENAI

SEBRAE

INCRA

Subtotal A

……………………………

20,00

8,00

2,50

2,00

1,50

1,00

0,60

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0,20

35,80

B-              Tempo não Trabalhado I

Repouso Semanal

Férias

Feriados

Abono de Férias

Aviso Prévio

Auxílio Enfermidade

Subtotal B

…………………………….

18,91

9,45

4,36

3,64

1,32

0,55

38,23

C-              Tempo não Trabalhado II

13° Salário

Despesa de rescisão Contratual

Subtotal C

…………………………….

10,91

2,57

13,48

D-             reflexos dos Itens Anteriores

Incidência de A sobre B

Incidência do FGTS no 13° Salário

Subtotal D

……………………………

13,68

0,87

14,55

Total Geral 102,06

Fonte: Itens da Constituição e CLT

A presente tabela foi elaborada por PASTORE (1994) que ainda informa ter deixado de incluir despesas que ocorrem em casos especiais – também compulsórias – como os adicionais por insalubridade e penosidade, assim como as licenças e ausências que são pagas pelas empresas nos casos de: paternidade (5 dias); alistamento militar (3 dias em média); alistamento eleitoral (2 dias); casamento (3 dias); óbito (2 dias); e doação de sangue (1 dia). Para o renomado mestre todos esses encargos são de natureza obrigatória, sem a menor possibilidade de negociação, pois, o seu eventual descumprimento provoca imediata ação trabalhista que torna a prática da flexibilização extremamente ameaçadora para o lado das empresas[6].

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No mesmo sentido, entende KRUSE (2004), para quem a Reforma Trabalhista deverá rever a estrutura dos custos das empresas, o chamado “custo Brasil”, pois este conceito alberga diferentes fatores, entre eles, os diferentes custos sociais lançados à conta da produção e a enorme carga tributária brasileira. E, apresenta numa conta simplificada, o custo de manutenção de um emprego, conforme tabela abaixo, confeccionada por Lourival silva PIMENTEL:

TABELA 02 – CUSTO DE EMPREGADO COM SALÁRIO FIXO

Verba valor Percentual
Salário 600,00  
FGTS 8,5% 51,00 8,5%
Vale Transporte (descontado 6%) 126,90 21,5%
INSS 166,80 27,80%
13º salário 1/12 49,98 8,33%
Férias 1/12 49,98 8,33%
1/3 das Férias 16,67 2,77%
Aviso Prévio 1/12 49,98 8,33%
Multa rescisória (50 x 8%) 24,00 4,00%
CUSTO REAL 1.135,30  
Encargos sobre provisões    
INSS s/ 13º (27,80 x 8,33) 13,92 2,32%
INSS s/ férias 13,92 2,32%
FGTS sobre 13º (8,50% x 8,33) 4,25 0,71%
FGTS sobre férias sem terço 4,25 0,71%
TOTAL GERAL 1.171,64  

Fonte: https://www.ambito-juridico.com.br/sem/reftrab012704.htm

Para o autor a Reforma Trabalhista Brasileira, na ótica do empresariado, deve minimizar o problema que está retratado nas tabelas 01 e 02. Este problema, para os empregadores, tem o nome de custo social ou passivo trabalhista e se cristaliza num custo aproximado de mais de 100% em relação ao salário contratual que é pago ao obreiro[7].

Como apontamos, a flexibilidade em andamento no sistema jurídico brasileiro laboral, foi marcada pelo grande crescimento econômico de alguns países asiáticos, como: Japão, Taiwan, China, Hong Kong, cujo caráter flexível e desregulamentado do mercado de trabalho lhes proporcionaram exportação de produtos de qualidade e baixo custo.

As condições de trabalho dos países asiáticos são bastantes especificas: jornadas excessivas, participação dos membros da família no trabalho, proteção previdenciária mínima, legislação do trabalho incipiente e sindicatos atrelados ao Estado.

Sustenta PASTORE (1994) que o avanço dos países do continente asiático baseia-se fundamentalmente na combinação de uma população bem-educada com uma estratégia agressiva de conquista dos mercados internacionais. Onde o binômio educação-exportação tem sido um dos grandes responsáveis pelas altas taxas de crescimento da China, dos Tigres Asiáticos (Hong Kong, Coréia do Sul, Cingapura e Taiwan) e dos NICs, os países de industrialização mais recente (Malásia, Indonésia, Tailândia e Filipinas). Tudo isso passou a acontecer no momento em que o resto do mundo, em especial os países desenvolvidos, entraram em forte recessão, com altas taxas de desemprego.

Para WORLD BANK (1993) apud PASTORE (1994) os fatores mais importantes para o sucesso da Ásia são: a) grandes quantidades de investimentos privados, em especial na área de alta tecnologia; b) o rápido desenvolvimento dos recursos humanos devido à valorização da educação, com ênfase na escola primária; c) a manutenção de baixas taxas de inflação e juros; d) as políticas públicas onde o governo incentiva seletivamente a indústria durante determinado tempo; e) e o alto nível de poupança daqueles países. Além, é claro da arrancada nas exportações mundiais.

No que tange ao custo do fator trabalho, convém lembrar que os países asiáticos recrutam um grande número de mulheres e menores que trabalham por baixos salários e pouca segurança de emprego, especialmente nos setores de confecção e eletrônica, gerando, conseqüentemente o baixo índice de sindicalização e a possibilidade de mobilizações sindicais.

As novas formas de organização do trabalho caminham no sentido de total desregulação ou flexibilização, adaptabilidade ou capacidade de acomodação, ou ainda no sentido de versatilidade, como fatores essenciais da mundialização. Na esfera produtiva a mundialização tem seu eixo dinâmico centrado numa ofensiva contrária às conquistas trabalhistas.

Destaca-se, os defensores da flexibilidade através da utilização da cooperativa de trabalho que, por ter um tratamento legal diferenciado, a cooperativa também apresenta uma variação substancial em relação aos custos quando comparada com uma empresa tradicional, somando-se ainda à não remuneração do tempo ocioso e o pagamento é feito apenas de acordo com a produção. Além disso mostra na análise comparativa o não pagamento de diversas verbas ou parcelas rescisórias, como o não pagamento de FGTS e sua multa de 40%, não pagamento de horas extras, não pagamento do repouso remunerado, não pagamento de licença maternidade e paternidade.  Se forem considerados todos os custos a que ambas estão sujeitas, pode-se dizer que a cooperativa tem custos até 40% menores.

TABELA 03 – ANÁLISE COMPARATIVA DE ENCARGOS

Empresa x cooperativa de trabalho – amostragem

Custo mensal direto – encargos legais (%)

Tipo Empresa Cooperativa Diferença
PIS/COFINS 3,00 Nada 3,00
INSS 20,00 15,00 (1) 5,00
Salário-Educação 2,50 Nada 2,50
INCRA 0,20 Nada 0,20
SESI/SESC 1,50 Nada 1,50
SENAI 1,00 Nada 1,00
Seguro-acidente 2,00 Nada 2,00
FGTS 8,00 Nada 8,00
SEBRAE 0,60 Nada 0,60
Total 38,80 15,00 23,80

Custo mensal provisionado – encargos provisionais (%)

Ferias 8,33 Nada 8,33
1/3 constitucional 2,75 Nada 2,75
13° salário 8,33 Nada 8,33
Total 19,41 Nada 19,41

Custo especifico cooperativa (%)

Taxa da administraÇÃo         15,00 (2)

ISS (municipal)                            3,00 (3)

Total 58,21 33,00 25,21

1. esta sendo discutida a inconstitucionalidade da contribuicao previdenciaria, pois há entendimentos de que a mesma representa bitributacao, uma vez que o associado já recolhe a previdencia como autonomo. em razao da alegada bitributacao, muitas cooperativas não estao recolhendo o tributo para o estado, depositando-o em juizo (acao de consignacao).

2.Por tratar-se de remuneracao pela administracao do trabalho, possuindo, portanto, natureza negocial, este percentual sofre alteracoes de acordo com o tipo de cooperativa e de contrato. a aliquota de 15% sugerida no grafico supera, o indice usualmente praticado.

3.por tratar-se de imposto municipal o issqn/iss varia de acordo com a politica fiscal do municipio, podendo chegar a isencao em alguns casos. a aliquota de 3% sugerida no grafico, representa, na media, o valor praticado por boa parte dos municipios.

Fonte: Saratt, Silveira, Daibert e Morais 2000.

As organizações empresariais da atualidade e as práticas de terceirização da força de trabalho (Toyotismo) têm como eixo a criação de uma solidariedade empregado-patrão dominada por este e o rebaixamento da situação social da mão-de-obra terceirizada. Isto significa a apropriação da mente dos trabalhadores com melhor qualificação e estáveis pelas empresas, a precarização do emprego para a maioria e a desregulamentação dos contratos de trabalho para todos. Em suma, no âmago da mundialização está uma nova norma de direitos flexíveis para o trabalho e poderes inflexíveis para o capital[8].

Neste contexto, segundo RUDIGER (2002), os trabalhadores estão diante da amarga escolha entre o desemprego, o subemprego ou o emprego com condições de trabalho mais precárias ou atípicas com:

– Empregados “just in time”, os trabalhadores não têm chance de se fixarem numa atividade. As constantes mudanças de emprego ou de serviço não contribuem, necessariamente, para uma melhor qualificação profissional, e o progresso do trabalhador numa carreira, como geralmente alega.

– Os salários em empresas “satélites” costumam ser mais baixos, pois essas empresas possuem menos capital para arcar com bons salários e com seus reflexos.

– A comercialização das relações de prestação de serviços cria novas formas de dependência econômica e jurídica não contempladas nem pelo direito comum, nem pelo direito do trabalho.

– O deslocamento da fonte do direito do trabalho do poder público para a autonomia privada coletiva contribui para a insegurança e instabilidade nas relações de trabalho.

A Globalização Neoliberal elevou a concorrência entre produtos e serviços de países estrutura e economicamente diferentes, provocando conseqüentemente falências em diversas empresas nacionais. Por isso, defendemos a regulação ou intervenção do Estado na criação de regras mínimas de proteção ao trabalhador prescritas nas Convenções e Recomendações da Organização Internacional do Trabalho – OIT, além, de um controle por parte dos blocos econômicos regionais no que tange: ao narcotráfico, crime organizado, política de proteção ao meio ambiente, excesso de automação e direitos humanos.

Dentre os motivos provocadores do crescente número de estagiários no mercado formal de trabalho, já citamos o custo da mão-de-obra, alterações do mercado produtivo através do sistema Toyotista e a concorrência, porém, a Medida Provisória, nº. 1.709/98 (atualmente 2.164-41, de 24.08.2001)[9] promoveu alteração na legislação do estágio, permitindo que o aluno do ensino médio, sem formação profissionalizante, faça estágio. Todavia, uma interpretação sistemática ou orgânica; que é aquela que interpreta a lei considerando-a como parte integrante de um todo (sistema jurídico), nos faz entender que nenhum dispositivo se interpreta isoladamente dentro da norma, sendo sempre analisado em relação aos demais; assim, a modificação inserida no § 1˚, do art. 1˚, da Lei nº. 6.494/77, considerando a interpretação lógico-sistemática deve, pois, levar em consideração, embora óbvio, todos os demais dispositivos da lei em que houve a recente alteração com a inserção do estágio no ensino médio. O sentido de uma norma pode ter o seu alcance reduzido ou ampliado, quando se faz a confrontação. Tome-se um exemplo elementar previsto no Código Penal Brasileiro, uma norma que prescreve a proibição de matar pessoas (art. 121). Analisada isoladamente, conclui-se, precipitadamente, que nunca é permitido matar pessoas, uma vez que o dispositivo não prevê exceções. No entanto, o código em outro dispositivo, exclui a existência do crime quando o agente pratica o ato em legítima defesa ou em estado de necessidade (art. 23). Isso quer dizer que a amplitude proibitiva aparente da primeira norma foi reduzida, pois é permitido matar pessoas quando se age em legítima defesa ou em estado de necessidade. Nossa tese leva-se em conta que a Medida Provisória alterou a redação do art. 1°, § 1°, da Lei n°. 6.494/77 e assim previu a realização de estágio no ensino médio, porém, não revogou o § 2º do mesmo art. Que diz que o estágio somente poderá verificar-se em unidades que tenham condições de proporcionar experiência prática na linha de formação do estagiário, devendo o aluno estar em condições de realizar o estágio, segundo o disposto na regulamentação da presente lei, no entanto, conclui-se que não haverá estágio profissionalizante se não for proporcionado, como exige a lei em seu art. 1˚, § 2˚, experiência prática na linha de formação do estagiário. (grifo nosso)

Em outro âmbito, podemos também, interpretar a norma de forma teleológica ou finalística[10], que, conforme MARTINS (2004) é a interpretação que será dada ao dispositivo legal de acordo com o fim colimado pelo legislador. Por isso, a tese defendida de que o compromisso de estágio exclui a relação empregatícia não prospera na situação em que o trabalhador estagiário sempre desempenhou atividades ligadas ao objeto social da entidade concedente, sem qualquer orientação voltada para a formação profissional, desvirtuando assim, o escopo teleológico da norma que rege o instituto. Nestas circunstâncias, a admissão de empregado mascarada pelo Compromisso de Estágio padece de nulidade ante os termos do artigo 9º da CLT.

A peculiaridade do trabalho em regime de estágio é proporcionar a complementação prática do que se aprende ou aprendeu no ensino médio nos estabelecimentos que optaram preparar o educando para o exercício de profissões técnicas, para a habilitação profissional como permite a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei nr. 9.394/96, em seus parágrafos 2˚ e 4˚ do art. 36. Assim, os estabelecimentos educacionais que não fizerem a opção não poderão encaminhar seus discentes para estagiar[11].

Sistematicamente, nos contrato de estágio, devem ser observados os aspectos formais e materiais. Os primeiros referem-se às exigências da lei para sua celebração, e compreendem: o Termo de Compromisso firmado entre o estudante e a parte concedente do estágio, salvo se tratar de estágio realizado sob a forma de ação comunitária, quando este termo é dispensável; a Interveniência obrigatória da instituição de ensino; os Contratos-padrão de bolsas de complementação educacional; a obrigação de a parte concedente do estágio fazer seguro de acidentes pessoais para o estagiário; o encaminhamento do estagiário ás entidades concedentes, feito pelas instituições de ensino (faculdades ou escolas técnicas); a observância do prazo de duração do estágio constante do contrato de bolsa; a subscrição da CTPS do estagiário, expedida pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Os aspectos materiais, por sua vez, traduzem a necessidade de o estagiário estar matriculado em cursos vinculados ao ensino público ou particular, de nível superior, de ensino médio, de educação profissional de nível médio ou superior ou escolas de educação especial, bem como a exigência de que o estágio se realize em unidade que tenha condições de propiciar-lhe experiência prática na linha de formação. Ademais, é necessário que se proporcione ao estudante-estagiário a complementação do ensino e da aprendizagem, a ser planejados, executados, acompanhados e avaliados em consonância com os currículos, programas e calendários escolares (BARROS, 2005).

Por derradeiro, DOMINGUES (2005), destaca que, deparamo-nos, no dia-a-dia, com denúncias sobre o desvirtuamento de estágio de estudantes de nível superior, ou seja, a utilização por empresas de trabalhadores, rotulados de estagiários, que, na verdade, apenas fornecem mão-de-obra, já que, em inúmeros casos, inexiste a correlação obrigatória entre o curso freqüentado e a atividade exercida no campo do estágio. E, o que se constata, outrossim, é que aludida fraude só consegue ser perpetrada em razão da negligência das instituições de ensino no acompanhamento pedagógico desses estágios, aspecto, aliás, reclamado pela própria lei do estágio, somada com o descaso dos agentes de integração, que não se preocupam, realmente, em estabelecer o nexo de finalidade entre as funções inerentes à vaga oferecida pela empresa cedente e o curso freqüentado pelo estudante que se oferece para preenchê-la.

 

Notas:
[1] Em linhas gerais, para BARROS (2005), a precariedade embora não seja atributo da Flexibilidade pode ser por esta facilitada. Na empresa moderna as atividades que não se insertam no âmbito de sua especialização, devem ser, em princípio, transferidas a terceiros. São inumeráveis as formas contratuais utilizadas: sub-empreitada, mão de obra temporária, trabalho à domicílio, trabalho autônomo, etc.. A tendência é a especialização vertical e flexível. A empresa é um módulo de serviços especializados utilizando-se das diversas formas de integração de outras empresas ou de serviços flexibilizados. A PROLIFERAÇÃO das formas de empregos “ATIPICOS”, em muitas economias industrializadas, apresenta evolução preocupante, sendo impressionante o catálogo de empregos atípicos nas chamadas alternativas flexíveis como advertiu o DIRETOR GERAL DA OIT na 4ª Conferência Regional Européia, em Genebra, 1987.
[2] Como acentua CARELLI (2003), um dos piores, senão o pior efeito, que traz a intermediação da mão-de-obra para o mundo do trabalho é a fragmentação ou pulverização da classe trabalhadora, causa de enfraquecimento da representatividade sindical. Pois, de fato, a terceirização intermediadora de trabalhadores coloca lado a lado, no mesmo local de trabalho de uma fábrica, trabalhadores representados por diversas entidades sindicais, das mais fortes às mais fracas, de posições ideológicas as mais diversas, e, na maior parte das vezes, com atuação individual e descoordenada.
[3] Conclui CARELLI (2003), que o meio ambiente de trabalho sofre sérios danos com a intermediação de mão-de-obra, pelas seguintes causas:
– Precarização da situação laboral do trabalhador;
– Dificuldade de efetiva representação e defesa sindical;
– Fragmentação do ambiente de trabalho, com falta de coesão comunitária;
– Menor remuneração;
– Menor qualificação e possibilidade de qualificação;
– Menor experiência na função e menor conhecimento da situação específica do trabalho;
– Maiores riscos das atividades exercidas.
[4] A falta de emprego se converteu num dos graves e múltiplos problemas a resolver, não só no Primeiro, como também no Segundo e no Terceiro Mundo. Os estudiosos, em todas as economias, entendem que se trata de um desemprego estrutural e não apenas conjuntural. Por ser um problema estrutural, isto é, decorrente do modelo de industrialização adotado, não há criação de empregos, mas diminuição, apesar do aumento da produtividade (BARROS, 1999).
[5] Entretanto, a afirmação de que os encargos sociais chegam à monta de 102% é contestada por Clovis ROSSI apud GONÇALVES (2005), que escreve: O professor PASTORE eleva, incorretamente, os encargos sociais a 102,06% da folha por uma razão simples; inclui como encargos as férias, o repouso semanal remunerado, o 13º salário, etc. não são encargos. São direitos mínimos do trabalhador, a menos que se pretenda revogar a Lei Áurea, o que ainda não entrou na agenda das reformas.
[6] Ainda contestando a tabela proposta por PASTORE, merece ser trazida a lição de Aldacy Rachid COUTINHO citado por GONÇALVES (2004) – A indicação de pagamentos de aviso-prévio, férias, repouso semanal remunerado, feriados, como custo do trabalho está fora de qualquer sustentação, ao menos para os juslaboristas. Serviria para um economista, que vê na remuneração somente a contraprestação pelo serviço efetivamente prestado, sendo os demais pagamentos encargos sociais.
[7] MAIOR (2000), destaca que alguns dos encargos apontados nas tabelas acima só são custeados pelo empregador aparentemente. As despesas vale-transporte e alimentação, esta última quando efetuada nos termos do Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT, são dedutíveis do lucro tributável para fins de imposto sobre a renda dos empregadores pessoas jurídicas. Quanto à  alimentação, autoriza-se a dedução do dobro do valor das despesas. O salário-família e o salário maternidade são benefícios previdenciários. O empregador paga ao empregado tais parcelas, mas o valor correspondente é descontado das contribuições que deve ao INSS (compensação). O auxílio-doença, nos primeiros 15 dias, licença-paternidade, ausências justificadas nos termos do art. 473 da CLT e mesmo o DSR e os feriados não geram custos adicionais para o empregador. O 13º salário, as férias (com adicional de 1/3), o aviso prévio e o FGTS (incluindo a multa de 40%) são direitos dos trabalhadores que existem, conforme regulamentação igual ou distinta na maioria dos países do mundo. O adicional de horas extras, adicional de insalubridade, adicional de periculosidade, adicional de transferência e adicional noturno são compensações pelo trabalho prestado em condições adversas à saúde do empregado. Não representam um custo do trabalho, mas uma forma de inibir que um trabalho em tais condições seja realizado. Restam, portanto, como custo do trabalho: a contribuição previdenciária, incluindo o seguro contra acidentes de trabalho, o salário-educação e as contribuições para o INCRA, o SESI/SESC, o SENAI/SENAC e o SEBRAE.
[8] A relação de trabalho normal no conceito Fordista pressupunha a clara separação da pessoa com o seu tempo e espaço livres e o trabalhador com o seu local e tempo de trabalho levando à necessidade de criação de tempos de trabalho standard. Este tipo de relação, fomentando a produção continua e uma relação duradoura e estável entre a empresa e o trabalhador assegurava a este a possibilidade de progressão de carreira dentro da empresa num quadro de maior segurança (FILGUEIRAS-RAUCH, 2000).
[9] Acerca da modificação introduzida na Lei, é relevante a análise de José Affonso DALLEGRAVE NETO apud GONÇALVES (2004), de que em verdade a Medida provisória ao adaptar as corretas nomenclaturas determinadas pelo MEC, acabou ampliando as hipóteses de celebração do estágio.
[10] Conforme VIDOTTI (2003), esses argumentos não sobrevivem a uma interpretação sistemática e teleológica dos dispositivos da Lei n°. 6.494/77, sucintamente exposta neste escrito, sendo inaceitável que se pincem da legislação expressões isoladas aqui e acolá para construir juízo que legitime estágio no qual não haja correlação da carga teórica com as atividades desenvolvidas na empresa.
[11] Acompanhando nosso entendimento, a Jurista MELLO (1998) entende que um dos aspectos reveladores da fraude, relacionado à finalidade pedagógica do estágioo, está precisamente em o estagiário trabalhar sem orientação dos empregados da empresa ou do próprio empregador. O estagiário deve prestar serviços sempre com o auxílio e a orientação de outros empregados ou do empregador. Estes, colaborando com a escola, são os “professores extra classe” do estudante. Se o estagiário não é um auxiliar, mas quem faz todo o serviço, está claro que ele está suprindo uma necessidade econômica da empresa (necessidade de recursos humanos). No estágio, o aspecto formativo suplanta o aspecto econômico, de modo que o estágio deve ser pedagogicamente útil, senão não é estágio. A serventia pedagógica é o ônus e o compromisso do sujeito concedente do estágio para com a sociedade.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Jair Teixeira dos Reis

 

Professor Universitário. Auditor Fiscal do Trabalho. Autor das seguintes obras: Manual de Rescisão de Contrato de Trabalho. 4 ed. Editora LTr, 2011 e Manual Prático de Direito do Trabalho. 3 ed. Editora LTr, 2011.

 


 

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