A tecnologia é constantemente objeto de análise da Justiça do Trabalho, que já discutiu a suposta violação de privacidade e de correspondência do empregado em detrimento ao poder de direção do empregador que monitora as mensagens eletrônicas corporativas; o valor probatório da marcação de ponto eletrônico e o desconhecimento do empregado do código fonte do software[1] que faz esta marcação; o direito do empregado ao recebimento de horas extras, quando este executa suas atividades rastreado por satélite; e até mesmo, já admitiu como prova para a manutenção de uma demissão por justa causa a existência de uma comunidade, inserida no famoso site de relacionamentos “Orkut”[2].
Nesse contexto, certamente a tecnologia será assunto de maior recorrência na Justiça Trabalhista, a cada dia que se passa, pois a incorporação das ferramentas tecnológicas ao ambiente de trabalho somente aumentará. Quem se imagina desenvolvendo suas atividades laborais sem utilizar uma ferramenta de busca na Internet para tirar dúvidas de trabalho? Ou até mesmo, sem utilizar uma simples conta de e-mail?
Algumas questões peculiares começarão a surgir, desafiando os operadores do direito em geral, como por exemplo, a ampliação da responsabilidade objetiva do empregador pelo empregado no exercício do trabalho que lhe competir ou em razão dele, conforme premissa jurídica inserta no art. 932, III, do Código Civil.
Ora, em um mundo interconectado, no qual os indivíduos estão o tempo todo on-line, os empregadores disponibilizam aos seus empregados smartphones[3], através dos quais reuniões de trabalho são realizadas em tempo real com o cliente que está sediado em outro país e acesso via VPN (Virtual Private Network)[4], para que o trabalhador possa acessar remotamente o servidor da empresa e trabalhar em qualquer horário, ainda que fora de sua jornada de trabalho.
No caso da utilização indevida da ferramenta de trabalho, como por exemplo, o envio de um e-mail ofensivo a honra de terceiro, a responsabilidade continuará a ser do empregador, nos moldes do artigo supra citado do Código Civil, ainda que o trabalhador não esteja dentro da sede da empresa e fora da jornada de quarenta e quatro horas semanais?
E mais, esses acessos remotos dos empregados, que agora têm sua jornada de trabalho estendida de forma extremamente flexível, poderão gerar direito ao recebimento de horas extras, previstas no art. 7º, XIII da Constituição Federal, bem como, a leitura de e-mails corporativos durante o período de gozo de férias, poderão configurar trabalho neste período, infringindo o art. 129 da CLT?
Em que pese a CLT ter suas origens na década de 40 e a redação dada ao Código Civil ao art. 932, III, não ter sido alterada com a reforma de 2002, entendemos que a grande maioria das situações ocorridas em âmbito virtual estão abarcadas por nossa legislação ordinária, sem que haja necessidade de legislação específica para tal fim, excetuando-se algumas questões da esfera do Direito Penal.
Assim, em uma análise perfunctória, é possível concluir que a tecnologia disponibilizada ao empregado como ferramenta de trabalho só tende a diminuir os estreitos e tênues limites impostos pelo Direito Laboral, vez que pode aumentar a jornada de trabalho, gerando, eventualmente, reflexos trabalhistas e também civis ao empregador, quando da utilização indevida.
De outro lado, temos que a tecnologia empregada em âmbito corporativo aumenta de forma latente a produtividade, agilidade e lucratividade dos negócios, cabendo ao empregador equalizar a difícil balança entre respeitar os limites impostos pela CLT, extrair a melhor performance do empregado e aumentar os lucros.
Essas questões são novas e ainda vão causar muita polêmica, mas certamente a jurisprudência encontrará uma solução, como encontrou, por exemplo, aos já ultrapassados pagers e o trabalho em sobreaviso, afinal a tecnologia é uma prova sob o aspecto processual muito segura, pois, dificilmente mente.
Notas:
Informações Sobre os Autores
Renato Opice Blum
Advogado e Economista, sócio do Opice Blum Advogados Associados/SP
Professor de Direito na Florida Christian University, FGV, UNINOVE, PUC, Centro Técnico Aeroespacial e outras
Camilla do Vale Jimene
Advogada e Professora de Direito Eletrônico