Sumário: 1. Introdução. 2. Da informatização do processo judicial (Capítulo I). 3. Da comunicação eletrônica dos atos processuais (Capítulo II). 4. Do processo Eletrônico (Capítulo III). 5. Disposições gerais e finais (Capitulo IV). 6. Das alterações no Código de Processo Civil. 7. Considerações finais.
1. Introdução
Publicada em 20.12.2006, a Lei 11.419/06, que dispõe sobre a informatização do procedimento judicial, é um verdadeiro marco. Muito se discutiu sobre a sua viabilidade, abrangência, segurança jurídica e, principalmente, a reunião de mecanismos que pudessem estar sempre atualizados, face às constantes inovações tecnológicas que diariamente são apresentadas à sociedade.
Assim, a nova sistemática está dividida em quatro capítulos: I – Da informatização do processo judicial, II – Da comunicação Eletrônica dos Atos Processuais, III – Do processo eletrônico e IV – Disposições Finais.
Entretanto, alguns dispositivos da lei sob análise representam consolidações de procedimentos e soluções que já se encontram em uso, há algum tempo, em alguns tribunais pátrios, tais como:
I. o e-PROC utilizado nos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul;
II. o peticionamento eletrônico no Tribunal Regional Federal da 1ª Região e no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná;
III. o e-DOC (Sistema Integrado de Protocolização e Fluxo de Documentos Eletrônicos da Justiça do Trabalho), sistema no qual permite o envio eletrônico de documentos referentes aos processos que tramitam nas Varas do Trabalho dos 24 TRTs e no TST, através da Internet, sem a necessidade da apresentação posterior dos documentos originais, desde que seja utilizado certificado digital ICP-Brasil, tipo A3[1];
IV. o Processo virtual[2] do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (10º e 11º Juizado Especial Cível e Criminal e Vara de Execução Fiscal Municipal, ambos em Campo Grande – MS).
V. O sistema de Cartas Precatórias Eletrônica – CPE, cujo projeto pioneiro é de autoria dos Tribunais Regionais do Trabalho da 14ª, 16ª e 18ª Região;
VI. O mecanismo de auto-intimação, em uso pelos Tribunais Regionais Federais da 2ª e da 4ª Região, dentre outros.
Como se pode observar, alguns tribunais já cuidaram de desenvolver seus próprios mecanismos virtuais, facilitando sobremaneira a prestação jurisdicional.
Todavia, a Lei em comento, conforme disposto em seu artigo 1º, faculta aos órgãos do poder judiciário a se utilizarem de meios eletrônicos na tramitação de processos judiciais. Mas é claro que, embora não seja uma imposição federal, todos os tribunais virão a se adaptar, pois se trata de um caminho sem volta, que trará uma impressionante e necessária celeridade, transparência e representará, inclusive, milhões de reais em economia de espaço físico e papel.
Aliás, é deveras importante destacar, antes de adentrar aos comentários da lei em questão, que ao lado da implantação, regulamentação e operacionalização da referida norma, está a necessidade de adaptação dos operadores do direito, com o apoio das instituições de classe (ordem dos advogados, associações de magistrados, associações de membros do ministério público, oficiais de justiça, etc), tendo em vista, principalmente, os fatores como segurança na tecnologia de informação e armazenamento de dados.
Nada obstante, passa-se, pois, à análise sistemática da lei 11.419/06.
2. DA INFORMATIZAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL (Capitulo I, da Lei 11.419/06)
No capítulo introdutório, em seu art. 1º, assim está disposto:
“Art. 1o O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei.
§ 1o Aplica-se o disposto nesta Lei, indistintamente, aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição.
§ 2o Para o disposto nesta Lei, considera-se:
I – meio eletrônico qualquer forma de armazenamento ou tráfego de documentos e arquivos digitais;
II – transmissão eletrônica toda forma de comunicação a distância com a utilização de redes de comunicação, preferencialmente a rede mundial de computadores;
III – assinatura eletrônica as seguintes formas de identificação inequívoca do signatário:
a) assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma de lei específica;
b) mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.”
Conforme dito alhures, a lei faculta aos tribunais a implantação de mecanismos eletrônicos de prestação jurisdicional (tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais), aplicáveis aos processos cíveis, penais, trabalhistas, bem como em juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição.
Os incisos I e II do §2º do art. 1º apresentam a terminologia empregada, tais como “meio eletrônico” e “transmissão eletrônica”. Entrementes, cumpre salientar o seguinte: o legislador fez constar, no referido inciso I, que meio eletrônico é toda forma de armazenamento ou tráfego de documentos e arquivos digitais.
Tratando-se de terminologia no âmbito da TI (tecnologia de informação), a diferença entre arquivo digital e digitalizado é bastante tênue. Por arquivo digital entende-se aquele gerado, originariamente, em um dispositivo eletrônico (ex:. documento de texto, fotografia obtida por câmera digital, etc). Já o arquivo digitalizado é aquele cuja origem está dissociado a um dispositivo eletrônico, mas que uma vez obtido, pode ser transportado através de um scanner (ex:. uma fotografia de papel, uma escritura pública, um contrato assinado, etc).
O legislador, certamente, não se preocupou em traçar essa diferença logo nos primeiros artigos, sendo que só trouxe o termo “digitalizados” no §1º do artigo 11. Com efeito, essa diferença de terminologia já tem sido empregada nos tribunais federais. É o que ocorre com o sistema de peticionamento eletrônico já utilizado, por exemplo, no TRF 1ª região, o qual admite documentos digitalizados, isto é, documentos que instruem determinada petição podem ser enviados, de igual forma, através da Internet, para posterior juntada aos autos.
No inciso II do §2º do art. 1º, o legislador ressalva que a transmissão eletrônica compreende toda forma de comunicação à distância, preferencialmente a rede mundial de computadores (Internet). Identifica-se, nessa linha normativa, um rigoroso cuidado com a dinamicidade do desenvolvimento das tecnologias de informação, pois a lei deixa em aberto a possibilidade de (em um futuro não muito distante) ser utilizado outro meio capaz de se transmitir peças processuais ou de se consultar andamentos de processos, a exemplo da tecnologia WAP[3], acessível através de um aparelho celular ou smartphone[4].
No inciso III do §2º do art. 1º são estabelecidos os requisitos para a utilização da transmissão eletrônica de peças processuais. Na alínea “a”, portanto, depreende-se que usuário deverá adquirir um certificado digital, emitido por uma AC (Autoridade Certificadora) credenciada.
Apenas abrindo-se um parêntese, instar explanar o significado de um certificado digital. Trata-se de um arquivo de computador que identifica um usuário. Pode-se comparar a uma carteira de identidade virtual, contendo informações pessoais do usuário, sendo que sua principal informação é sua chave pública.
Alguns softwares utilizam esse arquivo para comprovar uma determinada identidade para outra pessoa ou computador. Dois exemplos típicos são:
– Quando se utiliza um banco on-line, a instituição financeira tem que se certificar de que aquele usuário é a pessoa que realmente tem direito de obter as informações sobre determinada sua conta bancária. Como uma carteira de identidade, um Certificado Digital confirma a identidade ao banco on-line.
– Quando se envia um e-mail importante, o aplicativo pode usar o Certificado Digital para assinar “digitalmente” a mensagem. A assinatura digital faz duas coisas: certifica o destinatário de que o e-mail é autêntico e garante que o e-mail não foi alterado entre o momento em que foi enviado até seu efetivo recebimento.
O Certificado Digital normalmente contém as seguintes informações:
– A Chave Pública;
– O nome e endereço de e-mail do proprietário;
– Data de validade da chave pública;
– Nome da companhia (autoridade certificadora que emitiu o Certificado Digital);
– Número de série do Certificado Digital;
– Assinatura digital da autoridade certificadora.
Um Certificado Digital pode ser obtido de uma companhia chamada autoridade certificadora (AC)[5], conforme dito acima. Atualmente, tanto os tribunais quanto a OAB estudam a possibilidade de se tornarem autoridades certificadoras.
Na prática, os certificados digitais são utilizados por sites e aplicativos de rede para embaralhar os dados permutados entre dois computadores. Por detrás desse mecanismo, está a criptografia, que é uma ferramenta de segurança poderosa, mas, por si só, não constitui proteção suficiente para suas informações.
A criptografia, somente ela, não pode provar a identidade de um usuário ou a identidade da pessoa que está lhe enviando dados criptografados. Por exemplo, um acionista on-line pode ter um site que criptografa os dados que lhe são enviados através de suas páginas da rede. O site pode até exigir que se digite o nome do usuário e sua senha. No entanto, esses tipos de nome de usuário e senha podem ser facilmente interceptadas e não servem como prova de sua identidade. Sem salva-vidas extras, alguém pode assumir uma identidade on-line e ter acesso a contas e outros dados particulares ou confidenciais.
Já os Certificados Digitais resolvem esse problema, fornecendo um meio eletrônico de verificar sua identidade. Eles fornecem uma solução de segurança mais completa, assegurando a identidade de todas as partes envolvidas na transação.
Devido ao modo como o Certificado Digital funciona, eles fornecem uma função chamada de não-repúdio, que, essencialmente, impede as pessoas de negar o envio de uma mensagem. Por exemplo, ao usar o cartão de crédito, deve-se assinar um recibo autorizando o pagamento. Devido à exigência de assinatura, pode-se provar que alguém roubou o cartão, ou o utilizou indevidamente, comparando a assinatura do verdadeiro detentor com a que está no recibo. Com a irrepudiabilidade, a referida autorização se dá de forma automática, no momento em que é enviado o Certificado.
É nessa linha de raciocínio acima, aliás, que está o art. 2º da Lei[6], o qual trata da obrigatoriedade de credenciamento prévio do usuário junto ao Poder Judiciário, e do uso de assinatura eletrônica que, provavelmente, será fornecida pelo próprio tribunal, pela OAB ou por convênio com alguma autoridade certificadora de renome.
Porém, abrindo-se outro parêntese, no que tange ao credenciamento de advogados pelo Poder Judiciário, fora publicada uma matéria no Jornal “Estado de Minas – Caderno Direito e Justiça”, em 05/02/2007, tratando da polêmica gerada quanto ao artigo 2º acima, o que desagradou e muito a Ordem dos Advogados do Brasil. O §3º do referido dispositivo, por sua vez, assim dispõe:
“§ 3o Os órgãos do Poder Judiciário poderão criar um cadastro único para o credenciamento previsto neste artigo.”
A referida matéria noticia que o Conselho Federal da OAB, em documento encaminhado à presidência, em dezembro do ano pretérito, ponderou que a Lei 8.906/94 9 (Estatuto da Advocacia) é quem regulamenta a exclusividade no credenciamento de advogados para o exercício da profissão, pois é a entidade quem faz o controle dos advogados aptos ou não, cuja descentralização poderia gerar um conflito de permissões, isto é, um advogado, mesmo que suspenso perante a Ordem, poderia efetuar seu cadastro junto ao Poder Judiciário e lá interagir, nos termos da lei em testilha.
Por outro lado, o assunto já está sendo conversado entre os departamentos de informática da entidade e os tribunais, para se chegar a um denominador comum, tendo em vista os consideráveis investimentos da Ordem em equipamentos e tecnologia, justamente para esse fim: o credenciamento e interligação eletrônica dados de advogados entre os tribunais e a entidade.
Pois bem.
Voltando à análise da Lei 11.419/06, quanto à data e hora de realização dos atos processuais por esse meio, o artigo 3º estabelece a obrigatoriedade do fornecimento de um protocolo eletrônico, a exemplo do que já ocorre no TRF 1ª Região, onde uma página é gerada informando o êxito da operação, a qual o usuário deverá imprimir para posterior comprovação.
Um detalhe muito importante da lei e que, de fato, irá acalmar os ânimos principalmente dos advogados, está no parágrafo único do artigo 3º, in verbis:
“Art. 3º. (…)
Parágrafo único. Quando a petição eletrônica for enviada para atender prazo processual, serão consideradas tempestivas as transmitidas até as 24 (vinte e quatro) horas do seu último dia.”
Dessarte, para fins de peticionamento eletrônico, o expediente forense não se finda às 18 horas, mas sim às 24 (vinte e quatro) horas do prazo fatal. Porém, nesse caso o sistema eletrônico receptor (do respectivo tribunal) deverá gerar um protocolo, nos termos do caput do artigo acima, que posteriormente deverá ser juntado aos autos, para se comprovar a tempestividade.
3. DA COMUNICAÇÃO ELETRÔNICA DOS ATOS PROCESSUAIS (Capítulo II)
O Capítulo II apresenta um procedimento célere e, de certa forma, eficaz, se utilizado corretamente. Trata-se da comunicação eletrônica de atos processuais através de Diário da Justiça Eletrônico, e-mail ou acesso direto ao portal próprio do tribunal.
O artigo 4º traz uma faculdade aos tribunais, qual seja, a criação de um Diário da Justiça eletrônico, veículo este que vem sendo utilizado por vários órgãos, alguns mediante assinatura, outros gratuitamente. Em seu §1º, estabelece que as publicações eletrônicas deverão conter um certificado emitido por uma AC credenciada, na forma da lei específica[7], que irá conferir validade, autenticidade e inalterabilidade do documento.
Já o §2º do artigo 4º prevê a substituição plena das publicações do diário da justiça tradicional (em papel) pela forma eletrônica, desde que com ampla divulgação (art. 4º, §5º) aos jurisdicionados, salvo quando for exigida intimação ou vista pessoal. É, pois, uma inovação legal que está de acordo com a tendência mundial de extinção do papel, bem como da inclusão digital da sociedade, nesse caso, a jurídica.
Entretanto, como a veiculação do Diário da Justiça Eletrônico se desenvolve de forma muito dinâmica, a lei flexibilizou a contagem de prazos, baseando-se na data de publicação. Esta, pois, será considerada no primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no diário (art. 4º, §3º). Outrossim, os prazos processuais se iniciarão no primeiro dia útil que seguir ao considerado como data de publicação (art. 4º, §4º), o que significa que o prazo efetivamente se inicia no segundo dia útil ao da disponibilização do diário eletrônico no portal do respectivo tribunal.
O artigo 5º da Lei 11.419/06, que trata da intimação por meio eletrônico, embora tenha recebido críticas de alguns, quando de sua idéia inicial, veio simplesmente regulamentar em âmbito nacional o que já vinha sendo feito, por exemplo, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, através da Resolução nº. 30, de 17 de maio de 2004, com base no art. 8º, §2º[8] da Lei 10.259/2001 (que institui os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal).
Nessa resolução, o referido tribunal criou a chamada auto-intimação eletrônica, onde os advogados podem optar, mediante termo, por passar a receber as intimações através de consulta no respectivo site, acessando-o com a senha própria. Todavia, caso o advogado não consulte as intimações da semana, o sistema processará a intimação automaticamente todas as 6ªs feiras às 18:00 horas, ou no último dia útil da semana no mesmo horário, considerando, para tanto, o calendário oficial da Justiça Federal[9]. Este exemplo, pois, fora seguido por outros TRF´s, tal como o da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo).
No caso da lei em comento, a consulta pelo advogado deverá ser feita em até 10 (dez) dias corridos (art. 5º, §3º), contados da data do envio da intimação, sob pena desta ser considerada feita automaticamente no término desse prazo. Ademais, em caráter informativo, o tribunal poderá enviar correspondência eletrônica, comunicando a disponibilidade da intimação e a abertura do prazo (art. 5º, §4º).
Outro mecanismo que já é utilizado e bastante útil aos jurisdicionados é o sistema PUSH, que, a cada alteração na movimentação processual, é enviado um e-mail ao usuário cadastrado, de forma que o acompanhamento se torna praticamente em tempo real. Porém, tal procedimento não evidencia que o advogado tenha tomado conhecimento, sendo necessária a comprovação da ciência, através de sistema eletrônico, quando o acesso à intimação for feita dentro do prazo de 10 (dez) dias.
Com relação às cartas precatórias, estas serão expedidas, preferencialmente, por meio eletrônico, a teor do artigo 7º:
“Art. 7o As cartas precatórias, rogatórias, de ordem e, de um modo geral, todas as comunicações oficiais que transitem entre órgãos do Poder Judiciário, bem como entre os deste e os dos demais Poderes, serão feitas preferentemente por meio eletrônico.”
Novamente se trata de uma regulamentação de abrangência nacional, em todos os órgãos do Poder Judiciário, do que já está em prática, de forma pioneira, nos Tribunais Regionais do Trabalho da 14ª (Rondônia e Acre), 16ª (Maranhão) e 18ª (Goiás) Região[10], gerenciado pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho – CSJT. Assim, a chamada CPE (Carta Precatória Eletrônica) representa economia de tempo, transporte, correios e material de consumo, sem contar na velocidade de autuação.
4. DO PROCESSO ELETRÔNICO (Capítulo III)
O artigo 8º consolidou o chamado processo virtual. É, pois, facultado aos tribunais desenvolver seus próprios sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais, de forma parcial ou integralmente digital (ou digitalizada), acessíveis através da Internet ou Intranet[11], com a devida certificação digital, para conferir validade e autenticidade do documento.
Com isso estará plenamente resolvido o congestionamento nos cartórios, principalmente dos grandes centros, pois o acesso à íntegra do processo virtual será considerado vista pessoal do interessado, para todos os efeitos legais.
Consoante o artigo 3º da Lei, o §1º do artigo 10 trouxe, novamente, a extensão do prazo para as 24 (vinte e quatro) horas do último dia.
Por outro lado, o §2º do art. 10 estabelece que, caso haja falha no sistema de envio de peças do Poder Judiciário, o prazo ficará automaticamente prorrogado para o primeiro dia útil seguinte à resolução do problema.
Porém, está-se diante de um fator delicado, pois, muitas discussões poderão ser geradas com relação às ditas falhas técnicas. Considere-se, por exemplo, que, no último prazo, mesmo que o portal do respectivo tribunal esteja funcionando corretamente, o advogado pretenda enviar a petição às vinte horas e ocorre uma queda de energia elétrica em seu escritório, ou a conexão à Internet apresenta falha técnica por culta da operadora de telefonia, fato este que é comum ocorrer. Como poderia ser justificada tal falha? Talvez fosse necessário criar uma forma de obrigar as empresas de energia elétrica ou de telefonia a fornecer um documento, certificando a data e horário da falha técnica, para que o juiz possa relevar o prazo, em analogia ao §2º do art. 10. Em todo caso, é um perigo que se apresenta, muito embora há quem diga que não se deve deixar para cumprir os prazos de última hora.
Em seguida, tratando-se da validade jurídica dos documentos eletrônicos, a lei derroga tacitamente o artigo 2º da Lei 9.800/99, a chamada “Lei do Fax”, pois agora, uma vez produzidos eletronicamente os documentos e juntados aos processos eletrônicos, com a devida certificação digital, serão considerados originais para todos os efeitos legais. Aliás, não só os produzidos eletronicamente (digitais), mas também os extratos digitais e documentos digitalizados produzidos pelas partes terão a mesma força probante dos originais (§1º do art. 11), salvo quando lhes for impugnada a autenticidade, nos termos do art. 225 do Código Civil, e inciso IV do art. 365 do Código de Processo Civil, cujo incidente de falsidade será processado eletronicamente, nos termos da lei processual em vigor (§2º do art. 11).
É sabido, porém, que arquivos e aparelhos eletrônicos são suscetíveis de pane, seja por parte física ou lógica, vírus, malwares[12], etc. Pensando nisso, o legislador inseriu, através do §3º do artigo 11, uma obrigação ao detentor dos originais dos documentos, muito mais por razões de precaução do que obrigacional, pois, em caso de perda do material eletrônico, poderá este ser digitalizado novamente, para posterior reenvio.
Ainda com relação à digitalização de documentos, é importante frisar que nem tudo pode ser transferido para o computador com boa qualidade. Seja porque o documento não possui boa resolução, seja porque o equipamento utilizado não possui tecnologia suficiente para reproduzi-lo com boa qualidade. Por isso, o §5º do artigo 11 estabeleceu que, os documentos cuja digitalização seja tecnicamente inviável devido ao grande volume ou por motivo de ilegibilidade deverão ser apresentados ao cartório ou secretaria no prazo de 10 (dez) dias contados do envio de petição eletrônica comunicando o fato, os quais serão devolvidos à parte após o trânsito em julgado.
Quanto à manutenção e acessibilidade dos documentos eletrônicos, a lei estabelece alguns cuidados. Em verdade, a informática traz incontáveis benefícios, mas o lado negativo cinge-se justamente na questão segurança.
O §6º do artigo 11 prevê que o acesso aos documentos digitalizados de um processo poderá ser feito somente pelas respectivas partes interessadas e pelo Ministério Público, respeitado o disposto em lei para as situações de sigilo e segredo de justiça. Depreende-se, portanto, que somente os documentos digitalizados que instruem o processo possuem essa restrição, sendo que os demais poderão ser visualizados por quaisquer usuários, salvo de processos que correm em segredo de justiça.
Quanto à conservação dos processos eletrônicos, a qual poderá ser efetuada total ou parcialmente (art. 12, caput), estes deverão ser protegidos por meios de segurança de acesso e seu armazenamento deverá garantir a preservação e integridade dos dados (art. 12, §1º).
Por certo, conforme dito acima, os tribunais deverão investir com afinco no quesito segurança, pois constantemente assistimos a notícias de invasões a sistemas eletrônicos por hackers, burlando sistemas que se julgavam invioláveis. É uma realidade. Por mais essa razão é que o legislador fez constar o §3º do artigo 11 acima citado, pois, o advogado e as partes deverão manter suas vias originais pelo menos até se findar a demanda, ou até o final do prazo para interposição de ação rescisória.
Os parágrafos 2º ao 4º estabelecem procedimentos usuais de conferência de documentos eletrônicos por parte dos serventuários da justiça, bem como de autuações, impressões do material eletrônico, quando necessário, e o prosseguimentos dos autos, conforme a tramitação legalmente prevista para os processos físicos.
O §5º do artigo 12 prevê, por sua vez, a possibilidade de digitalização de autos em mídia não digital[13], que será precedida de publicação de edital de intimações ou intimação pessoal das partes e de seus procuradores para, caso queiram, no prazo de 30 (trinta) dias, desentranharem os documentos originais. Assim, caso o Tribunal pretenda digitalizar os processos em tramitação ou já arquivados, deverá respeitar o procedimento previsto no referido dispositivo, além de eventuais normas a serem criadas pelas respectivas corregedorias.
O artigo 13 da Lei em comento traz uma interessante faculdade ao juiz. Trata-se de um complemento aos artigos 355 e 360 do Código de Processo Civil, que dispõe sobre a possibilidade de o juiz ordenar que as partes ou terceiros exibam documentos que estiverem em seu poder, caso estes possam ser fornecidos por meio eletrônico. Ademais, poderá ser utilizado em complemento ao parágrafo único do artigo 6º da Lei 1.533/51 (mandado de segurança), que assim dispõe:
“Art. 6º. (…)
Parágrafo único – No caso em que o documento necessário a prova do alegado se acha em repartição ou estabelecimento publico, ou em poder de autoridade que recuse fornecê-lo por certidão, o juiz ordenará, preliminarmente, por oficio, a exibição desse documento em original ou em cópia autêntica e marcará para cumprimento da ordem o prazo de dez dias. Se a autoridade que tiver procedido dessa maneira for a própria coatora, a ordem far-se-á no próprio instrumento da notificação. O escrivão extrairá cópias do documento para juntá-las à segunda via da petição. (destacamos).”
Todavia, é importante ressalvar que os prazos continuam os mesmos, ou seja, 5 (cinco) dias para as partes, a contar de sua intimação, e 10 (dez) para terceiros, no caso do Código de Processo Civil, e 10 (dez dias) para repartição ou estabelecimento publico, ou para autoridade que recuse fornecê-lo por certidão, no caso de mandado de segurança.
5. DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E FINAIS
O artigo 14 da lei sob análise traz uma determinação quanto à utilização do tipo de software, assim dispondo:
“Art. 14. Os sistemas a serem desenvolvidos pelos órgãos do Poder Judiciário deverão usar, preferencialmente, programas com código aberto, acessíveis ininterruptamente por meio da rede mundial de computadores, priorizando-se a sua padronização.”
Trata-se, pois, da obrigação de se utilizar o chamado software livre[14] ou até mesmo software proprietário[15], mas com o código fonte aberto. A razão envolve diversos fatores positivos, tais como, redução de gastos com licenças periódicas, maior estabilidade, resolução de problemas pelos próprios servidores públicos devidamente capacitados para tanto, e o principal: a possibilidade padronização do sistema entre os tribunais nacionais, bem como os superiores, de forma a facilitar a interoperabilidade entre os órgãos.
Atualmente, o TRF 4ª Região (dos Estados de PR, SC e RS), por exemplo, utiliza software livre no âmbito dos juizados especiais. Gradativamente, acredita-se que, não só o Poder Judiciário, mas também a administração pública migrará para essa ferramenta, pois, conforme manifestou a atual Ministra Presidente do Supremo Tribunal Federal – Ellen Gracie, se depender de sua decisão, o Poder Judiciário usará somente software livre.
Nos termos do artigo acima citado, o Poder Judiciário poderá desenvolver seus próprios sistemas de informação, sem, contudo, arcar com milionárias cifras por licenças de uso de software proprietário, além de poder disponibilizar softwares aos jurisdicionados, a fim de que haja a perfeita comunicação dos atos processuais.
Por conseguinte, de tudo o que já existe em andamento, isto é, os sistemas processuais eletrônicos já criados por alguns tribunais e citados no início deste trabalho, ressalva o artigo 19 desta lei que tais atos ficam convalidados até a sua data de publicação, desde que tenham atingido sua finalidade e não resultar prejuízo às partes.
6. Das alterações no Código de Processo Civil
A novel norma sob análise, em seu artigo 20, não só autoriza e regulamenta, de forma autônoma, procedimentos judiciais por meio eletrônico, como também incide diretamente no Código de Processo Civil, inserindo, excluindo e modificando dispositivos para melhor adequação da nova política de tecnologia de informação ao Poder Judiciário.
Assim, passamos à análise de cada dispositivo alterado do CPC:
– Art. 38 – No dispositivo que trata da procuração ad judicia, outorgada a advogados, fora inserido o parágrafo único, assim prescrito: “A procuração pode ser assinada digitalmente com base em certificado emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma da lei específica”. Ou seja, as partes poderão assinar procuração, utilizando-se de um certificado digital homologado pelo respectivo tribunal, desde que emitido por uma Autoridade Certificadora devidamente credenciada;
– Art. 154 – O presente dispositivo trata da confecção dos termos e atos processuais que não dependam de forma prescrita em lei, desde que seja preenchida a finalidade essencial. A lei 11.419/06 vetou o parágrafo único[16] e inseriu o §2º, in verbis: “Todos os atos e termos do processo podem ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico, na forma da lei”. Fora suprimido o parágrafo único, pois o legislador houve por bem substituir o termo “comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos” por “produzir, transmitir, armazenar e assinar”, tornando muito mais abrangente as possibilidades de informatização dos atos processuais. Ademais, excluiu a necessidade de se atender aos requisitos da ICP-Brasil, por esta ser, ainda, uma Medida Provisória, além do que os tribunais irão regulamentar seus próprios procedimentos, obviamente visando, de igual forma, a total segurança jurídica das informações;
– Art. 164 – Trata este artigo da necessidade de assinatura dos juízes, para a validade de seus atos privativos. A lei 11.419/06 trouxe a faculdade de apor assinaturas eletrônicas nos atos decisórios, conferindo-lhes a mesma validade da manuscrita. Apenas a título de exemplo, alguns magistrados já estão utilizando esse procedimento, a exemplo da Vara de Execução Fiscal Municipal da Comarca de Campo Grande (MS);
– Art. 169 – Este dispositivo trata da necessidade dos termos e atos do processo ser datilografados ou escritos com tinha escura e indelével, assinando-os as pessoas que neles intervierem. O referido artigo 20 trouxe alterações nas quais se transformou o antigo parágrafo único em §1º, e inseriu dois novos parágrafos: o §2º e o §3º. Naquele (§2º), dispõe que quando se tratar de processo total ou parcialmente eletrônico, os atos processuais a ele referentes poderão ser produzidos e armazenados de modo integralmente digital em arquivo eletrônico inviolável, podendo ser assinados digitalmente pelo juiz, escrivães ou chefes de secretaria, bem como pelos advogados (Ex:. audiências, termos de penhora, certidões diversas, etc). Já neste parágrafo (§3º), prescreve que, no caso do §2º alhures, eventuais contradições na transcrição deverão ser suscitadas oralmente no momento da realização do ato, sob pena de preclusão, devendo o juiz decidir de plano, registrando-se a alegação e a decisão no termo;
– Art. 202 – Fora incluído o §3º, que trata da possibilidade de se expedir a carta de ordem, precatória ou rogatória por meio eletrônico, com a devida assinatura eletrônica do juiz;
– Art. 221 – Dentre as formas de citação, poderá esta ser feita por meio eletrônico, conforme regulamentação em lei própria. Este procedimento é um pouco delicado de se regulamentar, tendo em vistas as restrições técnicas encontradas em servidores de e-mails (anti-spam, anti-vírus, filtros de lixo eletrônico, etc), bem como outros fatores subjetivos (demora na checagem de e-mail, caixa de entrada de e-mails lotada, etc). De qualquer forma, trata-se de um grande passo que virá contribuir na celeridade da comunicação de atos processuais;
– Art. 237 – No artigo que trata das intimações, fora inserido o parágrafo único, que autoriza as intimações de forma eletrônica. Não obstante a lei tratar do termo “intimação de forma eletrônico”, ad argumentandum tantum, alguns tribunais já utilizam as intimações por telefone, a exemplo dos Juizados Especiais do TJMS, o que poderia ser objeto de regulamentação posterior, com base no referido parágrafo único, por analogia.
– Art. 365 – Foram acrescentados os incisos V, VI, os §§1º e 2º, os quais atribuem aos extratos digitais de bancos de dados e cópias digitalizadas a mesma força probante de suas origens, devendo estes ser preservados até o final do prazo para interposição de ação rescisória. No caso de cópia digital de título executivo extrajudicial ou outro documento relevante à instrução do processo, o juiz poderá determinar que seja feito o seu depósito em cartório ou em secretaria. Todavia, entendemos que essa faculdade não diz respeito à instrução de processo de execução, onde se deve juntar somente o título original, conforme determina a lei e a jurisprudência, em razão de sua circulabilidade;
– Art. 399 – Esta previsão trata da possibilidade de o juiz, ao requisitar às repartições públicas as certidões necessárias à prova de alegação das partes, bem como procedimentos administrativos nas causas em que forem interessados a União, Estados e Municípios, e suas respectivas entidades de administração indireta, poder extrair no prazo máximo e improrrogável de 30 (trinta) dias, certidões ou reproduções fotográficas das peças indicadas, devolvendo-as, em seguida. Poderão, ainda, as repartições públicas fornecer os documentos requisitados, por meio eletrônico, certificando, pelo mesmo meio, que se tratam de extratos fiéis do que constam em seu banco de dados
– Art. 417 – A inovação fora a transformação do antigo parágrafo único para §1º, e a inclusão do §2º, que dispõe: Tratando-se de processo eletrônico, observar-se-á o disposto nos §§ 2o e 3o do art. 169 desta Lei. Em verdade, o caput do artigo 417 já previa a possibilidade de se reduzir a termo os depoimentos gerados por “outro método idôneo de documentação”. O que ocorreu foi a regulamentação, nos moldes da nova sistemática de tecnologia de informação, com a possibilidade de as partes poderem assinar digitalmente o documento, nos moldes dos §§2º e 3º do art. 169;
– Art. 457 – Este artigo trata da lavratura dos termos de audiência pelo escrivão. Houve, pois, a adequação desta previsão ao processo eletrônico, com a inclusão do §4º, que assim dispõe: Tratando-se de processo eletrônico, observar-se-á o disposto nos §§ 2o e 3o do art. 169 desta Lei. Assim, poderão as partes e o juiz assinarem digitalmente o documento gerado. A facilidade da assinatura digital das partes e do juiz está na vinculação direta ao processo eletrônico, sem que seja necessária a impressão e assinatura do documento, para posterior digitalização;
– Art. 556 – A alteração do artigo em destaque foi a inclusão do parágrafo único, que possibilita a assinatura, registro e arquivamento eletrônico dos votos, acórdãos e demais atos oriundos dos Tribunais;
Estas, pois, foram as alterações diretas no Código de Processo Civil trazidas pela lei informatização do processo judicial, tida como um dos maiores avanços do Poder Judiciário de que se tem notícia.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Lei 11.419/06, embora tenha trazido diversos benefícios, causa perplexidade para alguns operadores do direito, no que tange à dificuldade de familiarização com as inovações tecnológicas.
Porém, dentre os vários benefícios, está a mobilidade. Os novos conceitos de TI (Tecnologia de Informação) convergem para a descentralização de pontos ou estações de trabalho (workstations), de forma que os profissionais possam interagir com suas atividades de qualquer lugar do globo.
Aliás, com a atividade jurídica não é diferente. O operador do direito poderá, por exemplo, peticionar eletronicamente, analisar os autos via Internet, apor assinaturas digitais, enfim, acompanhar processos em qualquer lugar do país, estando, inclusive, em qualquer lugar do mundo.
Outro benefício é a redução significativa de custos para os tribunais, pois o papel irá se tornar cada vez mais prescindível e, de certa forma, contribuirá para a preservação do meio ambiente.
Por outro lado, tudo tem um preço. As inovações e benefícios trarão a preocupação com a segurança de dados. Os tribunais, tal como os bancos, não poderão medir esforços no que tange aos investimentos na segurança de informação, pois, como diz o velho jargão: “na Internet, nada é 100% seguro”.
Contudo, o advogado, como profissional indispensável à administração da justiça, deverá se adaptar rapidamente a essas inovações, pois, não se tratam de alterações de ordem processual, mas sim de ordem procedimental.
Informações Sobre o Autor
Leopoldo Fernandes da Silva Lopes
Advogado em Campo Grande (MS), Pós-graduado em Direito Civil pelo IELF/UNISUL; pós-graduando em Direito Internacional e Econômico pela Universidade Estadual de Londrina; Presidente da Comissão de Direito Eletrônico da OAB/MS