Direito digital e a questão da privacidade nas empresas

Resumo: Este artigo apresenta o conceito e princípios do Direito Digital, bem como a necessidade de atualização dos profissionais da área jurídica e o atual posicionamento de nosso ordenamento jurídico em relação à questão da privacidade e o monitoramento dentro das empresas. O cenário atual perante a Revolução do Conhecimento e a necessidade de blindagem legal das empresas a fim de proteger seu ativo cuja também integra a informação. Novas ameaças, novas formas de prevenção.


Sumário: 1. Introdução. 2. Direito Digital. 3. Privacidade no Ambiente Virtual de Trabalho. 4. Conclusão.


1.INTRODUÇÃO


Historicamente, o ser humano busca sua evolução e a humanidade passa de tempos em tempos por algumas revoluções. Somo filhos e netos da revolução agrícola, onde o bem de valor era a terra e da revolução industrial onde o bem de valor era o capital e atualmente somos atores na chamada revolução da informação, onde o bem de valor é o conhecimento. Diante de tantas mudanças nos deparamos com uma sociedade cada vez mais conectada, por meio de sistemas de comunicação assíncronos e síncronos e cujas condutas se tornam cada vez mais virtuais. A verdade é que passamos dos átomos aos bits(1)  em um piscar de olhos.


Há pouco tempo atrás, a Internet enquanto projeto, buscava um espaço livre, de trocas e interação, e incrivelmente em poucos anos tomou uma proporção inimaginável por nossos antepassados que nem mesmo sonhavam em ver algo assim. O termo “globalização” toma hoje grandes proporções e nasce ainda a transmissão de dados por fibra óptica, que até então não existia.


Se voltarmos nos primórdios da sociedade, a informação era um “produto” pouco acessível e centralizado. No mundo jurídico a tecnologia encontrou certa resistência e até o presente momento ainda encontramos muitos advogados que não estão preparados, não apenas para o uso das tecnologias atuais, mas também para aplicar seus conhecimentos jurídicos ao cotidiano digital.  Pode-se dizer que o cotidiano jurídico resumia-se a papéis, burocracia e prazos.


Mas entramos na época de quebras de paradigmas e conseqüentemente de transformações na sociedade e o Direito também é influenciado por essa nova realidade. A dinâmica da era da informação exige uma mudança mais profunda na própria forma como o Direito é exercido e pensado em sua prática cotidiana.


O profissional de qualquer área, em especial da área jurídica, tem a obrigação de estar em sintonia com as transformações que ocorrem na sociedade. Tais mudanças se dão principalmente pelo advento da Internet e torna-se fundamental, neste momento, entender que esses avanços não são fruto de uma realidade fria, exclusivamente tecnológica, dissociada do mundo cotidiano. Em breve análise pode-se dizer que a Internet é mais que um simples meio de comunicação eletrônica, não se trata apenas de uma rede de computadores, mas, também, de uma rede mundial de pessoas. Indivíduos conectados, que interagem e estabelecem relações jurídicas a cada clique.


Mas o que é virtual? Segundo Pierre Lévy(2), a virtualização é um processo de transformação de um modo de ser no outro, Lévy menciona também, uma nova sensibilidade estética, que nem é boa, nem é má, nem tampouco neutra, é um movimento mesmo do “devir do outro”, ou melhor, heterogênese do humano.


“A palavra virtual vem do latim medieval virtualis, derivado por sua vez de virtus, força, potência. Na filosofia escolástica, é virtual o que existe em potência e não em ato. O virtual tende a atualizar-se, sem ter passado no entanto à concretização efetiva ou formal. A árvore está vitualmente presente na semente. O virtual é o real, em sua característica potencial de ser atual. Em termos rigorosamente filosóficos, o virtual não se opõe ao real mas ao atual: virtualidade e atualidade são apenas duas maneiras de ser diferentes.” (Lévy, 1997:15)


O problema da semente está justamente em saber brotar essa árvore. Lévy menciona ainda que:


“A empresa virtual não pode mais ser situada precisamente. Seus elementos são nômades, dispersos e a pertinência de sua posição geográfica decresceu muito. Estará o texto aqui, no papel, ocupando uma porção definida do espaço físico, ou em alguma organização abstrata que se atualiza numa pluralidade de línguas, de versões, de edições, de tipografias? Ora, um texto em particular passa a apresentar-se como a atualização de um hipertexto de um suporte informático. Este último ocupa “virtualmente” todos os pontos da rede ao qual está conectada a memória digital onde se inscreve seu código? Ele se estende até cada instalação de onde poderia ser copiado em alguns segundos? Claro que é possível atribuir um endereço a um arquivo digital. Mas, nessa era de informações online, esse endereço seria de qualquer modo transitório e de pouca importância.” (…)


“O virtual permite a existência legítima do estar não-presente. Do manisfestar-se por intermédio de sistemas de comunicação telemática através de encontros móveis e transitórios de mensagens, com a desconexão em relação a um meio particular, com diversos meios de registro e transmissão oral, escrita e audiovisual em redes digitais.”


Diante do exposto este artigo tem a finalidade de esclarecer benefícios e conseqüências da Sociedade Digital, o papel e Princípios do Direito Digital, bem como a necessidade de atualização dos profissionais da área jurídica a fim de acompanhar e unir esforços para o desafio de interpretar e trabalhar as leis de acordo com a atual realidade.


2.DIREITO DIGITAL


Diante deste cenário, ou seja, de uma comunicação em tempo real e interatividade mundial de uma sociedade conectada, pode-se dizer que é de se esperar que o direito também acompanhe o avanço, a mudança comportamental, econômica e social. Desta feita, o Direito Digital é a evolução do próprio Direito, vez que não se trata de uma nova área, mas sim de todas as áreas já existentes e conhecidas no âmbito jurídico que diante dos fatos e evolução passam a integrar questões tecnológicas. Assim, o Direito Digital abrange todos os princípios fundamentais e institutos que estão vigentes e são aplicados até hoje, assim como também introduz novos institutos e elementos para o pensamento jurídico, em todas as suas áreas.


Portanto, o Direito Digital é multidisciplinar, conforme exemplos abaixo:


a) Civil: é comum ação de danos morais por difamação na internet;


b) Constitucional: como fica a questão de privacidade quanto ao monitoramento de emails?;


c) Tributária: impostos sobre transações online;


d) Penal: crimes de calúnia, injúria, entre outros, cometidos por meio da internet;


e) Código de Defesa do Consumidor: compartilhar banco de dados com informações do consumidor;


f) Direitos Autorais: baixar música pela internet sem autorização do autor ou o detentor dos direitos patrimoniais.


O que devemos considerar no Direito Digital:


a) Toda mudança tecnológica é uma mudança social, comportamental, portanto, jurídica.  Chegamos a “R” Society – Sociedade de Relações, de Indivíduos interconectados, acessíveis e interativos. Neste cenário um dos grandes desafios é de como fazer a gestão jurídica e logística das empresas e da sociedade de modo a gerar vantagem competitiva para os negócios e para o Brasil na era Digital.


b) Além do mais, é preciso considerar que se tratando da revolução do conhecimento cresce o valor da informação enquanto ativo intangível, e esta, por sua vez, passa a ser cobiçada pelos concorrentes, exigindo das empresas ações que garantam a segurança de sua informação.


c) As relações humanas e a expressão de manifestação de vontade tomam nova forma, ou seja, ocorrem por diferentes meios eletrônicos e em tempo real e por sua vez exigem novos conhecimentos na busca de provas. Deve-se considerar que, na Sociedade Digital, integra-se ao quadro de testemunhas, não apenas o ser humano, mas também as máquinas.  Imagine que em uma troca básica de emails entre duas pessoas, temos quatro testemunhas máquinas: a máquina do emissor e seu servidor (duas testemunhas) e a máquina do destinatário, bem como o servidor por ele utilizado caso seja diferente do emissor. Portanto, o meio digital permite que busquemos vestígios de uma ação por todo lugar onde passamos, ou melhor por onde passam as informações.


d) Os Negócios e as Relações da Era Digital são E-mocionais e há um limite entre tecnologia e ser humano. Embora as tecnologias se refiram às máquinas, não se pode esquecer que esta é comandada por um ser humano, ou seja, uma pessoa, que tem emoções e que utiliza a máquina como meio para manifestar sua vontade, seja em uma transação comercial ou em uma simples troca de mensagem pessoal, portanto, lidamos com pessoas e não apenas máquina.


e) A questão da Territorialidade não pode ser esquecida, vez que temos transações e relações sejam de consumo ou simplesmente de comunicação entre diversos ordenamentos jurídicos, ou ainda crimes que se iniciam pela máquina que se encontra fisicamente em um determinado país, mas o resultado ou o serviço de internet utilizado se encontra em outro. Ou seja, temos o desafio de traçar a melhor estratégia. 


A internet não é um lugar, não é um território a parte, mas sim a extensão de nossas vidas, tudo o que fazemos no ambiente virtual geram efeitos na vida real, além disso, atualmente a internet não é utilizada apenas para troca de informações entre pessoas, mas para estabelecer relações de consumo, para transações bancárias, para progresso e desenvolvimento, entre outros. 


“… se a Internet é um meio, como é o rádio, a televisão, o fax, o telefone, então não há que se falar em Direito de Internet, mas sim em um único Direito Digital cujo grande desafio é estar preparado para o desconhecido, seja aplicando velhas normas ou novas normas, mas com a capacidade de interpretar a realidade social e adequar a solução ao caso concreto na mesma velocidade das mudanças da sociedade.” (PECK, 2007)


Diante do exposto acima, percebe-se que no Direito Digital prevalecem os princípios em relação às regras, pois o ritmo de evolução tecnológica será sempre mais veloz que o da atividade legislativa. Por isso, a disciplina jurídica tende a auto-regulamentação, pela qual o conjunto de regras é criado pelos próprios participantes diretos do assunto em questão com soluções práticas atendendo assim ao dinamismo  exigido pelas relações de Direito Digital.


O Direito Digital permite ainda a aplicação da norma no formato de disclaimers, como já fazem alguns serviços na internet, desta forma publica-se na própria página inicial a norma à qual se está submetido, sendo ela um princípio geral ou uma norma-padrão para determinada atuação. Desse modo, a publicidade das regras possibilita maior conhecimento do público e conseqüentemente aumenta sua eficácia.


Cabe ainda ressaltar que em nosso ordenamento jurídico ninguém pode alegar desconhecimento da lei, mas por se tratar de um ambiente acessado por diversos ordenamentos e cuja auto-regulamentação deve prevalecer, faz-se necessário informar ao público os procedimentos e regras às quais está submetido.


Quanto à questão de legislação específica, pode-se dizer que a velocidade das transformações podem se tornar uma barreira para a evolução jurídica, por este motivo, qualquer lei que venha a ser criada a fim de tratar os novos institutos jurídicos devem ser genéricas e flexíveis o suficiente a fim de sobreviver e atendera aos diversos formatos, formas e resultados que ainda possam surgir.


O Direito Digital busca ainda soluções para as lacunas da atual legislação pelo chamado Direito Costumeiro, cujos elementos que estão a amparar o Direito Digital são: a generalidade, a uniformidade, a continuidade, a durabilidade e a notoriedade (ou publicidade).


“A generalidade, uma de suas características centrais, determina que certo comportamento deva ser repetido um razoável número de vezes para evidenciar a existência de uma regra. É a base da jurisprudência, um fenômeno do Direito Costumeiro. No mundo digital, em muitos casos, não há tempo hábil para criar jurisprudência pela via tradicional dos Tribunais. Se a decisão envolve aspectos tecnológicos, cinco anos podem significar profundas mudanças na sociedade. Mesmo assim, a generalidade pode ser aplicada aqui, amparada por novos processos de pensamento do Direito como um todo: a norma deve ser genérica, aplicada no caso concreto pelo uso da analogia e com o recurso à arbitragem, em que o árbitro seja uma parte necessariamente atualizada com os processos de transformação em curso”. (PECK, 2007)


A uniformidade, parte do princípio de que as decisões deveriam ser repetidas ininterruptamente, dentro de um princípio genérico e uniforme. Portanto, em uma decisão que seja favorável ao consumidor pela compra em determinado site que não colocou todas as informações necessárias em suas páginas, deve valer de exemplo para que os demais sites tomem providências para adequar-se a tal posicionamento.


Quanto a notoriedade refere-se as decisões arbitrais, que devem sempre ser tornadas públicas, para que sirvam de referência aos casos seguintes e diminuam a obsolescência de decisões tomadas exclusivamente no âmbito do Judiciário.


Portanto, não se deve pensar que existe um buraco negro, criado pela tecnologia, uma vez que as leis em vigor são aplicáveis à matéria, desde que com sua devida interpretação. O Direito deve partir do pressuposto de que já vivemos uma sociedade globalizada e um de seus maiores desafios é ter uma perfeita adequação em diferentes culturas, sendo necessário; por isso, criar flexibilidade de raciocínio, nunca as amarras de uma legislação codificada que pode ficar obsoleta rapidamente.


3.PRIVACIDADE NO AMBIENTE VIRTUAL DE TRABALHO


É notório e conhecido de todos que as tecnologias permitem cada vez mais, o controle e vigilância dos ambientes presenciais e digitais. Isto ocorre com as câmeras de vídeo, as webcams, os circuitos internos de TV, os filtros de e-mail e de monitoramento de navegação na Internet. Todas as pessoas estão sujeitas a este monitoramento, desde o funcionário que usa o computador da empresa até a babá que cuida de crianças em casas de famílias.


É importante que a finalidade deste controle esteja clara, já que o mau uso da tecnologia pelos empregados envolve a responsabilidade civil e criminal dos empregadores. Sabe-se que, muitas vezes, a pressão psicológica de se estar sendo observado, contribui para evitar que as pessoas quebrem as regras ou cometam crimes.


No mundo virtual, onde tudo está conectado por meio do fluxo de informações em tempo real, é cada vez mais difícil definir os limites do Universo do Indivíduo. Em nosso Ordenamento Jurídico o Direito à Privacidade está previsto na Constituição Federal no art. 5º, inciso X que diz o seguinte:


“CF/88 – Art. 5o. – X “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”


Trata-se de um direito personalíssimo que diz respeito aos atos da vida pessoal, não-secreta, podendo incluir tanto pessoas físicas como jurídicas. Portanto, privacidade, em tese, é a habilidade de uma pessoa controlar a exposição de sua vida pessoal, de sua imagem e de sua reputação, bem como a própria disponibilidade de informações acerca de si. Em geral o que existe é uma presunção de Privacidade.


Uma característica importante do Direito à Privacidade é sua clara distinção em relação ao anonimato, vedado pela Constituição Federal em seu art. 5º, inciso IV. Observa-se pelo tempo que o anonimato é um obstáculo à segurança virtual, devido à possibilidade de o indivíduo entrar ocultamente no ambiente, e ao estímulo à prática delituosa, seja em ambiente virtual ou presencial.


É preciso diferenciar e analisar a privacidade sob dois diferentes aspectos:


1. Monitoramento de Ambiente: trata-se do monitoramento por câmera, internet, correio eletrônico, catraca eletrônica, Messenger, Comunidades, Blogs.


2. Monitoramento de Conteúdos: que se refere às mensagens de e-mail, ligação telefônica, SMS.


O uso indevido das ferramentas de trabalho tecnológicas já foi objeto de muita discussão. Isso porque a empresa e o empregador respondem perante terceiros, pela má conduta de seus funcionários. Sendo assim, cabe a ela monitorar a conduta de seus funcionários para evitar danos.


“Artigo 932, III, Código Civil – “São também responsáveis pela reparação civil: III o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;”


Considerando que a justiça brasileira entende que a empresa é responsável pelo uso feito por seus empregados das ferramentas de trabalho por ela disponibilizadas, na Sociedade do Conhecimento, cuja Informação toma grande proporção como ativo intangível, torna-se essencial o monitoramento. Portanto, o monitoramento, pode e deve acontecer a fim de evitar transtornos decorrentes do uso do email para fins ilegais, fraudulentos ou que prejudiquem a terceiros.


Contudo, é preciso deixar claro que o ambiente da empresa não é privativo, pois se não o fizer, se presume como tal. A não ser que se trate de espaço público e aberto, ou mídia de comunicação social, como é a Internet.  As pessoas não podem alegar privacidade se andarem nu pelas ruas, mas o banheiro de uma empresa, por exemplo, apesar de ser de sua propriedade, traz consigo um princípio de privacidade, de zona de intimidade.


Portanto, a orientação legal é de que sempre se faça o aviso prévio no próprio ambiente, quando este não for privativo ou estiver sujeito ao monitoramento, que serve para validar a captação de dados, imagens e sons, que podem ser usados posteriormente como prova.


A maioria das investigações relacionadas a problemas de segurança exige quebra de sigilo/privacidade. Por isso, é fundamental que as empresas tenham uma Política Eletrônica Corporativa adequada, que estabeleça regras claras que sejam amplamente divulgadas para todos os envolvidos. Mas é importante ressaltar que para evitar riscos de processos trabalhistas, em que os funcionários aleguem não saber sobre a Política de Segurança da empresa, esta não deve ser apenas uma pilha de papéis assinados e guardados em uma gaveta. É preciso inserir a regra do jogo no próprio jogo, ou seja, a própria tecnologia pode induzir o comportamento dos colaboradores, criando uma arquitetura legal que, traduzida em linguagem de software.


 A evidência de que o empregado estava ciente das condições e não as cumpriu se torna um fator relevante a favor da empresa, pois em caso de litígio ele terá que arcar com as conseqüências de suas ações. Só assim a empresa estará protegida, principalmente em situações de monitoramento, uma vez que a jurisprudência determina que o empregado deve saber que está sendo monitorado. Neste sentido:


“Uso indevido de e-mail – Ciência do Empregado


Correio eletrônico. Monitoramento. Legalidade. Não fere norma constitucional a quebra de sigilo de e-mail corporativo, sobretudo quando o empregador dá a seus empregados ciência prévia das normas de utilização do sistema e da possibilidade de rastreamento e monitoramento de seu correio eletrônico. (…) Comungo do entendimento a quo no sentido de afastar a alegada ofensa aos incisos X, XII, LVI do art. 5º constitucional, por não ferir norma constitucional a quebra de sigilo de e-mail  fornecido pela empresa, sobretudo quando o empregador avisa a seus empregados acerca das normas de utilização do sistema e da possibilidade de rastreamento e monitoramento de seu correio eletrônico.  Também o julgado recorrido consignou ter o empregador o legítimo direito de regular o uso dos bens da empresa, nos moldes do art. 2º da CLT, que prevê os poderes diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar do empregado, inexistindo notícia acerca de excessiva conduta derivada do poder empresarial.” (TST, Ag. Instr. em RR nº 1130/2004-047-02-40, Rel. Min. Vieira de Mello Filho, jul. 31/10/2007).


Cabe ainda esclarecer que os acessos à internet também podem ser monitorados. A jurisprudência entende que tanto os e-mails como qualquer ambiente virtual disponibilizado pela empresa pertencem a ela e, portanto, devem ser utilizados com fins profissionais, para tráfego de informações pertencentes à empresa, podendo, desta forma, ser monitorados por ela. Neste sentido:


“…. os direitos do cidadão à privacidade e ao sigilo de correspondência, constitucionalmente assegurados, dizem respeito apenas à comunicação estritamente pessoal. O e-mail corporativo, concluiu, é cedido ao empregado e por se tratar de propriedade do empregador a ele é permitido exercer controle tanto formal como material (conteúdo) das mensagens que trafegam pelo seu sistema de informática.” (AIRR 613/2000-013-10-00.7) Grifos nosso.


Uso Indevido de Email. “Endereço eletrônico fornecido pelo empregador se equipara a ferramenta de trabalho e não pode ter seu uso desvirtuado pelo empregado. Pertencendo a ferramenta ao empregador, a esse cabe o acesso irrestrito, já que o empregado detém apenas sua posse.” (TRT 2, RO nº 01478.2004.067.02.00-6, Rel. Jane Granzoto Torres da Silva, jul. 15/09/2006).


Acesso indevido à Internet. “…em face da prova oral, restou demonstrado o uso indevido dos equipamentos da empresa pelo reclamante em horário de trabalho, inclusive em prejuízo de sua atividade laboral, de modo que o procedimento se enquadraria nas hipóteses das alíneas “b” e “e” do art. 482 da CLT. (…) quando ele confirmou à depoente que tinha acessado à internet, em relação aos sites pornográficos. (…) Assim, comprovada a falta grave imputada, o empregador estava autorizado a promover a despedida do empregado por justa causa. (…)” (TRT 4, RO nº 01404-2004-281-04-00-1, Rel. José Felipe Ledur, jul. 25/01/2007).


“O caso em espécie é de descoberta acidental pelo empregador que a Autora cometera falta gravíssima, contrariando expresso dispositivo do contrato de trabalho, avençado por escrito, e repassava segredos comerciais da Reclamada para empresa concorrente. (…) Como assistente de importação e exportação detinha conhecimentos de segredos estratégicos e táticos da empresa. E tinha compromisso expresso de sigilo. E de tanto não se preocupou ao ceder, sem permissão, os dados que dispunha em razão do cargo ocupado. (…) Com os fundamentos supra dou provimento ao apelo da Reclamada para considerar justa a demissão tendo em vista a gravidade da falta cometida.”(…) (TST, Ag. Instr. em RR nº 2771/2003-262-02-40, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, jul. 02/04/2008)


Além da proteção constitucional (CF/88 art. 5, inc. X ) quanto à privacidade, existe também as relações de consumo, cujos cadastros elaborados são regulamentados pelo Código de Defesa do Consumidor.


Art. 43 – O consumidor, sem prejuízo do disposto no Art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.”


§1º – Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a 5 (cinco) anos.”


“§ 2º – A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.”


“§ 3º – O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas.”


§ 4º – Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público.”


§ 5º – Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores.”


Art. 44 – Os órgãos públicos de defesa do consumidor manterão cadastros atualizados de reclamações fundamentadas contra fornecedores de produtos e serviços, devendo divulgá-los pública e anualmente. A divulgação indicará se a reclamação foi atendida ou não pelo fornecedor”.


4.CONCLUSÃO


A Sociedade Digital traz consigo características peculiares, entre elas, a evolução do próprio direito, a fim de acompanhar as novas necessidades. Falamos de um Direito Transversal e multidisciplinar. Não há como escapar da realidade. É preciso unir esforços a fim de contribuir com esta maravilhosa oportunidade de fazer parte da transformação.


Em questão de privacidade, o grande desafio hoje é tornar a sociedade digital mais segura sem esbarrar nos limites éticos e jurídicos. Pelo que reza a lei atual, se não estiver claro que o ambiente não é privativo, há presunção da privacidade do mesmo.


O mesmo princípio que se aplica ao monitoramento de email corporativo também se aplica em relação à base de dados coletados em cadastros que venham a compor uma base eletrônica. É preciso que esteja avisado, usando como vacina legal a própria interface gráfica, além de ter uma política específica e contratos assinados. Portanto, utilizando como exemplo, um cadastro feito por um usuário em determinado site, para que este possa compartilhar as informações ali contidas deve o usuário autorizar seu compartilhamento.


Primeiro, é fundamental a empresa ter uma adequada política corporativa de uso de e-mail, internet e da Tecnologia da Informação (TI) por funcionário, que deve ser acordada entre as partes de modo transparente e inequívoco. A empresa deve prever situações relacionadas a colaboradores sem vínculo empregatício, trabalhadores temporários, terceirizados, fornecedores e parceiros que de algum modo também utilizam as ferramentas de comunicação eletrônica da empresa, mesmo que de modo compartilhado.


Para finalizar a questão da privacidade, que, ao contrário do que se pensa, está muito bem regulamentado em termos legais no Brasil (www.privacidade.org.br) e, internacionalmente, em normas como Livro Verde (Socinfo), CNPD – Portugal, CNIL – França, Registro Banco de Dados, obrigatório e sujeito a sanções na Comunidade Européia, que envolve os Comissários de Privacidade, OECD – Group of Experts on Information Security and Privacy, Diretiva da Comunidade Européia 2002/58/CE, 2001 – EUA – HIPAA – Health Insurance Portability Accountability, 2001 – CEE/EUA – Safe Harbor que diz: “Empresas européias não devem realizar negócios on-line com empresas de países com padrões inferiores de proteção à privacidade, 2001 – EUA – PATRIOTA – Provide Appropriated Tolls to Obstructe Terrorism, 2000 – EUA – COPPA – Children Online Privacy Protection.


 


Notas:

NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

LÉVY, Pierre. O que é o virtual? São Paulo.1996.

 

Bibliografia:

Artigo escrito com base no livro: Direito Digital de autoria da Dra. Patrícia Peck (Ed. Saraiva, 2007).


Informações Sobre os Autores

Patrícia Peck Pinheiro

Advogada especialista em Direito Digital, formada em Direito pela Universidade de São Paulo, Especialização na Harvard Business School, MBA em Marketing pela Madia Marketing School, Autora do Livro Direito Digital pela Editora Saraiva, Co-autora dos livros e-Dicas, Internet Legal, Direito e Internet II.

Cristina Moraes Sleiman

Advogada e pedagoga, especialista em Direito Digital, mestranda na Escola Politécnica da USP, responsavel pela Coordenadoria de Direito Digital da Comissão de Desenvolvimento Acadêmico da OAB/SP.


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