1. INTRODUÇÃO
No panorama jurídico de nosso país, assistimos a uma mudança dos operadores de direito quanto ao instituto da arbitragem. Observa-se que até 1996, ano em que foi editada a Lei da Arbitragem (nº 9.307), a aplicação dessa forma de solução de litígio extrajudicial era escassa, sendo praticamente utilizada somente pelos profissionais que atuavam em contratações internacionais.
A reduzida aplicabilidade era explicada pela vulnerabilidade existente no Juízo Arbitral, caracterizada pela impossibilidade de exigir o cumprimento específico da cláusula arbitral, e pela necessidade de homologação do laudo como condição prévia de sua executoriedade.
A superação destes dois obstáculos pela Lei de Arbitragem de 1996 deu nova vida ao instituto. A partir de então, a presença da cláusula compromissória no contrato passou a ser de cumprimento obrigatório, e a sentença proferida pelos árbitros não exige confirmação pelo Poder Judiciário. Em decorrência dessas importantes alterações legislativas, não há mais temor da sentença proferida pelo tribunal arbitral, nem da ineficácia da previsão contratual.
Ademais, os fenômenos da globalização e da dinamização das relações empresariais, reclamam por uma forma de solução de conflito mais ágil, de respostas imediatas, afastando a morosidade da Justiça e a baixa qualidade da prestação jurisdicional, que acabam por gerar decisões inadequadas.
Assim, as modernizações introduzidas pela Lei da Arbitragem ressurgem como importante instrumento para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, desemperrando a máquina judiciária estatal, bem como trazendo uma solução satisfatória aos conflitos que se instalarem principalmente os de âmbito societário.
Um exemplo dessa relevância na esteira da difusão é a reforma da Lei n. 6.404 de 15 de dezembro de 1976, operada pela Lei n. 10.303 de 31 de dezembro de 2001, que previu no art. 109, a partir da inclusão do § 3º, a possibilidade de acionistas, administradores e a própria companhia recorrerem ao juízo arbitral por meio de cláusula compromissória inserida no estatuto social.
Como bem destaca MARCELO BERTOLDI, já era possível a utilização da arbitragem para solução de disputas societárias, mesmo antes da reforma da Lei das Sociedades Anônimas. A introdução do § 3º ao art. 109 denotou a intenção do legislador em realçar a possibilidade de utilização desse instrumento para a solução de litígios.
A velocidade com que as transações se realizam, as mercadorias circulam e a riqueza é transferida, exige que eventuais conflitos sejam solucionados em tempo hábil. Não é raro verificar que a tutela jurisdicional tardia, ainda que a decisão seja favorável à parte demandante, lhe cause dano irreparável, tornando inalcançável o ideal de justiça.
Assim, da mesma forma que para os empresários a arbitragem apresenta-se como um instrumento de consonância com o dinamismo da economia de mercado, o mesmo ocorre para as sociedades empresárias. O instituto pode ser uma alternativa vantajosa, tanto à companhia, quanto a seus acionistas ou administradores, que poderão resolver seus conflitos internos, cada vez mais freqüentes e complexos, com a ajuda de especialistas no objeto da contenda.
Nesse sentido SÍLVIO DE SALVO VENOSA.[1] Segundo o autor:
“a vantagem da arbitragem é inegável em determinadas situações. Com freqüência, as partes, geralmente empresas de porte, levam aos tribunais assuntos excessivamente técnicos, com amplas dificuldades para o juiz, que somente pode decidi-los louvando-se em custosas e problemáticas perícias. Valendo-se de especialistas como árbitros, podem as partes obter decisões mais rápidas, justas e técnicas”.
Todavia, são várias as dúvidas levantadas quanto à possibilidade do disposto no § 3º do art. 109 da Lei n. 6.404/1976 alcançar seu real objetivo e em que medida o fará, ou seja, se a cláusula compromissória inserida no estatuto social será considerada vinculante para a sociedade e para todos os seus acionistas, inclusive para aqueles que tenham divergido quanto à sua adoção, ou não tenham tomado parte na deliberação que a tenha aprovado, seja porque ausentes ou porque tenham adquirido o status de acionista em momento posterior.
O ressurgimento da arbitragem no ordenamento pátrio tem a difícil missão de superar a inércia evolutiva advinda de décadas de ostracismo normativo. Esse estudo tenciona contribuir com sua reabilitação, principalmente no que tange à sua utilização para a resolução de conflitos internos na sociedade anônima.
2. SOCIEDADE ANÔNIMA
A Sociedade Anônima é atualmente regida pela Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (Lei das SA). De acordo com o artigo 1º deste diploma legal devemos entender como Sociedade Anônima[2]: “a companhia ou sociedade anônima terá o capital dividido em ações e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço da emissão das ações subscritas ou adquiridas”.
Extrai-se, desse dispositivo legal, o conceito de Sociedade Anônima, que na lição de DYLSON DÓRIA [3]: “é a que possui o capital dividido em partes iguais chamadas ações, e tem a responsabilidade de seus sócios ou acionistas limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas”.
Em relação a sua natureza jurídica, a S.A de acordo com o Código Civil de 2002 será sempre uma Sociedade Empresária, independentemente de seu objeto (art. 982, parágrafo único).
Ademais, salientam-se como principais características da Sociedade Anônima:
a) é uma sociedade de capitais. Nela o que importa é a aglutinação de capitais, e não a pessoa dos acionistas, inexistindo o chamado “intuito personae” característico das sociedades de pessoas;
b) divisão do capital em partes iguais, em regra, de igual valor nominal – ações. É na ação que se materializa a participação do acionista;
c) responsabilidade do acionista limitada apenas ao preço das ações subscritas ou adquiridas. Isso significa dizer que uma vez integralizada a ação o acionista não terá mais nenhuma responsabilidade adicional, nem mesmo em caso de falência, quando somente será atingido o patrimônio da companhia;
d) as ações, em regra, podem ser livremente cedidas, o que gera uma constante mutação no quadro de acionistas. Entretanto, poderá o Estatuto trazer restrições à cessão, desde que não impeça jamais a negociação (art. 36 da Lei 6.404/76). Desta forma, as ações são títulos circuláveis, tal como os títulos de crédito;
e) possibilidade de subscrição do capital social mediante apelo ao público;
f) uso exclusivo de denominação social ou nome de fantasia;
g) finalmente, pode ser classificada em:
– ABERTA – onde os valores mobiliários de sua emissão são admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários (art. 4º da Lei 6.404/76).
– FECHADA,- não há negociação no mercado de valores, exigindo que a Sociedade registre a emissão pública de ações no órgão competente – Comissão de Valores Mobiliários (Lei 6.385, de 7 de dezembro de 1976).
h) Por fim, a Sociedade Anônima deverá ter uma estrutura organizacional composta de: ASSEMBLÉIA GERAL, CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO (facultativo em caso de Companhia Fechada), DIRETORIA e CONSELHO FISCAL, que terão, além das atribuições fixadas na Lei 6.404/76, aquelas determinadas no ESTATUTO SOCIAL.
3. JURISDIÇÃO E ARBITRAGEM
Antes da formação dos Estados, os indivíduos pacificavam seus problemas utilizando a forma mais primitiva de composição de uma lide; a força física. A tutela dos seus direitos era garantida por atos de violência e imposição, visto que sequer existia idéia de qualquer ordenamento jurídico que viesse coibir tais ações. Esta fase foi chamada de autotutela ou justiça de mão própria, onde cada um defendia à força sua pretensão.
Importante ressaltar, que a autotutela vedada constitucionalmente pelo princípio da jurisdição e da legalidade, não se confunde com autodefesa, que encontra proteção no texto constitucional, em que o Estado ou o cidadão vale-se de uma tutela substitutiva ao provimento jurisdicional estatal, por eles mesmos exercida, sob a proteção da lei que a admite em situações determinadas[4].
Posteriormente, observamos uma concentração das atividades de pacificação dos litígios nas mãos do Estado (cognitio extra ordinem), chegando mesmo a um monopólio estatal da atividade jurisdicional, exigido por alguns como elemento indispensável à caracterização da jurisdição; nas palavras de Chiovenda:[5]
“ jurisdição é a função do Estado que tem por escopo atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lê, já no torná-la, praticamente, efetiva”.
Se levarmos em consideração a atividade monopolística do estado como elemento caracterizador da jurisdição, estaremos afirmando que os equivalentes jurisdicionais são modos de solução de conflitos sem que haja a intervenção estatal.
Nesta linha de pensamento, a arbitragem, sendo meio de solução de litígios perante árbitros privados não integrantes dos quadros do Poder Judiciário, equiparar-se-ia aos verdadeiros métodos de autocomposição (submissão, transação e renúncia), sendo então um equivalente jurisdicional, principalmente pelo fato das decisões serem proferidas por terceiros sem investidura estatal, e por não serem passíveis de revisão (no mérito) pelo Poder Judiciário.
Todavia, CARREIRA ALVIM,[6] defende o não enquadramento da arbitragem como um equivalente jurisdicional, tendo em vista que a Lei nº 9.307/96 expõe em seu artigo 18, que “o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou homologação pelo Poder Judiciário”.
Ademais, ressalta também que o artigo 31 da nova Lei de Arbitragem, afirma que a sentença arbitral produz os mesmos efeitos das sentenças proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário, e, sendo condenatória, constitui-se título executivo.
Dessa forma, temos uma controvérsia onde não se sabe ser a arbitragem um equivalente jurisdicional (por não haver a presença estatal) ou uma própria jurisdição (já que a sentença com valor jurídico).
A corrente que se afilia à primeira posição, diz que não pode ser a arbitragem classificada como jurisdicional, uma vez que o juízo arbitral não possui todos os elementos caracterizadores da jurisdição, sendo que apenas possui os atributos da notio (faculdade de conhecer certa causa), vocatio (a faculdade de fazer comparecer a juízo todos aqueles cuja presença seja necessária para o conhecimento da verdade) e do iudicium (direito de julgar), faltando os elementos referentes à coertio (direito de fazer respeitar aos atos dos magistrados e reprimir os desrespeitos ocorridos) e à executio (direito de executar coativamente as decisões).
Por outro lado, a posição defensora da segunda hipótese, traz como argumento a possibilidade de na atividade jurisdicional haver a substituição das partes na atuação da lei, saindo o Estado e entrando um terceiro, sendo este na arbitragem o árbitro.
Entretanto mesmo com essa possibilidade, deve ser reservado ao Estado o controle quanto ao cumprimento das garantias e princípios constitucionais que se configuram no processo como condicionantes indispensáveis à validade do provimento jurisdicional. Nas palavras de ROSEMIRO PEREIRA LEAL[7] :
“o Processo, como instituição jurídica deste mesmo ordenamento, define-se como bloco de condicionamentos do exercício da jurisdição na solução dos conflitos e da validade da tutela jurisdicional, que, não mais sendo um ato ou meio ritualístico, sentencial e solitário do Estado-Juiz, é o provimento construído pelos referentes normativos da estrutura institucional constitucionalizada do processo”
Confirmando tal assertiva, o artigo 21, § 2º da Lei nº 9.307/96 determina expressamente que o processo arbitral deverá obedecer aos princípios do contraditório, da ampla defesa, da imparcialidade do juiz e de seu livre convencimento, não se admitindo flexibilização sob pena de anulação de todo o procedimento arbitral.
Com isso, pode-se concluir que o conceito de jurisdição não implica o monopólio da atividade jurisdicional pelo Estado em todas as etapas, exigindo sim a presença do Estado como instância máxima garantidora do cumprimento das garantias constitucionais do processo, sendo também indispensável para a coerção e execução forçada das decisões.
Ou seja, não se confunde o monopólio da jurisdição com a tutela jurisdicional. Com isso, a arbitragem deve ser entendida como uma atividade jurisdicional fora do Estado, mas sobre o controle de legalidade e constitucionalidade deste quanto às garantias processuais.
Confirmamos a afinidade com a segunda corrente, transcrevendo as palavras de MARCELO DIAS GONÇALVES VILELA:[8]
“A arbitragem, neste sentido, é expressão do poder jurisdicional. Assim, não é possível admitir a afirmação de que existe renúncia ao direito de ação quanto se adota o procedimento arbitral. O direito público, subjetivo e abstrato a uma sentença de mérito sobre determinado litígio trazido pelas partes, como garantia constitucional, é assegurado pelo procedimento jurisdicional arbitral, informado pelos princípios do contraditório, da ampla defesa, da isonomia, da motivação dos atos processuais e da independência do julgador. Tem-se a primazia do Poder Judiciário, mas não o monopólio, já que, às partes é garantido optar por um procedimento jurisdicional não estatal – a arbitragem.”
4. CONVENÇÃO ARBITRAL
O juízo arbitral se obtém mediante a convenção de arbitragem, celebrada entre particulares que, por sua vez, pode apresentar-se de duas formas: Nas palavras de CEZAR FIÚZA [9]:
“A primeira forma de convenção é compromisso concreto, cujos traços são previamente delineados. Já a segunda forma não passa de compromisso abstrato, cujo conteúdo se delineia em momento futuro. À primeira dá-se o nome de compromisso arbitral. À segunda, cláusula compromissória, muito bem sintetizada em latim como “pactum de compromittendo”, apesar de alguns autores confudirem o último com o compromisso propriamente dito, fato que talvez se explique pelo Direito Romano não fazer distinção muito nítida entre os dois institutos.”
4.1 Do compromisso arbitral
Compromisso arbitral é definido como negócio jurídico por tratar-se de convenção bilateral pela qual as partes, através de emissão de vontade lícita, renunciam à jurisdição estatal e se obrigam a se submeter à decisão de árbitros por elas nomeados.
Na linha de pensamento de CEZAR FIÚZA, os efeitos do compromisso arbitral são muito mais produtos da vontade mesma do que da lei, que apenas tutela a emissão volitiva.
Importante ressaltar a discussão que se cria em torno dessa definição supra-exposta, uma vez que temos que encaixá-la dentre as possíveis categorias dos negócios jurídicos, quais sejam: negócio jurídico unilateral, bilateral ou plurilateral.
Por negócio jurídico unilateral, podemos entender como aquele em que apenas uma manifestação volitiva já é suficiente para seu aperfeiçoamento. Em nada coincide com o compromisso arbitral, posto que este exige a manifestação das partes interessadas.
No bilateral, verificamos duas ou mais vontades sendo manifestadas de forma antagônica, como se uma anulasse a outra. Definitivamente, o compromisso arbitral não se encaixa nessa segunda hipótese já que as partes declaram suas vontades voltadas para um mesmo norte. Ambos querem sanar controvérsias diante de um juízo arbitral, com a exclusão do Poder Judiciário.
Conclui-se, portanto, que compromisso é negócio jurídico plurilateral onde a vontade dos compromitentes é dirigida para um mesmo fim.
Para que o compromisso seja plenamente válido, produzindo seu principal efeito – compor a disputa entre as partes sem a possibilidade de ser anulado -, é essencial que preencha determinados requisitos subjetivos, objetivos e formais.
Em síntese, os requisitos subjetivos exigidos são: o consentimento livre e válido dos compromitentes, imaculado de qualquer vício de consentimento (erro, dolo ou coação), ou de qualquer vício social (simulação e fraude contra credores), bem como a capacidade das partes, tanto a genérica e a negocial, ou seja, devem ser maiores e possuir a livre disposição de seus bens.
Os requisitos objetivos são aqueles exigidos para os contratos em geral: possibilidade (tanto material quanto jurídica); determinação e economicidade (deve ser apreciável economicamente).
Quanto à determinação, ressalte-se que, mesmo não sendo possível individualizar a questão a ser dirimida pela arbitragem, deve-se pelo menos determiná-la quanto ao gênero, de modo que não reste dúvida aos árbitros sobre o que irão decidir.
Por fim, o requisito formal é preenchido utilizando-se a forma verbal, exigindo, entretanto que essa manifestação seja reduzida a um termo assinado e datado; ou a forma escrita, seja por um instrumento particular ou público, perante o Tabelião. Seja particular ou pública, a escritura deverá conter a indicação do objeto do litígio e dos árbitros que conhecerão do mesmo.
Ressalte-se que, o compromisso, mesmo sem a qualificação dos árbitros será válido, não sendo então um requisito essencial. Entretanto, a designação deverá ser feita de tal modo que não haja lugar para erros quanto à sua individualidade; por exemplo, bastará apenas indicar sua qualificação caso essa seja suficiente para identificar o árbitro escolhido pelas partes.
Do compromisso arbitral constará obrigatoriamente: nome, profissão, estado civil e domicílio das partes; nome, profissão e domicílio dos árbitros, ou, se for o caso a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros; a matéria que será objeto da arbitragem; o lugar em que será proferida a sentença arbitral; podendo conter ainda o local ou locais onde se desenvolverá a arbitragem; a autorização para que os árbitros julguem pela equidade, se assim for convencionado pelas partes; o prazo para apresentação da sentença arbitral; a indicação da lei nacional ou das regras corporativas aplicáveis à arbitragem quando assim convencionarem as partes; a declaração da responsabilidade pelo pagamento dos honorários e das despesas, bem como a fixação desses valores.
Insta salientar, que o compromisso arbitral somente existirá dentro dos limites impostos na convenção. Caso surjam questões de nulidade do processo arbitral, ou, então de nulidade ou ilegitimidade das partes envolvidas, verificaremos que será função do Poder Judiciário intervir nestas questões controvertidas.
O compromisso arbitral possui como principais efeitos aqueles incidentes entre as partes e aqueles incidentes entres terceiros. Fará lei entre as partes, desde que preenchidos os requisitos de existência e validade. Obrigará, caso não haja a renúncia, tanto as partes quanto seus herdeiros, legatários e credores, desde que não haja fraude contra estes últimos.
Quanto aos terceiros, é preciso levar em consideração o princípio norteador dos contratos, segundo o qual os efeitos somente atingirão as partes contratantes, não sendo oponível a terceiros. Entretanto, como toda regra tem sua exceção há possibilidade desde que benéfico o compromisso, este ser oposto a co-credores ou co-devedores.
CEZAR FIÚZA [10]aponta como causas extintivas do compromisso arbitral as mesmas que atingem os contratos em geral, quais sejam:
Execução, que se traduz na prolação do laudo; se este foi aceito pelas partes, para que se dê por concluída a instância arbitral.
Distrato, somente admitido se for bilateral.
Renúncia, que ocorre quando uma parte fica silente na hipótese da outra recorrer à Justiça Comum, ou quando escolher a via da arbitragem e abandonar a causa.
Impossibilidade ou perecimento do objeto
Falecimento das partes, sem deixar nenhum herdeiro capaz.
Incapacidade superveniente das partes
Falecimento ou incapacidade superveniente dos árbitros
Recusa ou impedimento dos árbitros
Decurso do prazo, estipulado para a execução do compromisso, que pode ser legal ou convencional. Há casos, na hipótese de obstáculos jurídicos, que ocasionarão a suspensão do prazo. Ademais, as partes poderão ainda deliberar sobre essas hipóteses de suspensão e prorrogação dos prazos.
Implemento da condição, que será resolutiva; ocorrido o fato ou realizado o ato, extingue-se o compromisso.
4.2 Da cláusula compromissória
Em nossa legislação a cláusula compromissória está definida no artigo 4º da Lei n. 9.037/96 como: “a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter-se à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato”.
O vocábulo convenção, não tem aqui o sentido contratualista, já que tal convenção, no primeiro momento, tem as vontades das partes dirigidas para o mesmo fim, qual seja, a formação de um juízo arbitral, e, posteriormente, possui vontades sendo manifestadas de forma divergente posto que a existência de um litígio gera conflito, marcado pelos pólos opostos.
Nesse sentido, expõe CARREIRA ALVIM[11] :
“A convenção de arbitragem é uma modalidade especial de convenção em que, diferentemente do contrato “stricto sensu” – no qual a vontade dos contratantes é direcionada em sentido oposto, tendo a relação jurídica o propósito de harmonizar interesses contratantes – a vontade dos convenentes cumpre função social numa única e mesma direção, conducente ao juízo arbitral, embora na sua base estejam também interesses substanciais e bipolarizados das partes, que são a base do pedido que constituirá o objeto da arbitragem”.
Para CEZAR FIÚZA[12], a cláusula compromissória é:
“Negócio jurídico plurilateral, assim como o compromisso a vontade das partes não é antagônica, uma desejando algo, e a outra, exatamente o oposto, como na compra e venda, na locação ou no depósito, negócios bilaterais. Orientam-se, ao revés, para o mesmo norte, qual seja, renunciar à jurisdição ordinária, abraçando a instância arbitral para dirimir possíveis controvérsias.”.
Levando em consideração tais definições, chegaríamos à conclusão de que após a celebração da cláusula compromissória, não será admitido que a recusa de uma das partes litigantes tenha o condão de inviabilizar a instauração do juízo arbitral, pois a manifestação de vontade para a sua instalação ocorreu quando da celebração daquela. Para que o juízo arbitral venha a se instalar, terá apenas que esperar a aceitação dos árbitros, que podem ou não terem sido previamente escolhidos, bem como a intervenção das partes para fixar o ponto litigioso.
Na posição de MODESTO CARVALHOSA[13], não há possibilidade de haver esta presunção de renúncia ao juízo estatal se se firmou a cláusula compromissória. Segundo este autor, a cláusula compromissória se forma pela declaração de vontade da sociedade e daqueles acionistas que realmente manifestam a sua vontade de estabelecê-la no estatuto. Portanto, demanda uma declaração formal expressa da vontade da sociedade e dos acionistas, quer seja na constituição da sociedade, quer seja em momento posterior quando da alteração estatutária.
É então, segundo CARVALHOSA, um pacto parassocial, e não um pacto organizativo da sociedade, uma vez que esta, como os acionistas fazem parte de um conflito concreto. Assim, sendo a sociedade parte, ela não tem seu poder de império, não se impõe como centro de interesses universais dos acionistas, porque não está sendo dela emanadas normas de organização da sociedade, assim como uma maneira de dirimir questões entre a sociedade e os acionistas ou entre os próprios acionistas. Trata-se neste enfoque, de uma restrição ao direito essencial estabelecido no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.
Sendo assim, não pode haver presunção de renúncia. Ninguém pode deixar de ter o direito constitucional pétreo com base em uma presunção de renúncia. Quer dizer, não se pode presumir que alguém, porque está previsto nos estatuto, não possa se socorrer do juízo estatal. Isso é importante, pois não tem a arbitragem natureza de cláusula organizativa da sociedade, mas de um pacto social. Ou seja, não pode, em hipótese alguma, obrigar a adesão dos acionistas ao pacto parassocial inserido no estatuto. Deve haver na cláusula compromissória uma absoluta identidade entre aqueles que desejam a cláusula e a sua aplicação.
Faz-se indispensável no estudo da cláusula compromissória, enfrentar o problema decorrente da redação defeituosa ou lacuna de tal cláusula, uma vez que podem prejudicar ou dificultar a instalação do juízo arbitral, face à carência de previsão completa do procedimento para a sua instauração.
Para a redação da cláusula compromissória, deve-se ter em vista elementos obrigatórios, sob pena de sua invalidade. Tais elementos, denominados de condições mínimas de operacionalização, segundo SELMA FERREIRA LOPES[14], conduzem à possibilidade de se interpretar a cláusula compromissória como eficaz a subtrair da apreciação do Poder Judiciário, determinados conflitos sobre direitos disponíveis.
Entretanto, nada impede que no momento da celebração da cláusula compromissória, as partes não convencionem sobre a indicação dos árbitros, o procedimento para se iniciar a arbitragem ou, ainda, o prazo de duração do processo arbitral. Caso isso ocorra estaremos diante da denominada cláusula compromissória vazia, que estabelecerá a ineficácia da própria cláusula, uma vez que, por exemplo, a Assembléia Geral não pode nomear árbitros por uma questão de conflito de interesses, já que a própria sociedade é parte no conflito.
Todavia, diante de uma cláusula vazia, pode-se deparar com a situação de uma das partes contratantes resistir à instituição da arbitragem. Se houver esta resistência teremos, de acordo com o artigo 7º da Lei n. 9.307/96, a possibilidade de recorrer ao Poder Judiciário, visando à celebração e cumprimento de um compromisso arbitral. Isso tornará mais moroso o procedimento da via arbitral, retirando sua principal característica de célere.
Com isso, a denominada cláusula compromissória cheia, em contrapartida à vazia, é suficiente para a instauração do juízo arbitral, sendo desnecessária a intervenção do Poder Judiciário (art. 7º da Lei n. 9.307/96) ou a celebração de um compromisso arbitral. A delimitação perfeita do litígio será o primeiro ato a ser praticado pelos árbitros em audiência com as partes.
5. O INSTITUTO DA ARBITRAGEM NO DIREITO BRASILEIRO
No direito brasileiro, o instituto da arbitragem tem origem na Constituição de 1824 aparecendo também nas Constituições de 1934 e 1937.
O artigo 1097 do Código de Processo Civil dispunha que o laudo arbitral deveria ser homologado pelo juiz competente para produzir efeitos entre as partes e seus sucessores, passando a ter eficácia de título executivo. Era, portanto, a homologação judicial requisito necessário à eficácia da sentença arbitral.
O instituto da arbitragem foi finalmente contemplado por lei específica, a Lei nº 9.037/96 que outorga ao juízo arbitral competência substitutiva da jurisdição estatal no que respeita aos direitos disponíveis das partes que contratualmente o instituem. Garante seu foro de autonomia, como um mecanismo, um instrumento de decisão autônoma e de decisão eficaz, independentemente da sua homologação judiciária.
Em conseqüência, tivemos a revogação dos artigos 1037 a 1048 do Código Civil e os artigos 101 e 1072 a 1.102 do Código de Processo Civil.
Essa gradativa substituição de competências do poder judiciário pelo juízo arbitral vem sendo objeto de aceitação cada vez maior no Supremo Tribunal Federal, não sendo considerado inconstitucional diante do artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, que estabelece que a Lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.[15]
6. A ARBITRAGEM ESTATUTÁRIA NA SOCIEDADE ANÔNIMA: ASPECTOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS
São várias as dúvidas levantadas quanto à possibilidade do dispositivo no §3º do artigo 109 Da Lei nº 6.404/76 alcançar seu real objetivo e em que medida o fará, ou seja, se a cláusula compromissória inserida no estatuto social será considerada vinculante para a sociedade e para todos os seus acionistas, inclusive para aqueles que tenham divergido quanto à adoção, ou não tenham tomado parte na deliberação que a tenha aprovado, seja porque ausentes ou porque tenham adquirido o status de acionista em um momento posterior.
O artigo 109 da Lei nº 6.404/76 expõe:
Art. 109 Nem o estatuto social nem a assembléia-geral poderão privar o acionista dos direitos de:
I – participar dos lucros sociais;
II – participar do acervo da companhia, em caso de liquidação;
III – fiscalizar, na forma prevista nesta lei, a gestão dos negócios sociais;
IV – preferência para subscrição de ações, partes beneficiarias conversíveis em ações, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição, observado o disposto nos arts. 171 e 172;
V – retirar-se da sociedade nos casos previstos nesta lei.
§ 1º As ações de cada classe conferirão iguais direitos aos seus titulares.
§ 2º 0s meios, processos ou ações que a lei confere no acionista para assegurar os seus direitos não podem ser elididos pelo estatuto ou pela assembléia-geral.
§ 3º O estatuto da sociedade pode estabelecer que as divergências entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários, poderão ser solucionadas mediante arbitragem, nos termos em que especificar.
Além desse parágrafo 3º, há que se atentar para um dispositivo que trata dos direitos essenciais dos acionistas, que é o próprio estatuto dos direitos essenciais, a própria constituição dos direitos essenciais no § 2º, do art. 109: § 2º os meios, processos ou ações que a lei confere ao acionista para assegurar os seus direitos não podem ser elididos pelo estatuto ou pela assembléia-geral.
Então, é com base nesse parágrafo superior, e com base na Constituição federal, que se deve enfocar a matéria da cláusula compromissória estatutária para a verificação de seus limites, da sua aplicação, da sua natureza jurídica, das partes envolvidas, da inserção da natureza, da inserção da norma no estatuto, para podermos ter uma idéia mais profunda a seu respeito.
O que mais nos chama a atenção é o permanente contraste do § 2º com o §3º do art. 109 com a Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXV. O fundamento principal da arbitragem é a manifestação da vontade autônoma e privada, conforme estabelece o artigo 1º da Lei n. 9.307/96, garantindo que as pessoas capazes de contratar poderão valer-se do instituto para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Assim, sob pena de nulidade da cláusula compromissória, a livre manifestação das partes é imprescindível para a submissão de eventual disputa ao juízo arbitral.
Também, é bastante claro que, uma vez manifestada a vontade de submeter-se ao juízo arbitral, a sentença arbitral é irrevogável, é autônoma e, evidentemente, nada tem o Poder Judiciário que intervir nessa decisão, exceto, por óbvio, nas questões de nulidade do processo arbitral ou, então, de nulidade ou ilegitimidade das partes envolvidas.
Dessa forma, segundo os pensamentos de MODESTO CARVALHOSA e NÉLSON EIZIRIK, podemos afirmar que a renúncia à jurisdição estatal é personalíssima (autonomia da vontade). Ela não se transmite por herança e nem como uma coisa alienada transacionada. Significa dizer que a renúncia é algo que determinado indivíduo pratica sem que se transmita para aqueles que o sucedem, sejam pessoas físicas ou pessoas jurídicas.
Para estes autores, o pacto arbitral tem que ser formal, ou seja, deve haver uma adesão ou uma convenção formal para que alguém se torne parte em um pacto, em uma cláusula compromissória ou no próprio compromisso arbitral posterior. Portanto, é um pacto personalíssimo, uma vez que ocorra a instituição ou a adesão, tornando-se o juízo arbitral uma meio eficaz e irrevogável, a título de execução ou de declaração de direitos. Sendo uma jurisdição privada, em todo caso, tem ela uma forma obrigatória à medida, inclusive, que presta um serviço público, embora os árbitros não sejam agentes públicos.
Ainda para os autores supramencionados, a cláusula compromissória estatutária se forma pela declaração de vontade da sociedade e daqueles acionistas que realmente desejam, manifestam a sua vontade de estabelecer esta cláusula no estatuto. Demanda, então, uma declaração expressa, com ampla publicidade, da vontade da sociedade e dos acionistas, quer seja na constituição da sociedade, quer seja, em momento posterior, quando de alteração estatutária.
Sendo a sociedade parte neste pacto parassocial, ela não se impõe como centro de interesse dos acionistas, porque não está sendo dela emanadas normas organizativas da sociedade. É com essa afirmação, que MODESTO CARVALHOSA e NÉLSON EIZIRIK, vêem a cláusula compromissória como uma restrição a direito essencial (art. 5º, inciso XXXV) inserido na Constituição como cláusula pétrea. Para eles, nenhuma emenda constitucional poderá retirar esse direito de qualquer cidadão socorrer-se ao Poder Judiciário. Ninguém pode perder um direito constitucional pétreo com base em uma presunção de renúncia. Quer dizer, não se pode presumir que alguém, porque está previsto no estatuto, não possa se socorrer do juízo estatal. Isso é muito importante, porque não tem a arbitragem natureza de cláusula organizativa da sociedade, mas de um pacto social. Sendo assim, surgem algumas questões paralelas:
-não poderá a administração da sociedade de forma alguma obstaculizar o exercício de qualquer direito, inclusive o direito de propriedade de ações, mediante a transferência das ações em um livro, ou em um registro comum de custódia, sob fundamento que deve haver adesão ao pacto
-não se pode, em hipótese alguma, aquele que adquiriu uma ação, e não tem nada a ver com a sociedade, ser obrigado, sob qualquer constrangimento, a aderir o pacto parassocial da arbitragem, inserido no estatuto. Deve, portanto, haver na cláusula compromissória uma absoluta identidade entre aqueles que desejam a cláusula e sua aplicação e aqueles que não a desejam.
Nesta linha de pensamento, temos que está fora dos efeitos da cláusula compromissória estatutária, qualquer acionista que não tenha formalmente aderido à própria.
Insta salientar, que existem dois tipos de pacto de adesão ao compromisso estatutário. O primeiro deles, é a instituição que se dá no momento da constituição da sociedade ou na alteração estatutária para a inserção da cláusula compromissória estatutária. Haverá ai, a adesão pelo tractus, ou seja, é uma cláusula tratada. Por outro lado, os acionistas que não estavam presentes na assembléia, que nem chegaram a ver a secreta alteração estatutária ou que não faziam parte da sociedade no momento de sua instituição por terem comprado posteriormente as ações em bolsa, irão aderir pelo denominado dictatus, sendo a adesão tão formal como a própria aprovação de uma alteração estatutária.
Temos na própria Lei que instituiu a arbitragem no Brasil, no art. 4, §2º, claramente a forma de se estabelecer a adesão pelo dictatus, ou seja, a adesão a uma cláusula que não contou com a intervenção do próprio aderente. Diz: “nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem”, que é o caso do tractus, ou concordar, dictatus, expressamente com a instituição, desde que por escrito ou em um documento anexo, ou em negrito, com assinatura ou visto especialmente para esta cláusula. Portanto, serão partes, como anteriormente afirmado, aqueles que instituíram e aqueles que formalmente aderiram à cláusula compromissória estatutária.
Seguindo uma outra linha de pensamento, temos a posição de ROBERTO PASQUALIN, em debate no Primeiro Seminário Internacional de Direito Arbitral, realizado em 27 a 29 de maio de 2002.[16]
Para ele, o 3º, do art. 109, introduzido na reforma da Lei das S/A em 2001, veio permitir que o estatuto da S/A indique a arbitragem como forma de solução de conflito entre os acionistas entre si e entre os acionistas e a sociedade. Entretanto, diferentemente do que expõe MODESTO CARVALHOSA, que aponta a renúncia ao Poder Judiciário como um direito personalíssimo, que não pode ser transmitido sem expressa manifestação volitiva, e nem pode ser alterado pelo constituinte derivado, este jurista, não vê a adesão formal e obrigatória do novo acionista, a melhor solução jurídica.
Segundo ele, se levarmos à tona tal afirmativa, estaremos tratando a arbitragem, apenas e simplesmente, como uma escolha feita pelos acionistas, como se parte de um contato de adesão disciplinado fosse, mais propriamente para as regras das relações de consumo do que para as regras do direito societário.
Ademais, para ele, não há dúvida de que o direito societário, por ser mais complexo, exige daqueles que compram ações, a participação da sociedade e o conhecimento das relações a que a sociedade e aqueles acionistas estão sujeitos. Entre essas relações pode estar sim, a arbitragem. Assim, não pode o adquirente das ações ou o ingressante em um contrato social de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada dizer que não aceita a arbitragem. Pode ele simplesmente não comprar essas ações.
Quando o acionista está adquirindo uma ação, ele adere ao estatuto social como um todo, e, a cláusula compromissória estatutária, sendo parte deste estatuto, também será aderida pelo adquirente. A ação estará sendo adquirida inclusive com a obrigação de solucionar os conflitos que eventualmente venham a surgir, através da arbitragem.
A manifestação da vontade para este autor, mais uma vez diametralmente oposta à opinião de MODESTO CARVALHOSA, decorre do próprio ingresso do acionista na sociedade. Os atos societários públicos estão à disposição de qualquer um que queira obter seu inteiro teor no registro comércio e, para as sociedades abertas na própria CVM. E, embora ninguém ao comprar uma ação venha pedir íntegra do Estatuto, nem por isso pode alegar posteriormente a ignorância dele.
Se no estatuto há previsão da solução de conflitos pela arbitragem, ou seja, se há cláusula compromissória, não poderá o novo sócio abster-se de aderi-la, uma vez que, o acesso às regras expostas no estatuto, é público.
Na opinião do advogado MARCO AURÉLIO GUMIERI VALÉRIO[17], o novo sócio não pode ter a possibilidade de escolher os direitos e as obrigações a que estará sujeito. Isso inviabilizaria a condução das relações internas da sociedade anônima. O investidor não é obrigado a fazer parte da companhia. Se optar pelo ingresso, presume-se que avaliou e acatou voluntariamente as disposições estatutárias. Até porque, o registro do estatuto social na junta comercial, ou sua inscrição na bolsa de valores ou no mercado de balcão, ratifica a presunção de pleno conhecimento pelos acionistas, sejam novos ou velhos.
Ademais, se a cláusula compromissória estiver inserida em uma convenção extra-estatutária, não registrada em nenhum órgão, o novo sócio não poderá ser obrigado a se submeter ao juízo arbitral, posto que a falta de publicidade do ato leva à conseqüente ausência de manifestação de vontade.[18].
A regra é de que, ao tomar uma decisão desinformada, o novo acionista assuma as conseqüências de seu desleixo, assim como que assina um contrato sem lê-lo. Como sustenta JOSÉ VIRGILIO LOPES ENEI, concluir que o novo sócio não se vincula à cláusula arbitral constante do estatuto social só porque ele talvez não tenha tomado conhecimento de tal convenção, seria equivalente a dizer:[19] “que uma eventual limitação do direito de voto ou à circulação das ações adquiridas não seria oponível ao novo acionista que ingressou na companhia sem conhecimento dessa limitação estatutária”
PEDRO ANTÔNIO MARTINS ao analisar a mesma polêmica, também conclui que a eficácia da cláusula arbitral atinge aquele investidor que adquire o status socii pela transferência de ações:[20] “Mesmo não havendo manifestação expressa, o pacto arbitral lhe é vinculante, pois os efeitos da cláusula compromissória atingem os sucessores a título universal e singular”
Ao adquirente de ações impõe-se o conteúdo e os efeitos da cláusula arbitral já contida no estatuto social. A exigência de aceitação expressa, imprescindível pra Carvalhosa, não encontra respaldo nem na Lei das Sociedades Anônimas, nem na Lei da Arbitragem. Se a norma não limita, não deve o intérprete fazê-lo – UBI LEX NON DISTINGUIT, NEC INTERPRES DISTINGUERE DEBET.[21]
Outro ponto controvertido a respeito da arbitragem, refere-se à possibilidade de existirem duas decisões divergentes sobre uma mesma matéria, na hipótese de alguns acionistas, por estarem comprometidos à cláusula compromissória, irem para o juízo arbitral, e, os outros que não se comprometeram escolherem o juízo estatal.
MODESTO CARVALHOSA, para tentar explicar essa questão, nos dá como exemplo a possibilidade da existência de um conflito societário porque os dividendos não foram distribuídos, o balanço está errado, e etc., sendo que todos os acionistas, aqueles que estão e que não estão vinculados ao juízo arbitral possuem o mesmo interesse de anular aquela deliberação da Assembléia que, realmente sonegou dividendo ou é falsa. O que ocorrerá? Para ele, os que não aderiram irão para o juízo estatal e, os que aderiram para o juízo arbitral. Mas, pergunta-se: eventualmente teremos duas decisões diferentes. Se uma delas for mais favorável, poderá o outro grupo, com decisão menos favorável renunciar o seu juízo e aceitar o outro? Segundo CARVALHOSA a resposta será não, posto que o juízo arbitral, autônomo, obrigatório, não se comunica com o juízo estatal. Dessa forma, irão se manter as duas decisões.
Afirma ainda que os efeitos da sentença arbitral não se comunicam para os não aderentes à cláusula compromissória. Os efeitos da sentença arbitral atingem apenas aqueles que aderiram ao pacto, assim como os efeitos da sentença estatal também não se comunicam àqueles que aderiram ao juízo arbitral.
JOSÉ ANCHIETA DA SILVA expõe a necessidade dessa questão, que segundo ele não conseguiu ser explicada por MODESTO CARVALHOSA, merecer uma profunda reflexão. Para ele, antes do art. 109, não havia conflito entre o Poder Judiciário e o juízo arbitral. Só que agora, com essa disposição personalíssima que obriga àqueles que aderiram ao pacto compromissório, o conflito entre os juízos torna-se inerente. É essa a única hora em que a arbitragem está fadada ao insucesso.
Para ROBERTO PASQUALIN, não teremos decisões conflitantes se utilizarmos o raciocínio, no sentido de que, a manifestação de vontade do acionista adquirente da ação em uma sociedade que já contenha a cláusula compromissória, ao adquirir a ação, adere à cláusula e a ela se vincula daí por diante. Aduz ainda, que não admitir que o acionista esteja vinculado à arbitragem apenas porque não tenha a ela aderido formalmente, em um instrumento, ainda que separado do Estatuto, afirmando concordar com essas cláusulas, seja uma maneira eficaz de aplicar a arbitragem no Brasil.
Percebe-se que o instituto do juízo arbitral gera constantes debates sobre sua validade e se realmente será capaz de atingir seus objetivos reais.
Pontos de vista discordantes sempre existirão. O que deve ocorrer em momento oportuno é o amadurecimento da doutrina e jurisprudência brasileiras sobre a importância do direito arbitral sob o aspecto do direito societário, indo além de uma interpretação mais conservadora, privilegiando a substância sobre a formalidade na manifestação do consentimento para a cláusula arbitral.
É da solução imposta aos conflitos que emergirão das relações societárias, que nascerá um posicionamento definitivo e majoritário da doutrina e da jurisprudência acerca do tema. Superado esse período de transição e incerteza, o tempo se incumbirá de incutir nas companhias a cultura da arbitragem.
7. A CONSTITUCIONALIDADE DA ARBITRAGEM
A substancial alteração dada ao juízo arbitral, pela Lei n. 9307/96, com a introdução da execução compulsória da cláusula arbitral, a dispensa da homologação por juiz togado da decisão do árbitro e a irrecorribilidade da sentenças arbitrais, antes inexistentes no ordenamento jurídico brasileiro, reacendeu a antiga discussão quanto à constitucionalidade deste instituto, trazendo à tona antigos debates doutrinários.
Estariam em desacordo com a nova lei, princípios constitucionais como o da inafastabilidade do controle judicial (CF art. 5º, XXXV), o da garantia do devido processo legal (CF art. 5º, LVI), o da ampla defesa e da dupla instância de julgamento (CF art. 5º, LV), o princípio que impossibilita a criação de juízo ou tribunal de exceção (CF art. 5º, XXXVII) e, ainda, o do juiz natural (CF art. 5º, LIII)?
7.1 A Arbitragem e o art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal
A garantia prevista no inciso XXXV do art. 5º da Carta Magna de 1988 está prevista nas Constituições Brasileiras desde 1946. A origem histórica desta previsão encontra-se no período ditatorial em que existiam comissões e conselhos extraconstitucionais que conduziam, de forma inquisitiva e terminativa, inquéritos policiais, suprimindo as garantias ao contraditório e à ampla defesa, impondo ainda a vedação de revisão pelo Poder Judiciário, acarretando uma verdadeira supressão a este Poder.
Entretanto, desde a Constituição de 1946 tem sido trazida a garantia constitucional da inafastabilidade do Poder Judiciário, possibilitando que todas as decisões administrativas e conflitos entre os cidadãos, sejam submetidos à apreciação de um juiz imparcial, de competência pré-constituída.
O aludido princípio constitucional foi exposto pelo legislador com o intuito de socorrer ou proteger o cidadão de eventual abuso cometido pelo executivo e pelo legislativo como ocorre em qualquer democracia. Deve ser entendido como uma garantia do cidadão, e não como uma imposição estatal de que todo e qualquer conflito, seja de que natureza for, tenha que, obrigatoriamente, ser dirimido pelo Poder Judiciário.
Se tomássemos uma interpretação contrária, chegaríamos ao absurdo de vedar a autocomposição, figura jurídica aproximada do juízo arbitral como meio legal posto à disposição dos contendores para a solução de suas pendências, a qual produz efeito de coisa julgada, somente admitindo rescisão em caso de dolo, violência ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa.
Segundo o raciocínio de DEMÓCRITO RAMOS REINALDO [22]
“A prevalecer o entendimento de que, a arbitragem seria inconstitucional por impedir o exame do juiz das demandas submetidas, baseados no art. 5º, inc. XXXV da CF, esta interpretação deveria atingir, por analogia, outros meios de resolução de controvérsias extrajudiciais. Qualquer ato de resolução de pendências como, por exemplo, uma renegociação, uma transação extrajudicial, uma confissão ou uma cessão de direitos somente seria válida se homologado ou mesmo decidido pelo juiz. Nada diferencia a arbitragem destes outros meios extrajudiciais a ponto de ser tratada de forma diferente por alguns juristas“.
O juízo arbitral, mesmo da forma como era antes tratado nos Códigos Civil e de Processo Civil, já configurava uma justiça ou uma jurisdição privada, sendo assim, a utilização deste instituto, não desrespeita em nenhum aspecto, o princípio do controle judicial dos atos ameaçadores ou lesionadores de direito contido no art. 5º, inc. XXXV.
Se a convenção entre particulares é a causa principal geradora de direitos e obrigações na ordem jurídica privada, parece lógico que possam também utilizá-la para resolvê-los ou extingui-los. Se o titular de um direito disponível pode renunciá-lo, então, por dedução lógica, pode escolher a forma de solucionar controvérsia em torno desse mesmo direito.
Por essa razão é que se entende que a instituição do juízo arbitral, mesmo com as atuais modificações já enumeradas, não constitui ofensa a qualquer princípio constitucional. Não se nega o acesso do cidadão ao Judiciário, apenas se permite que, ele, titular de um direito material, decida sobre a forma de solucionar a questão em torno desse direito disponível, se por meio da jurisdição estatal, ou se através de uma jurisdição privada.
JOSÉ FREDERICO MARQUES sempre defendeu a constitucionalidade da arbitragem, ainda sob a égide do artigo 141, § 4º, da Constituição de 1946 [23]
“O mesmo se sucede se essas pessoas em conflito, em lugar de se comporem mutuamente, deliberarem entregar ao juízo de outrem a resolução do litígio para apaziguamento da controvérsia e contenda. Assim como o Estado, por estar em foco direito disponível, deixa que os interessados solucionem, através da transação, suas desinteligências recíprocas, nada há de estranhável, que, também, autorize, esses mesmos interessados, a submeterem a resolução do conflito a outras pessoas, em lugar de o levarem, através da propositura da ação, a juízes e tribunais. Nem há, com isso, transgressão do artigo 141, §4º, da Constituição Federal, ou infringência do princípio do juiz natural. O direito individual, no caso, passa a ser, tal como na transação, aquele que, em virtude de acordo consubstanciado no compromisso, foi definido no laudo arbitral. O caráter disponível da relação contenciosa propiciava a alteração, por vontade dos interessados, que o laudo arbitral criou, assim como a que a transação teria trazido,se esta tivesse sido o instrumento compositivo do litígio”
Aliás, o próprio Supremo Tribunal Federal, admitia a sua constitucionalidade do instituto no direito interno pátrio, como no julgamento do Agravo de Instrumento n. 52.181[24].
“(…)
Legalidade do Juízo Arbitral, que o nosso Direito sempre admitiu e consagrou, até mesmo nas causa contra a Fazenda. Precendentes do Supremo Tribunal. Legitimidade da cláusula de irrecorribilidade de sentença arbitral, que não ofende a norma constitucional.”
Ressalte-se ainda que a lei n. 9.307/96, nesta questão, somente inovou quanto ao momento em que a sentença arbitral gera os efeitos jurídicos que lhes são próprios. Na vigência da lei anterior, a decisão arbitral apenas adquiria exigibilidade e executoriedade após o procedimento judicial de homologação. Com a nova lei, temos a sentença arbitral gerando seus efeitos imediatamente, independentemente de homologação do Poder Judiciário, cabendo à parte lesada argüir a nulidade da mesma, seja através de ação de nulidade, seja por meio dos embargos à execução.
O direito de impugnação da sentença arbitral perante o Poder Judiciário, nas hipóteses de violação às garantias processuais constitucionais e nas demais hipóteses de nulidade previstas na lei de arbitragem decorre, portanto, da própria garantia constitucional prevista no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988.
Outrossim, destaca-se que ao Poder Judiciário é reservado, com exclusividade, a proteção do direito constitucional, ao devido processo legal, ainda que o procedimento desenrole-se perante um juízo privado.
Dessa forma, não há como se alegar que a nova lei exclua da apreciação do Judiciário, lesão ou ameaça de direito, pois este Poder está presente no exame de todas as questões jurídicas de relevância e de sua capacidade. O contido do art. 5º, XXXV, deve ser entendido como regra de coibição de abuso de direito, de ato arbitrário ou ilegal e somente nestes casos deve ser acionado.
7.2 A Arbitragem e o artigo 5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal
Alguns autores, defensores da corrente pela inconstitucionalidade da arbitragem, usam ainda o argumento de que este juízo privado ofende o princípio da ampla defesa e da dupla instância de julgamento, garantidos, respectivamente, pelos incisos LIV e LV, do artigo 5º da Carta Magna.
Entendemos, que não há violação a esses princípios, uma vez que com a implantação do juízo arbitral, não pode haver dispensa do tratamento equânime entre as partes, levando-se em consideração a extrema plausibilidade do acordo por elas celebrados. O procedimento arbitral organiza sua atividade instrutória tendo, como requisitos mínimos previstos no § 2º do art. 21 da lei de arbitragem, o princípio do contraditório e da igualdade entre as partes, dispensando-se uma ampla burocracia para os atos a serem providos sob o comando deste.
Ademais, não podemos considerar a existência de uma violação ao princípio do duplo grau, posto que se assim fizéssemos, estaríamos retirando do juízo arbitral sua principal e talvez uma das mais importantes características que é a celeridade. Nas palavras de SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA:[25]:
“O juízo arbitral tem na simplificação do procedimento uma de suas facetas, porque é da simplificação dos ritos que decorre a celeridade, esta se apresentando como uma das principais vantagens sobre o processo judicial. Utilizando-se somente o indispensável, garante-se a praticidade e, conseqüentemente, a brevidade, sem se sacrificar qualquer direito das partes”.
7.3 A Arbitragem e o artigo 5°, incisos XXXVII e LIII da Constituição Federal
Ainda como entrave de ordem constitucional à sobrevivência da Lei da Arbitragem, alguns doutrinadores sustentam a idéia de que este instituto contraria os princípios constitucionais do juiz natural e o princípio que impede a criação de um tribunal ou juízo de exceção.
Nos dizeres de SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA[26], o princípio do juiz natural consiste:
“com a garantia do jurisdicionado que sua causa seja processada perante o juiz cuja competência decorra das leis processuais. Como, em nosso sistema normativo, a própria Constituição distribui entre os diversos órgãos judiciários as atribuições jurisdicionais, delineando em primeiro plano as diferentes competências, diz-se que o princípio em questão tem fonte constitucional.”
Realmente, a lei ordinária não pode por si só, modificar a jurisdição conferida a juízes e aos Tribunais, não tem esta este poder. É de competência da Constituição Federal distribuir entre os diversos órgãos judiciários a competência derivada da jurisdição estatal.
Assim, optando por requerer a tutela jurisdicional conferida pelo Estado, o poder de julgar, é exercido em nome dele, como expressão de sua soberania. No desenvolvimento da atividade estatal, a ninguém é dada a faculdade de exercer funções cometidas com exclusividade ao órgão competente segundo as normas de ordem pública. [27]
É então, necessário ressaltar que quando as partes optam por resolver a demanda em juízo arbitral, a solução não requer a atuação do corpo estatal. A solvência da questão, ao contrário, resulta da livre autonomia da vontade das partes por meio de escolha de um intermediário para resolver a controvérsia.
Para DEMÓCRITO RAMOS REINALDO:[28] “não houve invasão da esfera de atuação do Judiciário, cujos diversos órgãos, singulares ou colegiados, da Justiça Comum ou das Justiças especializadas, continuam com a mesma competência”.
Se, por acaso, a disposição legal fosse outra, e tivesse havido a transferência de parte do poder jurisdicional estatal ao juízo arbitral, extirpando-se parte da competência dos órgãos judiciários e restringindo sua atuação àquelas causas em que, pela sua natureza, não pudessem ser resolvidas no juízo privado, aí sim seria necessária uma alteração na própria Constituição, sob pena de contrariar os princípios constitucionais aqui analisados, coisa que, obviamente, não ocorreu.
8. CONCLUSÃO
Até o advento da Lei n. 9.307/96, a arbitragem não tinha nenhuma relevância, face aos obstáculos para a sua utilização, uma vez que a cláusula compromissória não comportava a execução específica, além de exigir a prévia homologação da sentença arbitral pelo Poder Judiciário para que obrigasse às partes, tendo assim, executoriedade.
Entretanto, com a introdução do parágrafo 3º do artigo 109, o instituto do juízo arbitral, principalmente no tocante às sociedades empresárias, sofreu profundas modificações que, como dito anteriormente ainda não foram pacificadas em nossa doutrina.
Sendo assim, diante do que foi exposto no presente trabalho chegamos a determinadas conclusões que para muitos autores não são as mais adequadas.
Primeiramente, importante ressaltar que a convenção de arbitragem não tem natureza exclusivamente contratual e nem jurisdicional, pois em sua origem, apresenta-se eminentemente contratual, mas sua finalidade é jurisdicional, o que permite denominá-la de convenção jurisdicional.
Com isso, pode-se afirmar que o conceito de jurisdição não significa monopólio da atividade jurisdicional pelo Estado em todas as etapas, exigindo sim a presença do Estado como instância máxima garantidora do cumprimento das garantias constitucionais do processo, sendo também indispensável para a coerção e execução forçada das decisões.
Ou seja, não se confunde o monopólio da jurisdição com a tutela jurisdicional. A arbitragem deve ser entendida como uma atividade jurisdicional fora do Estado, mas sobre o controle de legalidade e constitucionalidade deste quanto às garantias processuais.
Dessa forma, a arbitragem é expressão do poder jurisdicional, que tem origem anterior à jurisdição estatal, tendo como características a celeridade na solução de conflitos, a possibilidade destes serem decididos por profissionais especializados na matéria litigiosa, mesmo não possuindo formação jurídica, o sigilo em relação a terceiros, sendo ainda a sentença proferida neste âmbito, imperativa e exigível, independentemente de homologação pelo Poder Judiciário.
Quanto à cláusula compromissória, verificamos que esta é espécie de convenção de arbitragem, apta a potencializar a instauração do juízo arbitral independentemente do compromisso arbitral.
É um instrumento hábil e constitucionalmente adequado para se prever a instituição do procedimento arbitral na ocorrência de futuras controvérsias, desde que sejam conflitos na ordem dos direitos patrimoniais disponíveis e que estejam abrangidos por esta cláusula.
Possui como limites subjetivos à sua aplicação, a necessidade de ser sócio ou acionista da sociedade, bem como a exigência da manifestação da vontade destes, quando da celebração.
Entretanto, neste aspecto, importante ressaltar que, ao nosso ver, não há necessidade de uma manifestação volitiva ser feita de forma expressa em documento apartado encaminhado pela companhia ao novo adquirente. Admitem-se todas as formas de manifestação da vontade, mas não se admite a substituição desta por uso ou costume, uma vez que o consentimento é indispensável para que se possa, validamente, suprimir o conflito da apreciação da jurisdição estatal e submetê-lo à jurisdição convencional.
Se assim considerássemos, estaríamos garantindo ao novo sócio a possibilidade de escolher os direitos e obrigações a que estará sujeito. Isso inviabilizaria a condução das relações internas da própria sociedade anônima.
Com isso, não pode o adquirente das ações ou o ingressante em um contrato social de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada dizer que não aceita a arbitragem ou ainda afirmar que não tinha conhecimento sobre a existência da cláusula compromissória estatutária, pois, se optou pelo ingresso, presume-se que as disposições estatutárias foram avaliadas e acatadas voluntariamente, posto que o registro do estatuto na junta comercial é público. Pode, entretanto, este “novo sócio” simplesmente não adquiri-las.
Claro que, as cláusulas compromissórias incluídas nas convenções extra-estatutárias, como contratos de consórcio, de sociedade em conta de participação e de formação do grupo de sociedades, não se estendem para abranger, em seu âmbito de validade, os eventuais conflitos entre os acionistas ou sócios das sociedades participantes, ou entre estes e a própria sociedade, salvo se houver assembléia geral em que aprove a adoção, por extensão, da cláusula compromissória em tais conflitos internos. A falta de publicidade do ato leva à conseqüente ausência de manifestação de vontade.
Quanto à questão de possível violação à Constituição federal, temos que a arbitragem apresenta-se em harmonia com esta, não havendo incompatibilidade com o inciso XXXV de seu artigo 5º. As garantias constitucionais do processo, como o contraditório, a ampla defesa, a imparcialidade do julgador, a necessidade de fundamentação das decisões e o livre consentimento do julgador, sempre serão resguardadas pela jurisdição estatal, mediante requerimento de qualquer das partes.
A celebração da convenção de arbitragem, acertada anteriormente pela cláusula arbitral ou posteriormente, pelo compromisso arbitral, permite às partes, a transferência da jurisdição para um destinatário privado. O ato de escolha de um árbitro para solucionar-lhes a pendência não significa renuncia ao direito de ação, mas sim, um livre ajuste na forma pela qual se comprometem a por um fim a uma lide.
É assegurado à parte no juízo arbitral o direito à decisão de mérito construída pelas partes com a observância dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do tratamento isonômico.
Outrossim, o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, não determina que os interessados sempre devem ao judiciário suas demandas. Se se admite como lícita a transação relativamente a direitos substanciais objeto da lide, não se pode considerar violência à Constituição Federal abdicar do direito instrumental de ação através da cláusula compromissória. Quando tratar de direitos patrimoniais disponíveis, é lícito e recomendável aos interessados, diante do acúmulo de processos e do formalismo excessivo que tem gerado a lentidão das demandas judiciais, abrirem mão do direito ou poder de ação e buscarem a composição do conflito mediante sentença arbitral cujos efeitos sejam idênticos àqueles das decisões prolatadas no juízo estatal.
Quanto à questão de possíveis decisões conflitantes, caso haja a previsão de um juízo arbitral e de um juízo estatal, não vemos nenhuma problemática, posto que, se o indivíduo optou pela aquisição de uma ação onde há previsão no estatuto societário da cláusula compromissória, ele adere e se vincula a esta daí por diante. Ainda, mesmo se isso venha a ocorrer, não estão os acionistas afastados de uma decisão jurisdicional estatal, pois é a estes garantido o direito de uma decisão de mérito, com observância de todos os princípios constitucionais.
Por fim, na atualidade, os fenômenos da globalização e da dinamização das relações empresariais, reclamam por uma forma de solução de conflito mais ágil, afastando a morosidade da Justiça e a baixa qualidade da prestação jurisdicional, que acabam por gerar decisões inadequadas.
Com isso, as modernizações introduzidas pela Lei da Arbitragem ressurgem como importante instrumento para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, desemperrando a máquina judiciária estatal, bem como trazendo uma solução satisfatória aos conflitos que vierem a se instalar, principalmente os de âmbito societário.
Assim, o instituto pode ser uma alternativa vantajosa, tanto à companhia, quanto a seus acionistas ou administradores, que poderão resolver seus conflitos internos, cada vez mais freqüentes e complexos, com a ajuda de especialistas no objeto da contenda, obtendo desta forma, com maior rapidez a solução dos litígios.
Informações Sobre o Autor
Joana Câmara Fernandes de Oliveira
Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Tutora do Curso de Pós-Graduação lato sensu em Direito Registral Imobiliário ofertado pela PUC Minas Virtual, em convênio com o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRB; Escrevente cartorária