Resumo: A dinâmica do mundo mudou, e o Estado encontra-se em crise. A morosidade processual, os custos e a falta de acesso à justiça são alguns dos fatores responsáveis pela ineficiência estatal. Hoje, o que se procura são outros meios que possam ser utilizados, alternativamente, àquele oferecido pelo Estado. O presente trabalho propõe a Mediação como meio alternativo de solução de conflitos, para desafogar e melhorar a atuação do Poder Judiciário, com relação ao seu papel de promoção da justiça. A Mediação brasileira ainda não possui legislação própria que a defina e este instituto está se difundindo progressivamente. Há, no entanto, o Substitutivo (PLC 94/02), que está em vias de aprovação, cujo objeto é a regulamentação da Mediação brasileira. Portanto, é finalidade deste trabalho a propagação do instituto da Mediação, bem como, a discussão e análise da proposta legal que está tramitando no Congresso Nacional, a fim de que este instituto seja regulamentado e que possa ser inaugurada uma nova cultura sobre a solução de conflitos no Brasil, que a adoção do Instituto da Mediação, como ocorre com muito sucesso em outros países, como é o caso da Argentina. O presente trabalho tem como propósito, colaborar no debate a respeito do assunto, tanto na esfera sociedade, nos espaços universitários, para que a sociedade possa influir na implantação da Mediação.
Palavras-chave: Mediação; Crise estatal; Substitutivo PLC 94/02.
Abstract: The dynamics of the world has changed, the State is in crisis. The procedural delays, costs and lack of access to justice are some of the factors responsible for the State inefficiency. Today, what is sought are other means that can be used, alternatively to the one offered by the State. The present paper proposes the Mediation as an alternative means of dispute solution, to lighten and improve the performance of the Judiciary, with relation to its own legislation yet, that could define it and this institute is spreading progressively. However, there is the Amendment (PLC 94/02), which is in the process of adoption, whose object is to regulate the Brazilian Mediation. So, the purpose of this work is to spread the institute of Mediation, as well as the discussion and analysis of the legal proposal which is being processed in the National Congress so that the Office of Mediation reaches success, as it happens in other countries, like the case of Argentina. The present paper is being done to collaborate in the debate over the subject, both in the society sphere, in the university spaces, so that the society may influence the implantation of Mediation.
Keyword: Mediation; Crisis State; Amendment PLC 94/02.
Sumário: 1 Introdução 2 A Crise do Estado e a Mediação como método de solução de conflitos 3 Uma proposta de legalização da Mediação no Brasil 4 Conclusão
1 INTRODUÇÃO
São visíveis as mudanças ocorridas no mundo moderno, e principalmente neste momento, onde as teorias que fundamentaram a modernidade, não estão mais se sustentando diante do surgimento de outras teorias, que provavelmente vão caracterizar uma nova fase da humanidade, denominada de pós-modernidade. As transformações tecnológicas e industriais, a globalização da economia, a facilidade de comunicação, a disseminação da notícia, exigem, contudo, uma rápida e efetiva solução para os conflitos de interesses decorridos destas novas relações, que envolvem o indivíduo e a sociedade.
Diante destas questões, o presente trabalho volta-se ao estudo da Mediação como uma proposta de solução de conflitos a ser implantada no Brasil. O objeto deste estudo se constitui em destacar a importância da adoção deste instituto, como forma de solução de conflitos, decorrentes das transformações sofridas pela sociedade e da própria dificuldade, que o Estado está enfrentando, para atender a crescente busca das demandas judiciais, por parte do indivíduo junto aos órgãos estatais.
O trabalho está subdividido em dois temas: o primeiro versa sobre a crise do Estado e a Mediação como método de solução de conflitos; o segundo assunto faz uma abordagem a respeito de uma proposta de legalização da Mediação no Brasil, visto que, até o presente momento não existe uma legislação específica que regulamente o assunto.
2 A Crise do Estado e a Mediação como método de solução de conflitos
Com relação ao tema objeto deste estudo, se faz importante identificar a crise que o estado vive, em decorrência da própria evolução cultural da sociedade, bem como a compreensão de democracia e o aprofundamento do seu conceito, por parte do indivíduo. Este fenômeno provoca o desenvolvimento do exercício da cidadania e a própria noção de direito, que o indivíduo e os grupos sociais vão adquirindo, em decorrência da publicização das própria normas, que estabelecem os direitos individuais, coletivos e difusos. Assim, ocorre um aumento vertiginoso das demandas judiciais, como forma de buscar a garantia destes direitos, em favor de quem os detém, provocando uma verdadeira crise de Estado. Diante de qualquer crise vivida pelo Estado, a sociedade busca formas alternativas para solução dos conflitos decorrentes da sua própria evolução.
Ao ser abordado o fato de que estamos presenciando um momento histórico de grandes conflitos, em decorrência de uma série de transformações, que a sociedade vem sofrendo, tem-se a certeza de estes conflitos também afetam a esfera do Estado, pois em determinadas ocasiões se torna incapaz de apresentar soluções, para as demandas decorrentes desta nova realidade.
O conflito não pode ser visto como algo que produz somente efeitos negativos, para o indivíduo, a sociedade e ao próprio Estado. Em determinadas situações, o conflito é inevitável e pode se constituir num fator positivo, pois obriga a sociedade tomar decisões, que terá reflexos na atuação do Estado. A respeito da questão Morais e Spengler (2008, p.47) consideram “salutar (especialmente se queremos chamar a sociedade na qual se insere de democrática), i importante é encontrar meios autônomos de manejá-lo fugindo da idéia de que seja fenômeno patológico e encarando como um fato […]”. Sendo assim, o conflito que emerge da sociedade, pode se constituir num momento privilegiado, onde o indivíduo terá a oportunidade do debate, para apontar e eleger possíveis soluções. É neste contexto, que surge a discussão sobre novas formas de solução de conflitos.
A realidade social em que vivemos não se justifica mais, com a adoção do modelo individualista das soluções judiciais. Desde o século passado, percebe-se o surgimento de um novo paradigma, que é a prevalência do interesse social sobre o individual e a busca dos direitos previstos no ordenamento jurídico. Assim, a sociedade desenvolve novas políticas, com relação ao papel jurisdicional do Estado. A explosão de litigiosidade, decorrente da complexidade socioeconômica da sociedade moderna, demanda novas formas de relacionamento humano e de solução de conflitos decorrentes destas relações. Neste sentido Morgado (1998, p. 42) expõe:
“Atualmente, o sistema de solução de conflito em vigor é o processual-jurisdicional, que nada mais é do que a solução proferida e imposta pelo Estado, por meio do Poder Judiciário, respeitado o devido processo legal. A finalidade máxima desse Poder Estatal jurisdicional é a pacificação social que, todavia, só é eficaz se realizada com justiça. Isso porque não interessa para a sociedade um sistema processual que não permita o amplo acesso de todos a uma solução justa. Assim, o poder jurisdicional do Estado só tem razão de existir quando é capaz de garantir o processo justo e eficaz.”
No âmbito da Justiça e também em dimensões mundiais, a realidade está a demonstrar a insatisfação generalizada com a ineficiência da solução jurisdicional estatal. O serviço estatal de administração da justiça encontra-se numa situação que se tornou impossível ao próprio Estado dar uma resposta adequada às necessidades da sociedade em matéria de solução dos conflitos e da própria administração da justiça. O Poder Judiciário Brasileiro está atravessando uma crise intensa. Com relação ao seu papel de administração da justiça, com tendência a majorar a majorar-se. Grinover (2007, p. 02) aponta algumas causas que levam à obstrução das vias do acesso à justiça e ao distanciamento cada vez maior entre o Judiciário e seus usuários:
“A morosidade dos processos, seu custo, a burocratização na gestão dos processos, certa complicação procedimental; a mentalidade do juiz, que nem sempre lança mão de seus poderes que os códigos lhe atribuem; a falta de informação e de orientação para os detentores dos interesses em conflito; as deficiências do patrocínio gratuito, tudo leva à obstrução das vias de acesso à justiça e ao distanciamento entre o Judiciário e seus usuários. o que não acarreta apenas o descrédito na magistratura e nos demais operadores do direito, mas tem como preocupante conseqüência a de incentivar a litigiosidade latente, que freqüentemente explode em conflitos sociais, ou de buscar vias alternativas violentas ou de qualquer modo inadequadas.[…].”
Todos esses elementos propiciam a existência de uma prestação de justiça morosa, que proporciona insatisfação à sociedade e uma espécie de descrença, com relação ao seu papel. Para dar solução a essa crise, até não muito tempo atrás, insistia-se na busca de soluções tradicionais, basicamente estruturais, como, por exemplo, aumentar o número de cartórios, juízes, funcionários, informatização da justiça. No entanto, nada disso tem proporcionado resultados satisfatórios em relação ao aumento das demandas judiciais. Todos esses esforços não tem sido suficientes para reverter a crise instaurada. As deficiências ainda persistem e se tornam cada vez mais graves com o transcurso do tempo, no que consiste ao atendimento da população, satisfação de seus desejos e a promoção da justiça no sentido de garantis a proteção dos direitos humanos.
O crescimento das demandas sociais, decorridas do Estado de bem-estar social, não resultou num aumento da contraprestação de serviços por parte do Estado, em favor do indivíduo e da própria sociedade. Desta forma, o tema em estudo remete ao debate sobre a utilização de novas formas de solução de conflitos, que determinam uma maior participação do indivíduo na construção da própria solução, a fim de que possa tornar-se agente ativo na construção de própria justiça.
É assim que novos métodos de solução de conflitos, também conhecidos como meios adequados de solução extrajudicial despontam no cenário jurídico mundial, podendo ser muitas vezes promovidas pelas próprias partes. Dentre estes novos métodos, pode-se citar a Mediação, a Conciliação e a Arbitragem. Estes métodos podem ser desenvolvidos com ou sem a intervenção do Estado, o que já vem ocorrendo de forma eficaz em muitos países no contexto mundial.
A Mediação, a qual merece um estudo mais aprofundado, dentro do cenário jurídico é um grande avanço e inovação. Trata-se de um mecanismo que aos poucos começa a ser utilizado no Brasil, como forma eficaz de evitar os altos custos decorrentes de uma disputa judicial, desafogar o Estado e principalmente, chegar a um acordo de pacificação humana. Trata-se de um método autocompositivo de solução de conflitos, porque as partes chegam ao acordo espontaneamente através do auxílio do mediador. Garcez (2004, p. 39) conceitua a Mediação como fórmula não adversarial de solução de conflitos.
“Na Mediação, um terceiro, imparcial, auxilia as partes a chegarem, elas próprias, a um acordo entre si, através de um processo estruturado. As partes assim auxiliadas são as autoras das decisões e o mediador apenas as aproxima e faz com que possam melhor compreender as circunstâncias do problema existente e a aliviar-se das pressões irracionais e do nível emocional elevado, que lhes embaraça a visão realista do conflito, impossibilitando uma análise equilibrada e afastando a possibilidade de acordo.”
Portanto, a Mediação é uma atividade técnica em que as partes interessadas escolhem ou aceitam em comum acordo pessoas neutras, pacíficas para a solução do litígio, onde estas irão os orientar com o propósito de chegar na melhor solução para o conflito de interesses. São as partes que controlarão o resultado do processo. Com o instituto da Mediação é possível conseguir a mesma certeza e segurança oferecidas pelo Poder Judiciário, porém, sem a demora, os custos e os desgastes, que as lides oficiais podem provocar.
Os elementos presentes no processo de Mediação são as partes, o conflito e o mediador. As partes detêm a gestão de seus conflitos e o poder de decidir, tendo o mediador como auxiliar, diferentemente da jurisdição estatal em que o poder de decisão é do Estado. A Mediação pode ser extraprocessual ou processual, ou seja, pode ocorrer dentro de um processo judicial ou fora dele. A respeito do assunto, Targa (2004, p. 137) argumenta:
“Extraprocessual: dividida em não profissional e profissional e espontânea (realizada por opção exclusiva das partes, como, por exemplo, a desenvolvida em consultórios de psicologia para casais em momento de separação) e obrigatória (realizada em virtude de disposição legal, fora do Poder Judiciário, como condição à eventual interposição de uma ação, como é o caso daquela efetivada nas Comissões de Conciliação Prévia). Processual: dividida em endoprocessual e paraprocessual, sendo a primeira aquela já inserida nos diversos procedimentos (Conciliação) e a segunda a que se pretende criar no Direito brasileiro, consistente na Mediação prévia espontânea, que pode ser buscada no Poder Judiciário e na Mediação incidental, obrigatória como procedimento inicial na maior parte das ações que forem apresentadas à Justiça Comum.”
No processo de Mediação as partes tendem a ficar mais satisfeitas com o acordo, pois são elas que darão o resultado ao litígio, tornando os custos menores. O conflito é resolvido com mais agilidade, pois se constitui num processo informal, e a decisão não carece de homologação perante o juízo estatal. Acima de tudo, têm-se a manutenção de um bom relacionamento entre os litigantes, que se constitui no fator mais importante deste método. Dentre as características deste instituto, pode-se apresentar através dos ensinamentos de Morais (1999, p.147):
“Privacidade: O processo de Mediação é desenvolvido em ambiente secreto e somente será divulgado se esta for a vontade das partes. […] Economia Financeira e de Tempo: em contrapartida aos processos judiciais que, lentos, mostram-se custosos, os litígios tendem a ser resolvidos em tempo muito inferior ao que levariam se fossem debatidos em Corte Tradicional, o que acaba por acarretar uma diminuição do custo indireto, eis que, quanto mais se alongar a pendência, maiores serão os gastos com a sua resolução. Oralidade: é um processo informal, onde a parte tem a oportunidade de debater os problemas que lhes envolvem, visando encontrar a melhor solução. Reaproximação das Partes: Resolver as pendências através do debate e do consenso tendo como objetivo principal a restauração das relações entre os envolvidos. Autonomia das Decisões: As decisões tomadas pelas partes não necessitarão ser alvo de futura homologação pelo Judiciário. Equilíbrio das Relações entre as Partes: É fundamental que a todas as partes seja conferida a oportunidade de se manifestar e garantida a compreensão das ações que estão sendo desenvolvidas.”
A Mediação pode ser aplicada em uma variedade de conflitos e contextos. Disputas comerciais e Civis, Direito de Família, Direito do Trabalho, na área da saúde, Direito do Consumidor, Direito Ambiental, questões previdenciárias, no ambiente escolar, num contexto societário, questões de vizinhança, condominial, comunitária, políticos, danos pessoais e contratos em geral. Merece destaque a atuação da Mediação no Direito de Família, devido aos conflitos estar imbuídos em fatores de ordem psicossociais e afetivos, podendo ser invocada nos mais diversos casos, como por exemplo, separação, divórcio, dissolução de união estável, cuidados com os mais idosos, adoção, a questão da guarda compartilhada, conflitos entre irmãos e conflitos sucessórios. Sales (2003, p. 72-73) elenca as seguintes vantagens e desvantagens sobre o processo de Mediação:
“Como vantagens do processo de Mediação: a privacidade; a escolha do mediador pelas partes; reflete as preocupações e as prioridades das disputas; é flexível; trata o conflito; busca-se soluções criativas; registra alta taxa de cumprimento das decisões; é relativamente barato. E, como desvantagens, o mediador não tem o poder de obrigar a participação das partes; não tem as devidas salvaguardas processuais, uma parte poderosa pode influenciar o resultado; não produz obrigações legais; não aplica ou desenvolve normas públicas.”
A figura do mediador é de fundamental importância para o bom andamento do processo. O mediador deve primar pela imparcialidade e neutralidade, pois este, simplesmente intermedia as relações das partes, sua função principal é facilitar, restabelecer a comunicação e fornecer condições necessárias para o alcance da melhor solução para a controvérsia. Segundo o mesmo autor (2003, p. 79) o mediador pode ser qualquer pessoa indicada pelas partes ou por órgãos estatais. Deve ser alguém preparado para exercer tais funções e que possua bom senso para o normal desenvolvimento do processo:
“O condutor da Mediação de conflitos é denominado mediador – terceiro imparcial que auxilia o diálogo entre as partes com o intuito de transformar o impasse apresentado, diminuindo a hostilidade, possibilitando o encontro de uma solução satisfatória pelas próprias partes para o conflito. O mediador auxilia na comunicação, na identificação de interesses comuns, deixando livres as partes para explicarem seus anseios, descontentamentos e angústias, convidando-as para a reflexão sobre os problemas, as razões por ambas apresentadas, sobre as conseqüências de seus atos e os possíveis caminhos de resolução das controvérsias.”
Outra habilidade importante pertinente ao mediador é a capacidade de comunicação. O mediador deve adotar um diálogo transformador, ou seja, um diálogo criativo, construtor que venha transformar a relação entre as partes. O mediador deve ser um verdadeiro conselheiro, deve dispor de uma visão geral da realidade das partes, sua forma de vida, educação, cultura, prioridades, meio social em que vivem, profissões e todas as informações necessárias que possam influir no comportamento das pessoas envolvidas no conflito. Segundo Morais (1999, p. 155-156):
“É fundamental que o mediador, o responsável pelo bom andamento do processo, seja hábil, a fim de se comunicar muito bem, sendo capaz de exprimir seus pensamentos de forma simples e clara, porém apurada, e de receber os pensamentos provenientes das partes sabendo interpretá-los de acordo com a intenção de quem os exprimiu. Afinal, é com as informações que recebe das mesmas que o mediador poderá trabalhar a fim de trazer à tona as possíveis soluções do conflito. E, somente se comprovar às partes que sabe ouvi-las e compreendê-las é que estas realmente prestarão as informações necessárias para que possa desenvolver o seu trabalho.”
A Mediação é sem dúvida, um procedimento muito completo, abrangente, moderno e colaborativo que visa a estabelecer ou restabelecer o diálogo entre as partes, para que dela surja a escolha da melhor solução para o conflito estabelecido. No processo de Mediação as partes tendem a ficar satisfeitas com o resultado do acordo, pois foram elas que deram forma e conteúdo ao resultado. Os custos financeiros desta forma de procedimento são sensivelmente menores, se comparados, com o processo judicial. O conflito é solucionado de forma mais ágil e célere, atendendo assim, um clamor da sociedade, que é a rapidez na solução das demandas. A Mediação propicia a manutenção de um bom relacionamento entre os litigantes, fazendo com que a amizade possa ser restabelecida entre as partes conflitadas, pois ao final do procedimento, não existem vencedores e vencidos. Todos são vencedores.
3 Uma proposta de legalização da Mediação no Brasil
A Mediação Brasileira ainda não possui legislação própria que a defina. A Mediação no Brasil existe a mais de 12 anos, quando estrangeiros ou pessoas que conheceram os benefícios do instituto resolveram trazê-la para o nosso país. De antemão, sabe-se que tudo no Brasil necessita de fundamento legal, pois vivemos num país de cultura positivista. Apesar da Mediação, estar se difundindo progressivamente, os legisladores sentem a necessidade de criar uma lei que a fundamente.
Já tramitaram dois Projetos de Lei no Congresso Nacional, para regulamentar a Mediação. O primeiro de autoria da Deputada Zulaiê Cobra, é o Projeto de Lei nº 4.827, de 1998 (BRASIL, 2007), “que institucionaliza e disciplina a Mediação como Método de Prevenção e Solução Consensual de Conflitos”. Com apenas sete artigos, de forma concisa e clara, o Projeto de Lei 4.827/98, asseverava o que é a Mediação (art. 1º), quem pode ser mediador (art. 2º), Mediação judicial ou extrajudicial (art. 3º), Mediação endoprocessual (art. 4º), acordo como título executivo judicial (art. 5º), Audiência de Tentativa de Conciliação (art. 6º) e a publicação da lei (art. 7º).
O segundo projeto proposto em 2001 (BRASIL, 2007), do Instituto Brasileiro de Direito Processual, presidido pelos juristas Kazuo Watanabe e Ada Pelegrini Grinover e aclamado como adequado pela Ordem dos Advogados do Brasil, “institui e disciplina a Mediação paraprocessual como mecanismo complementar de solução de conflitos no Processo Civil”. Previa o projeto de lei em questão que os mediadores serão obrigatoriamente advogados, com pelo menos dois anos de experiência, formados e selecionados pela Ordem dos Advogados do Brasil. Tais profissionais receberão honorários fixados segundo o valor atribuído à causa e pagos pelo autor. (TARGA, 2004).
Contudo, está em vias de aprovação, o Projeto de Lei que tramita no Congresso Nacional: o Substitutivo (PLC 94/02), de autoria do Senador Pedro Simon (PMDB-RS), que institui a Mediação como método de prevenção e solução consensual de conflitos na esfera civil. O Substitutivo PLC 94/02 é fruto da fusão de duas propostas já existentes: o Projeto de Lei 4.827/98, de autoria da deputada Zulaiê Cobra e o Projeto do Instituto Brasileiro de Direito Processual, presidido pelos juristas Kazuo Watanabe e Ada Pelegrini Grinover. O primeiro Projeto procura oficializar e instituir a Mediação no Brasil de forma genérica, ao passo que o outro pretende instituir e disponibilizar a Mediação nos Tribunais, prévia ou incidentalmente. (SCRIPILLITI e CAETANO, 2004). Segundo Braga Neto (2006, p. 01), presidente do Conselho Administrativo do IMAB (Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil):
“Em termos de inovação na legislação é a primeira vez que está se colocando a possibilidade de implementação do diálogo dentro do processo judicial. Existem experiências, e isto remonta há 2 anos atrás, de alguns tribunais estaduais que têm implementado, não a Mediação, mas a Conciliação. A Conciliação está prevista na legislação, com a possibilidade desse diálogo entre as partes ao longo do processo, tanto em segunda como em primeira instância. Mas isto é feito por iniciativa dos Estados, de forma independente. Em termos de Brasil, isto é uma inovação, porque traz a obrigatoriedade da Mediação dentro do processo judicial. A Mediação passa a ser então um ato processual, mesmo antes de chegar ao juiz da questão. É uma mudança do nosso Código de Processo Civil e de todo o processo judicial. Independente de ser interposta a tentativa de Mediação no início, pode-se encaminhar para a possibilidade de ser sugerida pelo juiz ou pelas partes ao longo do processo, mesmo em segunda instância.”
Em termos de legislação, realmente é uma inovação, para quem ainda não tem essa cultura, ainda, conseqüentemente, vem facilitar o acesso do cidadão brasileiro à justiça. A partir, de uma análise do texto do Projeto de Lei, se pode aludir algumas críticas. No que tange, ao escopo do projeto em questão, nota-se que este tem por fim, o desafogamento do Poder Judiciário, desvirtuando a sua verdadeira finalidade que é a pacificação social, através do diálogo, da cooperação, o acordo se torna resultado natural.
De qualquer forma, o anteprojeto de lei sobre Mediação é uma iniciativa saudável, pois traz à baila a existência de uma opção moderna, inteligente e eficaz para a resolução de disputas e que não envolve adjudicação. Além disso, a discussão da matéria é instigada, despertando o interesse de diversas pessoas preocupadas com o desempenho do sobrecarregado Poder Judiciário. (SCRIPILLITI e CAETANO, 2004). O Projeto original proposto pela Deputada Zulaiê Cobra, ao longo de sua tramitação, foi sendo modificado por interesse de diversas instituições. A seguir, o caminho percorrido do Projeto de Lei até o momento, narrado por Braga Neto (2006, p. 02):
“Em 98, criado o projeto pela deputada Zulaiê Cobra, com sete artigos. Isso tramitou na Comissão de Justiça da Câmara. De 98 a 2002 ele não andou. Em 2002 ele foi aprovado pela Comissão de Justiça e foi aprovado também em Plenário da Câmara. Ele subiu para o Senado, onde ficou sob a relatoria do Senador Pedro Simon. Paralelamente a isso, em 2000, alguns advogados e processualistas se entusiasmaram pela Mediação a partir da experiência Argentina. […] Em 2000, elaboraram um texto que era um Projeto de Lei de Mediação no Brasil. Neste texto estava prevista a Mediação Paraprocessual. Queriam dizer com isto que a Mediação iria ser feita também no âmbito do Judiciário. Aí nasceu a idéia de, como era paraprocessual, isto é, dentro do processo, que somente advogados poderiam ser mediadores. Não havia nenhuma regulamentação para o mediador extrajudicial. Este texto foi tornado público num evento da OAB em dezembro de 2000. […] Na Comissão de Justiça ficou de 2003 a 2006. […] Em 2003, o Ministério da Justiça, fez uma Audiência Pública, pois tinha-se dúvidas a cerca de implementação da lei. […]. Naquela oportunidade os autores daquele projeto inicial de 2000, juntamente com membros que participaram da redação do projeto da deputada Zulaiê, fizeram um texto comum. […] Uniram os sete artigos da deputada e mais os deles e permaneceu a idéia de se criar a Mediação Paraprocessual no âmbito do processo. […] Depois de 2003, uma série de pareceres do Senador mostravam que estava se fazendo modificações no texto.[…] Em 21 de junho de 2006 esse projeto foi para a Comissão de Justiça e no dia 12 de julho foi aprovado no Plenário do Senado. Como houve alteração substancial do texto, esse projeto tem que voltar para a Câmara para poder ser aprovado e implementado.”
Até o momento, foi percorrido um longo caminho, praticamente dez anos, inúmeras modificações e sugestões foram incorporadas ao anteprojeto. No entanto, o Projeto de Lei ainda não se encontra aprovado e conhecendo o Poder Judiciário Brasileiro a tendência é ainda demorar. Fazendo uma breve ressalva, ao péssimo desempenho de nossos legisladores, parece que o Congresso só aprova o que lhe traz vantagens financeiras e merecimentos e não pensa no povo. Faz-se necessário a aprovação urgente dessa nova Lei, pois ela traz inúmeros benefícios, apresentando ao povo brasileiro, mais uma opção, para a resolução de seus conflitos.
O anteprojeto é significante para o cidadão brasileiro, pelo seu impulso sócioeducacional e pela mudança cultural, no que tange, ao tratamento dos conflitos interpessoais. A sociedade brasileira, historicamente, vê a sentença judicial como única saída na decisão de conflitos. O presente plano tem como objetivo divulgar que existe outra forma mais apropriada de se lidar com conflitos, e que pode ser intentada pelo próprio cidadão.
No texto do Substitutivo, ainda se fala em Mediação prévia e incidental. Vale a pena frisar que a Mediação prévia se dá antes do processo e a incidental, logo após da entrada da petição inicial ao juízo. Neste raciocínio, à luz do projeto de lei, a Mediação incidental ficará da seguinte forma: quando o advogado propuser a ação, peticionando ao juízo, a documentação passa pela distribuição, vai para o juiz e em seguida para o mediador que é incumbido de chamar as partes, de forma obrigatória, fazendo com que este chamamento seja considerado um ato processual, sob pena de revelia.
Pela proposição em debate, os mediadores deverão ser apenas advogados com no mínimo três anos de experiência, conforme art. 11 do Substitutivo PLC 94/02 e devem estar devidamente cadastrados no Registro de Mediadores. E eis a polêmica, a Mediação poderá ser exercida apenas por advogados? Inversamente à posição dos legisladores, Caetano (2002, p.113) discorda e comenta que a Mediação requer vários conhecimentos em diferentes áreas afins:
“Há uma complexidade de ciências que importam ao estudo e prática da Mediação. […] São necessários conhecimentos de psicologia. O mediador tem de entender e administrar os conflitos subjetivos, as emoções, interesses das partes, etc. Na área de Direito de Família, os conhecimentos de psicologia e terapia são de tal ordem que os psicólogos e terapeutas com vivência na área, e os advogados com grande experiência, deveriam ser designados para mediadores nos conflitos familiares. Não se devem olvidar os aspectos da sociologia. O mediador tem por dever conhecer o meio ambiente em que vivem e trabalham seus mediados, isto é, sua realidade socioeconômica para a perfeita compreensão e extensão do conflito. Há de se conhecer a teoria das decisões, fazendo-se uso da eqüidade, em como ter boas noções ou mesmo formação em Direito, por sua indissolubilidade com os fatos da vida em sociedade. Onde há vida, está o Direito […].”
Do ponto de vista geral, a Mediação é uma função interdisciplinar e demanda um conhecimento não apenas jurídico, mas psicológico, sociológico, terapêutico, comunicativo, afetivo e negocial. Não há como ocultar as demais ciências, pois o conflito será um tanto melhor resolvido por mediadores, que tenham vivência, competência e conhecimento acerca da matéria a ser debatida, não importando se é psicólogo, médico ou advogado.
Outro grande avanço do Substitutivo é a implementação do sistema que ocorre com bons resultados nos Estados Unidos, na Argentina e na Europa, o Sistema Multiportas. Segundo Braga Neto (2006, p. 5):
“Quando se der entrada na petição inicial e ela for distribuída para o mediador e não for solucionada a questão, o mediador vai encaminhar ao juiz. Caberá ao juiz, como ainda não está totalmente formatado o processo, indicar mais duas opções: a Arbitragem e a Avaliação Neutra. No caso da Arbitragem, é um terceiro que vai decidir e no caso da Avaliação Neutra, que é um outro método, é uma pessoa, normalmente um especialista na matéria, que faz uma avaliação, um tipo de laudo. Esse laudo fica com o avaliador. Instaura-se o procedimento de Mediação, de comunicação entre as partes. Se chegarem a um acordo, a questão fica encerrada. Porém, se não chegarem a um acordo, a avaliação torna-se a decisão da questão. Esse procedimento é muito utilizado nos Estados Unidos e que está começando a ser implementado no Brasil.
O Sistema Multiportas está previsto no art. 43 parágrafo 3º e 4º do Substitutivo PLC 94/02, prevendo a utilização da Arbitragem e da Avaliação Neutra, como finalidade exclusiva a de orientá-las na tentativa de composição amigável do conflito. O Sistema Multiportas, prevê a integração em um único local, e de vários modos de processamento dos conflitos, tanto judiciais como extrajudiciais. Desse modo, o Tribunal Multiportas englobaria vários tipos de procedimento concentrados em um verdadeiro centro de Justiça, organizado pelo Estado, no qual as partes podem ser direcionadas à porta adequada para cada litígio. (SIFUENTES, 2006).
A formação e a seleção de mediadores serão feitas por meio de cursos específicos sob a responsabilidade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do Tribunal de Justiça, da Defensoria Pública e das instituições especializadas em Mediação devidamente cadastradas, conforme art. 15 do Substitutivo PLC 94/02. Outro problema: no Brasil, não tem cursos preparatórios. Como ponto de partida, é preciso conscientizar as universidades da necessidade de inclusão da Mediação nos currículos escolares, ainda, buscar apoio junto à OAB e instituições especializadas para a efetivação de treinamentos específicos, pois não existem cursos nessa área.
O atual anteprojeto é uma iniciativa louvável e respeitável. O texto do Substitutivo PLC 94/02 pode ser aprimorado ainda mais num futuro próximo, para proporcionar meios ainda mais eficazes de obtenção da justiça, que esteja presente a praticidade e a agilidade. No entanto, o primeiro passo é a disseminação do Instituto da Mediação, fazendo com que juízes e advogados, fiquem mais sensibilizados com a Mediação. Serão necessários treinamentos aos serventuários da Justiça e aos Advogados, a inclusão da temática em universidades e currículos e a aprovação do Projeto de Lei. Somente assim, assistiremos ao surgimento de uma nova cultura, a Mediação, nas academias, nos tribunais, na advocacia, enfim, em todos os segmentos de atuação prática dos profissionais de Direito.
4 CONCLUSÃO
Como se pode notar, a Mediação é uma atividade técnica em que as partes interessadas escolhem ou aceitam em comum acordo pessoas neutras, pacíficas para a solução do litígio, onde estes irão orientar orienta-las, com o propósito de chegar a uma melhor solução para o conflito de interesses. São as partes que controlarão o resultado do processo, com a facilitação do mediador. No processo de Mediação não há vencedor nem vencido, há sim, a pacificação efetiva das partes em conflito, pois o resultado será fruto das suas vontades.
O Instituto da Mediação não deve ser encarado apenas como uma forma de melhorar e desafogar o Poder Judiciário, que carece de recursos humanos e materiais, mas como uma forma mais adequada de solucionar o conflito de interesses e de facilitar o acesso à Justiça. A Mediação não deveria ser vislumbrada apenas como um sistema alternativo de solução de litígios, mas como um sistema natural de solução de conflitos.
Enquanto o Substitutivo (PLC 94/02), Projeto de Lei sobre a Mediação brasileira não for aprovado, caberá necessariamente aos juízes, a divulgação e o encaminhamento das ações propostas para os métodos alternativos, quando os casos não forem muito complexos e quando há possibilidade de transação, beneficiando assim, exclusivamente as partes, fazendo com que estas, cheguem a um consenso antes mesmo do conflito chegar às vias judiciais.
Portanto, tem-se um longo caminho pela frente, é imprescindível a disseminação da técnica da Mediação, a conscientização do povo brasileiro da importância dos métodos alternativos, o treinamento especializado para Juízes, Advogados e demais profissionais de todas as áreas, a inclusão do tema em universidades e currículos e a aprovação do Projeto de Lei pelo Congresso Brasileiro. Desse modo, buscar-se-à o escopo básico da Mediação, que é a pacificação social das relações humanas, através de métodos humanísticos, onde as pessoas em conflito se tornam agentes dos seus próprios destinos.
Informações Sobre o Autor
Zuleica Maria Meurer
Bacharel em Direito Ulbra Carazinho