SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. O crime organizado na lei nº. 9.034/95 e na
Itália; 3. O sistema de
inteligência na Lei nº. 9.883/1999; 4. Inteligência
policial – Em busca da integração e sistematização; 5. Conclusão – Referências bibliográficas.
PALAVRAS-CHAVE:
crime organizado, combate, repressão, meios operacionais, sistema de
inteligência, compartimentação, sigilo, secretismo, integração.
1. INTRODUÇÃO
A
criminalidade organizada, que no Brasil tem seu berço, de acordo com grande
parte dos historiadores, profissionais de segurança pública, de comunicação e
estudiosos do tema, nos presídios, em destaque o Instituto Penal Cândido
Mendes, na Ilha Grande, Rio de Janeiro, tem avançado de forma significativa.
Nos
últimos cinco anos, com inúmeras rebeliões de presos coordenadas
simultaneamente e assassinatos de policiais, o crime organizado mostrou de onde
surgem os comandos criminosos e terroristas: dos presídios. Comandam, traficam,
matam, roubam, fazem “leasing” de armamento pesado, escambo de drogas por
armas, criam “sites” criptografados, tanto com o objetivo de obter vantagem
econômica ou material indevida como para demonstrar controle e domínio pela
difusão do medo, com fechamento de comércio local, eliminação de agentes
públicos e seus familiares e facções rivais.
Nesse
contexto, vislumbra-se a imperiosidade da edição de instrumentos legislativos
que instrumentem o Estado na reversão do grave quadro delineado.
2. O CRIME ORGANIZADO NA LEI Nº. 9.034/95 E NA ITÁLIA
A Lei nº.
9.034/95, que trata do crime organizado, traz os principais meios operacionais
para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas.
Há vários
instrumentos elencados, como a “ação controlada”, o acesso a dados fiscais,
bancários, financeiros e eleitorais, a captação e a interceptação ambiental e a
infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de
investigação.
Na
Itália, de onde adaptamos o Regime Disciplinar Diferenciado, há a Polícia
Penitenciária (Corpo dei Polizia Penitenziaria), antes vinculada ao Ministério
do Interior, hoje ligada ao Ministério da Justiça italiano, pelo Departamento
de Administração Penitenciária e criada pela Lei nº. 395, de 15.12.90.
Posteriormente, em 1997, foi criado um grupo especializado, na estrutura
citada, o “Gruppo Operativo Mobile” (GOM) da “Polizia Penitenziaria”, com
atribuições relacionadas a fazer frente à exigência derivada da gestão de
detentos integrantes de organizações criminosas.
E, ainda,
na Itália, além do “pool” de magistrados existente desde a década de 80, temos,
a partir do mês de dezembro de 1991, a experiência de integração entre as
diversas polícias que compõem uma central de serviços de inteligência, cuja
direção é revezada entre integrantes indicados de cada uma das corporações que
integram a DIA – “Direzione Investigativa Antimafia”, sob a supervisão do
Ministério do Interior italiano.
Da
experiência italiana, cujos precedentes de crime organizado muito se assemelham
com escândalos recentes, no Brasil, como a máfia do apito, superfaturamento de
licitações, exigência de vantagem indevida, corrupção, extorsão e financiamento
de campanhas eleitorais, tiramos a conclusão da necessidade não apenas de
especialização de estrutura no Poder Judiciário, Ministério Público e Polícia,
no combate ao crime organizado, como utilização de meios eficazes na sua
repressão, como a “ação controlada”, delação premiada, sistemas de inteligência
interligados entre os diversos órgãos estatais competentes, dentre outros.
Uma área
na qual investimentos, integração, suporte legislativo e especialização no
combate ao crime organizado são imprescindíveis e nunca serão suficientes é o
setor de inteligência das diversas unidades estatais.
3. O SISTEMA DE INTELIGÊNCIA NA LEI Nº. 9.883/1999
Para
alcançar um padrão de excelência na utilização dos meios operacionais da Lei
nº. 9.034/95, é necessário que haja um tratamento adequado da informação,
posteriormente transformada em conhecimento, inteligência e ação, com acesso às
mais diversas ferramentas tecnológicas. Sempre é necessária a transformação de
informação (dados não tratados), para o alcance do conhecimento estratégico,
conhecimento esse buscado, inclusive, por empresas para conquista de mercados,
pelo que se chama “inteligência competitiva” e “gestão de informação”.
No
ordenamento jurídico brasileiro, a oficialização de um sistema de inteligência
de âmbito nacional para tratamento de informação de cunho estratégico foi
tardia e não acompanhou diversos modelos europeus, como o italiano, por
exemplo. Pela Lei nº. 9.883/1999 foi instituído o Sistema Brasileiro de
Inteligência e criada a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN.
É no art.
1º, § 2º da Lei nº. 9.883/1999 que encontramos a definição de atividade de
inteligência, nos seguintes termos:
Ҥ 2o
Para os efeitos de aplicação desta Lei, entende-se como inteligência a
atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos
dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou
potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre
a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado.”
O
Departamento de Polícia Federal – DPF integra o Sisbin, através da Diretoria de
Inteligência Policial – DIP, que integra o seu Conselho Consultivo.
Houve um
hiato na atividade de inteligência do Estado com a extinção do SNI – Serviço
Nacional de Informações, no período Collor e a criação do Sisbin e posterior
edição do seu decreto regulamentador, o Decreto nº. 4.376/2002. Com a extinção
do SNI, foi criada a Secretaria de Assuntos Estratégicos – SAE, com atribuições
repartidas entre o Departamento de Inteligência, o Centro de Formação e
Aperfeiçoamento de Recursos Humanos – CEFARH e Agências Regionais.
4. INTELIGÊNCIA POLICIAL – Em busca da integração e sistematização
O viés de
inteligência policial e não apenas de inteligência de Estado sofreu alguns
tropeços ocasionados pela frágil perspectiva ética, em tempos não tão remotos,
para retornar ao seu leito natural de obtenção de informações em nível
estratégico decisório, voltada para o combate ao crime organizado.
Anota
JOANISVAL GONÇALVES (2005):
“De fato, é difícil discordar da relevância da atividade de
inteligência na defesa do Estado e da sociedade. Entretanto, evidencia-se o
grande dilema sobre o papel da inteligência em regimes democráticos: como
conciliar a tensão entre a necessidade premente do segredo na atividade de
inteligência e a transparência das atividades estatais, essencial em uma
democracia?[1]
Associada a essa questão, outra preocupação surge, sobretudo
nas sociedades democráticas que viveram, em passado recente, períodos
autoritários: como garantir que os órgãos de Inteligência desenvolvam suas
atividades de maneira consentânea com os princípios democráticos, evitando
abusos e arbitrariedades contra essa ordem democrática e contra os direitos e
garantias fundamentais dos cidadãos[2]?
A maneira como determinada sociedade lida com o dilema
transparência versus secretismo, em termos de procedimentos e atribuições dos
serviços de Inteligência, é um indicador do grau de desenvolvimento da
democracia nessa sociedade[3].”
A escola
tradicional de Inteligência alterou seus paradigmas, no campo policial, a
partir das novas necessidades de obtenção e tratamento de dados voltados não
mais para a formação pura e simples de dossiês contra supostos inimigos do
Estado ou relacionados às atividades de interesse dos governantes. A moderna
escola de inteligência busca a satisfação intransigente das necessidades do
povo brasileiro, no campo estratégico, decisório de políticas públicas do
Estado e de segurança pública.
Para ROBSON
GONÇALVES[4]:
“O Estado é, em sua essência, cercado pelo
secreto, faz parte das ações de governo, da manutenção da soberania e da
obtenção de vantagens estratégicas para o país esse manto de proteção às informações ditas de “segurança nacional” e a
busca por informações que possam revelar ameaças ou oportunidades ao País.
Desta forma, o Estado não pode prescindir dos serviços de Inteligência, pois
estes produzem o conhecimento necessário à tomada de decisões e trabalham na proteção
destas informações, impedindo que elementos de Inteligência adversos
comprometam os interesses nacionais.
A natureza secreta das atividades de
Inteligência permite que muitas vezes sua missão seja desvirtuada. Estados
totalitários utilizam-se das ferramentas de Inteligência, dos conhecimentos
obtidos e dos cenários projetados para “jogos de poder” e para auferir
vantagens pessoais para seus governantes. Nas democracias, mecanismos de controle são criados para impedir o uso político dos
serviços de Inteligência, porém nem sempre estes controles são efetivos e a
frágil barreira ética que impede seu mau uso é constantemente rompida.”
(Negritou-se).
Note-se
que há uma diferença entre a atividade de inteligência de Estado e a atividade
de inteligência policial. Enquanto a primeira prima pelo assessoramento das
autoridades de Governo, no processo decisório, a segunda busca a produção de
provas da materialidade e da autoria de crimes. A Inteligência Policial é, em
suma, voltada para a produção de conhecimentos a serem utilizados em ações e
estratégias de polícia judiciária, com escopo de identificar a estrutura e
áreas de interesse da criminalidade organizada, por exemplo.
A
inteligência policial, na área de segurança pública, como dito, deve estar
voltada, especialmente, para a produção de prova criminal, a ser utilizada em
ação penal cujo caráter é público contra organizações criminosas. É preciso,
para que não se distancie desse norte, reconfigurar o papel da inteligência
policial quanto ao seu desempenho, sua ação, em um contexto democrático, suas
possibilidades e limites, bem como as formas de sistematização e armazenamento
dos dados respectivos.
Nesse
cenário, a Polícia Federal tem na prática da atividade de inteligência o
carro-chefe de seu trabalho, já alicerçado em pilares democráticos e exercido
nos limites legais, como o do art. 6º da Lei nº. 9.296/96 que dispõe sobre a
comunicação e acompanhamento pelo Ministério Público, nos casos de
interceptação telefônica, precedida de autorização judicial fundamentada (art.
5º).
Para
aprimoramento dos sistemas de inteligência e de combate ao crime organizado, o
Estado tem que promover o compartilhamento de dados com estabelecimento de
canais formais. Há bancos de dados institucionais da Polícia Civil, Polícia Rodoviária
Federal, Polícia Militar, Exército, Marinha, Aeronáutica, ABIN, Detran, bancos
de dados policiais das delegacias especializadas em lavagem de dinheiro,
imigração ilegal, assalto a banco e, ainda, os não-policiais como os da Receita
Federal, Dataprev/INSS, CNIS, mas os setores responsáveis pelo gerenciamento
dos dados respectivos não interagem, o que gera uma enorme quantidade de dados
perdidos e pouco trabalhados. Outro fator preocupante é a perda do conhecimento
quando o detentor do banco de dados não providencia uma interface amigável de
comunicação com outros cadastros e quando um policial interessado monta sua
própria base de dados, com dedicação própria exclusiva e amor ao que faz, na
ausência da iniciativa governamental, sem que o Estado se preocupe com a sua
continuidade.
Mas é
possível vislumbrar iniciativas muito oportunas que tentam mudar o rumo sombrio
que se aproxima.
O novo
passaporte brasileiro permitirá a disponibilização de um banco de informações
nacional com os dados principais dos usuários de transporte aéreo
internacional, em trânsito no país. Com nova roupagem, permitirá o registro
imediato, em sistema informatizado, da entrada e saída de brasileiros e
estrangeiros do território nacional, além de registrar, por código de barras bidimensional,
a fotografia do passaporte.
Na
reunião da ENCLA 2006 – Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro e
de Recuperação de Ativos, realizada na cidade de Vitória/ES nos dias 08 a 11 de
dezembro de 2005, foram traçadas metas a serem cumpridas justamente no tocante
à criação e consulta de base de dados intergovernamentais. Citamos as seguintes
metas:
–
elaborar documento que regulamente o acesso dos Ministérios Públicos Estaduais
às informações protegidas por sigilo fiscal;
–
apresentar relatório sobre a possibilidade de informatizar o acesso do Poder
Judiciário, do Ministério Público Federal e do COAF às informações da
Secretaria da Receita Federal;
– propor
medidas para aperfeiçoar a proteção de informações sigilosas;
–
elaborar projeto para aprimorar a cooperação jurídica internacional nas áreas
de fronteira;
–
implantar sistema unificado e nacional de cadastramento e alienação de bens,
direitos e valores sujeitos a constrição judicial, até sua final destinação;
–
elaborar anteprojeto de lei complementar para incluir no art. 198 do Código
Tributário Nacional o acesso a informações fiscais pela autoridade policial, em
procedimento de investigação instaurado;
–
regulamentar a Lei de Registros Públicos para fins de integração e
uniformização de bases de dados;
– obter
acesso integrado aos dados das Juntas Comerciais para os membros do GGI-LD;
– recriar
base de dados de saída e entrada de brasileiros do território nacional;
– obter
do Ministério das Comunicações e da ANATEL a elaboração de cadastro nacional de
assinantes de telefonia fixa e móvel e de Internet;
–
completar a primeira fase da integração do acesso ao conteúdo das bases de
dados patrimoniais, incluindo, pelo menos, as bases de veículos terrestres,
aeronaves e embarcações.
Portanto,
ainda há possibilidade de se reverter a restrição de acesso ao manancial de
informações de inestimável valor para a atividade investigatória e de
inteligência da Polícia Federal, desde que sejam revistos os métodos de gestão
do conhecimento capazes de organizar e sistematizar um fluxo pelo qual as
informações possam não apenas chegar a todos os que tenham interesse por elas,
mas estar disponíveis para consulta e uso quando for o caso.
Reconheça-se,
por justiça, que esse é um problema que, no Brasil, perpassa todo o sistema de
segurança pública, cujas polícias encontram-se, no geral, e de imediato, mais
preocupadas em resolver o crônico problema de sucateamento e baixa remuneração
de que são vítimas, não tendo nem mesmo tempo para produzir, de modo aceitável,
conhecimento passível de armazenagem e utilização.
5.
CONCLUSÃO
Como bem
assevera o emérito professor e Delegado de Polícia Civil CELSO FERRO:
“A sobrevivência das organizações
contemporâneas depende cada vez mais da capacidade de se construir um modelo de
gestão do conhecimento, com estratégia, estrutura, decisão e identidade, apto a
responder a um contexto cada vez mais complexo e instável da sociedade.”
É
incontestável e premente a maior interação entre os órgãos internos do
Departamento de Polícia Federal, outros órgãos policiais e de segurança do
Estado, com a mitigação da exacerbada compartimentação, com a comunicação em
tempo real de possíveis ameaças ao Estado e neutralização de ações criminosas.
Ainda é
recente, nas nossas memórias, o atentado terrorista do “World Trade
Center”, em Nova Iorque, referido no meio policial especializado como
“nine-eleven”, debitado à falta de comunicação do FBI (“Federal Bureau of
Investigation”) com o Serviço de Imigração e CIA (“Central Intelligence
Agency”), quanto à presença de terroristas em solo norte-americano e seus
treinamentos em escolas de aviação, arquitetados sob o codinome de “Projeto
Bojinka”. Obviamente, além da falha de difusão, é possível que o poder ofensivo
das células terroristas tenha sido subestimado[5].
É pela
efetiva cooperação entre as agências intergovernamentais, em sentido amplo,
mitigação do secretismo oficial, investimento maciço em recursos tecnológicos e
na área de inteligência, que podem ser desencorajadas ações recentes do PCC,
que ocorrem desde 1997 (no ano de 2002: uma onda de mais de 40 rebeliões no
Estado de São Paulo, no mês de maio/2006: 299 ataques, 82 rebeliões
carcerárias, a nível nacional e simultâneas, 42 agentes públicos assassinados;
no mês de julho/2006: 106 ataques, 6 agentes penitenciários assassinados) e das
bases do crime organizado e das organizações terroristas que poderiam e podem
ser suplantadas e implodidas, minimizando-se perdas e maximizando-se as ações
dos órgãos de segurança pública.
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NONAKA, Ikujiro e outros. Facilitando a
criação de conhecimento. Ed. Campus.
Notas:
[1] Although secrecy is a necessary
condition of the intelligence services’ work, intelligence in a liberal democratic
state needs to work within the context of the rule of law, checks and balances,
and clear lines of responsibility. Democratic accountability, therefore,
identifies the propriety and determines the efficacy of the services under
these parameters.” Born [2004]: 4.
[2] Thomas Bruneau. “Intelligence and
Democratization: the Challenge of Control in New Democracies”. The Center for
Civil-Military Relations – Naval Postgraduate School, Monterey California –
Occasional Paper # 5 [March, 2000]: pp. 15-16.
[3] Peter Gill. Policing
Politics: Security and the Liberal Democratic State [London: Frank Cass, 1994].
Informações Sobre o Autor
Rodrigo Carneiro Gomes