Passados dois meses, cabe criticar
as recentes inovações processuais introduzidas pelo Poder Executivo no Código
de Processo Civil. Tratam-se de duas monstruosidades jurídicas, postas
exatamente para corromper o Estado de Direito e desmoralizar o já muito desprestigiado
Poder Judiciário Brasileiro. Sem sofrer críticas, no dia 09 de maio de 2006,
entraram em vigor as Leis 11.276 e 11.277 que criaram, respectivamente, as
inconstitucionais figuras da “Súmula Impeditiva de Jurisdição” e da “Sentença
Impeditiva do Contraditório”.
A Constituição Brasileira, entre
outros, assegura a todos cidadãos e empresas brasileiras que o nosso Estado
Democrático de Direito é construído sob a segurança da existência independente
dos Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo. Além destes direitos
indisponíveis, nossa Carta Maior proclama ser inviolável o Direito de nunca ser
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão por força de sentença
transitada em Julgado, proferida nos autos de um Processo Judicial onde sejam
assegurados os Direitos a Defesa e a Revisão de cada decisão por mais de um
Grau de Jurisdição, ou seja, por mais de um juiz e/ou tribunal.
Em contrapartida, o Poder Judiciário
Brasileiro, que deveria ser soberano, independente, ágil e autônomo, para poder
garantir estes direitos constitucionalmente assegurados, encontra-se engessado
e embrulhado em milhões de processos onde o Estado é Réu ou interessado, ou ao
menos foi quem causou distorções sociais e/ou jurídicas que levaram a
instauração destes milhares de processos.
Milhões são os processos de
discussão de tributos ilegalmente impostos. Milhões são as ações contra INSS e
planos de aposentadoria e previdência dos Estados e Municípios, ocasionadas
pelos afrontosos desmandos federais.
Milhões são as ações contra bancos
em razão do endividamento privado provocado por desastrosa gestão da economia.
Milhares são as ações ajuizadas contra empresas de telefonia pela implantação
desorganizada do processo de privatizações e fiscalização do antigo sistema
Embratel. Agora, por exemplo, centenas são as ações ajuizadas contra empresas
de aviação, que são movidas pelo simples fato do Poder Executivo não ter
fiscalizado e organizado os serviços concedidos de viação aérea. E estes
exemplos podem ser analisados sob o prisma de mais de uma dezena de
escandalosos casos nacionais que agora não são trazidos à lembrança, mas que
com certeza também levaram e levam as empresas e os cidadãos ao ajuizamento de
milhares de outras ações judiciais.
Dados reais informados pelo IEDC –
Instituto de Estudos dos Direitos do Contribuinte, asseguram que 60% dos
processos judiciais hoje sob o exame do Poder Judiciário estão diretamente
ligados a má Gestão Administrativa e Legislativa encaminhadas pelo Poder
Executivo. Este fato prova que o problema de justiça no Brasil não esta dentro
do Poder Judiciário, ou na Legislação Processual que garante o Direito a
Defesa, ao contraditório, ao Devido Processo Legal ou ao Duplo Grau de
Jurisdição. O problema esta em punir mal o Poder Executivo e seus Gestores,
Presidentes, Ministros, Governadores, Prefeitos, Secretários de Estado e de
Municípios e Diretores de Empresas controladas pelo Estado ou que ocupem a
prestação de serviços concedidos ou regulados por órgãos de Estado.
Aceitar alterações nas regras do
processo judicial sem alterar as verdadeiras causas que justificam a existência
dos litígios, só serve para favorecer aquele que figura como Réu nos milhões de
processos que estão sob os cuidados do Poder Judiciário. O Poder Executivo é
causa e efeito do problema.
Toda a vez que o Poder Executivo,
sob a alegação de querer acelerar e simplificar os mecanismos dos processos
judiciais, alterar lei de natureza processual ou de garantia de direitos,
estar-se-á corrompendo-se a Soberania, a Autonomia e Independência do Poder
Judiciário, enfraquecendo sua missão independente de Poder de Controle do
Estado.
Não basta ao Executivo, as milhares
de Medidas Provisórias que utiliza para usurpar as atividades do legislativo.
Não bastam os “mensalões” , as trocas de favores orçamentários e de nomeações
para subjugar a vontade do Poder Legislativo. Há ainda a necessidade ditatorial
de aniquilar o Poder Judiciário. Este objetivo fica claro quando constatamos
que o Poder Executivo pode nomear até todos os Ministros do Maior Tribunal
Nacional. Não bastasse isto, o Poder Executivo também, nomeia os Ministros e
Juízes de todos os Tribunais de Contas, órgãos do Judiciário que deveriam
fiscalizar as contas do Executivo. Não bastasse isto, ainda foi o Executivo que
impôs a criação do Controle Externo dos demais poderes, esquecendo de assegurar
soberania aos órgãos e poderes que o controlam.
Portanto, a lei 11.276/06 que criou
a Súmula Vinculante com o escuso e inconstitucional objetivo de subtrair o
poder de julgar do juiz natural de primeiro grau e subtrair o devido processo
legal que assegura o ordenado, sistemático e individual reexame pelas
instâncias superiores, substituindo o Poder Judiciário por Súmulas Pré-Julgadas
como se Remédios Genéricos fossem, é forma disfarçada de subjugar o já
enfraquecido e desprestigiado Poder Judiciário.
Igualmente acontece com a Lei 11.277
que criou a “Sentença Proibitiva de Contraditório” que insanamente fez nascer
uma regra onde ao juiz singular é facultado poder julgar o mérito de um processo
sem sequer haver citação do Réu. É como, por exemplo, um juiz singular julgar
um processo que você moveu contra Banco do Brasil, alegando que já viu e julgou
uma ação parecida contra a Caixa Econômica Federal, motivo pelo que encerra a
discussão sem precisar sequer ouvir o Banco contra quem o cidadão ou empresa
move a ação. Com esta “brilhante” inovação processual, ao juiz é autorizado,
após ter recebido o seu processo, julgá-lo como receituário de genérico,
excluindo o Direito ao Devido Processo Legal, da certeza da efetivação do
contraditório e até excluindo a necessidade de citação do Réu. Que país é este?
No Brasil, nossa carta política
prevê a independência dos poderes e ainda acrescenta a figura do juiz natural,
do direito ao contraditório e do direito ao devido processo legal, sempre
observado o duplo grau de jurisdição.
Neste diapasão o juiz natural é a
garantia de que, dentro do Poder Judiciário, não se poderá escolher o órgão
julgador ao bel prazer dos interessados na manifestação jurisdicional. O Poder
Judiciário posta-se com regras próprias, principalmente normas de competência.
Independente da vontade dos
cidadãos, e principalmente da vontade dos outros dois Poderes de Estado
Constituídos, Executivo e Legislativo, a Constituição estabelece regras
pré-existentes que vinculam o Juiz Natural ao fato, afastando qualquer tipo de
condução prévia da jurisdição, e assim protegendo a característica de
independência necessária ao exercício do Poder de Controle próprio.
Portanto, fica a pergunta que não
quer calar… Até quando nossas instituições sociais deixarão o poder
executivo infiltrar-se na soberania e independência constitucional assegurada
ao poder judiciário?
Informações Sobre o Autor
Édison Freitas de Siqueira
Prof. de Direito Comercial Titulado pela Faculdade de Direito Ritter dos Reis; Certificado como Professor Palestrante pela Universidade Federal do RS, Certificado como Professor Palestrante pelos Conselhos Fed. de Contabilidade e Conselho Reg.de Contabilidade do RS, Certificado como Prof. Palestrante pela Univers. Fed. de Santa Maria, Certificado como Prof. Palestrante da IX Jornada Internacional de Dir., Titulado Membro do Corpo Diplomático Estrangeiro no Brasil por Exequator do Mini. das Rel. Exteriores do Brasil, Cônsul “Ad Electi” da Sérvia e Montenegro, Pós-Graduado em Proc. Civil pela Escola Superior de Advocacia do RS e Pós-Graduado em Dir. do Trabalho pela PUC-RS, Adv. Tributarista, Autor do Anteprojeto do atual Proj. de Lei do Código de Defesa do Contribuinte, autor dos Livros: 1)Débito Fiscal – Análise Crítica e Sanções Políticas; 2) Cuestiones Tributarias Brasileñas; 3) Political and L egal Analysis of Fiscal Debit in Brazil; 4)Um Outro Lado – Crônicas Sociais e Políticas; Presidente da Édison Freitas de Siqueira Advogados Associados s/s & Fundação Freitas de Siqueira – Pró-Social e Pró-Estado de Direito. Fundador e Presidente do IEDC – Instituto de Estudos dos Direitos do Contribuinte. Cidadão Emérito de Porto Alegre. Home page: www.edisonsiqueira.com.br – E-mail: [email protected]