Os delitos de lavagem de dinheiro
consumam-se já no momento em que o agente pratica uma ação que envolva
“ocultar” ou “dissimular” a natureza, origem, localização, disposição,
movimentação ou propriedade do bem, direito ou valor. Não é possível exigir-se
para a consumação, evidentemente, que o agente cumpra todas as etapas da
lavagem – “colocação – ocultação e integração”. Não será somente com a
“integração” que o crime será consumado, mas sim, simplesmente, já através de
qualquer primeiro ato de “colocação”. Nestes termos, uma só, ou a primeira
transferência de valores obtidos pelo tráfico de entorpecentes, será ação
criminosa suficiente à configuração do crime, ainda que venha seguida de
inúmeras outras transações bancárias. Em outras palavras, não é possível
exigir-se a demonstração de toda a trilha do dinheiro, bastando apresentar a
primeira transação financeira, até porque isso seria tornar a lei inaplicável,
tanto em razão da complexidade de determinados mecanismos de lavagem,
envolvendo inúmeras e variadas etapas, como também exigiria mais tempo do que o
possível para a apuração completa. E não é esse o espírito da lei. A lei
pretende que sejam punidos exatamente os agentes mais graduados e de maior
periculosidade dos processos de lavagem, justamente os que desenvolvem a
atividade de forma mais complexa, e não aqueles que executam simples operações,
mas que também podem configurar os crimes.
Importa, entretanto, sobremaneira, a
caracterização do elemento subjetivo do tipo – o dolo específico. Deve haver indícios
suficientes de que o agente efetivamente pretenda “ocultar” ou dissimular”, e
não somente “guardar”, o provento do crime.
Assim se o agente recebe R$ 1 mil em
dinheiro de, por exemplo, corrupção, e o gasta em roupas ou restaurantes, o
mesmo o deposita em sua conta bancária com o mero intuito de em seguida
usufruir, ou gastá-lo, não terá agido com o elemento subjetivo do tipo. A falta
do dolo específico desfigura a prática do crime de lavagem de dinheiro. Se, ao
revés, apanha o dinheiro e deposita em conta de terceira pessoa (um parente,
amigo ou testa-de-ferro), para depois repassá-lo à sua própria conta, haverá
fortes indícios de que tenha buscado “dissimular” a verdadeira origem do
dinheiro, configurando, em tese, a prática criminosa.[1]
De qualquer forma, será o contexto probatório, e não somente um ou outro fato
isolado que permitirá conclusão mais segura.
A tentativa é perfeitamente
possível, portanto, e prevista expressamente no artigo 1° § 3° da Lei: “A tentativa é punida nos termos do parágrafo
único do art. 14 do Código Penal”. É a regra básica da legislação
brasileira, aplicável nos incontáveis mecanismos, que devem ser analisados caso
a caso. Imagine-se a hipótese em que o agente deposita R$ 2 milhões em uma
conta de um “laranja”, e este emite ordem de transferência do valor a outra
conta no exterior. O banco, analisando o perfil daquele correntista desconfia e
comunica as autoridades, que conseguem o bloqueio o valor. Evitada desde logo a
primeira transferência, por circunstâncias alheias à vontade do agente – pela
disciplina e percepção do agente bancário, que suspeitou da transação, estará
configurada a tentativa da prática do crime de lavagem de dinheiro.
[1] Assim já se
julgou: Acórdão: Apelação Criminal 2003.009299-4 – T.J./S.C. Relator: Des.
Solon d’Eça Neves. Data da Decisão: 02/12/2003. Ementa: […] Perfectibiliza-se o crime de lavagem de
dinheiro quando o agente mediante a realização de atos encadeados no tempo e no
espaço, objetiva ocultar ou dissimular a procedência criminosa de bens e
integrá-los à economia, com aparência de terem origem lícita. A dissimulação,
dá-se no exato momento em que se presumi a origem lícita dos valores
movimentados na instituição bancária, exatamente por ser pessoa ilibada a
titular da conta corrente utilizada (testa-de-ferro). Para tanto, a conduta de
atribuir aparência de licitude ao dinheiro, bens e valores deve estar
relacionada a determinados delitos anteriores de especial gravidade e de grande
potencial lesivo, os quais, taxativamente (numerus clausus), estão inseridos no
art. 1º, incisos I a VII, da Lei n. 9.613/98.
Informações Sobre o Autor
Marcelo Batlouni Mendroni
Promotor de Justiça/SP – GEDEC, Doutor em Processo Penal pela Universidad de Madrid, Pós-Doutorado na Università di Bologna/Italia