Sociedade em conta de participação

O Direito Societário
brasileiro sofreu inúmeras modificações nestes últimos dois anos, seja com a
Lei nº 10.303/01, seja com a Lei nº 10.406/02, a primeira alterando a Lei das
Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76) e a segunda alterando o Código Civil. Não
trouxeram tais normas inovações quanto aos tipos societários, apenas alterando
algumas denominações, de forma que podemos dividir as sociedades em anônimas ou
em comandita por ações (Lei nº 6.404/76), sociedade em comum (sociedade de fato
ou irregular), em conta de participação, em nome coletivo, simples (antiga
sociedade civil com fins lucrativos), em comandita simples e limitada (Lei nº
10.406/02). Destas, apenas a sociedade anônima e a limitada tiveram larga
aceitação por parte da classe empresaria, conforme informa o Departamento
Nacional de Registro de Comércio. Para se ter uma idéia do que representa isto,
no ano de 2001 foram constituídas e registradas 490.911 sociedades comerciais,
sendo que 241.487 correspondem a firmas individuais, 245.398 a sociedades
limitadas, 1.243 a sociedades anônimas, 2.344 a cooperativas e 439 a outros
tipos. Assim, resta inequívoco que a sociedade limitada, como fator de
agregação de sócios, é a grande preferida.

Porém, embora não seja
nova, já que prevista no Código Comercial de 1850, a Sociedade em Conta de
Participação (SCP) tem ganhado nos últimos anos uma nova roupagem empresarial,
assumindo o status de um importante instrumento jurídico para a formatação de
vários negócios. Mas o que é uma SCP? Segundo o art. 991 do Novo Código Civil,
“na sociedade em conta de participação a atividade constitutiva do objeto
social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob
sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados
correspondentes”. Assim, na SCP temos dois tipos de sócios: o sócio ostensivo,
que é aquele a quem incumbe a gestão da sociedade, que pratica todos os atos
necessários ao seu desenvolvimento; e o sócio participante, ainda conhecido
como sócio oculto, que não tem poder de gerência na sociedade, podendo apenas
fiscalizar os atos da administração. Desta forma, apenas o sócio ostensivo pode
diligenciar no sentido de cumprir as obrigações e atos derivados do pacto que
originou a SCP, sendo ainda responsável de forma ilimitada pela dívidas
contraídas em nome da sociedade. Já o sócio participante não responde de forma
ilimitada, o que poderá ocorrer caso se venha a praticar atos de gestão na SCP.

Cumpre salientar que,
tecnicamente, a SCP não é uma sociedade. Simploriamente podemos dizer que é um
grande contrato de investimento, onde as partes comungam esforços para atingir
um objetivo comum, inevitavelmente o lucro. No caso de uma sociedade limitada,
por exemplo, há o registro na Junta Comercial. Há personalidade jurídica.
Existe uma denominação social. É necessária também a inscrição no CNPJ. A SCP,
ao contrário, não tem personalidade jurídica, mesmo que intente-se a sua
inscrição em qualquer registro. Não tem CNPJ. Não tem denominação social.
Acarreta ao sócio ostensivo responsabilidade ilimitada pela dívidas sociais,
contrariamente ao que ocorre na sociedade limitada, onde o sócio responde
apenas pela integralização de sua quota social, ou do capital social, caso este
não esteja totalmente integralizado. Assim, os negócios que são praticados pela
SCP, externamente, são assumidos pela pessoa física ou jurídica do sócios
ostensivo. É este quem aparece para o mercado. É em seu nome que as transações
são realizadas. Porém, internamente, sabe-se que existem outros sócios, que
investem recursos e objetivam retorno. Sendo necessário, exemplificativamente,
abrir-se uma conta-corrente em uma instituição financeira para a administração
dos negócios da SCP, esta conta não seria aberta em nome da desta “sociedade”,
mas sim em nome do sócio ostensivo.

Então, qual é a vantagem da utilização da SCP? Para melhor
intelegibilidade, cabe considerar o seguinte exemplo. Observamos atualmente que
existem cada vez mais pessoas interessadas em investir em venture capital ou private
equity
. O capital de risco passou a ser uma grande oportunidade de negócios
no Brasil, sendo crescentes os fundos ou as associações de pessoas tendentes a
direcionar seus recursos para tal atividades, preterindo os investimentos
clássicos como renda fixa, fundos de pensão ou mesmo o mercado de capitais.
Aparecem os investimentos nas chamadas empresas emergentes, empresas que, entre
outras características, pelo menos aos olhos dos investidores, sinalizam um
futuro promissor em termos de remuneração aos seus recursos. Estas empresas
basicamente centram suas atividades sob uma base tecnológica, que pode envolver
tecnologia da informação, internet, biotecnologia, etc. E o que fazem estes
investidores? Contratam com uma determinada sociedade, especialista na
intermediação e gestão de capital, a configuração de uma SCP, onde cabe aos
primeiros (investidores ou sócios participantes) aportar recursos, por um
determinado prazo de tempo, e a segunda (sócio ostensivo) gerir e aplicar tais
recursos em uma empresa cuidadosamente escolhida. Dando lucros a empresa, são
os investidores remunerados na proporção de seus investimentos (como se
possuíssem ações de uma empresa), com o retorno do capital investido no final
do prazo da SCP (salientando que a empresa poderá não dar lucro, por isso o
risco). Assim, neste exemplo, quem aparece perante o mercado é a entidade
gestora dos recursos, que negociará a sua forma de aplicação na empresa
emergente. Os sócios participantes não podem ter qualquer envolvimento em tais
atos, sob pena de responderem também solidariamente. Poderão (e deverão),
todavia, fiscalizar a administração de seus recursos na empresa receptora dos
mesmos. Ressalte-se que tais negócios não podem envolver captação pública de
recursos, o que apenas é lícito a empresas registras na CVM ou a instituições
financeiras. Mas este é apenas um exemplo. Outros mais poderiam ser citados.

A utilização de uma SCP certas vezes requer, até mesmo para
transparência e segregação patrimonial, a constituição de uma sociedade com
propósito específico para atuar como sócio ostensivo, o que pode ser feito,
dependendo da situação, com base no art. 251 do Lei nº 6.404/76, mediante a
criação de uma subsidiária integral. Enfim, a SCP é uma espécie “societária”
com amplas possibilidades de adequação às necessidades do mercado e daqueles
que dela fazem um instrumento lícito de geração de riquezas.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Eduardo Carlezzo

 

Advogado. Consultor Jurídico da M. Stortti Business Consulting Group. Assessor Jurídico do Sport Club Internacional. MBA em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas. Pós-graduando em MBA em Finanças Empresariais pela Fundação Getúlio Vargas. Vice-Presidente e membro do Conselho Consultivo do Instituto Gaúcho de Direito Desportivo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, International Association of Sports Law, Instituto Brasileiro de Direito Societário e Instituto Brasileiro de Governança Corporativa.

 


 

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