Acabo de saber que Boris Becker, tricampeão de
Wimbledon e um dos maiores fenômenos do tênis do século XX, foi considerado,
por uma corte alemã, culpado de sonegação de impostos e condenado a dois anos
de prisão, com direito a liberdade condicional.
Além deste gravame penal, Boris Becker foi também
condenado a entregar 200 mil euros a instituições de caridade e a ressarcir
custas processuais estimadas em 100 mil euros, além de ter sido multado em mais
300 mil euros. Ou seja, além da restrição à liberdade, em virtude de sonegação,
foi imputado a Boris Becker um ônus financeiro de aproximadamente 600 mil
euros, equivalentes a 584 mil dólares.
O que deu ensejo à condenação foi o fato de Becker
ter informado, no período compreendido entre 1991 e 1993, que residia no
paraíso fiscal de Mônaco, fazendo deste seu domicílio fiscal para fins de
tributação sobre a renda, quando, na verdade, durante todo este tempo sua
residência estava em Munique.
Fatos como estes, de condenação penal por
sonegação, ainda são raros no Brasil, felizmente, diga-se de passagem. Mas,
antes que eu seja eventualmente mal compreendido, quero deixar bem claro que
não pretendo fazer qualquer ode à sonegação.
Segundo as normas penais tributárias brasileiras,
praticamente qualquer ato que resulte em falta de pagamento de tributos é
considerado como crime, ou seja, deixar de pagar tributos, por qualquer motivo
que seja, pode importar em condenação penal, se for considerada literalmente a
legislação penal tributária brasileira, mas, felizmente, os diversos nossos
Tribunais Pátrios vem dando uma interpretação mais restritiva a estas normas
penais tributárias.
Abstraindo-me de qualquer discussão doutrinária
quanto a normas penais tributárias, pretendo, neste texto, tão somente abordar
conceitualmente o modo como a questão é tratada no Brasil.
Sonegação, no imaginário popular, bem como no
imaginário de nossos legisladores, a tomar-se por base o teor das normas que a
coíbem, é um dos piores delitos que se pode praticar.
Muitos de nós, talvez quase todos, sonegam no dia a
dia, seja ao realizar uma compra sem nota fiscal, para ter um preço menor, seja
ao dispensar o recibo do médico ou dentista, em busca de um preço também
inferior, seja ao omitir rendimentos da Receita Federal, em busca de uma menor
incidência do imposto de renda, dentre outros pequenos atos em busca de
pequenas vantagens financeiras.
Entretanto, poucos dos que praticam tais atos
sentem-se verdadeiramente sonegadores, mas quase todos recriminam veementemente
quando algum grande empresário é flagrado sonegando. A maioria de nós sequer se
dispõe a refletir que, em muitas das pequenas práticas cotidianas, cometem-se
atos que podem ser comparados, inclusive para efeitos penais tributários, aos
atos dos “grandes sonegadores”.
Nos anos imediatamente subseqüentes à publicação da
lei nº 8.137/90, que dispôs sobre crimes contra a ordem tributária, viu-se no
Brasil uma verdadeira caça às bruxas. Quase toda autuação fiscal dava ensejo a
uma representação penal, e muitos foram os empresários que tiveram seus rostos
estampados, pela Fiscalização Tributária, em jornais impressos e televisivos,
como se fossem troféus. Era o “leão à caça” exibindo, com perverso prazer, suas
vítimas dilaceradas, para que a população pudesse delas escarnecer.
O tempo se incumbiu de demonstrar que este
procedimento estava no mínimo equivocado.
Primeiro porque foram muitas as autuações que,
apesar de terem dado ensejo a representação penal, foram posteriormente
consideradas como indevidas, pelos Conselhos de Contribuintes ou pelo próprio
Poder Judiciário, o que resultou em situações no mínimo anômalas:
Representações Penais efetuadas com base em Autos de infração posteriormente
julgados improcedentes, reconhecendo-se que o contribuinte nada devia, mas,
neste meio tempo, o contribuinte arcava com os custos e o desgaste de um
processo penal. Chegou-se ao absurdo de condenar-se penalmente contribuintes,
por crimes de sonegação, para posteriormente reconhecer-se que era
completamente indevido o débito tributário que estava lhe sendo imputado.
O segundo fato que demonstrou que estava
completamente equivocado este procedimento, de procedimento de derivar de cada
auto de infração uma representação penal, foi a constatação de que, no Brasil,
se sonegação fosse delito que efetivamente devesse ser punido com prisão,
provavelmente quase todo o segmento produtivo brasileiro estaria atrás das
grades.
Se todo caso de sonegação resultasse em prisão,
caso alguém desejasse procurar um empresário para buscar um emprego, ou mesmo
consultar-se com um médico, advogado, contador, dentista etc, teria grandes
dificuldades, a não ser que optasse por praticar também alguma sonegação para,
sendo preso, poder encontrar, atrás das grades, estas pessoas.
Reconhecendo-se ser absurda a prática de
automaticamente gerar-se, de cada auto de infração, uma representação, foram
posteriormente promulgadas normas que estabeleceram que a Administração
Tributária somente poderia encaminhar representação, ao Ministério Público,
após concluído o respectivo processo administrativo tributário, tendo sido
estabelecido também que, em caso de pagamento do débito efetuado antes da
Representação Penal, restaria extinta a punibilidade dos crimes contra a ordem
tributária.
A carga tributária brasileira é tão injusta e tão
mal distribuída que são muitos os contribuintes que, caso queiram permanecer no
mercado, não tem outra alternativa a não ser sonegar. Se toda prática de
sonegação resultar, no Brasil, em prisão, ter-se-á na maioria dos casos um
contra-senso sem tamanho, qual seja, a punição pelo descumprimento de obrigação
impossível.
Anseio fortemente pelo momento em que teremos, no
Brasil, uma carga tributária justa de modo que todos possam suportá-la. Quando
isto acontecer, a sonegação, que atualmente é regra no Brasil, passará a ser
exceção, e só então poderemos pensar em reprimir penalmente este comportamento.
Até lá, caso optemos por adotar o procedimento de
tentar punir penalmente todo e qualquer ato que implique em sonegação,
correremos o sério risco de fazer naufragar a economia brasileira, por colocar
atrás das grades, fazendo artesanato para reduzir suas penas, praticamente todo
o segmento produtivo brasileiro.
Informações Sobre o Autor
Dênerson Dias Rosa
Consultor Tributário, ex-Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás e sócio da Dênerson Rosa & Associados Consultoria Tributária.