Palocci não difere muito de Malan,
tanto quanto Meirelles não difere muito de Armínio. O partido que outrora
pregava uma “ruptura necessária” parece começar a perceber que mudar dentro de
regras democráticas não é tão fácil quanto parece. Além disto, o manche do
poder traz consigo uma lucidez súbita, quando o comandante percebe que o rumo
do navio não depende somente dele, mas de uma série de engrenagens que fazem a
embarcação seguir seu curso. Lula já percebeu que a tarefa não é fácil e
anunciou que a distância entre o realizável e as mudanças que ele pretendia
concretizar é enorme. A leitura é: nem todas as propostas de campanha serão
cumpridas.
E os problemas são imensos, a
começar pelas Ações Diretas de Inconstitucionalidade propostas pelo PT quando
era oposição. Como não é possível desistir destas ações, se o partido sair
“vencedor” em alguma das 30 mais importantes, como a que questiona a Lei de
Responsabilidade Fiscal, os prejuízos para a União serão brutais. O PT pode ter
dado um tiro no próprio pé. Porém, enquanto governo, está aprendendo a
controlar gastos, mesmo que diminuindo os investimentos sociais em detrimento
da criação de ministérios para abrigar aliados políticos. A dupla de cirurgiões
Palocci-Mantega, encarregada de selecionar as áreas que sofreriam cortes,
deixou “importantes” ministérios, como o das Cidades, do aliado Olívio Dutra,
com cerca de 20% de sua verba original.
O governo, contudo, já mostra
desenvoltura no Congresso Nacional. A influência na escolha dos nomes para
composição das mesas das duas Casas foi de fazer inveja aos dias de maior
habilidade de FHC, outrora criticado pelo PT quando influía em assuntos
internos do Poder Legislativo. Entretanto, este não é o único exemplo de
mudança de postura. Em alguns casos esta tem sido tão aguda, que fere
profundamente a chamada “ala radical”. Os maiores exemplos são as declarações
do executivo que indicam reajustes salariais do funcionalismo abaixo da taxa de
inflação, corte de certos privilégios na previdência, manutenção do acordo com
o FMI, fim da multa de 40% do FGTS, além do aumento do superávit primário e das
taxas de juros.
“Não fomos eleitos para indicar um
banqueiro para a Presidência do Banco Central”, afirmou a senadora Heloísa
Helena. Os radicais, ou melhor, os autênticos do PT, se sentem traídos, pois
segundo eles, as diretrizes partidárias que deveriam ser seguidas eram aquelas
decididas na Convenção de Olinda, ainda em 2001. Naquela época, o PT sugeria
uma auditoria em todas as privatizações, além da reestatização do setor
elétrico, exigindo uma revisão completa das políticas de FHC, que segundo eles,
colocava a dívida financeira e seus credores como prioridade número um do
Estado. A opinião sobre a Alca era: “um projeto de anexação política e econômica
da América Latina aos EUA”. Quando foi percebida que a moderação no discurso
era a senha para a vitória, foi redigida a “Carta ao Povo Brasileiro”, de junho
de 2002. Este documento apresenta uma clara divergência com as idéias
defendidas 6 meses antes.
O certo é que os autênticos, ou
radicais, tinham ciência, durante a campanha, da existência da “Carta ao Povo
Brasileiro”. Certo de que este grupo não acreditava estar em curso um
estelionato eleitoral (e se calaram), entendo que não há porque haver ranger de
dentes quando o partido apresenta uma face um pouco mais moderada quando exerce
o poder visto que foi este programa que o conduziu até lá. O PT consegue a
proeza (ou talvez tenha a astúcia política) de ser situação e a mais ferrenha
oposição ao mesmo tempo.
Existe também a possibilidade de os
radicais não terem sido submetidos um duro choque de realidade: perceber que
existe diferença em ver o mundo pelas janelas do Planalto e do Congresso
Nacional. A prática mostra que governar é criar descontentes.
“Eu prefiro ser esta metamorfose
ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”, lembrou o líder
do governo, Aloízio Mercadante, quando rebatia as críticas da oposição
pefelista, liderada por Jorge Bornhausen na tribuna do Senado. É uma pena que o
atual governo, ainda quando era oposição, não praticava as sábias palavras
proferidas por seu líder nos dias de hoje. Se os atuais governistas não
tivessem, por tantos anos, mantido “aquela velha opinião formada sobre tudo”, talvez
sua missão frente ao Planalto fosse mais fácil. A casa estaria arrumada e os
tão propalados investimentos sociais desejados pelo PT poderiam realmente
acontecer. Contudo, como a metamorfose petista ocorreu somente quando se tornou
governo, a agenda de reformas caiu em seu colo, assim como o desgaste político
de sua implantação. Curiosamente, o PT precisará que a oposição pense no país e
não somente na próxima eleição. “Mudou o Natal ou mudamos nós?”, perguntaria
Machado de Assis.
Informações Sobre o Autor
Márcio C. Coimbra
advogado, sócio da Governale – Políticas Públicas e Relações Institucionais (www.governale.com.br). Habilitado em Direito Mercantil pela Unisinos. Professor de Direito Constitucional e Internacional do UniCEUB – Centro Universitário de Brasília. PIL pela Harvard Law School. MBA em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas. Especialista em Direito Internacional pela UFRGS. Mestrando em Relações Internacionais pela UnB.
Vice-Presidente do Conil-Conselho Nacional dos Institutos Liberais pelo Distrito Federal. Sócio do IEE – Instituto de Estudos Empresariais. É editor do site Parlata (www.parlata.com.br) articulista semanal do site www.diegocasagrande.com.br e www.direito.com.br. Tem artigos e entrevistas publicadas em diversos sites nacionais e estrangeiros (www.urgente24.tv) e jornais brasileiros como Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, Zero Hora, Jornal de Brasília, Correio Braziliense, O Estado do Maranhão, Diário Catarinense, Gazeta do Paraná, O Tempo (MG), Hoje em Dia, Jornal do Tocantins, Correio da Paraíba e A Gazeta do Acre. É autor do livro “A Recuperação da Empresa: Regimes Jurídicos brasileiro e norte-americano”, Ed. Síntese – IOB Thomson (www.sintese.com).