Sumário: 1. A problemática e sua colocação doutrinária. 2. Função legislativa do Estado e responsabilidade. 2.1. A função legislativa. 2.2. O agente legislativo. 2.3. A lei. 3. O Estado legislador responsável. 3.1. Atos legislativos do poder constituinte derivado ou reformador. 3.2. Atos legislativos inconstitucionais. 3.3. Atos legislativos constitucionais. 3.4. Omissão legislativa. Considerações finais. Notas.
1. A PROBLEMÁTICA E SUA COLOCAÇÃO DOUTRINÁRIA
A responsabilidade do Estado legislador diz respeito à obrigação estatal de compensar os danos causados ao patrimônio das pessoas pela atividade legislativa.
Matéria controvertida, constitui, no dizer de Celso Antonio Bandeira de Mello, o marco superiormente avançado no que concerne às funções públicas suscetíveis de gerarem compromisso estatal(1).
A responsabilidade do Estado frente ao particular é reconhecida na atualidade de forma incontestável, como um dos princípios de Direito Público e garantia do Estado de Direito, estando superada a fase da irresponsabilidade estatal, característica dos Estados absolutos, cujo poder dos monarcas era supremo. Se esta responsabilidade, contudo, constitui-se em regra no que se refere aos atos da Administração Pública, quanto às outras funções estatais, a matéria encontra-se, ainda, em formação.
Tradicionalmente, a atividade legislativa qualifica-se entre as hipóteses que excetuam o Estado da obrigação de indenizar, não se admitindo como possível que essa atividade provoque danos indenizáveis aos particulares.
A maioria dos doutrinadores que trataram dessa matéria na primeira metade do século passado defendia a irresponsabilidade estatal sob fundamentos vários que incluem desde a soberania dos atos do Parlamento, a abstração e generalidade da lei, até a imunidade dos parlamentares.
A exceção feita à irresponsabilidade absoluta, na consideração desses doutrinadores, limitava-se a situações nas quais o legislador, na própria lei, reconhecesse a necessidade de indenizar o prejuízo causado pela sua edição(2), ou a casos de leis inconstitucionais, quando declaradas como tal pelo poder competente e que produziram danos quando da sua aplicação(3).
Um dos precursores na defesa da obrigação estatal de responder pelos danos gerados pela atividade legislativa foi o jurista francês Léon Duguit em sua obra Les transformations du droit (public et privé), datada de 1913. Baseava-se na idéia da existência de um seguro social que cobriria o risco resultante da aplicação das leis(4). À mesma época, Martinho Nobre de Melo, autor português, na obra Teoria Geral da Responsabilidade do Estado, defendeu a idéia da responsabilidade estatal por lesões anormalmente graves resultantes do exercício da função legislativa(5).
Recentemente, os adeptos dessa tese aumentaram consideravelmente. Os fundamentos enfocados são, primordialmente: os princípios do Estado de Direito, cuja finalidade é a proteção ao Direito; a unidade do poder estatal, que determina a responsabilização de todos os poderes de forma homogênea; e a evolução do conceito de soberania, que não mais é entendida como incompatível com o instituto da responsabilidade.
Seu reconhecimento, ainda que não seja generalizado, resulta do triunfo das doutrinas intervencionistas, da evolução das teorias do Direito Público e da própria evolução do instituto da responsabilidade pública que, ao superar sua origem civilista, permitiu o estabelecimento de uma relação objetiva, fora da culpa e da ilicitude do ato, centrando-se no dano e na pessoa do administrado que suportou os prejuízos dele decorrentes sem obrigação jurídica, própria e válida.
Busca-se, na doutrina atual, a reparação de todo o prejuízo causado pelo dano antijurídico ou injusto, com o propósito de preservar o equilíbrio dos interesses na sociedade, não permitindo que o interesse individual sucumba perante os interesses da coletividade.
No que se refere, porém, à responsabilidade estatal decorrente de danos gerados pela produção legislativa é previsível, ainda, a exigência de um grande labor doutrinário e um avanço na concepção dos magistrados para chegar-se a um consenso nas teorias e fundamentos que informam a sua estruturação.
A aceitação da matéria dá-se como forma excepcional de obrigação, conformada a rígidos limites. Restringe-se aos casos de leis inconstitucionais ou leis constitucionais de efeitos particularizados. Impõem-se, para a responsabilização do Estado, a exigência de que o dano proveniente da lei tenha caráter especial e anormal. Exige-se que o interesse afetado seja juridicamente mais relevante que o interesse contido na norma lesiva. Exclui-se da garantia da reparação dos danos as atividades ilícitas, amorais, contra os bons costumes e lesivas à saúde pública.
Na análise dessas questões, os tribunais dos diferentes países, com a ausência de normas positivadas e influenciados pelas divergências doutrinárias, têm decidido de forma oscilante entre as diferentes posições.
Muito embora a evolução da matéria faça-se de forma vacilante, observa-se, conforme já alertava E. Sayagués Laso, em sua obra de 1953, uma acentuada tendência favorável à aceitação do Estado legislador responsável, afirmando, então, que cumpria esperar a generalização desta disposição, “por ser a que mais se ajusta aos princípios de justiça e equidade”(6).
2. FUNÇÃO LEGISLATIVA DO ESTADO E RESPONSABILIDADE
2.1. A função legislativa
No Estado constitucional, as funções do poder soberano, uno em sua essência, repartem-se entre órgãos específicos ou “poderes” que atuam de forma independente, dentro dos limites estabelecidos no ordenamento jurídico, exercendo cada um deles, por atribuição constitucional, competências públicas delimitadas.
As funções legislativa, judiciária e administrativa compõem as funções formais do poder estatal, constituindo-se em meios para o seu exercício.
A função legislativa, atribuída ao Poder Legislativo ou Parlamento, define-se na edição de leis, estabelecendo normas de caráter geral, abstrato e impositivo que compõem a ordem jurídica, dentro de cujos parâmetros a vida coletiva desenvolve-se. Elaborando leis, o Legislativo atua no disciplinamento da vida na sociedade, definindo direitos e deveres de todos, bem como responsabilidades recíprocas.
Formalmente e materialmente essa atividade é vinculada ao ordenamento constitucional. A produção legislativa não pode violar normas de competência ou de processo de formação das leis ou, ainda, não pode conflitar em seu conteúdo com os dispositivos da Constituição.
A responsabilidade do Estado legislador surge como obrigação de responder pelo dano causado pela atividade legislativa, própria do Poder Legislativo, quando ilícita ou inconstitucional, quando particulariza seus efeitos ou quando é antijurídica.
A isenção em relação ao Poder Legislativo, tradicionalmente, tem-se justificado na consideração da soberania do Parlamento e ainda, conforme Manuel M. Diez, na consideração de que a atividade de um órgão colocado no vértice da pirâmide jurídica não haveria de ocasionar danos aos particulares, precisamente porque de sua atividade nasce a base de todo ordenamento jurídico(7).
Contudo, no modelo atual de Estado Social e intervencionista, reconhece-se de forma ampla a possibilidade de que as leis, a pretexto de satisfazerem um interesse público, possam atingir pessoas, causando-lhes um dano patrimonial.
Sendo uno o poder soberano do Estado, deve ele responder pelos atos legislativos da mesma forma que responde pelos atos administrativos e pelos jurisdicionais. Qualquer que seja a forma ou conteúdo dos atos do Estado, são eles frutos do mesmo poder e o tratamento dado a eles deve ser uniforme.
O princípio da submissão à ordem jurídica, corolário do Estado de Direito, não excetua a função legislativa, seja exercida pelo Poder Legislativo, seja pelo Poder Executivo, nos limites em que o ordenamento constitucional o permite. Nesse sentido, afirma Celso Antônio Bandeira de Mello que a responsabilidade do Estado, “desde o advento do Estado de Direito, sob o ponto de vista lógico poderia independer de regra expressa para firmar-se, bem como dispensar o apelo a normas de Direito Privado para servirem de socorro.” E, conclui que a idéia de responsabilidade do Estado é uma conseqüência lógica inevitável da noção de Estado de Direito e que ao trabalhar-se com categorias puramente racionais, dedutivas, “a responsabilidade estatal é simples corolário da submissão do Poder Público ao Direito” (8).
2.2. O agente legislativo
O Estado, como pessoa jurídica de direito público, prescinde do atributo físico e manifesta sua vontade através de órgãos, instituídos para o desempenho de suas funções, as quais se realizam por meio de agentes que recebem o qualificativo de “públicos”.
A noção de agentes públicos abarca todos aqueles que, sob diversas categorias e com títulos jurídicos diversos, desempenham função pública e enquanto a desempenham, independente da forma de investidura e da natureza da vinculação que os prende ao Estado.
Os agentes legislativos, como agentes políticos que compõem a categoria dos agentes públicos, exercem função pública, consistente na elaboração de normas legais. Tidos como “mandatários” ou “representantes” do povo, estes agentes, selecionados pelo voto, submetem-se a um regime jurídico diferenciado, não estando sujeitos à hierarquia nem a dispositivos estatutários.
Um dos argumentos apresentados para justificar a irresponsabilidade do Estado legislador é o de que o dano causado pelo ato legislativo origina-se do próprio lesado, membro da sociedade que elege os seus representantes para o Parlamento. Considera a criação de normas como função própria da sociedade, não se admitindo a imputação ao Estado de danos que não foram causados por seus órgãos.
A idéia da separação entre Estado e sociedade, como forma de justificar a irresponsabilidade estatal pela produção legislativa, é contestada por José Joaquim Gomes Canotilho, considerando que, na atualidade, o processo integrativo entre sociedade e Estado, com a dissolução daquela nesse último e a concentração e centralização do poder no ente estatal, tornam inexistentes as condições do modelo liberal para a suposta separação entre as duas entidades(9).
O tratamento adequado da questão deve ter por pressuposto a análise da natureza jurídica da relação entre os agentes legislativos, o órgão a que se conectam, os administrados e o Estado, relação tradicionalmente apresentada na doutrina como de “representação”.
O mandato político representativo, gerado pela eleição em favor do eleito, constitui elemento básico da democracia representativa, consubstanciando os princípios da representação e da autoridade legítima. Nele, todavia, conforme observa José Afonso da Silva, há muito de ficção, podendo-se mesmo dizer que “não há representação” e que “a designação de mandatário não passa de simples técnica de formação dos órgãos governamentais”(10).
Buscando fundamentar a relação do Estado com seus agentes, desenvolveu-se na Alemanha, sob autoria de Otto Gierke, a “teoria do órgão”, amplamente aceita na doutrina atual. Segundo esta teoria, a manifestação de vontade da pessoa jurídica dá-se por intermédio de órgãos, de tal forma que quando os agentes que os compõem atuam, é como se o próprio órgão (Estado) o fizesse.
Substitui-se a idéia de representação pela de imputação, associando o representante à pessoa jurídica. O órgão é entendido, assim, como parte integrante do Estado(11).
Juary C. Silva, criticando a utilização dos institutos do mandato e da representação, adota a “teoria da investidura” para fundamentar a relação entre o povo eleitor, os parlamentares eleitos e o órgão do Estado. Segundo o autor, em decorrência da investidura popular, que se dá mediante eleição, os escolhidos tornam-se, pleno iure, órgãos estatais, estabelecendo uma relação orgânica entre o Estado e as pessoas investidas eletivamente para a função. A relação entre o povo e os parlamentares exaure-se no momento em que aqueles investem de parcelas de poder seus chamados “representantes”(12).
Nesse sentido é a afirmação de Jellinek de que a teoria do Parlamento como órgão do Estado tem por conseqüência que a vontade do Parlamento constitui-se em imediata vontade popular, porém, entre o povo e este órgão não existe nenhum vínculo jurídico. Qualquer que seja o fundamento jurídico do membro de uma câmara: eleição, nomeação, posse de determinado cargo etc., o ato de criação jamais concede direito do criador sobre o órgão criado, nascendo os direitos e deveres de uns e outros exclusivamente da Constituição(13).
Na concepção organicista do ente público, a atividade do agente ou funcionário configura-se como atividade da própria pessoa jurídica a que se vincula, sendo atribuíveis a ela todas as conseqüências dessa atividade. A relação entre o Estado e seus agentes é de imputação direta.
Assim, os parlamentares, agentes legislativos que compõem os órgãos estatais encarregados da função de legislar, ao exercerem a sua atividade, podem acarretar a responsabilidade jurídica do Estado, obrigando-o a responder pelos danos ilegais ou injustos que foram provocados pela edição das leis. Ao agirem, investidos pela eleição popular de poderes funcionais, expressam, na qualidade de seus titulares, a vontade estatal.
Muitos ordenamentos jurídicos, como a Constituição Federal brasileira(14), positivaram a regra pela qual as pessoas jurídicas de direito público são sempre responsáveis pelos atos de seus agentes ou funcionários, quando no exercício de suas competências, cabendo a elas o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Na ausência de legislação específica, uma interpretação extensiva do conceito de Administração Pública e de agentes públicos, poderá permitir a inclusão na previsão legal da possibilidade do Estado responder pelos danos causados ao patrimônio dos administrados por atos legislativos.
2.3. A lei
A lei, ato legislativo por excelência, constitui, na relação discutida, elemento preponderante. É ela, na relação analisada, o ato do qual se origina o dano que, imputável ao Estado, originaria a responsabilidade estatal.
Questiona-se na doutrina a sua aptidão como fonte geradora de responsabilidade do ente público, quando lesiva aos direitos dos administrados.
Preceito geral e abstrato, originário do poder estatal competente e provido de sanção, destina-se a lei a inovar, originariamente, a ordem jurídica. Elaborada segundo um procedimento definido, submete-se formalmente e materialmente à Constituição.
Lei fundamental do Estado, a Constituição é a primeira manifestação deste no exercício da função de legislar, ocupando posição singular em relação às demais leis por ser superior a todas elas. Colocando-se acima dos poderes constituídos, incluindo o próprio Legislativo, regulamenta a atuação dos mesmos, definindo competências e atribuições, limitando o poder e garantindo a proteção aos direitos individuais.
Com respeito à responsabilidade do Estado gerada por estes atos, o problema inexiste em relação à Constituição, porque é ela o comando inicial que cria, originariamente, o Direito. Subsiste, porém, em relação aos atos dela derivados e que têm eficácia condicionada aos seus preceitos.
A imputação ao Estado dos danos produzidos por esses atos encontra forte resistência na doutrina. A supremacia ou soberania da lei e o seu caráter de generalidade e abstração têm sido considerados pelos doutrinadores como fundamentos da irresponsabilidade estatal na atividade específica de sua elaboração.
Esses argumentos, entretanto, já não encontram ressonância na realidade jurídico-política do Estado constitucional da atualidade. A supremacia da lei identificada à supremacia do Direito está ligada à origem sagrada da lei, nos primórdios da humanidade. Cultuada pelos juristas de todos os tempos, foi professada pelos movimentos revolucionários liberais como forma de garantir a igualdade e a liberdade dos homens e a sua proteção contra atos de autoridades de governos arbitrários e despóticos.
Na lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em sua concepção liberal a lei constitui expressão da razão. É essencialmente justa, medida de todos os direitos e de todas as liberdades. Manifesta, através da vontade popular, direitos preexistentes, consistindo apenas na delimitação da esfera de liberdade individual e na garantia da existência de direitos concorrentes. Desligada de interesses particulares, a lei é fundamentalmente apolítica(15).
No Estado atual, contudo, a lei afastou-se da concepção que lhe deu, ao longo da história e especialmente a Revolução Liberal do século XVIII, superioridade e primazia. Inúmeros autores apontam a sua crise.
Na sociedade contemporânea, conflitiva e de interesses antinômicos, o poder político acha-se dispersado numa multiplicidade de grupos que se alternam na posição central, impondo concepções e políticas com base na força obtida na vitória eleitoral.
A lei, nesse contexto, deixa de ser a vontade geral, reduzindo-se à expressão da vontade de uma maioria. Torna-se instrumento de uma vontade política, particularizada, expressão de vontades predominantes.
Afirma Georges Burdeau que, desprendida de qualquer ligação com a Justiça, a lei é hoje, em termos realistas, meramente um processo de governo, “no sentido de que é ela um meio graças ao qual o poder político busca realizar a ordem social que corresponde à sua concepção de bem comum”(16).
Não se mostra coerente, assim, a busca de justificativas para a irresponsabilidade do Estado no exercício de sua função legislativa em conceitos que já não se aplicam em sua inteireza nos Estados modernos.
Conforme consideração de Canotilho, a soberania da lei determinando a irresponsabilidade estatal restou como seqüela da concepção antitética entre responsabilidade e soberania e da concepção de lei como ato perfeito e inconteste(17).
A generalidade e abstração, impostas como características necessárias da lei, fundamentadas na tradição rousseauniana de lei geral e no movimento idealista alemão defensor da lei geral como lei da razão e da liberdade, no moderno Estado de Direito também perderam a sua efetividade.
Na estrutura atual, a realização da igualdade social impõe, em muitos casos, a necessidade das chamadas leis-medidas ou leis-individuais, notadamente marcadas pela intenção social.
Muitas das leis são hoje medidas que visam solucionar problemas concretos e singulares, situações relativas a fatos determinados que necessitam de decisões imediatas.
São medidas de efeitos individuados e concretos, mas que obedecem, na sua elaboração, ao processo previsto para a edição de leis pelo Legislativo, tal como ocorre com aquelas de conteúdo genérico, impessoal e abstrato, submetendo-se ambas a idêntico regime jurídico.
No Estado de Direito Social busca-se, assim, a conjugação da defesa de um sentido material de lei, com a admissibilidade de leis que atendam às especificidades de casos concretos, perdendo a generalidade o caráter de característica essencial desse ato.
García de Enterria e Tomás-Ramón Fernández afirmam a esse respeito que a lei, como mandato normativo, normalmente perceptivo geral, pode também ser um mandado singular ou excepcional. Consideram que “o dogma da generalidade da lei poderá expressar uma diretiva política, mas carece de consistência como requisito técnico”, concluindo que “são usuais e certamente valem como lei preceitos singulares e específicos para hipóteses únicas ou para sujeitos também concretos”(18).
Ainda que submetido o modelo atual de produção legislativa a inúmeras críticas, é dele que se originam as leis que, com a pretensão de generalidade e abstração e de constituírem-se em expressão da vontade geral, regulamentam a vida das pessoas impondo obrigações e restringindo direitos, gerando, em muitos casos, danos patrimoniais aos quais o Estado não pode furtar-se de responder.
3. O ESTADO LEGISLADOR RESPONSÁVEL
Partindo da afirmação de que a doutrina atual admite ou aceita como possível a responsabilidade do Estado por atos legislativos, deve-se verificar em que condições dá-se a aplicação deste instituto e os limites que devem ser observados.
Em princípio e de forma irrestrita, exclui-se da atividade legislativa, apta a fazer incidir a obrigação estatal de responder por danos, aquela relativa ao poder constituinte originário, que tem por função a elaboração da Constituição. Esse poder, ilimitado no plano jurídico, estatui o ex novo, iniciando ou constituindo o ponto de partida da ordem jurídica positiva e, em conseqüência, não submete o Estado à obrigação de reparar danos que, porventura, as suas disposições venham a ocasionar aos interesses dos particulares.
Excetuando, todavia, a norma constitucional, todas as outras manifestações legislativas encontram, na literatura jurídica, defensores da referida responsabilidade.
3.1. Atos legislativos do poder constituinte derivado ou reformador
Os atos legislativos decorrentes do poder constituinte derivado, destinados a reformar os preceitos constitucionais originalmente estabelecidos, podem fazer incidir a obrigação estatal de responder pelos danos, quando lesam os interesses dos administrados.
Miguel Marienhoff, sustentando a responsabilização estatal nessa hipótese, afirma que, em um país constitucionalmente organizado, a reforma da Constituição não pode despojar parte das pessoas, privando-as, sem indenização, de direitos essenciais atribuídos pela Constituição originária.
Fundamenta-se o jurista argentino no dever jurídico que tem a comunidade de respeitar as conseqüências do originalmente concebido e estabelecido como regra básica de convivência, concluindo que ressalta como óbvia a necessidade de ressarcir os danos que os administrados sofreram nessas condições, pelo fato de que toda reforma constitucional tem por objeto satisfazer exigências de interesse geral ou público(19).
Deve-se considerar, porém, que a questão envolve, além da busca de fundamentos justificadores, a análise do sistema constitucional adotado por cada país, estabelecendo a possibilidade de um controle da constitucionalidade segundo os modelos de constituição rígida ou flexível, distinção feita em função da possibilidade de modificação dos seus dispositivos.
Nas constituições rígidas, o poder de reforma é condicionado, limitado em seu próprio texto segundo procedimento a ser seguido e matéria ou conteúdo passível de modificação.
Nas constituições flexíveis, ao contrário, a modificação não requer procedimentos especiais e se realiza através de processo idêntico ao previsto para a elaboração das leis ordinárias.
Assim, segundo o sistema adotado, a reforma constitucional poderá ou não ser objeto de controle de constitucionalidade quando este for previsto e, caso se submeta a ele, ao verificar-se a desconformidade com os preceitos da constituição originária, deverá a nova norma ser declarada inconstitucional, daí decorrendo responsabilidade do Estado se durante a sua vigência produziu danos ao patrimônio dos particulares. Não se submetendo a norma àquele controle, a responsabilidade poderá ser questionada tendo em vista fundamentos outros que não a inconstitucionalidade da lei lesiva, o que será objeto de análise posterior.
3.2. Atos legislativos inconstitucionais
A responsabilidade originária dos atos legislativos inconstitucionais tem ampla aceitação na doutrina universal, sendo considerada como exceção ao princípio da irresponsabilidade estatal nessa matéria. No plano da doutrina nacional, pode-se indicar o magistério, dentre outros, de Guimarães Menegale, Pedro Lessa, José de Aguiar Dias, Yussef Said Cahali e Amaro Cavalcanti(20).
Figura a inconstitucionalidade como um dos aspectos da ilegalidade, impondo, em conseqüência, a necessidade de responder pelos prejuízos causados pelos atos eivados desse vício.
A sua afirmação depende, entretanto, de que o ordenamento jurídico vigente preveja mecanismos para o controle da constitucionalidade das leis. Isso é possível nos países que adotam o modelo de constituição rígida, nos quais a validade da norma legal é determinada pelas disposições constitucionais, por serem estas que detêm a força da supremacia e da regulação da forma de sua elaboração.
A lei resulta inconstitucional quando contém prescrições incompatíveis ou inconciliáveis com a constituição, conflitando com seus dispositivos ou violando normas de competência ou de processo de formação das leis.
A conseqüência da sua declaração como tal implica no reconhecimento da existência de um “ilícito legislativo”, o que impõe a responsabilização do Estado pelos danos daí emergentes. Não é lícito ao legislador ordinário infringir o ordenamento constitucional.
Afirma Bielsa que a lei inconstitucional legitima a pretensão indenizatória porque, nesse caso, “a responsabilidade resulta virtualmente”(21). José Roberto Dromi sustenta ser necessariamente indenizável o dano jurídico produzido por uma lei inconstitucional regularmente sancionada(22).
Em nosso país, Amaro Cavalcanti propugnava pelo seu reconhecimento em sua obra precursora “Responsabilidade civil do Estado”, datada de 1905, afirmando que “declarada uma lei inválida ou inconstitucional por decisão judiciária, um dos efeitos da decisão deve ser logicamente o de obrigar a União, Estado ou Município, a reparar o dano causado ao indivíduo, cujo direito fora lesado, quer restituindo-lhe aquilo que indevidamente foi exigido do mesmo, como sucede nos casos de impostos, taxas ou multas inconstitucionais, quer satisfazendo-se os prejuízos, provadamente sofridos pelo indivíduo com a execução da lei suposta”(23).
Tem-se afirmado, contudo, que a responsabilidade do Estado só será admitida quando a inconstitucionalidade da lei lesiva for declarada pelo poder competente. Se esse poder não se pronunciar pela sua invalidade, o preceito legal tem livre trânsito como perfeitamente válido, amparado pela presunção de que gozam as leis de serem constitucionais, ficando o Estado isento de responsabilidade, salvo se os danos provocados forem especiais e anormais, originando, no caso, uma outra relação jurídica.
Decretada, porém, a inconstitucionalidade, o ato legislativo torna-se ilícito, acarretando a responsabilidade do Estado pelos danos dele emergentes.
Nessa matéria, o Supremo Tribunal Federal de nosso país assentou a tese de que “o Estado responde civilmente pelo dano causado em virtude de ato praticado com fundamento em lei declarada inconstitucional”(24). E o Tribunal de Justiça de São Paulo firmou entendimento de que a declaração de inconstitucionalidade representa um prius necessário da responsabilidade do Estado(25).
Em relação à exigência da prévia declaração da inconstitucionalidade da lei, feita pelos tribunais e acatada unanimemente pela doutrina para o reconhecimento da responsabilidade estatal nessa matéria, deve-se observar que, embora a situação de ilicitude do ato seja garantidor da reparação dos danos, o prejudicado tem, nessa situação, uma proteção menos eficaz do que aquela dada ao particular quando lesado por leis conformes aos preceitos constitucionais.
Tratando-se de danos derivados de atos lícitos, a responsabilidade estatal decorre do estabelecimento do nexo causal entre o ato e o dano e de determinadas características do prejuízo. No que concerne, porém, à hipótese discutida, além da observância dos requisitos mencionados, o particular deve, ainda, amparar o seu pedido em uma declaração prévia da invalidade do ato lesivo proferida pelo Tribunal competente, em ação na qual ele não figura como parte legítima para a propositura. Exige-se, conforme destaca Rui Stoco, “o aparelhamento de ação direta de inconstitucionalidade, representada por uma decisão do STF, reconhecendo e declarando a inconstitucionalidade da lei”, concluindo este autor, que “somente a partir dessa declaração, retirada a lei do mundo jurídico e deixando de existir para o Direito, esvaída na sua eficácia e validade, poderão ser reclamadas pretensões reparatórias de danos causados antes ou depois da declaração de sua inconstitucionalidade” (26).
Esse procedimento mostra-se injusto e restritivo ao exercício do direito do particular de ter restabelecido o equilíbrio rompido pelo dano resultante da edição de lei em desconformidade com a ordem normativa superior.
Os tribunais deveriam, assim, ampliar as bases de reconhecimento deste direito, acatando a ação indenizatória direta com declaração incidente de inconstitucionalidade da lei para reparação dos danos conseqüentes da lei pretensamente inconstitucional.
O expediente é previsto no ordenamento jurídico nacional que adota, ao lado do controle jurisdicional concentrado, o controle difuso da constitucionalidade, por via de exceção ou incidental, através do qual qualquer interessado poderá suscitar a questão da inconstitucionalidade em qualquer processo, qualquer que seja o juízo.
A proteção ao direito certo e inquestionável do particular de ser ressarcido por danos que lhe foram ilicitamente impostos, restaria garantida de forma mais efetiva, permitindo-se que ele recorra aos tribunais sempre que for lesado por medidas legislativas desconformes ao ordenamento constitucional vigente.
3.3. Atos legislativos constitucionais
Leis editadas, no todo ou em parte, em perfeita consonância com o texto constitucional, podem, também, acarretar danos injustos aos particulares, impondo-lhes prejuízos de ordem patrimonial.
Na doutrina favorável à responsabilidade do Estado legislador prevalece amplamente o entendimento de que apenas o ato legislativo constitucional que atingir direta e imediatamente um particular ou grupo específico de particulares ensejará a indenização.
Justifica-se este posicionamento com a consideração de ser o prejudicado, nesses casos, o destinatário exclusivo da norma legal, ou que em relação a eles as limitações gerais caracterizam-se como sacrifício especial e anormal.
A questão reduz-se, portanto, ao ressarcimento pelo sacrifício imposto a um ou alguns particulares, de forma especial e desigual. Com esse fundamento há no Brasil decisão favorável à indenizabilidade dos danos por atos legislativos constitucionais, proferida em 4.8.1971, pelo Tribunal de Alçada de São Paulo (5ª Câmara), cujo relator foi o Juiz Maércio Sampaio(27).
Esse entendimento mostra-se coerente com o regime de responsabilidade por atos lícitos, categoria a qual pertencem os referidos atos. Nesse regime, têm especial relevância a distinção entre os encargos exigíveis sem compensação, decorrentes da vida em sociedade, e aqueles impostos a poucos em benefício do interesse social.
O dano generalizado qualifica-se como encargo social, devendo ser suportado por todos os prejudicados, enquanto que o dano excepcional, desigual e grave, produzido pela norma legal, pode originar o ressarcimento em função do tratamento diferenciado a que ficou submetido o lesado frente aos encargos públicos.
José Joaquim Gomes Canotilho destaca que no Direito português não se pode rejeitar a indenização dos sacrifícios especiais e graves, emergentes de atos legislativos, esclarecendo que a aceitação de uma responsabilidade por fato das leis, ainda que não seja uniforme, constitui um triunfo recente da doutrina, já que objeções e preconceitos da mais diversa índole entravaram o reconhecimento de um dever indenizatório do Estado por lesões diretamente emergentes do exercício da função legislativa(28).
Na doutrina pátria, afirma Cretella Júnior que se a lei constitucional causar danos a seus destinatários, in genere, o Estado é irresponsável, porque o prejuízo reparte-se por todos. Se, entretanto, o dano for a um só, ou a restritíssimo número, deixa a lei constitucional de ser “lei em tese” para erigir-se em ato administrativo, e, nesse caso, o atingido pode recorrer aos tribunais, mediante os adequados remédios jurídicos(29). Essas leis são denominadas por ele de “pseudo leis em tese”.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro refere-se a elas como leis de efeito concreto que, embora promulgadas pelo Legislativo, com obediência ao processo de elaboração das leis, constituem, quanto ao conteúdo, verdadeiros atos administrativos, gerando, portanto, os mesmos efeitos que este quando causar prejuízo ao administrado, independente de considerações sobre sua constitucionalidade ou não(30).
Relevante, contudo, o entendimento de Gomes Canotilho ao discordar da assimilação das leis individuais, concretas ou de medida aos atos administrativos, sob o ponto de vista da responsabilidade. Segundo ele, a questão teria relevância se o deslocamento do problema para o terreno da responsabilidade da Administração tornasse mais fácil a justificativa da pretensão ressarcitória do lesado, o que seria criticável pelo estabelecimento de uma dualidade de critérios em um ordenamento onde não se distingue entre leis gerais e individuais(31).
Embora a natureza do ato legislativo de efeitos particularizados provoque dissenso na doutrina, prevalece em relação à responsabilização do Estado pelo dano resultante de lei obediente aos preceitos constitucionais, a exigência de que tal dano deva ser individualizado, relativo a uma pessoa ou grupo de pessoas determinado.
Esse é o requisito básico para a aplicação do fundamento clássico da “igualdade de todos perante os encargos públicos”, princípio invocado pela jurisprudência francesa desde o caso “La Fleurette”(32) e que serve de sustentação à responsabilidade derivada de atos lícitos.
Entretanto, existe em formação na doutrina correntes desconsiderando a individualização ou singularidade do dano como condição para a indenização.
Miguel Marienhoff postula a esse favor, dando ênfase ao dano “diferencial” e indicando outros fundamentos para estabelecer a responsabilidade do Estado em matéria legislativa, como o respeito ao direito adquirido e ao direito de propriedade.
Afirma o jurista argentino a possibilidade de ser geral o dano ressarcível, incidindo sobre uma grande parcela da população, sendo, nesse caso, mais grave a lesão porque compromete mais interesses. Considera que a ilegalidade e a conseqüente responsabilidade do Estado não desaparece porque o prejuízo não se deu a poucos, mas a todos ou a muitos. E conclui que a generalidade do dano, em condição alguma, pode atuar como causa de impunibilidade, determinante de irresponsabilidade(33).
Entre nós, Cesar Viterbo Mattos Santolim preleciona que “aceitar-se que o Estado somente tem a obrigação de indenizar naqueles casos onde o número de atingidos pelo ato legislativo é reduzido, é trazer para o plano quantitativo uma situação que é de qualidade. A questão não é quem ou quantos o Estado alcança, mas como e por que o faz”.
Para este autor, o ato legislativo lícito, ato geral, abstrato e constitucional, empenha a responsabilidade do Estado quando gera dano, condicionada apenas à “demonstração do prejuízo antijurídico e do nexo de casualidade entre este e o ato estatal”. Considera que “o que deve ser examinado é se o interesse tutelado juridicamente e que serve de substrato do ato é mais ou menos relevante que aquele que decorre do dano havido. No primeiro caso, o dano não é ressarcível posto que não é antijurídico. No segundo, sim”(34).
Sendo o ato legislativo gerador do dano um ato produzido em conformidade com a Constituição, a responsabilização do Estado deriva de uma relação objetiva, afastada da culpa e da ilicitude do ato, baseada no nexo causal entre o dano e o ato que o produziu. A fundamentação para essa hipótese, conforme analisado, tende a ampliar-se, extrapolando o modelo francês da exigência da individualização dos danos. Cria-se com isto, maiores condições para o particular lesado exercer a sua pretensão indenizatória pelos prejuízos sofridos, corrigindo grave distorção do sistema vigente.
3.4. Omissão legislativa
A responsabilidade estatal por omissão legislativa é situação especial, referente à possibilidade de obrigar o Estado a reparar os danos resultantes da inércia legislativa, quando o órgão competente deixa de produzir normas destinadas a dar operatividade prática a direitos garantidos constitucionalmente, a fim de torná-los atuantes.
A questão é analisada por Gomes Canotilho, que discute a admissibilidade de um direito subjetivo de particular lesado contra os órgãos públicos, inconstitucionalmente inertes, em face da vinculação constitucional do legislador à emanação de tais normas.
Conclui o autor que a falta de atuação das normas constitucionais submete-se a um controle político, podendo o cidadão, de forma individualizada ou associada, induzir os membros do Parlamento ou do Governo a tomarem a iniciativa da lei. Não é reconhecido, porém, aos cidadãos, qualquer direito subjetivo, invocável em juízo, que permita a obtenção de indenização pelos danos derivados de omissão legislativa constitucional(35).
Maria Emília Mendes Alcântara, analisando a omissão legislativa, estabelece como referencial para a obrigação estatal de ressarcir os danos a fixação de prazo para a emanação de normas complementares à Constituição. Sustenta que a irresponsabilidade se põe quando ao Legislativo não for cominado prazo, sendo, pois, conferida competência discricionária quanto ao momento da emanação de tal ato. Todavia, havendo prazo, afigura-se indeclinável o direito do particular de exigir indenização pelos danos ocasionados por essas omissões, uma vez que o legislador não pode furtar-se a editar legislação que vise a tornar exequíveis direitos garantidos constitucionalmente, fraudando essas garantias(36).
A questão entre nós é de grande interesse tendo em vista que a Constituição Federal, promulgada em 1988, reconheceu o controle da inconstitucionalidade por omissão ou controle de constitucionalidade negativo, tendo por objeto a omissão dos poderes e órgãos administrativos que deixam de criar normas ou praticar atos requeridos pela própria Constituição para sua efetiva aplicação (art.103, § 2º, CF).
Em relação ao Poder Legislativo a inércia configura-se quando esse órgão deixa de legislar, não editando leis necessárias para complementar a eficácia das disposições constitucionais e para permitir sua plena aplicação.
A ação de inconstitucionalidade por omissão tem efeitos restritos, expressamente previstos, quais sejam: o de dar ciência ao poder competente no caso de ausência de normas e obrigar à prática do ato em trinta dias em se tratando de órgão administrativo.
Sua decisão é declaratória e mandamental e tem em relação ao Legislativo uma eficácia reduzida, por não existirem meios de obrigar este Poder a legislar.
No que concerne à matéria em questão, a declaração de inconstitucionalidade por omissão relativa ao Poder Legislativo cria um mecanismo que possibilita ao particular lesado pela inércia legislativa postular a favor da reparação do dano sofrido. O reconhecimento judicial da ilicitude do ato omissivo deve assegurar a obrigação estatal de responder pelos danos originários desta conduta.
Dada a limitação na titularidade para a propositura da ação de inconstitucionalidade por omissão, não incluindo o cidadão, a responsabilidade estatal não pode, nessa hipótese, ficar vinculada apenas à prévia decisão declaratória de omissão. O prejudicado com a inércia legislativa deve ter reconhecido o seu direito de pleitear o ressarcimento dos prejuízos em ação direta de responsabilidade, com fundamento no princípio da legalidade, tendo em vista a ilicitude da omissão lesiva do legislador.
Considerações finais
A doutrina da responsabilidade do Estado, formulada para os atos da Administração, abrange também as outras funções estatais. A obrigação decorrente da função legislativa, conformada aos princípios do Estado de Direito e do Direito Público, não deve ter tratamento de exceção.
Excetuando o preceito da ordem constitucional, que cria originariamente o Direito de um Estado, todas as outras formas de manifestação legislativa são aptas a fazer incidir a responsabilidade do Estado, tanto as comissivas quanto as omissivas.
A reforma da Constituição procedida pelo Poder Constituinte derivado, nos países que adotam o modelo de constituição rígida e o controle da constitucionalidade das leis, determina a responsabilidade do Estado quando ofende princípios e direitos essenciais contidos na constituição originária.
A lei inconstitucional, nos sistemas jurídicos que admitem o controle de constitucionalidade das leis, constitui hipótese de causação ilícita de danos e impõe como conseqüência a responsabilidade do Estado. O fundamento é o princípio da legalidade. Exige-se como prova da ilicitude a declaração prévia da inconstitucionalidade do preceito lesivo pelo tribunal de cúpula ou órgão estatal.
A prática dessa exigência onera em demasia o particular lesado que, em nossa ordem jurídica, não tem titularidade para o exercício da ação direta de inconstitucionalidade das leis.
Devem os tribunais, assim, ampliar a proteção aos direitos dos administrados, reconhecendo a responsabilidade estatal em ação indenizatória direta com declaração incidente da inconstitucionalidade da lei lesiva.
A lei constitucional, que se acha no todo ou em parte em perfeita consonância com o texto constitucional, quando lesiva aos direitos dos administrados, constitui hipótese de causação lícita de danos. A obrigação estatal resulta da prática de atos amparados por um direito legalmente reconhecido ao legislador de criar, modificar ou extinguir situações pré-existentes, sacrificando bens e valores jurídicos das pessoas, inferiormente valorados pela ordem jurídica.
O fundamento prevalente é o princípio da igualdade de todos perante os encargos públicos. Exige para o seu reconhecimento a demonstração do nexo causal entre o ato legislativo e o dano, além da especialidade e anormalidade da lesão.
O Estado deve ser responsabilizado pela omissão legislativa no caso dos danos resultarem da inércia do legislador ordinário em editar normas destinadas a dar operatividade prática a direitos garantidos constitucionalmente a fim de torná-los atuantes, desde que haja fixação de prazo para emanação de tal ato.
Informações Sobre o Autor
Marisa Helena D’Arbo Alves de Freitas
Professora Assistente Doutora da Faculdade de História, Direito e Serviço Social. Universidade Estadual Paulista –UNESP – Campus de Franca/SP