Introdução
No cenário em que se encontra a sociedade brasileira, pode-se claramente perceber o gradativo processo de flexibilização dos diretos trabalhistas, o que se constata pelas várias mudanças sofridas ultimamente na Consolidação das Leis do Trabalho.
Este processo de flexibilização, que se desenvolveu dentro do sistema legislativo mundial, acabou por influenciar também a redação final de um projeto que tramitou no Congresso por mais de dez anos e que deu origem à Nova lei de Falências, LFR, Lei n. 11.101, de 9 de Fevereiro de 2005, a qual revogou o Decreto-lei 7661/45.
Diante da influência sofrida, a LFR deu preferência à proteção dos direitos dos credores e dos créditos, em face dos direitos trabalhistas, cerceando assim várias garantias já conquistadas pela classe trabalhadora hipossuficiente.
É neste contexto que se abordará um dos pontos mais controvertidos da nova legislação falimentar, que limitou quantitativamente em 150 salários mínimos os créditos trabalhistas na classificação dos créditos a serem recebidos após a falência , transformando o saldo restante em crédito quirografário, o que confronta diretamente também com outros diplomas legais em vigor e ferindo assim vários princípios constitucionais e justrabalhistas, como o Princípio da Lei Mais Benéfica ao Trabalhador, o Princípio da Proporcionalidade e ainda questionando um vício formal de hierarquia de normas.
Diante de tanta repercussão já existe até no Supremo Tribunal Federal Ação Direta de Inconstitucionalidade, questionando a legalidade da limitação de créditos, disposta no artigo 83, inciso I da referida lei, a qual também possui parecer proferido pelo Procurador Geral da União, Cláudio Fonteles, os quais serão abordados em momento oportuno.
Lembrou-se também de tratar sobre o tema Falência de modo bem simplificado, e informando quais foram as mudanças advindas que não fazem referência ao Direito do Trabalho.
E assim ao fim do estudo pretende-se demonstrar o equívoco cometido pela lei, tomando como base os reflexos sociais que este dispositivo trará a uma grande parcela da sociedade, posicionando-se contra a linha de raciocínio do legislador, e buscando provar a falta de razoabilidade ao se onerar ainda mais a parte mais frágil da relação.
Diante dessa perspectiva se torna relevante este trabalho científico, aonde questionar-se-á a validade do dispositivo ao limitar os créditos trabalhistas implantado pela LFR, buscando provar suas inconstitucionalidade e assim demonstrar o equívoco do legislador cometeu ao aprovar tais pontos.
1 A nova lei de falências e recuperação judicial e suas inovações no que se refere aos direitos trabalhistas
A Nova Lei Falências e Recuperação Judicial – LFR, Lei n. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, revogou o Decreto-Lei n. 7.661 de 21 de junho de 1945, que foi criado no pós-guerra, e refletia um modelo de empresa baseado nas coordenadas capitalistas da Conferência de Bretton Woods de 1944, e que atualmente já estava defasada diante do contexto econômico no qual estava inserido, não atendendo mais os fins aos quais se destinava. (FAZZIO, 2005, p.18).
1.1 O projeto de Lei nº 4376/93
O projeto de lei que resultou na LFR foi fruto do trabalho de Leon Fejda Szklarowsky e Alfredo Bumachá e foi apresentado à Câmara dos Deputados no ano de 1993, por iniciativa do então Presidente da República, Itamar Franco.
Buscava-se com isso atender também a uma tendência latino-americana de reformulação das legislações falimentares. Tais reformas eram estimuladas pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional – FMI. Essas novas legislações apresentavam como principal característica a implantação de um sistema protecionista, capaz de proteger o mercado financeiro de uma eventual crise econômica nacional, a qual poderia desencadear reflexos internacionais, balançando as economias mundiais, assim como ocorreu no episódio da crise de 1929.
O Projeto de Lei nº 4.376 de 1993 tramitou por quase 10 anos na Câmara do Deputados e tinha como relator o deputado Oswaldo Biochi. O motivo de tal demora está justificada pelo excesso de substitutivos e emendas apresentadas ao projeto, e também pela efetiva intervenção do Banco Central do Brasil, propondo diversas mudanças no texto original.
Ao final, o projeto já havia recebido o total de 484 emendas e 5 substitutivos, sendo aprovado e encaminhado ao Senado sobre a designação de Projeto de Lei da Câmara – PLC n.71, de 2003.
No Senado o projeto teve como relator o Senador Ramez Tebet, que apresentou substitutivo integral ao texto, sendo que mais tarde este substitutivo sofreria mais 60 emendas.
A redação final do projeto foi baseada na legislação falimentar norte-americana, que desde 1938 adotava um sistema de medidas jurídicas capazes de solucionar as dificuldades econômicas das empresas, buscando mantê-las ativas, reestruturá-las e reorganizá-las ao invés de liquidá-las somente. (OLIVEIRA, 2003, p.22).
Em junho de 2004 o PLC n. 71 retornou para a Câmara dos Deputados aonde foi aprovado. Em dezembro daquele ano, depois de mais de onze anos de tramitação no Congresso Nacional, o projeto foi encaminhado para a sanção pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva, que o sancionou em 9 de Fevereiro de 2005, com apenas três vetos aos artigos 4o, 35, “c”, I, “a” e 37, §6o II . (SOUZA, 2006, p.42).
É salutar informar que as normas dispostas no Decreto-lei n. 7661/45 continuam em vigor para aplicação aos processos de concordata preventiva, concordata suspensiva e falência, em curso no dia anterior ao do início da vigência da LFR conforme seu artigo 192.
1.2 Falência
Analisando etimologicamente a origem da palavra falência, tem-se que a mesma provém do verbo latino fallere, como ressaltado por De Plácido e Silva:
Derivado do latim fallere, de que se formou falletia,, possui originalmente o sentido de falha, defeito, carência, engano ou omissão. […] sem fugir do sentido etimológico, falência e a falta de cumprimento à obrigação assumida, ou o engano do devedor ao credor pelo inadimplemento da obrigação em seu vencimento. […] (DE PLÁCIDO E SILVA, 2005, p.594)
Em tempos remotos essa expressão retratava uma conotação pejorativa do ato de dever, ato este que possuia caráter delitivo e extremamente repudiado pela sociedade antiga. (FERNANDO, 2005, p.13).
1.2.1. Noções, classificação de créditos
Em tempos contemporâneos a falência é conceituada como sendo “o reconhecimento jurídico da inviabilidade da empresa”, consubstanciada por um procedimento judicial que visa o adimplemento das obrigações ainda não cumpridas pelo devedor empresário insolvente.
Marcelo Papaléo de Souza conceitua da seguinte forma:
A falência caracteriza-se como um processo de execução coletiva, decretado judicialmente, dos bens do devedor, ao qual concorrem todos os credores para o fim de arrecadar o patrimônio disponível, verificar os créditos, liquidar o ativo, saldar o passivo, em rateio, observadas as preferências legais. (SOUZA, 2006, p.108).
Este procedimento pode ser iniciado pelo próprio empresário insolvente, ou por seus credores, ou ainda mediante convolação da recuperação judicial.
Ressalta-se que para ser decretada a falência é necessário a presença de pressupostos indispensáveis, que deverão coexistir entre si, e eles são:
1) Devedor empresário, no pólo passivo da falência, pois somente o empresário pode falir, individual ou coletivamente. Rubens Requião em sua obra define empresário como sendo o sujeito que exercita a atividade empresarial, tendo como requisitos: a) capacidade; b) exercício dos atos de comércio; c) profissão habitual. (REQUIÃO, 2003. p. 75)
2) Insolvência comercial é a situação fática em que há uma cessão dos pagamentos ou a existência de atos praticados pelo empresário que se demostram prejudiciais aos interesses dos credores. Os quais demostram a falta de pecúnia para o adimplemento de obrigação líquida vencida, demonstrando assim que o passivo é maior que o ativo;
3) Existência da sentença declaratória de falência.
A doutrina ainda distingue a falência em de fato e de direito. A falência de fato nada mais é do que a conseqüência da impontualidade ou falta de pagamentos, a qual vem gerar suspeita sobre o estado de insolvência do devedor. Já a de direito deve estar fundamentada na falência de fato, assim, é proferida sentença que declara o estado jurídico de falência. A partir deste momento se busca a penhora de todos os bens do devedor, para que assim seja efetuada uma execução coletiva.
A LFR inovou também ao extinguir a concordata e criar a recuperação judicial, na qual o devedor empresário busca reerguer a empresa com o auxílio da tutela jurisdicional do Estado, evitando que a mesma venha convolar em falência, preservando os interesses dos credores, trabalhadores e fortalecendo a atividade econômica.
Fábio Ulhoa conceitua recuperação judicial como sendo:
Faculdade aberta pela lei exclusivamente aos devedores que se enquadram no conceito de empresário ou sociedade empresária, em razão da qual podem reorganizar suas empresas, com maior ou menor sacrifício dos credores, de acordo com o plano aprovado ou homologado judicialmente. (COELHO, 2006, p. 309).
A recuperação judicial é a última chance que o Estado concede ao empresário para que este venha tornar viável a sua empresa que esta passando por dificuldades, evitando que a mesma venha ter sua falência decretada.
Na nova lei manteve-se a função da falência, que é de afastar o empresário insolvente das atividades, e realizar o pagamento dos credores. Para isto, a LFR criou novos institutos com a intenção de otimizar este processo, dentre os quais apontam-se a assembléia-geral dos credores, o comitê de credores e o administrador judicial que vem substituir a figura do síndico.
Caso seja decretada a falência será efetuado um quadro geral dos credores, no qual será feita uma classificação, para que desta forma possam receber da massa falida da empresa o que lhe é de direito. Esta ordem de classificação é dada mediante a natureza do crédito que é apresentado pelo credor, buscando assim reequilibrar e proteger os interesses dos credores no que resta do ativo disponível do devedor.
Todos os credores serão indicados pelo falido, caso não seja indicado, este deverá peticionar para a inclusão do seu crédito junto ao Juízo Universal da Falência, para que haja, assim, a satisfação de seu direito. Mister ressaltar que a Fazenda Pública não precisará proceder à habilitação, mas terá de exigir os valores devidos junto ao Juízo Universal.
Diante da diversidade de espécies de créditos habilitados, o legislador falimentar, sob a luz do Par Conditio Creditorum, resolveu elencar a ordem de pagamento a ser respeitada no processo falimentar.
De acordo com o disposto no artigo 149 da LFR, pagos os créditos extraconcursais, que são os créditos oriundos de serviços prestados à empresa, logo após o deferimento do plano de recuperação judicial, em que esta veio convolar em falência, na forma do artigo 84 da LFR, e consolidado o quadro geral de credores, as importâncias recebidas com a realização do ativo serão destinadas ao pagamento de credores, conforme estipula o artigo 83.
Na legislação revogada, tínha-se a previsão legal do artigo 102 do Decreto-Lei n. 7661/45. Na LFR, a classificação dos créditos está disposta, principalmente, nos artigos 83 e 84, e segue a seguinte ordem:
a) Créditos derivados de relações de trabalho, limitados a 150 salários mínimos por credor e os acidentários;
b) Créditos com garantia real, até o limite do valor do bem gravado;
c) Créditos tributários;
d) Créditos com privilégio especial;
e) Créditos com privilégio geral;
f) Créditos quirografários;
g) Multas contratuais e penas pecuniárias;
h) Créditos subordinados.
Outras alterações importantes advindas com a nova lei falimentar, dentre outras se aponta: o processo de falência ser mais célere, obedecendo ao Princípio de Economia Processual, descrito no artigo 75, parágrafo único da LFR; no que tange aos reflexos da falência na sociedade, agora tem-se os sócios respondendo ilimitadamente (artigo 81 da LFR); para que o credor possa pleitear requerimento contra o devedor empresário, foi instituído um valor mínimo de 40 salários mínimos, disposto no artigo 94, I da LFR; e na realização do ativo a preferência se dá para a liquidação em bloco, previsto no artigo 140 da LFR.
1.3. Pontos controvertidos da LFR no que tange aos direitos trabalhistas.
Ao se comparar a LFR com o Decreto-Lei n. 7661/45, observa-se que advieram várias novidades ao ordenamento jurídico, principalmente no que se refere aos Direitos Trabalhistas. De acordo com a explicação do relator do projeto no Senado, Senador Ramez Tebet, as modificações realizadas no projeto originário da Câmara dos Deputados foram feitas sob a luz de vários parâmetros, dentre eles alguns que se relacionam com o direito dos trabalhadores, são destaque:
Preservação da empresa em razão da sua função social , pois gera riquezas econômicas e cria emprego e renda contribuindo para o desenvolvimento social do país. Proteção dos trabalhadores não só com a procedência no recebimento de seus créditos, mas com instrumentos que preservem a empresa e seus empregos.
Apesar de se basear nestes parâmetros, a nova lei falimentar acarretou em uma diminuição dos direitos dos trabalhadores, como ressalta Grijalbo Fernandes Coutinho, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, para ele as alterações previstas na nova lei de falências, “visam transferir para o empregado a responsabilidade pelos eventuais problemas de ordem econômica e financeira enfrentados pelas empresas”. (COUTINHO, 2003, p.2-3).
Vários são os pontos controversos nesta lei, notadamente no que se refere às relações de trabalho e isso reflete no sistema jurídico nacional.
O professor Julpiano Chaves Cortez lembra que a sucessão trabalhista e a proteção que o trabalhador possui baseada nos Princípios da Intangibilidade, da Continuidade dos Contratos de Trabalho e no da Despersonalização do Empregador, no caso de a empresa ser sucedida, garantem que o sucessor venha responder subsidiariamente pelos encargos trabalhistas. (CORTEZ, 2005, p. 3).
O fim da sucessão trabalhista está disposto claramente no artigo 141, inciso II da LFR: Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo:
…………………………..
II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.
Desta feita a LFR propõe que na realização de ativo, ao se alienar a empresa em dificuldades, o novo dono não se responsabilizará pelas dívidas de natureza trabalhista referentes à gestão do antigo empresário, ficando a nova empresa totalmente saneada de qualquer tipo de ônus trabalhista. Assim, ao comprar a empresa, estará sendo feito um novo contrato de trabalho com cada um dos empregados.
O professor Amauri Mascaro Nascimento, citado por Julpiano Chaves Cortez justifica que:
A medida destina-se a um fim econômico: permitir que haja interessados no patrimônio falido e desse modo promover o levantamento de recursos em dinheiro para pagamento de credores, inclusive trabalhistas. (CORTEZ, 2005, p. 3).
Na prática esta medida pouco beneficia os trabalhadores, a vantagem de se continuar no emprego, é ofuscada pela necessidade de se romper o antigo contrato de trabalho para se fazer um novo contrato, permitindo assim ao novo empregador o poder estipular novas cláusulas, diminuir salários dentre outras medidas.
O que gera estranheza é o fato deste artigo da LFR estar discordando com o preceituado no Código Civil no artigo 1.146 que assim estabelece:
Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.
Causa estranheza também se comparado com o disposto nos arts. 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho:
Art. 10. Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados
……………………….
Art. 448. A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.
Desta forma, a lei abriu um leque de possibilidades de fraude, visto que o empresário pode provocar a falência da empresa para que, posteriormente, esta seja adquirida sem nenhum débito trabalhista e tributário, por um “laranja”. (WALDRAFF, 2006, p.1).
Neste mesmo sentido, Guilherme Guimarães Feliciano, em parecer proferido a pedido da ANAMATRA, expõe o seguinte:
A inovação fere de morte, na recuperação judicial e na falência, as normas tuitivas dos artigos 10 e 448 da CLT, cuja maior inovação, nos idos de 1943, foi justamente carrear a responsabilidade trabalhista à empresa objetivamente considerada (artigo 2o, caput, da CLT), não aos seus sócios ou sequer à sua pessoa jurídica. Impedir que o trabalhador lesado busque a satisfação de seus créditos junto aos adquirentes da empresa ou de seus estabelecimentos fragiliza a posição social já débil dos trabalhadores subordinados e poderá facilitar fraudes em detrimento dos ex-empregados de uma dada empresa, desde que haja conluio entre o inadimplente e os arrematantes. Ademais, se a empresa continua nas mãos de terceiro e prospera, recuperando-se financeiramente e amealhando patrimônio suficiente para a quitação dos créditos trabalhistas pendentes, não há razão de ordem prática ou teórica que justifique coarctar o direito de ação dos trabalhadores, sob pena de tisnar, outra vez, o princípio da dignidade humana (visto que os créditos trabalhistas têm, a rigor, natureza alimentar), e violar de modo oblíquo o princípio do artigo 5o, caput, da CRFB (já que a norma estabelecerá distinção inexplicável entre os trabalhadores de empresas saudáveis ? aos quais aproveitarão as normas dos artigos 10 e 448 da CLT ? e os trabalhadores de empresas falidas ou sob recuperação ? em relação aos quais far-se-á tábula rasa daquelas mesmas normas). (FELICIANO, 2004, p.5).
Neste comentário o Guilherme Guimarães foi bem claro em demonstrar que na realidade esta medida onera de forma significativa as intenções dos trabalhadores em buscar a satisfação de seus créditos, deixando evidente que o legislador falimentar não resguardou os direitos dos mais hipossuficientes desta relação.
O sistema adotado por esta lei vem parafrasear o discurso do ex-presidente norte-americano Bill Clinton citado por Julpiano Chaves Cortez que disse: “Qualquer emprego é melhor que nenhum emprego” (CORTEZ, 2005, p.3), assim quem não estiver satisfeito com o emprego que possui, que procure outro melhor, pois existem muitas pessoas que estão esperando sua vaga, para receber menos que você ainda. É esta a idéia difundida atualmente pelo capitalismo.
Outro ponto controverso é o que faz referência ao Juízo Universal do processo falimentar. Segundo a doutrina, sob a luz da LFR, o juízo da falência é indivisível, uno, sendo competente para todas as lides referentes à massa falida.
Nas palavras de Fábio Ulhoa “ Esta é a chamada aptidão atrativa do juízo falimentar, ao qual conferiu a lei a competência para conhecer e julgar todas as medidas judiciais de conteúdo patrimonial referentes ao falido ou à massa falida.”(COELHO, 2006, p.319). Assim todas as questões incidentes que se referem a estes sujeitos da relação falimentar deverão ser argüidas em um único juízo, evitando assim o conflito de competência.
De acordo com o artigo 114 da Constituição Federal de 1988, alterada pela Emenda Constitucional n. 45, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar ações oriundas da relação de trabalho.
Assim, a Justiça do Trabalho teria também competência para executar seus julgados, privilegiando a classe trabalhadora. Mas, diante da característica trazida pela LFR, os dissídios trabalhistas julgados na Justiça do Trabalho referentes à empresa falida, deverão ser executados pelo Juízo Universal.
Esta questão foi matéria de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça, em que os Ministros ratificaram o entendimento exposto na lei falimentar, consignando ao Juízo Universal a competência nas execuções trabalhistas referentes à massa falida, justificado na preocupação de se evitar decisões conflitantes.
A jurisprudência pátria trata também desta matéria:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO TRABALHISTA CONTRA EX-SÓCIO. INSOLVÊNCIA CIVIL. FALÊNCIA DA EMPRESA. JUÍZO UNIVERSAL. I – Tratando-se de execução trabalhista movida contra empresa falida, em que foi penhorado bem imóvel pertencente a ex-sócio, cuja insolvência civil fora também decretada, tem-se como competente o Juízo Universal da quebra, evitando-se decisões conflitantes, nele decidindo-se sobre a desconsideração ou não da pessoa jurídica e os limites da responsabilidade do ex-sócio pela gestão ou participação passadas. II – Conflito conhecido, para declarar competente o Juízo da 1a Vara da Fazenda de Curitiba, PR. (CC n.30813-PR. rel Ministro Aldir Passarinho Junio)
Ponto interessante a ser lembrado é a possibilidade que a LFR abriu ao permitir que os credores trabalhistas possam requerer a falência, prerrogativa esta que não era vislumbrada pela antiga lei de falências.
Assim o trabalhador estará munido de interesse jurídico e legitimidade para propor a ação de falência “bastando para isso demonstrar protesto exigido em na hipótese do art. 94, I; a certidão do juízo trabalhista de execução frustada, no caso do art. 94, II; ou a prática de qualquer ato relacionado no art. 94, III da LFR” (SOUZA, 2006, p. 284)
Finalizando, têm-se também como um dos principais pontos controversos da LFR o que faz menção à limitação quantitativa dos créditos trabalhistas na classificação dos credores em 150 salários mínimos, que é objeto do estudo e que será tratado de modo minucioso mais adiante.
2 Princípios do direito do trabalho
A palavra princípio tem origem no latim principium e tem como significado o “conjunto de regras e preceitos que se fixam para servir de alicerce das normas que formam o Direito”. (MIRABETE, 2005, p. 30)
A Consolidação das Leis do Trabalho, CLT, em seu artigo 8º consagra a função integrativa dos Princípios Gerais do Direito ao salientar sua aplicação somente para casos em que há omissão legal ou contratual, ou em situações em que deva orientar a compreensão, nos casos de lacunas, ou na necessidade de uma interpretação da lei.
Assim como a equidade e a analogia, os princípios completam o ordenamento jurídico em suas lacunas, como define o artigo 4º da LICC. “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
Art. 8º – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
O estudo principiológico se faz necessário neste trabalho, visto que a LFR viola vários princípios basilares do Direito do Trabalho, assim remete-se a lição do administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello:
Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa ingerência contra o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. (MELLO, 1994, p. 451)
Dessa forma fica evidente o quão grave é quando uma norma infringe um princípio já sedimentado, demonstrando assim a necessidade da intervenção do Poder Judiciário por seus órgãos competentes afim de sanar vícios que permeiam o ordenamento jurídico.
2.1- Princípio da proteção
Este princípio parte da premissa que, como o empregador é detentor do poder econômico, assim ficando em uma situação privilegiada, ao empregado será conferida uma vantagem jurídica, a qual buscará equalizar esta diferença, objetivando assim atenuar no plano jurídico, o desequilíbrio sócio econômico inerente ao plano fático do contrato de trabalho.
Este princípio ainda se desdobra em outros três, que será analisado a seguir.
2.1.1 -“In Dúbio pro Operário”
Assim como no Direito Penal há a figura do “in dubio pro reu”, no Direito do Trabalho encontra-se o “in dubio pro operario”, que em muitas doutrinas, está sobre a terminologia “in dubio pro misero”, significando que nos casos de dúvida, o aplicador da lei deverá aplicá-la de maneira mais favorável ao empregado.
Porém é necessário salientar que este princípio não deverá ser aplicado nos casos em que a sua utilização afrontar claramente a vontade do legislador, ou versar sobre matéria da qual será necessária apreciação de provas. Dessa forma se aplicará conforme disposto nos artigo 330 do CPC e artigo 818 da CLT.
2.1.2 – Princípio da condição mais benéfica.
Este princípio é uma aplicação do princípio constitucional do direito adquirido, esculpido no artigo 5º da CF/88:
Art. 5ª,[…]XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada
Assim o trabalhador que já conquistou um direito não poderá ter seu direito atingido, mesmo que sobrevenha uma cláusula contratual nova que não lhe seja favorável.
Este princípio estabelece que cláusulas contratuais benéficas só poderão ser suprimidas em casos de edição de nova cláusula, portanto, posterior mais benéfica ainda, caso contrário, esta não poderá entrar em vigor no contrato de trabalho ou regulamento da empresa.
Sobre esta matéria tem-se a súmula 51 do TST, que afirma o seguinte:
Súmula-51 – Norma Regulamentar. Vantagens e opção pelo novo regulamento. Artigo 468 da CLT.
I – As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento.
II – Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro.
2.1.3. Princípio da aplicação da norma mais favorável
Na hipótese de haver duas ou mais normas justrabalhistas sobre a mesma matéria, será hierarquicamente superior, sendo aplicada ao caso concreto, a que ofereça maiores vantagens ao trabalhador, salvo no caso de leis proibitivas do Estado.
Amauri Mascaro Nascimento salienta que:
“Resulta do pluralismo do direito do trabalho, que é constituído de normas estatais e dos grupos sociais; da finalidade do direito do trabalho, que é a disciplina das relações de trabalho, segundo um princípio de melhoria das condições sociais do trabalhador com características marcadamente protecionistas, como expressão de justiça social; e da razoabilidade que deve presidir a atuação do intérprete perante o problema social”. (NASCIMENTO, 1999, p. 232)
Este princípio foi desdobrado em:
2.1.3.1. Princípio da elaboração de normas mais favoráveis
Vem ditar ao legislador que este, ao elaborar uma lei, deve analisar seus reflexos e visar melhorias para as condições sociais e de trabalho do empregado.
2.1.3.2. – Princípio da hierarquia das normas jurídicas
Ao contrário do direito comum, no direito pátrio, a pirâmide que se forma entre as normas terá como vértice não a Constituição Federal ou a lei federal ou as convenções coletivas de modo imutável. O vértice da pirâmide da hierarquia das normas trabalhistas será ocupado pela norma vantajosa ao trabalhador.
Observe-se que, independentemente da hierarquia das normas jurídicas, deverá ser aplicada sempre a mais benéfica ao trabalhador. Assim, se em uma convenção ficar decidido que as férias serão de 45 dias, assim ocorrerá, mesmo que na CF esteja disposto apenas 30 dias.
Ressalta-se que existe uma exceção a esta regra, que são as normas de caráter proibitivo, que não são abrangidas pela eficácia de tal princípio.
2.1.3.3 – Princípio da interpretação mais favorável
Quando existir uma obscuridade no texto legal deverá se aplicar a lei que melhor acomodar os interesses do trabalhador. A interpretação sempre deverá ser de forma que se venha proteger os direitos dos trabalhadores.
2.2- Princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas
Este princípio está bem claro no artigo 9º da CLT, combinado com o artigo 7º VI da CF/88, que, aliás, traz a única ressalva a este princípio:
Art. 9º CLT – Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
Art. 7.º CF – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social.
[…]
VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
2.3 – Princípio da primazia da realidade
Este princípio faz referência ao princípio da verdade real, que está no Direito Processual Penal. Sua aplicação no Direito do Trabalho vem demonstrar a maior valoração do fato real em relação àquilo que consta em documentos formais.
Guilherme Guimarães Feliciano, juiz do Trabalho da 15ª Região, salienta que:
Em matéria de trabalho importa o que ocorre na prática, mais do que aquilo que as partes hajam pactuado de forma mais ou menos solene, ou expressa, ou aquilo que conste em documentos, formulários e instrumentos de controle. (FELICIANO, 2005, p. 1)
Assim, independentemente do que fica pactuado em contratos, o que vale para análise, é a situação factual que acontece na constância do vínculo empregaticio.
2.4 – Princípio da continuidade da relação de emprego
Este princípio determina que salvo prova em contrário, presume-se que o trabalho terá validade por tempo indeterminado. As exceções serão os contratos por prazo determinado e os trabalhos temporários.
Súmula 212 TST: Despedimento. Ônus da prova – O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado.
Como conseqüência deste princípio tem-se o princípio da proibição da despedida arbitrária ou sem causa, conforme dispõe o artigo 7º, inciso I da CF/ 88:
Art. 7.º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
2.5. O princípio da lei mais benéfica e a hierarquia das normas.
Como supracitado, há um conflito aparente de normas entre a CLT e LRF no ordenamento jurídico brasileiro. O governo, defendendo seu posicionamento, considera revogado o artigo 449, § 1o da CLT, em decorrência do disposto no artigo 83 inciso I da LRF, que estabelece a limitação dos créditos trabalhistas.
Já as entidades de classe defendem a CLT ao não concordarem que uma lei referente ao Direito de Falências venha revogar direitos já garantidos aos trabalhadores em um diploma especializado na matéria.
Criou-se assim uma situação de instabilidade jurídica, pela qual duas normas que dispõem sobre o mesmo assunto, mas são contrarias entre si. Tem-se aqui um exemplo clássico de antinomia jurídica.
Não há, assim, contradição inconciliável entre as regras heterônimas estatais e regras autônomas privadas coletivas (entre o Direito do Estado e o Direito dos grupos sociais), mas uma espécie de harmoniosa concorrência: a norma que disciplinar uma dada relação de modo mais benéfico ao trabalhador, prevalecerá sobre as demais , sem derrogação permanente, mas mero preterimento, na situação concreta enfocada. (DELGADO, 2004, p.178)
O autor ainda faz uma ressalva sobre qual momento o Direito Comum prevalece sobre o Direito do Trabalho.
Há, entretanto, limites a essa incidência desse critério hierárquico especial ao direito do trabalho – fronteira a partir da qual mesmo no ramo justrabalhista se respeita o critério rígido e inflexível do Direito Comum. Tais limites encontram-se nas normas proibitivas oriundas do Estado. De fato, o critério justrabalhista especial não prevalecerá ante normas heterônomas estatais proibitivas, que sempre preservarão sua preponderância, dado revestirem-se do imperium específico a entidade estatal. Tais normas – como dito – encouraçam-se em sua incidência de um inarredável matiz soberano. (DELGADO, 2004 , p.178)
A corrente que se mostra mais sensata é aquela defendida pelas entidades de classe que representam os trabalhadores, visto que baseiam sua argumentação no princípio norteador do Direito do Trabalho Contemporâneo que é o da Norma Mais Favorável ao Trabalhador.
Neste princípio tem-se que o vértice da pirâmide hierárquica do direito do trabalho será sempre variável, para que assim possibilite a ascensão de uma nova norma que venha estabelecer melhor condição socioeconômica para o trabalhador.
Esta estrutura hierárquica não se enquadra nos moldes ditados ao direito comum, defendidos por Hans Kelsen, no qual no ápice da pirâmide se encontra definitivamente a Constituição Federal.
Maurício Godinho Delgado explica que na aplicação da norma mais favorável, utiliza-se a teoria do conglobamento, a qual vislumbra que o “parâmetro da coletividade interessada ou trabalhadora objetivamente considerado como membro de uma categoria ou seguimento, inserido em um quadro de natureza global”. (GODINHO, 2003, p.183).
Neste mesmo sentido tem-se Amauri Mascaro Nascimento que diz:
“O conglobamento, que quer dizer consideração global ou de conjunto – critério que Deveali chama de orgânico porque respeita cada regime em sua unidade integral, não o decompondo com o que fica excluída a possibilidade de aplicação simultânea de regimes diferentes, foi valorizado pela doutrina italiana, afirmando Barassi que a regulamentação convencional constitui um todo inseparável que não pode ser tomado isoladamente.[…] Nesse caso há uma “acumulação de matérias”, independentemente do tipo de norma, estatal ou profissional, que as contém. Organiza-se o instrumental “ratione materiae” para extrair-se a mais benéfica, porém sem desprezo à prevalência da norma especial sobre a geral”. (NASCIMENTO, 1999, p. 236)
Plá Rodrigues citado por Amauri Mascaro Nascimento também faz a seguinte conclusão sobre a teoria do conglobamento: “O conjunto que se leva em conta para estabelecer a comparação é o integrado pelas normas referentes à mesma matéria, que não se pode dissociar sem perda de sua harmonia interior”. (NASCIMENTO, 1999, p. 236)
Diante do que foi supracitado, fica latente que a limitação de créditos vem cercear o direito do trabalhador de receber a integralidade do que lhe é devido. Desta feita não é possível vislumbrar em momento algum situação em que a LFR pode ser tratada como norma benéfica para a classe trabalhadora, chegando até ao disparate de o nivelar os saldos dos 150 salários mínimos aos créditos quirografários.
Neste sentido tem-se jurisprudências que tratam do tema:
FALÊNCIA – crédito trabalhista – declaração pela Justiça do Trabalho – Correção monetária – sentença que limitou sua incidência ate a data da quebra – Inadmissibilidade – Ademais, credito privilegiado que não pode ser nivelado ao quirografario – Determinada a incidência da correção monetária ate a data do pagamento pela massa falida. Credito trabalhista habilitado em falência, decorrente de decisão emanada da Justiça do Trabalho, deve ser corrigido monetariamente ate a data do efetivo pagamento pela massa falida, seja porque e credito privilegiado. (TJSP, RT, 726/226).
2.6. Princípio da proporcionalidade
Para justificar o posicionamento de que a LRF não se sobrepõe ao disposto na CLT, basea-se também no princípio da proporcionalidade, o qual tem como intuito colocar limites e neutralizar o Poder Público, no que tange às suas atividades administrativas, legislativas e regulamentares.
De Plácido e Silva conceitua como sendo:
“Refere-se a adequação que deve existir entre a ação e o resultado ou entre os valores protegidos pelas normas jurídicas. E o critério de interpretação axiológica, quando se põem em confronto valores diversos, devendo o intérprete optar pelo valor que se mostra com maior densidade ou importância.” (PLÁCIDO E SILVA, 2005, p.1114)
Gilmar Ferreira Mendes citado por Marcelo Papaléo ensina que tal princípio deve ser utilizado para a observância de determinados requisitos os quais pressupõem:
“[…] não só de a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, mas também a adequação desses meios para consecução dos objetivos pretendidos […] e a necessidade de sua utilização […], de tal modo que um juízo definitivo sobre proporcionalidade ou razoabilidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador[…]”. (SOUZA, 2006, p.233)
O princípio da proporcionalidade (Verhältnismassigkeitsgrundsatz) teve origem na Alemanha e nasceu no Direito Administrativo, mas a partir de 1949 alcançou seu reconhecimento pela doutrina e jurisprudência no campo do Direito Constitucional. Este princípio não está expresso na carta magna de 1988, mas se encontra implícito em diversos artigos, como por exemplo, no 138, 173 dentre outros…
O artigo 83, inciso I da LRF fere os preceitos garantidos no direito dos trabalhadores, os quais estão assegurados no artigo 7º e incisos, e os valores sociais do trabalho que estão no artigo 1o da CF, e também os diretos sociais artigos 6 a 11 da CF.da Constituição Federal de 1988.
Observa-se que a lei acaba protegendo os demais créditos, dentre eles os bancários, em detrimento da classe trabalhadora, não sendo assim nem razoável muito menos justa, restringir uma garantia constitucional, principalmente por se tratar de créditos com caráter estritamente alimentar. Nelson Nery Júnior ensina que “toda lei que não for razoável, isto é, que não seja a law of the land, é contrária e deve ser controlada pelo Poder Judiciário.” (NERY JUNIOR, 2004, p.56)
Neste mesmo sentido tem-se Marcelo Papaléo que justifica da seguinte forma:
Devem ser protegidos os direitos sociais contra qualquer modalidade de legislação ou regulamentação que se reveste opressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade. Tal norma se revela com vicio da não-razoabilidade, configurando excesso de poder e desrespeito a norma constitucional. (SOUZA, 2006, p.234)
Após o estudo de tais princípios, analisar-se-á adiante o pilar do trabalho, que é provar a inconstitucionalidade do artigo 83, I da LFR, aplicando o que já foi estudado neste capítulo, para demonstrar a incompatibilidade jurídica da norma supramencionada.
3 Limitação quantitativa dos créditos trabalhistas
Um dos pontos mais polêmicos trazidos pela nova legislação falimentar é o que faz referência à limitação dos créditos trabalhistas. Na legislação anterior, Decreto-Lei n. 7661/45, esses créditos eram considerados como últimos na ordem de pagamento. Tal injustiça só foi desfeita 15 anos depois, após aprovação da Lei n. 3726 de 11 de fevereiro de 1960, a qual deu nova redação ao artigo 102 da antiga lei falimentar.
No que se referia aos trabalhadores, o artigo 102 após, sua reformulação, regulamentava a seguinte a ordem: 1 – créditos resultantes das indenizações por acidente do trabalho, artigo 102 caput ; 2 – créditos dos salários e das indenizações dos empregados, no artigo 186 do CTN e artigo 449 da CLT. Também se equiparava a esta categoria os créditos devidos por comissões vencidas e vincendas, indenizações do aviso prévio e rompimento injusto do contrato, e outros créditos, referentes aos representantes comerciais.
A doutrina entende por crédito privilegiado todo aquele que em virtude de disposição legal, tem assegurado preferência em relação aos outros credores sobre todos os bens do devedor.
De Plácido e Silva relembra que este crédito deve ser pago primeiro “[…]não se encontrando sujeito a dividendos ou rateios, salvo quando ocorrem vários de sua classe e somente sobre eles.” (DE PLÁCIDO E SILVA, 2005, p.398) assim, será permitido rateios apenas dentro própria classe privilegiada, nunca fora dela.
Sua diferença para com os o créditos quirografários, é que este não possui nenhuma preferência ou garantia, sujeitando seu titular aos azares da insolvência do devedor.
Pode-se observar que os créditos trabalhistas não possuíam nenhum tipo de limitação, já que eram considerados privilegiados diante de seu caráter alimentar, respaldado também pela CLT em seu artigo 449 que assim dispõe:
Art. 449. Os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa.
§ 1º Na falência, constituirão créditos privilegiados a totalidade dos salários devidos ao empregado e a totalidade das indenizações a que tiver direito. (grifo nosso)
Mas, contrariando a CLT, a LFR instituiu um teto ao valor dos créditos trabalhistas, limitando-o quantitativa em 150 salários mínimos por cada credor-trabalhador, tornado-os desta maneira não mais privilegiados, mas sim diferenciados. O que exceder a esta quantia ou for cedido a terceiros, será equiparado aos créditos quirografários na classificação.
Assim dispõe o artigo 83, I, VI, c da LFR, in verbis.
Artigo 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:
I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;
…………………
VI – créditos quirografários, a saber:
…………………
c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo;
Essa limitação acabou gerando várias reações em setores relacionados às empresas, aos trabalhadores e também na comunidade jurídica. Esse ponto não havia sido aprovado na Câmara dos Deputados, mas acabou sendo incluído no Senado pelo relator Senador Ramez Tebet.
Os que elogiam a limitação se baseiam no argumento de que ela se torna um meio hábil para coibir fraudes, visto que a falta de limites para o pagamento de dívidas trabalhistas incentiva outros credores a burlarem a lei, transformando seus créditos em créditos trabalhistas.
Como exemplo de tal manobra, foi citado o caso dos administradores das empresas, os quais habilitariam na classificação um alto valor de créditos trabalhistas correspondentes à sua prestação de serviços como funcionário. Dessa feita o crédito seria pago com preferência em relação aos demais, e abrangeria grande fatia do ativo da empresa falida.
3.1 As conseqüências sociais e econômicas da limitação dos créditos trabalhistas para a classe trabalhadora.
Como já supracitado um dos requisitos essenciais para a falência é a existência da situação fática em que o devedor empresário está em estado de insolvência, o seu ativo é menor do que seu o passivo, ou seja, deve-se mais do que se pode pagar.
Ao se limitar os créditos trabalhistas e eqüivaler seus saldos aos créditos quirografários, o legislador acabou prejudicando a classe trabalhadora, que já havia perdido seu posto de trabalho, e ainda não irá receber na integralidade a quantia referente aos seus direitos adquiridos, visto que não sobrará ativo para satisfazer todos os credores, amargando os trabalhadores assim com o prejuízo.
Justifica-se que limitação de créditos seria a única forma de garantir o adimplemento de um maior número de créditos, evitando as fraudes costumeiras no processo falimentar.
Seguindo este raciocínio, seria elementar também a limitação dos créditos com garantias reais, ou seja, aqueles provenientes do mercado financeiro, dos bancos, os quais exorbitam em valores astronômicos, maiores do que os míseros 150 salários mínimos estipulados para os trabalhadores. (WALDRAFF, 2005, p.2)
A super proteção dos créditos de garantias reais em detrimento aos trabalhistas é explicitada por Roberto Luchezi:
“O argumento fundamental dos bancos é que havendo maior garantia de recuperação por parte das instituições financeiras, o risco, por evidente, será menor, trazendo como conseqüência o barateamento dos encargos financeiros. Outra justificativa é a de que o sistema financeiro promove a produtividade através dos empréstimos”. (LUCHEZI, 2005, p.1)
Discorda-se desta opinião, visto que mesmo antes da entrada em vigor desta lei, as entidades financeiras são talvez as únicas instituições que a cada ano batem recordes de lucros, que chegam a faixa dos bilhões, e mesmo assim nunca seus encargos foram barateados.
Da forma que foi apresentada esta lei, os empregados tornaram-se avalistas dos empréstimos feitos pelas empresas, caso estas não paguem os trabalhadores pagarão com os seus salários.
Existem aqueles que ainda ressaltam que a limitação é uma tentativa de se resguardar empregos dos demais credores, que ficariam também sem receber se a mesma não acontecesse. Contra esse posicionamento tem-se o Juiz Célio Horst Waldraff, que afirma o seguinte:
“[…] imolando-se os direitos dos trabalhadores sob o falso pretexto da preservação de empregos, só se faz privilegiar o crédito bancário. Dados os balanços do ano de 2003 para esta área, é uma cortesia desnecessária. Imaginar que estas medidas criarão ou preservarão empregos é um exercício de otimismo que espanta mesmo os mais desatentos”. (WALDRAFF, 2004, p.1)
Diante do que se expôs torna-se claro que o legislador cedeu às pressões internacionais do Banco Mundial, e do FMI, a fim de favorecer ao mercado financeiro. Outro fato que nos remete a esta situação foi o salto dado pelos créditos com garantias reais que saíram da sétima posição de pagamento na legislação revogada e passaram a ocupar o segundo lugar na ordem de preferência na LFR, estando na frente até dos créditos oriundos de dívidas tributárias, ou seja, receberão até mesmo antes do próprio Estado.
Outro prisma que deve ser analisado como discurso falacioso, é o que alega ser necessária a limitação dos créditos trabalhistas como forma de evitar que administradores e executivos das empresas se habilitem por meio fraudulento, com o intuito de receber quantias ilimitadas antecipadamente. O relator Senador Ramez Tebet, citado por Marcelo Papaléo de Souza se justifica na exposição de motivos da seguinte forma:
“O objetivo da limitação à preferência do crédito trabalhista é evitar o abuso freqüente no processo falimentar, pela qual os administradores das sociedades falidas, grandes responsáveis pela derrocada do empreendimento, pleiteiam por meio de ações judiciais milionárias e muitas vezes frívolas, em que a massa falida sucumbe em razão da falta de interesse em defesa eficiente o recebimento de altos valores com preferência sobre os outros credores e prejuízos aos ex-empregados, que efetivamente deveriam ser protegidos, submetendo-os a rateios com ex-ocupantes de altos cargos”. (SOUZA, 2006, p.234).
Na prática, raramente se vê administradores e executivos concorrendo com trabalhadores comuns nos créditos da massa falida, isto acontece porque estes são na verdade co-responsáveis pela quebra, assim ao vislumbrarem com anterioridade a descapitalização da empresa, os mesmos já retiram imediatamente as quantias que lhe interessam.
Neste sentido o doutrinador Sérgio Pinto Martins não concorda com o exposto no relatório, visto que:
“Mesmo o trabalhador que ganha salário mais elevado, não sendo exatamente hipossuficiente, deve receber a totalidade dos seus créditos decorrentes do seu suor, pois este trabalhador e sua família também vivem do que a empresa lhe paga. (…..) Se existem fraudes no recebimento de verbas trabalhistas elevadas na falência, por pessoas que sequer são empregados e acabam tendo preferências sobre outros créditos trabalhistas, elas devem ser combatidas. O Ministério Público vem ajuizando ações rescisórias contra pessoas que não são empregados e que pretendiam receber créditos fraudulentos nas falências, obtendo excelentes resultados. (…..) A exceção não pode ser tomada como regra. A fraude não pode ser presumida sempre, mas, ao contrário, deve ser provada. A boa-fé se presume e não o contrário. Deve ser observado o interesse público e da coletividade em relação ao interesse particular, especialmente de créditos bancários” (MARTINS, 2004, p. 4.)
Waldo Fazzio Junior sugere a limitação apenas dos salários dos altos cargos da empresa:
“Se a intenção do legislador é fazer justiça social, ate porque para ser justiça tem que ser social, a melhor solução seria estabelecer um limite para o pagamento preferencial dos créditos dos altos funcionários se não estabelecer limite para os trabalhadores de baixa renda. Como se sabe, a regra que pretende igualar, invariavelmente, carece fazer distinções. Da forma como a LFR estipulou o limite para os créditos trabalhistas, colocou no mesmo patamar o desempregado que auferiu na empresa falida elevada remuneração e o que recebeu , durante a relação empregaticia, parcos salários. Diferentemente dos bem pagos administradores, os trabalhadores são hipossuficientes e o que recebem tem sem dúvida, caráter alimentar”. (FAZZIO, 2005, p.90)
Outro argumento utilizado pelos defensores da LFR é de que o valor estipulado em 150 salários por cada trabalhador não prejudica a maioria da classe trabalhadora porque os mesmos não possuiriam créditos necessários para extrapolar o teto preestabelecido, sendo esta medida utilizada com sucesso em diversos países.
O sofisma desta afirmação é latente, sendo que a ANAMATRA através de várias notas técnicas buscou argumentar ao Parlamento tal injustiça, não logrando êxito. Dentre as notas transcreve-se o trecho elaborado pelo membro desta associação, Juiz Guilherme Guimarães Feliciano, com o seguinte conteúdo:
“Com relação ao teto para a preferência do crédito trabalhista, é relevante observar que a fixação do limite de 150 salários mínimos — superior à média de indenizações pagas pela Justiça do Trabalho (12 salários mínimos) — funda-se em uma estatística que desumaniza a pessoa trabalhadora, pois inclui as inúmeras conciliações que se consumam todos os dias nas Varas e Tribunais do Trabalho (em que, a bem da satisfação mais expedita, o trabalhador renuncia, não raro, a mais de cinqüenta por cento dos créditos reclamados) e perde-se em uma abstração que não pode ser imposta como regra a todo trabalhador brasileiro, sob pena de vulneração ao princípio da dignidade humana (artigo 1o, III, da CRFB) […]”. (FELICIANO, 2004, p.2)
O referido jurista ainda fez uma estatística sobre a media de valores que um trabalhador com salário mediano deveria receber, chegando as estes dados:
“[…] Se a estatística considerasse não os pagamentos realizados, mas o valor inicial das causas trabalhistas durante o último ano (2003), ter-se-ia quadro significativamente diverso, apontando para lesões de direitos que usualmente superam a marca de R$ 36.000,00 (150 x R$ 240,00) . E não se fala, aqui, de executivos e ocupantes de altos cargos, mas de trabalhadores rurais em atividade informal por mais de dez anos (sem registro em CTPS ou recolhimento de FGTS e excluído do direito a férias, trezentos salários, horas extras ou adicionais noturnos), de trabalhadores sujeitos a danos estéticos (que dificilmente serão pagos à conta de “créditos decorrentes de acidente de trabalho”) ou morais (e.g., imputações falsas, assédio sexual e assédio moral) ou de industriários sujeitos a regime horário 12 x 36 por cinco anos ou mais, sem autorização legal ou convencional (supondo-se salário de R$ 1.000,00, fruição de intervalo não computado nas doze horas, excesso diário em relação à 8 a hora, adicional de 50% e repercussões contratuais nos demais títulos à base de 30%, chega-se, por simples estimativa, a R$ 1.500,00 : 220h x 1,5 x 4h x 15d x 12m x 5a = R$ 36.818,18 x 1,3 = R$ 47.863,67) […]”. (FELICIANO, 2004, p.2)
O que, após tais cálculos, chegou à seguinte conclusão:
“Em geral, o limite de 150 salários mínimos só bastará para tantos quanto recebam até o equivalente a 350 dólares por mês (em geral, isentos de imposto de renda), excluindo os trabalhadores de renda média. Nas lesões extraordinárias (como, e.g., em casos de danos morais e estéticos ou de estabilidades convencionais até os prazos mínimos para aposentadoria), desamparará até mesmo os trabalhadores de baixa renda”. (FELICIANO, 2004, p.2)
No parecer supracitado, observa-se que o jurista teve o cuidado de fazer um trabalho minucioso, abordando os vários desdobramentos que surgem ao conceito de créditos trabalhistas, na qual incluí-se além dos salários mensais os encargos trabalhistas, gratificações, multas rescisórias, indenizações, FGTS , dentre outros adicionais. Dessa feita torna-se claro que o valor pré-estipulado pela lei será facilmente extrapolado, tornando-se assim uma regra, e não uma exceção como sugerido pelo relator do projeto.
Quando o projeto de lei foi aprovado no Congresso Nacional e encaminhado para sanção presidencial, a ANAMATRA redigiu uma carta buscando sensibilizar o Presidente da República, lembrando-o do histórico de lutas pelos direitos dos trabalhadores, que aliás era o lema do partido o qual ajudou a fundar, e ainda solicitou que o mesmo vetasse no artigo 83, inciso I da LFR o termo “limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor”, ficando o seguinte redação:
Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:
I – os créditos derivados da legislação do trabalho (vetado) e os decorrentes de acidentes de trabalho;
Infelizmente o pedido não foi acatado, e no que tange a este artigo o texto foi aprovado na íntegra, o que demonstra mais um reflexo da constante flexibilização nas leis trabalhistas, que vem acontecendo no país com os últimos governos. Dada a aprovação da lei, tem-se ainda uma possibilidade de se retirar sua aplicação, por via de um Ação Direta de Constitucionalidade da qual tratar-se-á no item seguinte.
3.2- Controle de constitucionalidade.
Hans Kelsen em sua obra, Teoria pura do Direito, sobre o controle de constitucionalidade:
“O controle de constitucionalidade configura-se, portanto, como garantia de supremacia dos direitos e garantias fundamentais previstos na constituição que, além de configurarem limites ao poder do Estado, são também uma parte da legitimação do próprio Estado, determinando seus deveres e tornando possível o processo democrático em um Estado de Direito”. (KELSEN, 1985, p.288)
Assim busca-se limitar o poder do Estado, evitando-se abusos dos que estão no poder, tendo um órgão fiscalizador das leis que possam vir a ferir a Carta Magna, a qual estabelece os direitos e deveres fundamentais que o Estado deve seguir, não podendo ele extrapolar sua esfera de poder através de leis que contrariem a constituição. Neste mesmo sentido lecionam Leda Pereira da Mota e Celso Spitzcovsky citados por Juarez de Oliveira, é o “exame da adequação das normas à Constituição, do ponto de vista material ou formal, de maneira a oferecer harmonia e unidade a todo o sistema”. (OLIVEIRA, 2000, p.38).
O professor Ricardo Cunha Chimenti cita a referência feita pelo ex-ministro do STF Michel Temer que diz o seguinte , A idéia de controle está ligada, também, à de rigidez constitucional. De fato, é nas constituições rígidas que se verifica a superioridade da Norma Magna em relação àquela produzida pelo órgão constituído. O fundamento do controle, nestas, é o de que nenhuma lei ou ato normativo – que necessariamente dela decorre – pode modificá-la. (CHIMENTI, 2003, p.36)
O controle de constitucionalidade possui diversas classificações, podendo ser dividido em: Preventivo, quando se tem por finalidade impedir que um projeto de lei inconstitucional venha se tornar uma lei; será Repressivo quando esta lei já estiver em vigor. Caso haja um erro do lado preventivo, pode se desfazer essa lei que escapou dos trâmites legais e passou a ser uma lei inconstitucional.
Quanto ao órgão que exerce o controle de constitucionalidade, este pode ser Político, quando os próprios representantes políticos governam em prol do interesse público. Pode ser também jurisdicional, quando exercido por um órgão do Poder Judiciário, somente o juiz ou tribunal pode apreciar o controle constitucional sob o aspecto jurisdicional. Ou finalmente Misto, porque é exercido tanto sob o âmbito difuso quanto pelo concentrado, tanto pelo órgão jurisdicional quanto pelo político (abstrato).
No Brasil o sistema é misto, ou seja, difuso e concentrado. Possui sua origem no modelo americano, criado em 1803, que possuía como premissa a decisão arbitrária e inafastável.
O Controle Difuso é aquele exercido no âmbito do caso concreto, tendo portanto, natureza subjetiva, por envolver interesses de autor e réu. Assim, permite a todo e qualquer juiz analisar o controle de constitucionalidade. Este por sua vez, não julga a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, apenas aprecia a questão e deixa de aplicá-la por achar inconstitucional àquele caso específico que está julgando.
Já o Controle Concentrado ou por via de ação direta, foi utilizado pela primeira vez pela Constituição Austríaca de 1920, a qual criava um Tribunal Constitucional, que por sua vez tinha como atribuição o controle de constitucionalidade.
Hans Kelsen justifica a criação de um Tribunal Constitucional da seguinte forma:
”[…] se a Constituição conferisse a toda e qualquer pessoa competência para decidir esta questão, dificilmente poderia surgir uma lei que vinculasse os súditos do Direito e os órgãos jurídicos. Devendo evitar-se uma tal situação, a Constituição apenas pode conferir competência para tal a um determinado órgão jurídico […]”.
“[…] se o controle da constitucionalidade das leis é reservado a um único tribunal, este pode deter competência para anular a validade da lei reconhecida como inconstitucional não só em relação a um caso concreto mas em relação a todos os casos a que a lei se refira – quer dizer, para anular a lei como tal. Até esse momento, porém, a lei é válida e deve ser aplicada por todos os órgãos aplicadores do Direito […]” (KELSEN, .1985, p. 290)
No Brasil o controle concentrado de constitucionalidade é previsto desde a Emenda Constitucional n.16 de 06.12.1965, concedendo ao STF esta competência. Uma vez declarada a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo em discussão, pelo STF, a decisão terá os seguintes efeitos:
• Ex tunc, retroativo, como conseqüência do dogma da nulidade, que por ser inconstitucional, torna-se nula, por isso perde seus efeitos jurídicos;
• Erga omnes, será assim oponível contra todos;
• Vinculante, relaciona-se aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública Federal, Estadual e Municipal. Uma vez decidida procedente a ação dada pelo STF, sua vinculação será obrigatória em relação a todos os órgãos do Poder Executivo e do Judiciário, que daí por diante deverá exercer as suas funções de acordo com a interpretação dada pelo STF. Esse efeito vinculante aplica-se também ao legislador, pois esse não poderá mais editar nova norma com preceito igual ao declarado inconstitucional;
• Represtinatório, em princípio vai ser restaurada uma lei que poderia ser revogada.
3.2.1 – Ação direta de inconstitucionalidade
O doutrinador Alexandre de Moraes em sua obra ensina o que e uma ADI:
“O autor da ação pede ao STF que examine a lei ou ato normativo federal ou estadual em tese (não existe caso concreto a ser solucionado). Visa-se, pois, obter a invalidação da lei, a fim de garantir-se a segurança das relações jurídicas, que não podem ser baseadas em normas inconstitucionais”. (MORAES, 2004, p.628)
Entende-se por ADI como sendo o procedimento judicial pelo qual a parte legítima requer ao STF que este analise se a lei em questão é contrária ou não à Carta Magna vigente. O procedimento da ADI esta regulamentada pela Lei n.9868 de 10 de novembro de 1999, a qual utiliza subsidiariamente o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
Os legitimados para proporem este tipo de Ação, estão dispostos no art. 103 da Constituição Federal de 1988, dentre as quais tem-se no inciso IX o seguinte:
Artigo 103 – Podem propor a ação de inconstitucionalidade:
….
IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
E a jurisprudência pátria reafirma:
– No âmbito da estrutura sindical brasileira, somente a Confederação Sindical – que constitui entidade de grau superior – possui qualidade para agir, em sede de controle normativo abstrato, perante a Suprema Corte (CF, art. 103, IX).” (ADI 3.195-MC/ES, Rel. Min. Celso de Mello)
Diante dessa prerrogativa que lhe foi concedida e perante a situação de insegurança jurídica trazida pela LFR, a Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL), no uso de suas atribuições legais impetrou em 04 de março de 2005 no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, (ADI) sob o protocolo ADI 3424-3/600, questionando o artigo 83, inciso I da LFR.
Neste tribunal a ação teve em um primeiro momento, como relator, o Ministro Carlos Veloso, que foi substituído na função de relator da ação em 17 de março de 2006 pelo Ministro Ricardo Lewandowski.
Obedecendo a determinação do artigo 103, § 1o , da Constituição Federal, foi encaminhado ao Procurador- Geral da Republica a ADI 3424-3/600 para que o mesmo pudesse proferir seu parecer.
Para o Procurador-Geral da República, Claudio Fonteles, a Nova Lei de Falências é constitucional. Ele deu parecer desfavorável contra a Ação Direta de Inconstitucionalidade, na qual transcreve-se suas justificativas:
[…] 24. A nova lei não excluiu nenhum direito trabalhista, mas tão-somente estabeleceu uma ordem diferenciada de preferência entre os créditos de até 150 salários-mínimos e aqueles cujo valor sobejar a essa quantia. Nesse sentido, são as informações do Congresso Nacional, prestadas por meio da Advocacia do Senado Federal:
“Sobre o limite de 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos constante da norma supra-indicada, equivoca-se a Requerente ao confundir limite de preferência com reconhecimento de crédito.
Como todos os demais credores, o trabalhador de empresa que vem a falir terá o direito de receber seu crédito, que continua reconhecido e respeitado pela legislação. Não ocorrerá perecimento automático desse sagrado direito.
O limite estabelecido, vale frisar, refere-se à preferência de pagamento e não ao direito trabalhista em si. O que sobejar ao limite poderá ser cobrado, todavia sem a preferência legal – ou seja, em regime de igualdade com os demais credores quirografários” (fls.417).
25. De igual modo, a alegação de ofensa ao que se infere do artigo 100, caput, da Constituição, não deve prosperar, visto ser inadmissível considerar o valor excedente a 150 salários-mínimos como crédito de caráter alimentar.
26. O princípio constitucional da isonomia, cuja ofensa se argúi, também permanece incólume. A autora sustenta que os trabalhadores com rendas mais modestas perceberiam os seus créditos integralmente, visto que o valor destes não ultrapassaria o limite de 150 salários, enquanto os empregados com melhor renda não os receberiam na totalidade, dada a natureza quirografária do crédito remanescente. Considerando isso, é certo dizer que o legislador nada mais fez do que tratar desigualmente os desiguais. (FONTELES, 2005, p.5 )
Com a devida vênia, o parecer diverge com a linha de raciocínio adotada neste trabalho. Refutar-se-à a seguir cada item apresentado pelo respeitável procurador:
Discorda-se do Procurador ao alegar que o valor de 150 salários-mínimos não tem caráter alimentar. A doutrina já está bastante sedimentada no sentido de entender que os créditos de natureza alimentícia são aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil.
Por alimentos entende-se ser a “Subsistência prestada a uma pessoa por outrem, que está obrigada a isso em virtude da lei”.(DE PLÁCIDO E SILVA, 2005, p.95), vale ressaltar que neste conceito não está compreendida apenas a manutenção alimentícia propriamente dita, mas também a toda e qualquer utilidade que necessite o alimentado, inclusive habitação, vestuário e educação.
Neste mesmo conceito foram enumerados alguns rendimentos que são considerados como de “subsistência” os quais serão transcritos a seguir: “Pensões, ordenados, ou outras quaisquer quantias concedidas ou dadas, a título de provisão, assistência ou manutenção, a uma pessoa por uma outra que, por força de lei é obrigada a prover […]” (DE PLÁCIDO E SILVA, 2005, p.95).
A inconstitucionalidade da LFR está latente ao passo que essa limitação conflita com o artigo 7º, X, da Constituição Federal de 1988 que dispõe:
Art. 7o São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais , alem de outros que visem a melhoria de uma condição social:
………………………….
X – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa.
Tem-se aqui a proteção constitucional do salário. Desta forma torna-se inadmissível a posição adotada pela LFR que estabelece um duplo tratamento para o crédito trabalhista na falência, pois as verbas que compõem o crédito trabalhista são de natureza alimentar e algumas especificamente salariais.
Assim, não cabe ao legislador limitar esses créditos que possuem caráter alimentar, visto que estes são a contrapartida legal dos serviços prestados pelos empregados, classe que possui como característica a hipossuficiência, pois além de ter perdido seu emprego não irá receber o que lhe é de direito.
Permitir a limitação dos créditos na falência abrirá precedente para limitar, por exemplo, créditos oriundos do FGTS, baseando-se na frágil justificativa de prevenção de fraudes.
Repudia-se a justificativa de se fazer justiça ao tratar os trabalhadores desiguais desigualmente, pois se assim fosse a intenção da lei, deveria ser aplicado limitação aos créditos provenientes de garantias reais, que caracterizam valores milionários.
Justifica-se a afirmação ao se analisar que tais dívidas são originadas de transações financeiras feitas pelos administradores ou proprietários das empresas que se utilizam destes empréstimos quando percebem a iminência da quebra, fraudando assim a falência, pois retiram grandes quantias nos bancos, e quando a empresa falir receberão a totalidade de seus créditos.
Outro item a ser questionado é o que faz referência ao trabalhador que não perdeu seu crédito, pois o recebera em igualdade com os quirografários. Discorda-se, pois como já explicitado, se a falência trata da presunção de ativo menor do que passivo.
Partindo do princípio que a discrepância entre ativo e passivo da empresa não seja elevado, basta um plano de recuperação judicial para tornar novamente a empresa viável. Mas se esta não se recuperou ou se convolou diretamente em falência, chega-se a uma realidade onde se tem uma impossibilidade matemático-financeira do adimplemento das obrigações com todos os credores.
Na esfera jurídica é por todos sabido acerca da impossibilidade do ativo realizado ser suficiente para pagar créditos quirografários, nem os saldos trabalhistas.
Outra evidência, que deixa claro que o interesse do legislador não era de manter o super privilégio do crédito trabalhista, está no fato de transformar o excedente dos 150 salários mínimos em crédito quirografário. Se existisse a intenção de proteger os trabalhadores, na pior das hipóteses de limitação, os saldos dos créditos deveriam ser igualados aos de garantia real.
Assim deixa-se bem claro que foi adotado neste trabalho um posicionamento contrário a esta limitação, sendo mister retirá-la do nosso ordenamento jurídico, por conter vários vícios materiais quanto formais, assim não sendo justa. Os mandamentos do advogado nos ensina que lute pelo direito, mas quando o direito estiver em confronto com a justiça, escolha lutar pela justiça. A justiça de os trabalhadores receberem o que lhe e de direito na integralidade.
Conclusão
Diante do que restou provado pelo trabalho, fica claro que a intenção do legislador em momento algum foi de proteger os trabalhadores, como é salientado nas exposições de motivos do senador Ramez Tebet, mas sim proteger o capital financeiro, ao possibilitar que estes tenham uma maior chance de ter seus créditos adimplidos na integralidade.
Um dos últimos pilares que ainda não haviam sido derrubados eram os direitos dos trabalhadores, os quais a História demonstra que após um período negro de exploração maciça do proletariado, o foco havia sido mudado, reservando a estes direitos quase inatingíveis, pelo menos até o mercado financeiro pressionar, buscando aumentar seus lucros, e evitar prejuízos, como no caso da falência.
A influência do capitalismo-voraz a que esta lei se adequa, ofende os princípios estabelecidos em nossa Constituição Federal, como o da proporcionalidade, igualdade, razoabilidade, direito adquirido, e da lei mais benéfica ao trabalhador, assim ficando claro que tal norma está maculada pelo vício da inconstitucionalidade.
Também é sofisma alegar que o valor de 150 salários mínimos e um valor satisfatório, o qual atingira pequena parte dos trabalhadores, conforme foi demonstrado, esta estatística está fora da realidade, não será necessário ter altos salários na empresa para fazer que seus créditos extrapolem tal valor, e mesmo que esta afirmativa fosse a mais pura expressão da verdade, já estaria fora de cogitação pois os créditos trabalhistas possuem natureza alimentar independente de seu valor não podendo ser penhorados ou como a lei dispõe limitados.
Parabeniza-se o árduo trabalho feito pela ANAMATRA que por diversas vezes tentou barrar a aprovação da referida lei, editando vários pareceres, notificando o Legislativo nacional dos reflexos que esta lei traria aos trabalhadores, e ainda quando esta foi aprovada no Congresso, buscou por meio de oficio ao Presidente da República que esse vetasse parte do artigo, infelizmente o pedido não foi atendido.
Tentou-se com esse trabalho contribuir para que seja reconhecido o direito dos trabalhadores de receber a integralidade de seus proventos, sem limitações, provando a necessidade da declaração de inconstitucionalidade, a supremacia dos direitos sociais defendidos na carta magna, à frente do capital financeiro.
Cabe agora torcer pela sensatez dos ministros do STF para que reconheçam a Inconstitucionalidade do artigo 83, inciso I da LFR, e o retirem do ordenamento jurídico o mais breve possível, para que assim seja feita a justiça.
Bibliografia
________,in Nota técnica (créditos trabalhistas no projeto de lei de falências – PLC n. 71/2003), Disponível em <www.anamatra.org.br> , acesso em 25 de maio. 2006.
LUCHEZI, Roberto. A nova Lei de Falências e a Súmula 307 do STJ . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 676, 12 maio 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6721>. Acesso em: 01 jan. 2000.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de – Curso de Direito Administrativo – 5. Ed., São Paulo: Malheiros, 1994.
Informações Sobre o Autor
Nayron Divino Toledo Malheiros
Acadêmico do 10° Período de Direito da Universidade Católica de Goiás. Assessor Jurídico no Procon Goiânia.