Sumário: 1. A posição do STF e seus negativos efeitos. 2. A competência. 3. A controvérsia jurisprudencial. 4. Considerações finais. 5. Bibliografia.
1. A posição do STF e seus negativos efeitos.
Os debates sobre a problemática do dano moral na Justiça do Trabalho estão aparentemente encerrados. Apenas, aparentemente. A decisão proferida pela 1ª turma do Supremo Tribunal Federal parece ter resolvido a celeuma. Parece, apenas.
De fato, o Excelso Pretório, por sua primeira turma, em acórdão relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, decidiu pela competência da Justiça do Trabalho para processar ação de indenização por danos morais entre empregado e empregador, quando a controvérsia tenha origem na relação de emprego.
Eis a ementa do acórdão proferido nos autos do RE nº 238.737-4:
“Justiça do Trabalho: competência: ação de reparação de danos decorrentes da imputação caluniosa irrogada ao trabalhador pelo empregador a pretexto de justa causa para despedida e, assim, decorrente da relação de trabalho, não importando a controvérsia deva ser dirimida à luz do Direito Civil”.
Embora defendamos posicionamento diverso, por entendermos que a competência seria da Justiça Comum, como demonstraremos mais adiante, preferimos abordar as conseqüências negativas, de ordem prática, que a r. decisão deverá trazer, notadamente em relação ao prazo prescricional e à coisa julgada.
Com efeito, a decisão abre espaço para uma controvérsia em torno do prazo prescricional a ser aplicado relativamente a esse tipo de ação, isto é, à demanda pela qual o trabalhador pleiteia tão-somente a reparação dos danos morais.
Seria de aplicar-se o prazo de dois anos, estabelecido pela Constituição para os créditos resultantes da relação de trabalho? A expressão “não importando a controvérsia deva ser dirimida à luz do direito civil ” estaria indicando, por exemplo, a aplicação da prescrição civil?
A doutrina majoritária, no que é acompanhada pela jurisprudência dominante, entende que o prazo prescricional é de dois anos. Uma vez declarada a competência da Justiça Especializada, estaria a ação, necessariamente, submetida à prescrição bienal.
Integram essa corrente doutrinária Rodolfo Pamplona Filho e Valdir Florindo, entre outros renomados autores.
Em nível jurisprudencial, o Tribunal Superior do Trabalho já se manifestou sobre a matéria, em recente decisão proferida por 5ª turma, cuja ementa convém transcrever:
“DANO MORAL NA JUSTIÇA DO TRABALHO. INDENIZAÇÃO. PRAZO DE PRESCRIÇÃO TRABALHISTA E NÃO CIVIL. Quando em juízo estão litigando as partes do contrato de trabalho, ambas agindo na condição de empregado e empregador, e tendo por objeto a indenização por dano moral decorrente de alegado ato ilícito patronal, a pretensão de direito material deduzida na reclamatória possuinatureza de crédito trabalhista que, portanto, sujeita-se, para os efeitos da contagem do prazo de prescrição, à regra estabelecida no art. 7º, XXIX, da CF/88, e não à prescrição vintenária prevista no art. 177 do Código Civil.” (TIPO: RR NUM: 540996, 29.11.2000)
A questão chegou ao TST por meio de Recurso de Revista interposto nos autos do RO nº 15.384/97, originário do TRT da 9ª Região, onde havia sido exarado o seguinte acórdão, que restou mantido pelo Tribunal Superior:
“A indenização do dano moral, na Justiça do Trabalho, é considerada crédito trabalhista por ser decorrente da violação e um direito imaterial do trabalhador, durante uma relação de emprego ou de trabalho. Sendo crédito trabalhista, esta indenização fica sujeita à prescrição bienal prevista no Art. 7º, inciso XXIX da Carta Política de 1988.”
Desconheço qualquer decisão judicial que tenha adotado entendimento diverso no tocante à prescrição. Em sede doutrinária, porém, é possível encontrar vozes isoladas defendo a prescrição vintenária.
Filiamo-nos a essa minoria. Porque a prescrição bienal gera distorções inaceitáveis e irreparáveis, sobretudo no que diz respeito ao princípio da isonomia e da segurança jurídica.
Imagine-se o seguinte exemplo: um funcionário de determinado banco, em vias de encerrar seu caixa ao final do expediente, recebe a visita de um amigo. No dia seguinte, o gerente da instituição constata um desfalque no referido caixa, determinando a abertura de sindicância e demitindo o funcionário por justa causa. Por igual, oferece queixa-crime contra o ex-funcionário e seu amigo, acusado de co-autoria.
Considerando que a acusação seja infundada, aos dois acusados é assegurado o direito de mover uma ação de indenização por danos morais. Ocorre que o ex-funcionário teria o prazo exíguo de dois anos para ajuizar a ação, enquanto o seu amigo, por não manter relação de emprego com a instituição, terá o prazo de vinte anos, infinitamente superior.
Ora, o fato que originou o ilícito é o mesmo. A causa de pedir e o pedido são os mesmo. O ofensor e a acusação são exatamente as mesmas. Por que, então, a discrepância nos prazos prescricionais a serem obedecidos?
Não parece razoável esta distinção, mesmo porque configura uma afronta aos princípios da isonomia e da segurança jurídica.
O segundo problema prático diz respeito aos efeitos de coisa julgada atribuído ao acordo homologado judicialmente.
Como é cediço, alguns juízes entendem possível a homologação de acordo trabalhista, dando quitação não só dos pedidos formulados na inicial, mas também de todo o contrato de trabalho. Esse entendimento, presente até mesmo em algumas turmas do TST, acolhe a tese de que a coisa julgada decorrente da homologação atingiria direitos alheios à ação que foi realizada a conciliação, impedindo que o reclamante postulasse, em ação futura os direitos que não foram objeto da primeira demanda.
O efeito negativo prático da decisão do STF é o de que todos os acordos que foram homologados antes da decisão, e que deram quitação do contrato de trabalho, abrangeriam o direito à reparação dos danos morais, ainda que tal pleito não tivesse sido objeto da primeira ação.
Registre-se, porém, que a quitação ampla do contrato de trabalho tem sido rejeitada pela 2ª Seção de Dissídios Individuais do TST, como se nota do seguinte acórdão:
A meu juízo, não há como admitir a extensão dos efeitos da coisa julgada ao pedido de reparação dos danos morais.
Não pelo fato de que a coisa julgada estaria limitada à própria lide, como determina, aliás, o Código de Processo Civil. A despeito da expressa determinação legal, penso que as partes podem estender os efeitos da homologação a todo o contrato de trabalho, sob pena de se atentar contra a segurança jurídica, colocando o empregador numa situação extremamente incômoda, podendo ser surpreendido com uma nova ação.
Entendo que não há coisa julgada em relação ao dano moral porque não é um direito decorrente do contrato de trabalho. Não se trata de crédito trabalhista, ou resultante da relação de trabalho. É um direito desvinculado do contrato de trabalho, situado na órbita civil, e pelo direito civil regido, como, aliás, ressaltado na decisão do Pretório Excelso.
Afinal, se a competência fosse atribuída à Justiça Comum, como entendem as duas Seções do Superior Tribunal de Justiça, haveria que se falar em coisa julgada? Coisa julgada perante a justiça comum, de um acordo celebrado na Justiça do Trabalho, onde se discutiram apenas verbas trabalhistas? Evidente que não.
Diante de tão graves distorções, pensamos que o entendimento mais razoável, e que conciliaria as duas correntes, é o de que o prazo prescricional, embora sendo bienal, só se inicia a partir da publicação do acórdão que declarou a competência da Justiça do Trabalho, do contrário inúmeros trabalhadores seriam atingidos de surpresa pela decisão do STF.
Com efeito, todos os trabalhadores que na época da decisão do STF tivessem deixado transcorrer o prazo de dois anos, estariam impedidos de ajuizar as respectivas ações indenizatórias.
Imagine-se o caso de alguém que, demitido sob a pecha de desonesto em 1996, estivesse se preparando para ajuizar a correspondente ação de indenização por danos morais. Para todos os efeitos, até 1998 (ano da decisão do STF) a competência era da Justiça Comum. E assim entendiam o TST e o STJ, que, à época, tinham a última palavra sobre o assunto. Esse trabalhador, então, por dispor de um prazo de vinte anos, ajuíza a ação três anos depois da injusta demissão, devido à necessidade de juntar dinheiro para pagar um bom advogado, colher provas, recuperar-se emocionalmente do trauma, etc.
Esse trabalhador, por ter ingressado com a ação em 1999, seria penalizado pela extinção o processo ante a consumação da prescrição bienal, simplesmente porque o STF decidiu pela competência da Justiça Especializada e, automaticamente, seria aplicável o exíguo prazo.
E os processos pendentes. Aqueles que foram ajuizados antes do julgado proferido pelo STF, perante a Justiça Comum, após o decurso de dois anos? Declarada a competência do Judiciário Trabalhista, seriam esses processos remetidos àquele órgão. E, então, qual o prazo prescricional?
Como imaginar ileso o princípio da igualdade, sabendo que os trabalhadores que tiveram suas ações cíveis julgadas antes da decisão do STF não sofreram qualquer prejuízo, enquanto que outros, por ajuizarem suas ações depois de 1998, estariam atingidos pela prescrição?
É como se alguém fosse desapropriado do direito de ver sua honra reparada, pelo simples fato de que a competência foi modificada.
Imagine-se o exemplo de uma empresa que aluga um imóvel a um de seus empregados, para que este resida mais próximo do local de trabalho. Posteriormente, a empresa demite o funcionário e solicita que ele desocupe o imóvel par ser ocupado por outro empregado.
Passados dois anos, o empregador move uma ação despejo ou de reintegração de posse em face do referido funcionário, que se recusara a deixar o imóvel amigavelmente.
Nesse ínterim, o STF decide que a competência para julgar esse tipo de demanda, embora submetida a normas de direito civil, é da Justiça do Trabalho.
Mutatis mutandis, estaria o empregador (proprietário do imóvel) impedido de requerer a posse do seu imóvel, sujeito a perder a propriedade do mesmo por usucapião.
Existe absurdo maior?
Não vejo diferença entre esse caso e a situação do trabalhador que sofre um prejuízo de ordem moral, subtraído em seu patrimônio imaterial.
2. A competência.
O Ministro Orlando Teixeira da Costa explica que como o direito contratual do trabalho se destacou do direito civil existe uma zona cinzenta que dificulta o reconhecimento da competência entre a Justiça Comum e a do Trabalho, nos casos em que se discute sobre o dano moral praticado pelo trabalhador ou pelo tomador de seus serviços. [1]
Os que defendem que a competência é da Justiça Especializada alegam que essa expressão “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho” abrangeria também o dano moral.
No entendimento de Rodolfo Pamplona Filho, para o dano moral ser da competência da Justiça do Trabalho, não é necessária a promulgação de uma lei específica que atribua a competência. A expressão “na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho” diz respeito não à matéria, mas sim aos sujeitos da relação, que, obviamente, também deve ser oriunda de relações de trabalho. [2]
Gislene Sanches, ao tratar do assunto, salienta que “embora ainda haja algumas discussões acerca da competência para julgar pretensões de danos morais oriundos de relações de trabalho, a orientação doutrinária, bem como jurisprudencial dominante e, diga-se de passagem, mais ajustada à realidade, é a que atribui tal competência à Justiça do Trabalho”.[3]
Em princípio, a questão está superada, diante do julgamento proferido pela 1ª turma do STF, reconhecendo a competência da Justiça do Trabalho. E o fez, seguindo orientação anterior, conduzida pelo próprio Ministro Sepúlveda Pertence, em ação movida por ex-funcionários do Banco do Brasil, envolvendo o cumprimento de compromisso de compra e venda. Na ocasião, decidiu a turma que a competência seria da Justiça Especializada, embora a questão fosse resolvida à luz do direito civil.
Um estudo mais cuidadoso indica que a competência deveria ser da Justiça Comum. Fazendo-se uma digressão histórica, percebe-se que o constituinte sempre utilizou redação semelhante à que se encontra no texto constitucional vigente (art. 114), inclusive no que diz respeito à expressão outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.
A Constituição de 1967, por exemplo, utilizava a expressão “e, mediante lei, outras controvérsias oriundas de relações de trabalho”.
O constituinte de 1946, por sua vez, era explícito ao dispor “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da legislação especial”. Aqui, é evidente que o constituinte se referia ‘a legislação previdenciária e, posteriormente, a trabalhista (CLT).
Penso que o constituinte de 1988 não pretendeu ampliar essa competência, e, por não tratar a CLT da reparação dos danos morais, matéria disciplinada exclusivamente pelas normas de direito civil, não posso conceber a competência como sendo da Justiça Trabalhista. Além do que, os juízes cíveis estão mais habituados a lidar com a matéria, sendo certo que as ações envolvendo responsabilidade civil representam a maior parte das demandas em andamento.
Para Valdir Florindo, “a personalidade do empregado tem guarida no Direito do Trabalho, restando, portanto, reparação quanto aos atos que atinjam sua honra, sua dignidade, enfim, sua condição de cidadão-trabalhador”. [4]
Sérgio Pinto Martins ilustra bem o pensamento das duas correntes e mostra que quem defende ser incompetente a Justiça do Trabalho para examinar pedido de dano moral o faz porque a matéria é pertinente ao Direito Civil e não se insere no contrato de trabalho, não envolvendo questão trabalhista. E mais: a prestação jurisdicional deve-se pautar de acordo com a causa de pedir e o pedido, que decorre de ilícito do Direito Civil. Logo, a competência seria da Justiça Comum. Defende, ainda, que inexiste lei ordinária para regular as outras controvérsias decorrentes da relação de emprego e, mais especialmente, a questão do dano moral, sendo a Justiça do Trabalho incompetente para apreciar tal questão[5]. Uma ressalva deve ser feita: não é esse o entendimento do autor.
Pinho Pedreira ressalta que a competência seria da Justiça do Trabalho justamente em face do que dispõe o art. 114, de nossa Carta Magna. Vejamos: “questão de grande interesse prático é a de saber qual a Justiça competente para dirimir os dissídios motivados pelo dano moral trabalhista. O art. 114 da Constituição Federal atribui competência à Justiça do Trabalho para conciliar e julgar os dissídios individuais entre empregados e empregadores, entre os quais não se pode negar, figuram os decorrentes de dano extrapatrimonial, sofrido pelo empregado”.[6]
Orlando Teixeira da Costa posicionou-se no mesmo sentido ao dizer que “conquanto a indenização de dano moral pertença ao âmbito do Direito Civil, se o pedido decorrer ou tiver como origem um contrato de trabalho, a competência para julgar o caso será da Justiça do Trabalho e não da Justiça Comum”.[7]
Aqueles que defendem que a competência para julgar tal dano seja da Justiça do Trabalho, vêem nos artigos 482, letra “k” da CLT e no art. 483, letra “e”do mesmo diploma, uma familiaridade do direito do trabalho com o assunto e usam essa “previsão” na CLT para ratificar o entendimento de que o dano moral estaria abrangido pelo art. 114 da Carta Magna.
Não parece o melhor entendimento. Pensa-se, outrossim, que justamente por haver uma “reparação” expressamente prevista na legislação trabalhista – e que não é a reparação dos danos morais, mas sim a rescisão indenizada -, é que se deve afastar o dano moral da Justiça do Trabalho, competindo a esta apreciar apenas a possibilidade de o empregado pleitear a rescisão indenizada do contrato de trabalho.
A persistir tal interpretação ampliativa, ter-se-á de conviver com um interminável leque de matérias estranhas ao juízo trabalhista, mas que por ele seriam processadas e julgadas pelo simples fato de que a controvérsia envolve empregado e empregador e “decorre da relação de trabalho”.[8]
Valentin Carrion ressalta que não há razão para afastar o dano moral do direito do trabalho, posto que este ramo do direito sempre valorizou a dignidade do trabalhador e compartilha da opinião de que a circunstância de ter-se que recorrer ao direito civil para fundamentá-lo não afasta a competência da Justiça do Trabalho, quando a relação material a ela pertença[9].
Osmair Couto mostra a idéia que se contrapõe à acima exposta: “os que entendem ser a Justiça Comum a competente para julgar ação trabalhista por danos morais arrebatam afirmando que a obrigação de ressarcimento por danos morais não se insere no contrato de trabalho, embora envolvendo empregado e empregador, porque não deixaram de ser pessoas naturais, sujeitos de direitos e obrigações, concernindo instituto de Direito Civil para o deslinde da causa e, por conseguinte, a Justiça Comum. Que o empregado e o empregador, mesmo quando contratam um com o outro, não deixam de ser pessoas naturais comuns, detentoras de direitos e obrigações como qualquer cidadão, e assim devem se comportar e que o contrato de trabalho gera para uns e outros direitos e obrigações trabalhistas somente, e não civil”. [10]
De acordo com o entendimento de Jorge Pinheiro Castelo, para se diferenciar o dano moral trabalhista do civil, basta verificar se a ofensa se restringiu à esfera trabalhista ou se extravasou para o plano civil. “Quando uma pessoa ofende outra em decorrência de seu relacionamento civil, o dano moral tem origem numa situação estranha à relação de emprego e seria reclamado perante a Justiça Comum. Todavia, quando a empregadora acusa o empregado de ímprobo e o despede por justa causa, o reclamante não foi acusado como cidadão…O empregado foi acusado de desonesto em face dos fatos relacionados com o seu labor, em razão de situação inerente ao contrato de trabalho… Assim, pode a empresa dizer que o autor era um empregado desonesto e não que o demandante, na sua vida civil, era um cidadão desonesto. Por conseqüência, o dano moral existente na situação ilustrativa não pode ser cobrado perante a Justiça Comum”[11].
3. A controvérsia jurisprudencial.
É importante mostrar que toda essa divergência de opiniões não se encontra apenas no plano abstrato da doutrina, estando presente também no seio dos tribunais pátrios, notadamente, em sede de tribunais superiores.
Veja-se, por exemplo, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, manifestado pela Segunda Seção, por ocasião o julgamento do CC nº 22532/SP:
“Conflito de competência. Ação de indenização. Danos materiais e morais. 1- A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ação de responsabilidade civil proposta por pretenso empregado contra a apontada empregadora em decorrência de danos morais e materiais ocasionados por alegado dolo da empresa contratante no momento da celebração do contrato. Precedente do STF (RE nº238.737-4, 1ª Turma). 2- Conflito conhecido para declarar a competência da Justiça do Trabalho”. ( DJ de 29/11/99, p. 118)
Para se ter idéia de como a questão é controvertida, esta mesma Seção do Superior Tribunal de Justiça, em 23 de agosto de 2000 julgou o mesmo tema de forma diferente:
“Conflito de competência. Ação de indenização. Dano moral. I – Compete à Justiça Comum estadual o julgamento de ação de indenização por danos morais proposta por ex-empregado contra empregador. Nesse caso, inexiste qualquer vinculação com o contrato de trabalho. Jurisprudência da 2ª Seção. II – Conflito que se conhece a fim de declarar-se a competência do Juízo estadual.”
Nos Tribunais Regionais do Trabalho, a questão também não é pacífica, como se nota do julgamento proferido pela 1ª Turma do TRT da 9ª Região:
“Data vênia de respeitáveis opiniões contrárias, entendo que a Justiça do Trabalho não tem competência para apreciar e julgar questões atinentes à indenização por prejuízo ou dano moral, pois impossível é admitir qualquer vinculação deste com o contrato de trabalho. Dano moral é matéria de natureza manifestamente civil, cabendo, por isso, à Justiça Comum seu exame, já que a competência desta Especializada encontra-se expressamente delimitada pelo art. 114, da Constituição Federal de 1988.”
Interessante e esclarecedor foi o pronunciamento da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, em acórdão de nº 159128, publicado no Diário da Justiça de 30/10/98, na página 145:
A meu juízo, esta última decisão reflete o entendimento mais acertado sobre a matéria.
4- Considerações finais
Não obstante as mais abalizadas opiniões em contrário, ousamos defender que o art. 114 da Constituição não atribui competência à Justiça do Trabalho para julgar danos morais. O alcance da norma constitucional não deveria ultrapassar os limites das questões tipicamente trabalhistas, inerentes à relação de trabalho. Do contrário, estar-se-ia atribuindo àquela Especializada competência para julgar ações que não são afetas àquele juízo.
Como se viu ao longo do presente trabalho, a divergência é grande, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, e o fato de a Primeira Turma do STF ter decidido pela competência desta Especializada não interfere na tese de que o dano moral não integra o contrato de trabalho, porquanto essa decisão não tem o condão de transmudar a natureza jurídica desse direito – indiscutivelmente civil -, como, aliás, ficou ressaltado na decisão da Suprema Corte.
Os direitos inseridos no contrato de trabalho, os créditos trabalhistas, surgem no momento em que se estabelece uma relação de emprego. São, portanto, prerrogativas do empregado e somente dele, que podem ser exigidos do empregador quando concretizada a relação de emprego.
O direito à reparação por dano moral, por sua vez, pode nascer ou não, por isso não é inerente ao contrato de trabalho.
A reparação do dano moral é prerrogativa de todos os cidadãos que tenham sofrido algum tipo de lesão em seu patrimônio imaterial. Quando o empregado é agredido moralmente por seu empregador, ainda que na constância da relação de emprego, não é o trabalhador que sofre a diminuição em seu patrimônio, é o CIDADÃO, a pessoa humana vítima da capitis diminutio.
Tanto é assim, que a Constituição distinguiu geograficamente o dano moral dos direitos trabalhistas. Enquanto o primeiro está previsto no art. 5º, incisos V e X (direitos e garantias individuais do cidadão), os direitos trabalhistas estão previstos no art. 7º ( direitos e garantias do trabalhador).
Por tudo isso, pensamos que o dano moral não integra o contrato de trabalho, não se inclui na previsão do art. 114 da Constituição Federal e, portanto, não deve ser julgado pela Justiça Especializada, mas sim pela Justiça Comum.
De qualquer modo, cabe ao Supremo Tribunal Federal a responsabilidade pela solução da celeuma criada a partir do seu próprio julgado. Ou a Suprema Corte reconhece que o prazo prescricional terá como termo a quo a data da publicação do examinado acórdão, coerente com seu próprio entendimento de que a questão deva ser resolvida à luz do direito civil, ou reconsidera seu posicionamento e declara competente a Justiça Comum, eliminando qualquer controvérsia relativa à prescrição e à coisa julgada.
Notas:
[1] COSTA, Orlando Teixeira da. Da ação trabalhista sobre o dano moral. Revista Gênesis – Revista do Direito do Trabalho. Nº 40, 1996, pp. 485/488
Informações Sobre o Autor
Luís Marcelo Cavalcanti de Sousa
Advogado em Recife, Pernambuco.