Sumário: 1.
Introdução – 2. O direito de propriedade
– evolução histórica – 3. As Constituições brasileiras e a propriedade –
4. O conteúdo constitucional da função social da propriedade – 5. A propriedade como direito
subjetivo e como situação jurídica – 6. A função social como elemento interno ou
externo do direito de propriedade. Conteúdo mínimo da propriedade. Interesses
proprietários e não- proprietários – 7. Propriedade e propriedades. A
flexibilidade da função social – 8. Algumas nuances da função social da
propriedade urbana expressas em normas infraconstitucionais; a) A preservação
dos interesses sociais sobre o meio ambiente natural e cultural; b) A função
social da propriedade urbana e o plano diretor; c) Parcelamento e zoneamento; d) Poluição urbana; e) Direitos
de vizinhança; f) Direito de construir – 9.
A desnecessidade do plano diretor para o cumprimento da função social –
10. Conclusão – 11. Referências Bibliográficas.
1.
Introdução
Este trabalho será traçado sobre três
partes. A primeira será desenvolvida a partir da evolução histórica do direito
de propriedade, evidenciando-lhe desde o caráter absoluto até a sua atual
estrutura funcionalizada, características coincidentes com as constantes nas
Constituições brasileiras.
Será discutida a natureza do direito de
propriedade e a localização interna ou externa da função social nele posta.
Isso incitará a discussão sobre a extensão do conteúdo do direito individual de
propriedade em contraposição à flexibilidade
do feixe dos interesses não- proprietários incidentes sobre ele por força do
art. 5.º, XXIII, da CF/88.
Numa segunda parte serão
analisadas algumas nuances da função social da propriedade urbana expressas em
normas infraconstitucionais, abordando questões relativas à preservação dos
interesses sociais sobre o meio ambiente natural e cultural, o papel do plano
diretor para a realização da função social da propriedade urbana, o
parcelamento e a poluição urbanos. Pertinente ainda será a exposição acerca dos
direitos de vizinhar e de construir.
Por último, será apresentado e discutidas
as controvérsias de um dos principais instrumentos de garantia da função social
da propriedade urbana: o IPTU progressivo previsto no art. 156, I, §1º, da
CF/88.
2. O
direito de propriedade[1] – evolução histórica
Na Antigüidade e na Idade Média o mundo conheceu vários
tipos de propriedades. Hoje são meros registros históricos. No período romano,
em especial, a propriedade era absoluta, posteriormente, esta noção foi
tornando-se menos rígida.
Com o advento da Declaração dos Direitos do Homem[2], em
1789, o direito de propriedade, quanto a sua natureza e extensão, retornou ao
caráter absoluto e exclusivo, típico
do direito romano. Das palavras inviolável
e sagrado, previstos na
Declaração, bem como da expressão direito
de gozar e de dispor das coisas de maneira a mais absoluta, advinha o
conteúdo semântico absoluto e exclusivo.
Neste período, retornou-se ao conceito romano de propriedade: jus utendi, fruendi et abutendi,
com uso e o abuso praticamente
ilimitados.
Contrária a esta visão de propriedade, a
encíclica papal Rerum Novarum, em
1891, defendeu a tese da propriedade como um direito natural.
Nessa evolução semântica, e provocando
sensíveis mudanças no conteúdo do direito proprietário, em 1851, August Comte,
seguido por León Duguit, afirmou que a propriedade, ainda que privada, possuía
função social.
Partindo-se dessa noção mais flexível de
propriedade, foi reconhecido ao Estado o
poder de modelar o direito de propriedade, os modos de sua aquisição,
exercício, transmissão e perda, segundo interesses supraindividuais. A
necessidade e a utilidade públicas foram os primeiros fundamentos sobre os
quais o Estado baseou-se para reconhecer os interesses metaindividuais. Esses
fundamentos conferiram-lhe o poder de impor a perda do direito proprietário em
função da coletividade, mediante uma indenização prévia e justa. Nascia a
desapropriação por necessidade e utilidade públicas.
Quase um século depois, já em 1950, foi
criada uma nova Declaração Universal dos Direitos do Homem. Esta também
contribuiu para o pensamento funcional da propriedade. Dez anos após, o mundo
conheceu a Encíclica Mater et Magistra,
do papa João XXIII, que evidenciou a socialização como um ponto forte da época.
Sobre o assunto, Carlos Medeiros Silva considerou que esta visão social
constituiu, simultaneamente, “efeito e causa de uma crescente intervenção dos poderes
públicos em vários domínios da atividade humana, e, assim entendida, a
socialização tornou possível a
satisfação dos chamados direitos econômicos e sociais. Com referência à
propriedade privada, esta representava, segundo a Encíclica, uma garantia de
liberdade da pessoa humana, constituindo elemento insubstituível da ordem
social”. O documento eclesiástico reconheceu que a propriedade privada sobre bens
possuía intrinsecamente uma função social[3].
3.
As Constituições brasileiras e a propriedade
O direito de propriedade sempre foi
garantido por todas as constituições brasileiras. A Carta Imperial de 1824, sob
expressa influência do liberalismo
francês, em seu art.179, n. 22, garantiu
“o direito de propriedade em sua plenitude”, ressalvada a hipótese de
desapropriação.
Com base no citado preceito constitucional,
a doutrina definiu a propriedade como a
senhoria de um sujeito de direito sobre determinada coisa garantida pela
exclusividade da ingerência alheia, ou, o direito perpétuo de usar, gozar e dispor de
determinado bem, excluindo de qualquer ingerência no mesmo todos os terceiros[4].
A Constituição da República, em 1891, no
artigo 71, inciso 17, manteve o direito de propriedade na forma anterior,
autorizando a desapropriação por necessidade ou utilidade pública.
Em 1934, a Constituição, no art. 113, inciso XVII,
dispôs: “É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra
o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação
por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante
prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção
intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular
até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização posterior”.
Esta Carta foi inovadora em suas prescrições. A norma proibitiva constante da
primeira parte do artigo citado dá a nota da funcionalização nascente.
A Carta de 1937[5], art.
122, XIV, na esteira das demais Cartas, reafirmou o direito de propriedade,
deixando ao encargo do legislador ordinário o dever de regulamentá-lo. Este
Diploma foi de grande importância para a evolução do direito de propriedade no
Brasil, pois, através de seu artigo 141, §16, acresceu às hipóteses
autorizadoras da desapropriação – necessidade e utilidade pública -, o
interesse social.
Segundo Carlos Medeiros Silva, “a inclusão
no texto constitucional dessa nova modalidade de desapropriação inspirou-se,
precisamente, no conceito de propriedade como função social”. O autor cita o
magistério de vários juristas para retratar a impressão deixada pelo novo Texto
Magno. Ferreira de Souza, diz o autor, além de reconhecer a função social da
propriedade, indicou como objeto da nova modalidade de desapropriação as propriedades inúteis, as que poderiam ser cultivadas e não o são;
aquelas cujo domínio absoluto chega a
representar um acinte aos outros homens, as que não produzem e recebem a valorização do próprio Estado ou do
trabalho coletivo. Waldemar Ferreira identificou, na desapropriação por
interesse social, o meio hábil de
combater o latifúndio e de promover-se a justa distribuição da propriedade com
igual oportunidade para todos. Carlos Medeiros citou, ainda, Prado Kelly
que apontou a desapropriação por interesse social como corolário do conceito da
propriedade com “função social” [6].
Em 1946, com a nova Constituição, a
propriedade teve reconhecido o seu caráter supraindividual. A função social foi
expressamente inserida no Ordenamento Jurídico Brasileiro.
A
característica social da propriedade, também foi disciplinada na Carta de 1967, art.160, II, no capítulo da ordem
econômica. Na Lei Magna de 1988
a matéria está regulada no capítulo dos direitos
fundamentais e no da ordem econômica. A inclusão no capítulo dos direitos
fundamentais é o que distinguiu a Constituição atual e a anterior. Fica claro
que o pacto político – ideológico constitucional mudou. A propriedade
socialmente funcionalizada foi reconhecida como um direito fundamental dos
brasileiros e estrangeiros aqui residentes. A moeda chamada propriedade passou
a ter, de um lado, o direito fundamental do seu titular em ver preservado seus
interesses individuais, e do outro lado, o direito fundamental da sociedade em
ver seus direitos e interesses incidentes sobre a primeira.
Pelo pouco que foi exposto, percebe-se que
a funcionalização da propriedade é o resultado de um longo processo. Karl
Renner, citado por José Afonso da Silva, assegura que a função social da propriedade se modifica com as mudanças na relação
de produção. E toda vez que isso ocorreu, houve transformações na estrutura
interna do conceito de propriedade, surgindo uma nova concepção sobre ela, de
tal sorte que, ao estabelecer expressamente que a propriedade atenderá a sua
função social, mas especialmente quando o reputou princípio da ordem
econômica (art. 170, I e II), a Constituição não estava simplesmente
preordenando fundamentos às limitações, obrigações e ônus relativamente à
propriedade privada, mas adotando um princípio de transformação da propriedade
capitalista, sem socializá-la, um princípio que condiciona a propriedade como
um todo, não apenas seu exercício, possibilitando ao legislador entender com os
modos de aquisição em geral ou com certos tipos de propriedade, com seu uso,
gozo e disposição[7].
É farta a regulamentação sobre o direito de
propriedade na atual Carta Constitucional. Os artigos 182 e ss. tratam da
utilização da propriedade urbana,
quando falam da política territorial urbana. Os artigos 184 e ss. regulam a propriedade rural, quando tratam da
Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária.
O art. 186, em seus incisos I a IV,
prescrevem os critérios para o atendimento à função social, condicionando a
propriedade individual a interesses não proprietários.
O
art. 182, § 2º, determina que a propriedade urbana cumpre com sua função social
quando atende o seu plano diretor do município.
Se
o titular do direito de propriedade não der a destinação social ao objeto de
seu direito, a Carta Maior manda aplicar o art. 182, §4º, que prevê a
desapropriação de propriedade urbana não edificada, subutilizada ou
não-utilizada, caso seu proprietário não promova adequado aproveitamento.
Afora os
dispositivos constitucionais acima citados, outros tantos ainda tratam de
vários aspectos e espécies do direito proprietário.
4. O conteúdo constitucional da função social da
propriedade
No capítulo dos direitos fundamentais, o
direito de propriedade vem expresso na Carta Magna, no art. 5º, XXII. No inciso
seguinte está prescrita a sua funcionalização social. Como os enunciados
figuram separadamente, isso poderia provocar um entendimento dissociado entre o
segundo e o primeiro incisos? O constituinte pretendeu criar o direito de
propriedade puro, absoluto, e depois, condicioná-lo à funcionalização, ou os
enunciados integram-se formando originariamente um direito de propriedade
estruturalmente funcionalizado?
Sobre o assunto, adotamos a orientação do
emérito professor Paulo de Barros Carvalho, quando diz que “a norma jurídica é
uma estrutura categorial, construída, epistemologicamente, pelo intérprete,
a partir das significações que a leitura
dos documentos do direito positivo desperta em seu espírito. É por isso que,
quase sempre, não coincidem com os
sentidos imediatos dos enunciados em que o legislador distribui a matéria no
corpo físico da lei. Provém daí que, na maioria das vezes, a leitura de um
único artigo será insuficiente para a compreensão da regra jurídica. E quando
isso acontece o exegeta se vê na contingência de consultar outros preceitos do
mesmo diploma e, até, sair dele, fazendo incursões pelo sistema[8] (grifos
no original).
Para o jurista entender o conteúdo, o
sentido e o alcance do direito de propriedade, deverá analisar o corpo
constitucional, iniciando-se pelos princípios fundamentais, passando pelos
objetivos do Estado e, só neste estágio lançar seus olhos sobre o art. 5º XXII
e XXIII do Texto Maior.
Para se formular uma norma jurídica
completa é imperativo imiscuir-se nos mais altos valores que permeiam o
Ordenamento Positivo, pois é lá que se encontraram os vetores interpretativos
que asseguraram a vontade popular traduzida pelas palavras constituintes. Este
é o primado da unidade do ordenamento jurídico, onde as disposições legais
devem ser interpretadas como um todo harmônico.
Repetimos:
à compreensão do direito de propriedade, o intérprete deverá cotejar os artigos
1º, III e 3º, I, II e III, da CF/88 que
estabelecem a estrutura do Estado Brasileiro, onde figura como princípio
fundamental de nossa democracia a dignidade da pessoa humana.
Sábias
são as palavras do professor Luis Roberto Barroso: “o ponto de partida do
intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são um conjunto
de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e
seus fins. Os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo
constituinte como fundamento ou qualificações essenciais da ordem jurídica que
institui[9].
Perseguindo a construção de uma sociedade justa e solidária, que garanta o desenvolvimento nacional, através
da erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades
sociais e regionais, o Estado Brasileiro conseguirá diminuir as ofensas à dignidade
do povo que representa.
Todos os artigos da Constituição Federal,
assim como os demais dispositivos infraconstitucionais[10], as
ações governamentais, em quaisquer de seus níveis, devem ser entendidos ou
implementados a partir da compreensão dos pressupostos acima, porque eles
representam o que se pode chamar de carga axiológica hierarquicamente superior.
Somente sob as hostes do princípio da
dignidade, o intérprete poderá invocar os enunciados especiais que conferem aos
brasileiros o direito fundamental de propriedade. In
verbis:
“Art.
5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito (…),à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
XXII
– é garantido o direito de propriedade;
XXIII
– a propriedade atenderá a sua função
social;” (grifo nosso)
No mesmo sentido, como objetivo principal da ordem
econômica, previsto no art. 170, caput,
está reafirmada a dignidade do ser humano,
conforme os ditames da justiça social. Toda e qualquer
atividade econômica[11] deverá
ter como finalidade tornar os brasileiros mais dignos, devendo ser distributiva
da justiça social.
Como a propriedade privada individual é um dos
pilares da atividade econômica, no modelo capitalista, o direito a esta consta
como um dos princípios da ordem econômica. Desnecessário seria ao constituinte
repetir, mais uma vez[12], a
função social do direito proprietário, mas, sabedor das limitações culturais da
população brasileira, refletidas também na doutrina dos civilistas e nas
decisões dos tribunais pátrios, o legislador maior repetiu como princípios da ordem econômica:
“Art.
170. (…)
II – propriedade privada;
III –
função social da propriedade;” (grifo nosso)
Dos artigos 1º, III, 5º, XXII e XXIII, 170,
caput, II e III deflui uma norma
jurídica com sentido completo, prenhe de significação. Ali está imperativamente
prescrita a inviolabilidade do direito de propriedade socialmente
funcionalizado. Esta norma jurídica possui eficácia plena e aplicabilidade
imediata porque interfere com a estrutura e o conceito de propriedade, valendo
como regra que fundamenta um novo regime jurídico.
Não é demais repetir que, para o
cumprimento de sua função social a propriedade deverá ser exercida no sentido
de se promover a justiça e a solidariedade, buscando sempre garantir o desenvolvimento nacional. Isso
contribuirá para a erradicação da pobreza e a marginalização, bem como para redução das desigualdades sociais e
regionais.
A funcionalização social da propriedade
imóvel urbana está reafirmada no art. 183, da CF/88 que prescreve: Aquele[13]
que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados,
por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia
ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de
outro imóvel urbano ou rural.
O enunciado privilegia o possuidor, em detrimento do proprietário, haja vista que, se este
último não reclamou o objeto de sua propriedade no prazo de 5 anos é porque não
necessita ou se interessa pelo mesmo. Isso autoriza o constituinte a transferir
o direito de propriedade para o possuidor, em vista deste não ter o direito
de propriedade sobre qualquer outro
imóvel para proteção de sua família. Esta é a solidariedade prevista na
Constituição Federal de 1988, que visa preservar a dignidade do ser humano, em
detrimento dos interesses individualistas e egoísticos.
Para concluir, citamos as palavras do prof.
Perlingieri: a disciplina da função social deve ser
entendida não como uma intervenção “em ódio” à propriedade privada, mas
torna-se “a própria razão pela qual o direito de propriedade foi atribuído a um
determinado sujeito”[14].
5. A propriedade como
direito subjetivo e como situação jurídica
Na doutrina nacional e estrangeira existem
várias definições de direito subjetivo. Segundo Savigny e Windscheid, o direito subjetivo é o poder da vontade
reconhecido pela ordem jurídica (teoria da vontade). Para Ihering, o
direito subjetivo é o interesse juridicamente protegido por meio de uma ação
judicial (teoria do interesse). Jellinek, já definia direito subjetivo como
o poder da vontade reconhecido e
protegido pela ordem jurídica, tendo por objeto um bem ou um interesse
(teoria mista).
Posição interessante, contudo, é a
defendida por León Duguit para quem a noção de direito subjetivo, por carecer
de sentido, deve ser substituída pela de
situação jurídica. A situação jurídica, para o filósofo, é um fato
sancionado pela norma jurídica, hipótese em que se tem a situação jurídica
objetiva, ou a situação dentro da qual se encontra uma pessoa beneficiada por
certa prerrogativa ou obrigada por determinado dever, caso em que se tem uma
situação jurídica subjetiva[15].
Como visto, alguns doutrinadores admitem a
existência de direitos subjetivos,
outros não. Os que são pela afirmativa
atribuem tal natureza ao direito de propriedade. Dentre os juristas pátrios que
assim entendem estão Orlando Gomes e Caio Mário da Silva Pereira. No
entendimento do primeiro, “as transformações sofridas pelo direito de
propriedade não mudaram seu espírito como poder do sujeito de direito sobre uma
coisa, seu objeto”[16]. No
mesmo sentido, Caio Mário da Silva Pereira assevera que, “a idéia de direito
subjetivo não é expressão ilimitada do poder individual, capaz de se exercer
com o sacrifício dos outros indivíduos ou de maneira absoluta”[17]. Pela
ótica dos mestres pátrios, com a previsão constitucional do princípio da função
social da propriedade o conceito de direito subjetivo sofreu alterações, mas
não deixou de existir.
Gustavo Tepedino, entende que em relação ao direito subjetivo a atitude
deve ser crítica, tendo-se a consciência da ‘historicidade’ do conceito e,
portanto da sua ‘relatividade’, de acordo com os diversos contextos
político-ideológicos nos quais ele é historicamente vivido[18].
Duguit, por sua vez, assegura: “estando os
bens afetos a um fim socialmente útil, a causa da proteção e da garantia
jurídicas não é a detenção da coisa, como garantia de um poder atribuído à
vontade do seu titular de impor-se às demais pessoas, mas sim a proteção do
próprio fim perseguido socialmente”. E continua: “a propriedade não é, de modo
algum, um direito intangível e sagrado, mas um direito em contínua mudança que
se deve modelar sobre as necessidades sociais às quais deve responder”[19].
Quem nega ao direito de propriedade a
natureza de direito subjetivo, defende-o como uma relação jurídica entre um
indivíduo (sujeito ativo) e um sujeito
passivo universal integrado por todas as pessoas, o qual tem o dever de
respeitá-lo, abstraindo-se de violá-lo, e assim o direito de propriedade se
revela como um modo de imputação jurídica
de uma coisa a um sujeito[20]”.
Pietro Perlingieri considera: “Apesar de a
doutrina mais tradicional ser contrária à aplicação do conceito de relação com
referência ao instituto da propriedade, este, como qualquer situação subjetiva,
a pressupõe. Como se fala do crédito no âmbito de uma relação obrigacional, do
direito potestativo no âmbito de uma relação potestativa, assim deve-se falar
de direito real no âmbito de uma relação proprietária”, diz Perlingieri. “A
propriedade, de dois diversos pontos de vista, é situação subjetiva e é
relação”.[21]
“A objeção principal que se faz à definição
da propriedade como relação é a não-determinação (indeterminatezza) dos sujeitos titulares da situação passiva. O
relevo não é decisivo. Correlativamente
a um sujeito que é titular de uma situação ativa de propriedade, existe
não um sujeito determinado, mas a coletividade, que se encontra na condição de
dever respeitar aquela situação e de não se ingerir na esfera do titular. No
perfil estrutural, a relação de propriedade é
ligação (relazione) entre a
situação do proprietário e aqueles que entram em conflito com esta e constituem
centros de interesses antagônicos. A situação do proprietário é relevante
somente enquanto pressupõe a obrigação de comportamento, de abstenção, às vezes
a cooperação dos outros sujeitos, que podem tornar-se, de fato, e
concretamente, titulares da situação antagônica”.
“O aspecto funcional é certamente
prevalente na propriedade vista como relação; entre proprietário e terceiros,
entre proprietário e vizinhos, entre proprietário e Estado, entre proprietário
e entes públicos, existe relação – não de subordinação -, mas de cooperação. O regulamento da propriedade às vezes dá
prevalência ao interesse do proprietário, outras vezes àqueles de outros
sujeitos[22].
Adotando a teoria e a denominação usada por
Perlingieri, José Diniz Moraes, em excelente monografia sobre o assunto,
conclui pelo abandono da expressão direito
subjetivo, que sempre designou as faculdades
jurídicas para a satisfação individualista, “para se apegar àqueloutra mais
significativa: situação jurídica
subjetiva complexa”(grifos do autor)[23].
A expressão direito subjetivo demonstra uma parcela do direito de propriedade,
aquela relativa ao sujeito ativo do direito. Atualmente, com a proclamação da
função social da propriedade, muitos são os ângulos de análise da propriedade,
envolvendo, não só os interesses proprietários, mas também os não-proprietários[24],
encerrando poderes, deveres, obrigações e ônus. Congrega um núcleo para onde
convergem interesses distintos, sejam ativos ou passivos, positivos ou
negativos. Desses pensamentos culminou a cunhagem da expressão situação subjetiva complexa, que
identifica de forma mais ampla os vínculos jurídicos decorrentes do direito de
propriedade.
Logo, da expressão acima não está excluída
a noção do direito subjetivo, esta persiste e busca a abrangência de todos os
ângulos relativos ao direito de propriedade. Perlingieri, ao concluir o desenho
do direito de propriedade defende que o mesmo é direito subjetivo, relação
jurídica e situação jurídica subjetiva. Essas visões unilaterais compõem a
expressão situação subjetiva complexa.
6. A função social como elemento
interno ou externo do direito de propriedade. Conteúdo mínimo da propriedade.
Interesses proprietários e não- proprietários.
A função social é um elemento interno ou
externo ao direito de propriedade? Na resposta à questão, a doutrina se divide.
Pelo magistério de Pietro Perlingieri[25], “a
teoria dos limites não é algo que está fora da estrutura da propriedade, não é
um aspecto externo da propriedade, mas constitui um dos mais significativos
aspectos do conteúdo do direito de propriedade. Este mesmo discurso pode ser
feito, de resto, para qualquer direito subjetivo: também outras situações
jurídicas subjetivas têm limites, vínculos, ônus, os quais fazem parte daquela
situação jurídica subjetiva complexa, incidindo sobre o interior do conteúdo e
não o exterior”[26].
Massimo Bianca, em sua obra intitulada Diritto Civile, considera: “Da una parte si sostiene che la Costituzione avrebbe
trasformato il diritto di proprietà assumendo la funzione sociale come
principio direttamente incidente sul contenuto del diritto. Dall’altra si nega
che la funzione sociale possa entrare nel contenuto della proprietà del suo
interesse. All’esterno del diritto la funzione sociale richiamerebbe piuttosto
l’antica idea dei limiti legali o si risolverebbe in una vuota formula”[27].
Admitindo-se o aspecto externo da função
social, o direito de propriedade poderia ser limitado por disposições legais a
fim de se ver cumprido o seu objetivo social. Nesse caso, seria pressuposto do
direito de propriedade a sua natural amplitude. O legislador, através de seu
poder legiferante, limitaria-o conforme seus intentos sociais.
Nesse caminho, é curial alertar que o
legislador não poderia mutilar de tal forma a propriedade que lhe retirasse o
núcleo essencial. A propriedade possuiria um conteúdo mínimo intocável até
mesmo pelo legislador.
Pensando-se a função social como um
elemento interno do direito de
propriedade, entretanto, é de admitir-se que esta teria sido desenhada
pelo ordenamento jurídico pressupondo a funcionalização em prol da sociedade,
afinal é ínsito ao Direito uma forte e prevalente carga axiológica social. Toda
propriedade deveria cumprir com uma função social, sem prejuízo de sua
fisionomia individual. Sob este ângulo,
a função social participa, integra a formação ao próprio direito de
propriedade.
A função social da propriedade não se confunde com
os sistemas de limitação da propriedade. Estes dizem respeito ao exercício do
direito, ao proprietário; aquela, à estrutura do direito mesmo, à propriedade.
Limitações, obrigações e ônus são externos ao direito de propriedade,
vinculando simplesmente a atividade do proprietário, interferindo tão-só com o
exercício do direito, e se explicam pela simples atuação do poder de polícia.
“A função social se manifesta na própria configuração estrutural do direito de
propriedade, pondo-se concretamente como elemento qualificante na
predeterminação dos modos de aquisição, gozo e utilização dos bens”, diz José
Afonso da Silva[28].
Com fundamento nos artigos 1.º,III, 3º e
5º, XXII e XXIII, da CF/88, adotamos a tese que insere a função social na
estrutura do direito de propriedade. Pelos incisos mencionados é possível
vislumbrar um desenho, um recorte constitucional que nos autoriza a pensar que
o direito de propriedade, sem função social, não existe no ordenamento jurídico
pátrio. Esta é noção de propriedade constitucional.
Adequam-se ao exposto as palavras de
Gustavo Tepedino: a propriedade constitucional, não se traduz numa redução
quantitativa dos poderes do proprietário, que a transforme em uma “mini-propriedade”,
mas, ao reverso, revela uma determinação
conceitual qualitativamente diversa, na medida em que a relação jurídica da
propriedade, compreendendo interesses não-proprietário (igualmente ou
predominantemente) merecedores de tutela, não pode deixar de ser examinada.
E continua o mestre carioca, “ se tais
observações forem verdadeiras, como parecem, redimensiona-se também o discurso
sobre o ‘conteúdo mínimo da propriedade’, às vezes considerado como núcleo
inatacável de poderes remanescentes, um
verdadeiro confim além do qual o direito não mais poderia ser ‘violado’, ou
‘reduzido’ pelo legislador ordinário”[29](grifo
nosso).
No ordenamento jurídico nacional,
diferentemente do que está expresso no art. 19 da Lei Fundamental Alemã, não
cabe a invocação da teoria do conteúdo mínimo da propriedade[30]. Por
força dos enunciados constitucionais pátrios, o direito de propriedade comporta
um estatuto específico para cada uma de suas modalidades, conforme a sua destinação no seio social. Os
interesses extraproprietários determinarão o conteúdo do direito individual de
propriedade.
7. Propriedade e propriedades. A flexibilidade da
função social.
O art. 5º, caput e incisos XXII e XXIII, da CF/88, assegura o direito proprietário genérico, cujo interior
alberga interesses individuais e sociais. No art. 182, §2º, o Diploma Maior
traça a propriedade urbana; e, a propriedade rural vem prevista nos
artigos 5º, XXVI e 184 a
186, incluindo sob a expressão a propriedade
produtiva, a propriedade improdutiva,
a propriedade pequena e a propriedade média. No art. 191 está
disposta a pequena propriedade, para
fins de usucapião especial.
No art. 222, a
CF/88 trata da propriedade de empresa,
e, a propriedade móvel pode ser
vislumbrada no art. 176, art. 158, III
e art. 155, III, da Carta Magna.
A propriedade privada está
prevista no art. 170, II. E no art. 5º, XXIX, estão garantidas: a propriedade das marcas, a propriedade dos nomes de empresas e a propriedade de outros signos distintivos
da empresa[31].
A Constituição Federal de 1988, como visto,
consagrou a tese segundo a qual a
propriedade não tem apenas um formato, mas, múltiplas são suas modulações pelo
ordenamento jurídico, conforme os diversos tipos de bens e sujeitos titulares
existentes. Isso autoriza o jurista a falar da existência de propriedades e não de propriedade.
A cada relação jurídica proprietária é
atribuído um tratamento jurídico específico, sem prejuízo da funcionalização
social respectiva. Esta posição é endossada por Natoli, quando, citado por Ana
Prata, assevera: a função social pode
encontrar-se em qualquer situação de propriedade.[32]
A determinação do
conteúdo da propriedade depende de centros de interesse extraproprietários, que
são regulados no âmbito da relação jurídica de propriedade, segundo Tepedino.
Para o mestre, a função social modificar-se-á de estatuto para estatuto, sempre
em conformidade com os preceitos constitucionais e a com a concreta
regulamentação dos interesses em jogo[33].
Na verdade, o que se mostra
constitucionalmente é a existência de modalidades proprietárias – propriedade
sobre imóvel, móvel, imaterial, etc – , o que torna possível a utilização do
termo tipos de propriedades. Cada uma
destas tem uma finalidade social flexibilizada conforme o espaço e o tempo. A
noção de função social será alterada conforme o
objeto da propriedade, o local, o momento e as necessidades sociais
existentes. Os interesses sociais ou extraproprietários serão diferentes a
partir da cada realidade social. Assim, um mesmo direito de propriedade poderá
ter diferentes conteúdos se considerado em realidades espaços-temporais
distintas, por exemplo, uma área verde numa cidade populosa – onde se requer
mais espaço para o lazer e se tem menos contato com a natureza – tem sobre si
um campo de interesses não-proprietários superior ao que a mesma área verde
teria na bacia amazônica.
Apesar das discussões doutrinárias acerca
da extensão e do significado da expressão função
social, há um consenso relativo sobre a capacidade
do elemento funcional em alterar a estrutura do domínio, inserindo-se em seu
“profilo interno” e atuando como critério de valoração do exercício do direito,
o qual deverá ser direcionado para um “massimo sociale”[34].
Logo, todo e qualquer direito proprietário deverá cumprir com sua função e
destinação em sociedade.
8. Algumas nuances da função social da propriedade
urbana expressas em normas
infraconstitucionais
Regulamentando as normas jurídicas
constitucionais, a legislação inferior, contribui para instituir o direito de
propriedade urbana. Como fundamento de validade e existência deste, a função
social, norte e elemento estrutural da propriedade, também é expressa e
instrumentalizada pelas regras infraconstitucionais.
A seguir serão abordados centros de
interesses sociais passíveis de incidirem sobre o direito individual de
propriedade.
a) A
preservação dos interesses sociais sobre o meio ambiente natural e cultural – Os
meios ambientes natural e cultural, em conjunto, formam as cidades.
Representando o primeiro, tem-se a vegetação,
a água, e outros elementos naturais. Quanto ao segundo, forma-se a
partir da criação material e imaterial do ser humano. O meio ambiente cultural
urbano envolve as construções, a arquitetura, os museus, os monumentos, as
estratégias de planejamento urbano, etc., que expressam a vida de uma cidade,
de uma região.
Muitas são as prescrições legais que
desenham o direito de propriedade no Brasil. Normas esparsas que regulam e
funcionalizam o meio ambiente natural são encontradiças em inúmeros diplomas
legais federais e estaduais ou em normas municipais. O meio ambiente cultural,
nessa condição de bens materiais e imateriais expressivos da história e memória
do povo brasileiro e de suas correntes culturais é regulado através de normas
que preservam os interesses sociais sobre o patrimônio arqueológico,
arquitetônico, arquivístico, artístico, bibliográfico, científico, etnográfico,
histórico, museológico, paisagístico e urbanístico, entre outros [35]. Em
vista da extensão do assunto e da natureza do presente trabalho, limitamo-nos a
abordar apenas alguns dos pontos retro-referidos.
Como parte do ambiente cultural, o patrimônio histórico é regulado, até
os dias de hoje, através do Decreto-Lei n.º 25/37. Exemplo recente de
demonstração dos interesses não proprietários relativos a memória do povo brasileiro,
sobre a propriedade individual, está na ação de resgate do valor histórico do
antigo casarão construído e habitado pela família do aviador Alberto Santos
Dumont. O prédio poderá ser restaurado e transformado numa casa de eventos, na
pequena Dumont, com cerca de 7 mil habitantes, na região de Ribeirão Preto
(SP). A Fundação Lorenzato – entidade criada em 1998, que promove o culto aos
ancestrais – tem um projeto pronto para isso. A entidade pretende adquirir o
imóvel para preservá-lo. Entretanto, em vista da prevalência do interesse social sobre o particular, nada
impede que o Estado promova a desapropriação do bem pretendido ou o seu
tombamento.
Além dos interesses sociais na
preservação da história, o bem em tela convive também com os interesses extraproprietários
de natureza econômica, pois desperta a vontade das pessoas em conhecê-lo, o que
faz estimular o turismo local.
A lei n.º 3.924/61 trata dos
monumentos arqueológicos e pré-históricos nacionais, considerando como tal: as
jazidas que representem testemunhos da cultura dos paleoameríndios do Brasil, verbi gratia sambaquis, poços
sepulcrais, jazigos; os sítios nos quais se encontram vestígios de ocupação
pelos paleoameríndios, tais como grutas, lapas e abrigos sob rocha; os sítios identificados como cemitérios,
sepulturas ou locais de pouso prolongado ou de aldeamento, nos quais se
encontrem vestígios humanos de interesse arqueológico ou paleoetnográfico e as
inscrições rupestres ou locais como sulcos de polimentos de utensílios e outros
vestígios de atividade de paleoameríndios. Estes monumentos, aqui expostos de
modo limitado, bem como os objetos neles incorporados, foram excluídos da
propriedade imóvel da superfície, pelo artigo 1º, § único da Lei n.º 3924/61.
É importante salientar que a
lei n.º 3.924/61, sob a égide da CF/46, alinhou ao direito de propriedade
individual os interesses e a propriedade social sobre os monumentos contidos na
primeira. A propriedade individual passa a ser repositária da propriedade[36] e
do interesse social de preservar e pesquisar os citados bens culturais. Esta
convivência de interesses é o próprio conteúdo da propriedade constitucional de
1946, e continua albergada pela CF/88. Os interesses sociais não são limites ao
direito de propriedade individual, mas, o próprio conteúdo deste.
A lei n.º 3.924/61 conferiu a
guarda e proteção dos monumentos acima ao Poder Público. No entanto, a
experiência demonstrou o quase descaso
das entidades públicas para com o seu mister legal. Descaso este que culminou
com a destruição ou extinção de inúmeros bens culturais de nosso povo. Isso
motivou o legislador constitucional a atribuir à comunidade o dever de
concorrer com tal proteção. Este dever tem início no titular do direito de
propriedade, pois a ele cabe respeitar a funcionalização do objeto de seu
direito. Depois, expande-se para toda a coletividade, pois esta é quem possui a
titularidade dos interesses não proprietários garantidos pelo art. 5º, XXIII,
da Carta Maior. Logo, esta certa e consciente a ação da Fundação Lorenzetti em
assumir e representar a titularidade dos interesses supra-individuais
retro-referidos.
Vale ressaltar que, todo e
qualquer ato de destruição ou mutilação dos monumentos retro referidos, é
considerado crime contra o Patrimônio Nacional e, como tal, punível pela
legislação penal, sem prejuízo da possibilidade de desapropriação do direito de
propriedade individual com fundamento no
interesse social.
O patrimônio histórico pode ser protegido pelo Poder Público
através de tombamento. São tombáveis bens imóveis e móveis, paisagens notáveis,
sejam estas naturais ou artificiais, dentre outros. Dessa forma, pode-se tombar
um parque, o prédio de um tribunal ou escola, de uma residência ou mobiliário
de um personagem importante para dada comunidade, etc.
Todo bem tombado seja móvel,
imóvel ou equiparados, não pode, em caso algum, ser demolido, mutilado[37],
restaurado, pintado ou reparado, exceto se mediante prévia autorização da
autoridade pública. Por meio de ações não autorizadas, as características do
bem poderão ser alteradas em sua essência, o que porá em risco os interesses
não proprietários presentes no objeto tombado. O titular do direito de
propriedade individual não está autorizado a promover quaisquer ações que
prejudique os interesses sociais incidentes sobre o objeto de sua propriedade.
A proteção desses interesses,
muitas vezes, depende da intervenção do Ministério Público. Cite-se caso
lamentável ocorrido em São João Del Rey (MG) onde a Prefeitura Municipal
asfaltou 600 metros
de uma rua tombada pelo Patrimônio Histórico Nacional, que abriga 200 casas do
século XVIII. O Chefe do Executivo local, em entrevista ao jornal Folha de São
Paulo[38],
declarou estar procurando falhas na legislação para continuar asfaltando ruas
tombadas. Isso demonstra a importância de instrumentos jurídicos de
acautelamento e preservação do patrimônio cultural para coibir os abusos e
ações irresponsáveis, seja do setor público ou privado, dilapidando e
desrespeitando toda uma gama de interesses não-proprietários ínsitos ao bem
tombado.
Além do reconhecimento legal
dos interesses sociais e a conseqüente destinação social que estará sendo dada
ao imóvel tombado, o Decreto-Lei 25/37 impõe um dever legal aos proprietários
de imóveis circunvizinhos ao bem, estes não poderão fazer construção que impeça
ou reduza a visibilidade do bem referido, nem nele colocar anúncios ou
cartazes, sob pena de ser mandado destruir a obra ou retirar o objeto, sem
prejuízo de multa (art.18, do DL25/37). O dever mencionado não está relacionado
ao direito de propriedade, tem caráter administrativo e visa contribuir para
efetiva preservação dos interesses sociais incidentes sobre o bem protegido.
b) A função social da propriedade urbana e o plano diretor
– A Constituição Federal, no
capítulo de regula a política urbana não estatuiu o que vem a ser a função
social da propriedade urbana, antes, delegou a competência para desenhá-la, em
linhas gerais, ao legislador infraconstitucional – a ele cabe traçar a política de desenvolvimento urbano (art. 182), a ser
executada pelo Município, com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
Por força do art. 30[39],I,II,VIII
e IX, e do art. 182, § 1º, o Município
poderá criar o seu plano diretor, que é o instrumento básico da política de
desenvolvimento e de expansão urbana. A função social da propriedade urbana
considerar-se-á cumprida quando o proprietário atender “as exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano
diretor” (art. 182, §2º).
Mas, ressaltando-se que criação do plano
diretor municipal é obrigatória somente para cidades com mais de vinte mil
habitantes e que a função social da propriedade só é cumprida quando obedecidas
as exigências expressas nesse plano diretor, indaga-se: as propriedades imóveis
urbanas existentes nos municípios com menos de 20.000 habitantes – estes entes
políticos somam 71,1%[40] dos
municípios brasileiros -, estão excluídas da eficácia projetada pelo
art.5º,XXII e XXIII, da CF/88 quanto à destinação social? Os proprietários
urbanos dos municípios de Camanducaia (MG) que possui
17229 habitantes, Camacho (MG) que possui 3467 habitantes, nenhum hospital e
uma agência bancária; ou, ainda, Coqueiral(MG) que tem 8774 habitantes, Alto
Paraná (PR) que comporta 12354 habitantes, ou, Araruna (PR) com 12873 pessoas
residentes, Aratiba (RS) com 7515 pessoas em seu espaço territorial, ou,
Cândido Godói (RS) com 7595 habitantes e Água Fria do Goiás (GO) com apenas
3771 pessoas, além de Aruanã (GO) com o pequeno número de 5336 habitantes[41],
para citar apenas alguns municípios, não são obrigados a dar destinação social
à sua propriedade?
Em resposta às indagações
acima, entendemos que a propriedade urbana deve ser funcionalizada, mesmo na
ausência do plano diretor municipal. A função
social pode ser formalmente instrumentalizada através de um plano diretor ou
não. Norma jurídica externa ao plano diretor também podem ser o veículo
tradutor dos interesses não-proprietários incidentes sobre o objeto da
propriedade individual.
Ainda quanto ao plano diretor,
existe uma polêmica acerca da possibilidade de o município criar o referido
plano perante a inexistência de lei que estabeleça diretrizes gerais sobre o
assunto, conforme previsto no art. 182[42],
da CF. A doutrina e a jurisprudência se dividem. Particularmente, entendemos
que o município, cuja população seja igual ou menor que 20 mil pessoas, poderá
criar seu plano diretor mesmo ausente a legislação nacional uniformizadora. E
fará isso com base nos artigos 30,I, c/c 24,I, in fine, da CF/88.
O direito fundamental, previsto
no art. 5º, XXIII, da CF/88, por força dos disposto no § 1º do mesmo
dispositivo[43], não pode ser esvaziado
em seu conteúdo porque o legislador infraconstitucional federal encontra-se em
mora legislativa. O que deve ocorrer é a criação do plano diretor, quando for
trazida a lume a legislação nacional uniformizadora competente será suspensa a
eficácia da legislação municipal, no que contrariar a lei geral. Este assunto
também será abordado em tópico abaixo.
c)
Parcelamento e zoneamento – A lei n.º 6.766/79, dispõe sobre o parcelamento do
solo urbano. Ao município cabe promover, com base na lei citada e também em lei
própria pertinente, controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo
urbano, bem como o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento.
Este último é o chamado zoneamento urbano que pode ser feito através do plano
diretor ou leis esparsas.
O zoneamento, o parcelamento, a ocupação do
solo urbano devem atender principalmente aos interesses sociais. As áreas
residenciais, industriais, comerciais, para lazer e outras, devem ser ordenadas
de modo a promover o desenvolvimento da cidade e de sua população, garantindo a
esta qualidade de vida, facilitando-lhe o transporte e o crescimento econômico, preservando o
ambiente natural e cultural que agrega e confere às pessoas os ideais comuns.
Nada obstante, os objetivos acima, foi aprovada
pela Câmara Municipal de Jundiaí (SP), projeto de lei que transformou uma área
rural em urbana. Uma gleba de 189.517 metros quadrados, em uma das regiões mais
valorizadas da cidade, teve a classificação alterada de rural para urbana,
autorizando-se, então, o seu zoneamento. Tudo estaria correto, acaso neste
local não estivessem os mananciais que abastecem toda a cidade. O zoneamento
urbano porá em risco nascentes e afluentes do Rio Jundiaí-Mirim[44].
A promotoria de Meio Ambiente e
Urbanismo instaurou inquérito civil para apurar a legalidade do projeto de lei
que foi aprovado às pressas pelo Legislativo. O Poder Executivo vetou o
projeto, mas teve seu veto derrubado pelo Poder Legiferante. Pela ação
investigativa do órgão ministerial e procedência das suspeitas do parquet, quanto aos motivos que fundamentaram a criação legislativa, a
Câmara de Vereadores acabou por revogar a lei prejudicial aos interesses
sociais.
Esse desrespeito é mais um exemplo do
desvirtuamento da função social da propriedade, intentado mais uma vez pelo
próprio Poder Público.
d) Poluição urbana –
Normas infraconstitucionais versam a respeito da proibição das várias espécies de poluição do ambiente
urbano. Às vezes, tais regras constam dos planos diretores municipais, outras
vezes, estão prescritas em normas especiais esparsas.
A crescente carga de poluição
urbana é exemplo claro do mau uso da propriedade (imóvel ou móvel) com reflexos
nocivos sobre os direitos e interesses sociais. O poluidor não usa adequada e
socialmente o objeto de sua propriedade. É necessário repensar as cidades, de
modo a garantir a seus habitantes maior qualidade de vida e menor índice de
poluição, seja esta de natureza sonora, sólida, líquida ou gasosa.
Sobre a despoluição urbana,
tem-se um exemplo significativo de uma empresa sueca que fabrica automóveis, a
Volvo, que em certa oportunidade divulgou relatório de impacto ambiental provocado
por seus carros. No ato da compra, o consumidor fica
sabendo desde os índices de emissão de poluentes até as possibilidades de
reciclagem de materiais quando o veículo chegar ao fim de sua vida útil. Essa
providência, prevista em lei através da obrigatoriedade de toda empresa
elaborar um relatório de impacto ambiental e submetê-lo à aprovação das
autoridades competentes, antes de iniciar suas atividades, não deixa de ser um plus comercial, pois irá proporcionar
aos clientes, ambientalmente corretos, método de avaliação do produto que estão
adquirindo.
Esse controle da poluição
urbana, também pode ser realizado pela própria comunidade. Amostra disso está
em Ubatuba (SP), onde, recentemente, uma cooperativa de moradores criou um
Sistema de Esgoto Comunitário Auto Sustentável (Coambiental), de coleta e
tratamento de efluentes na Praia Grande. Este sistema já atende 2 mil
residências. Sabendo que essas obras não seriam construídas pelo poder público,
a comunidade responsabilizou-se pelo empreendimento.
Segundo, o depoimento do
presidente da Coambiental, Sr. Álvaro Campos de Oliveira, em matéria publicada
no site da Agência do Estado(Estadão.com), no dia
09/07/00, a cooperativa ainda tem
dificuldade de convencer os proprietários a aderir, embora, pela legislação,
todos os domicílios atendidos por rede de esgotos sejam obrigados a fazer a
ligação. “Os novos empreendimentos só podem sair se estiverem ligados à rede,
mas antigos moradores me dizem: ‘por que vou pagar, se jogo o esgoto no córrego
há 25 anos?’”. O presidente explica que o maior problema na Praia Grande
atualmente é o lençol freático, contaminado pelas fossas. “Mas a água que sai
da nossa estação chega a ter índice zero de coliformes fecais”, assegura.
Esse é o exemplo do bom uso da propriedade,
onde a própria população busca funcionalizá-la do modo mais elementar, não
utilizando o direito de propriedade abusivamente e provocando prejuízos a
interesses não proprietários ao poluir os lençóis de água e rios, além de criar
problemas à fauna aquática e a qualidade de vida da população local.
e)
Direitos de vizinhança – O
Código Civil, de 1916, ao tratar dos
direitos de vizinhança, coíbe o uso nocivo da propriedade, dizendo no art. 554
que o proprietário, ou inquilino, de um prédio tem o direito de impedir que o
mau uso da propriedade vizinha possa prejudicar a segurança, o sossego e a
saúde dos que o habitam.
Os interesses comunitários também estão presentes no art. 578, do Código
Civil, quando este exige que as estrebarias, currais, e as construções que
incomodam ou prejudicam a vizinhança devem ser construídas segundo as posturas
municipais e os regulamentos de higiene. Por decorrência do dispositivo em
tela, o titular do direito de propriedade imóvel urbano não pode ter sobre o
objeto do seu direito, animais que exalem odor desagradável prejudicial ou
incômodo à vizinhança. No mesmo sentido, o art. 38, da Lei de Contravenções
Penais, proíbe emissão abusiva de fumaça, vapor ou gás, que possa ofender ou
molestar alguém.
f) Direito
de construir – Ao cuidar do direito de
construir, o Código Civil, no art. 572, prescreve que o proprietário pode
levantar em seu terreno as construções que Ihe aprouver, salvo o direito dos
vizinhos e os regulamentos administrativos.
A ressalva da lei civil tem cabimento no
disposto no art. 5º, XXIII, da CF/88, que prescreve a função social da
propriedade. A função social da propriedade pode fundamentar os mais diversos
destinos para os terrenos, determinando a atividade dos respectivos
proprietários e o conteúdo de seu direito. Sob tal fundamento, é lícito
determinar, por exemplo, a inedificabilidade absoluta ou relativa de certos
terrenos, que, em princípio seriam edificáveis, e isto sem desapropriação.
O que se quer salientar é que o direito de
propriedade não pode superpor-se ao preceito constitucional da sua função
social, a ponto de impor a faculdade
de edificar onde o interesse público aconselha a inedificabilidade[45].
Segundo alguns autores, a predominância dos
interesses sociais sobre os do particular, quanto ao direito de construir, é indenizável pelo poder público. José
Afonso da Silva entende que onde houver prejuízo econômico efetivo deverá ser
indenizado. Diz o autor, a questão do cabimento ou não da indenização é
problema que se averigua com base no princípio da igualdade da distribuição dos
ônus e dos benefícios da atividade urbanística[46].
O assunto comporta discussões, pois, o
poder público, por intermédio de procedimentos legais, deve governar os
interesses coletivos e difusos da melhor maneira possível. A Constituição
Federal fala em indenização nos casos de perda
do direito de propriedade, ou seja, quando houver a desapropriação, não fala,
todavia, em indenização para os casos do regramento do direito de construir,
sobre o objeto da propriedade, segundo os interesses sociais preconizados pelo
art. 5º, XXIII, do mesmo Diploma. O referido dispositivo, assim como os vários
outros enunciados que tratam da propriedade na Carta Maior, aliado à
competência do Poder Público para legislar sobre o assunto autorizam a
normatização da propriedade com vistas aos interesses sociais sem se cogitar
sobre indenização. Está sob só será devida se
houver desapropriação do direito proprietário.
Igualmente ao regramento do direito de
construir, pelo Poder Público, outra situação que alguns entendem ser passível
de indenização é o tombamento. Tombam-se bens de interesse social como forma de
acautelamento e preservação destes. Do tombamento decorrem obrigações ao
proprietário individual que inexistentes colocariam em risco a preservação dos
interesses sociais. No entanto, estas
não extinguem o direito de propriedade. O tombamento não é necessário se o
proprietário individual estiver dando a devida destinação social ao objeto de
sua propriedade.
A Carta Maior não obriga o Poder Público a
indenizar o proprietário de imóvel que teve um prejuízo econômico em virtude de
construção de obra pública[47] e assim
procede por entender que os interesses públicos prevalecem sobre os
particulares, independentemente de indenização.
Admitindo-se prevalência do entendimento
favorável à indenizabilidade chega-se ao limite de só se permitir o regramento
social da propriedade – em obediência à CF/88 – se o Poder Público tiver um
orçamento capaz de financiar as suas
decisões executivas (legalmente autorizadas) e legislativas. Se não houver
recursos financeiros, ao Poder Público
restará o descumprimento do art. 5º, XXIII, da CF/88.
Quanto a esse posicionamento ofender o
princípio da igualdade, entendemos que este não será maculado acaso não se promova
a indenização ao titular do direito de propriedade, pois, todos os titulares em
iguais situações serão tratados identicamente com fundamento num discrimen razoável, a instrumentalização
do art. 5º, XXIII, da Carta Maior.
Muitos são os aspectos e nuances sociais do
imóveis urbanos, mas, na proposta desse trabalho, os já abordados conferem ao
leitor uma noção, mesmo que superficial, acerca da extensão dos interesses extraproprietários
que integram o atual direito proprietário urbano.
9. A desnecessidade do plano
diretor para o cumprimento da função social
O constituinte não estatuiu o que vem a ser
a função social da propriedade urbana, antes, delegou a competência para traçar
a política urbana, em linhas gerais, ao legislador federal (Estatuto da Cidade).
Não obstante, por força do art. 30[48],I,II,VIII
e IX, e do art. 182, § 1º, o Município já
estava autorizado a criar o seu plano diretor, pois segundo o art. 182, §2º a função social da propriedade
urbana considerar-se-á cumprida quando o proprietário atender as exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas nele.
Entretanto, entendemos que a
propriedade urbana deverá ser socialmente funcionalizada, mesmo na ausência do
plano diretor municipal. A destinação social
poderá ser, ou não, formalmente instrumentalizada pelo plano diretor. A lei
municipal, regulando assuntos de interesse local com base nos incisos do art.30
da CF/88, também poderá ser o veículo tradutor dos interesses não-proprietários
incidentes sobre o objeto da propriedade individual.
10. Conclusão:
1ª. O direito de propriedade teve sua evolução
marcada pela morosidade. Antes era um direito absoluto, hoje, deve cumprir com
um papel social, sob pena de não ser protegido pelo Direito Positivo. Sua
compostura, presente no art. 5º, XXII e XXIII, da Carta Constitucional de 1988,
pressupõe os artigos 1º, III e 3º, I, II
e III, bem como o art. 170, caput, I
e II, do mesmo Diploma, onde figura como princípio fundamental de nossa
democracia a dignidade da pessoa humana.
2ª. Para o cumprimento de sua função social, a
propriedade deverá ser exercida no sentido de se promover a justiça e a
solidariedade, buscando sempre garantir a dignidade humana e o desenvolvimento
nacional. Isso contribuirá para a erradicação da pobreza e a marginalização, bem
como para redução das desigualdades sociais e regionais.
3ª. Com a proclamação da função
social da propriedade como elemento estrutural interno do direito proprietário,
este passou a congregar um núcleo para onde convergem interesses distintos,
sejam ativos ou passivos, positivos ou negativos. Traduzindo-se numa situação
subjetiva complexa, onde não está excluído o direito individual, mas convivendo
este com interesses sociais relevantes.
4ª. Como estes interesses
sociais são muitos, o direito de propriedade não pode ter somente um formato,
com isso a CF/88 consagrou a tese de suas múltiplas modulações proprietárias,
conforme os diversos tipos de bens, sujeitos titulares e localização no tempo e
no espaço. Isso autoriza o jurista a falar da existência de propriedades e não
mais de propriedade. O direito proprietário passa a ter diferentes
configurações. Seu conteúdo será flexível segundo os interesses extraproprietários
sobre ele incidentes, bem como sua destinação no seio social.
5ª. O direito individual de
propriedade, segundo a Constituição Federal no art. 5º, XXIII, deverá conviver, harmoniosamente, com o dever de bem observar a preservação do meio
natural, o planejamento urbano, a cultura na qual se insere, os vizinhos que
rodeiam-no, dentre inúmeros outros interesses extraproprietários a ele
contrapostos.
6ª. A propriedade urbana deverá
ser socialmente funcionalizada, mesmo na ausência do plano diretor municipal.
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Artigo In Revista de Direito Privado, nº 6 (abril-junho/2001),
pp.23-51, editada pela Ed. RT/São Paulo.
[1] A
doutrina, ao longo dos anos, utiliza-se comumente dos termos propriedade e direito de propriedade como sinônimos do objeto ou bem a que se
refere o direito de usar, dispor e gozar. Na verdade, estes não se confundem. O
direito de propriedade é uma titularidade garantida pelo Direito sobre um bem
material (imóvel, semovente, móvel) ou imaterial (empresa, marca, etc). No
presente trabalho, restringimo-nos a tratar do bem imóvel como objeto da
titularidade proprietária, utilizamos como sinônimos os termos propriedade e
direito de propriedade.
[2]
Art. 17. “La propriètè ètant un droit
inviolable el sacrè, nul ne peut en être privè, si ce n’est lorsque la
necessitè publique, lègalment constatè, l’exige èvidemment et sous la condition
d’une juste et prèabe indemnitè” e seguindo a mesma linha o Código Civil
Francês, art. 554, que definia: “La propriètè est le droit de jouir et de
disposer des choses de la manière la plus absolue, pourvue qu’on n’en fasse pas
un usage prohibè pars les lois et les règlements”.
[3]
Carlos Medeiros Silva. Propriedade e bem-estar social. In: RDA, n.75, 1964, p.06
[4] Arnold Wald. Direito das Coisas, p.
90-1. In: Carlos Medeiros Silva. Propriedade e
bem-estar social.
[5]
Escrita sob a influência da Constituição Imperial Alemã de Weimar, de 1919
(quase três décadas antes), continha somente normas programáticas relativas ao
direito de propriedade. Em 1949, após a 2ª Guerra Mundial, a propriedade alemã
passou a ser regida através da Lei Fundamental, no núcleo dos direitos
fundamentais. Nesse momento, a propriedade não era mais considerada como
absoluta, podia alcançar outros fins que não os meramente individuais, (art.
14, da Lei). A relativa flexibilidade, no entanto, era ponderada com o art. 19,
da lei em tela, que prescreveu, em
hipótese alguma poderá um direito fundamental ser tangido em seu conteúdo
essencial (art. 19)
[6]
Carlos Medeiros Silva, op. cit. p.12
[7] José
Afonso da Silva. Direito Urbanístico, p-65
[8]
Direito Tributário. Fundamentos Jurídicos da Incidência, p.61.
[9]
Luis Roberto Barroso. Interpretação e Aplicação da Constituição. p.141
[10]
Sejam eles referentes ao direito à vida, à alimentação, ao trabalho, à ordem
econômica, à habitação, às políticas públicas, aos direitos da personalidade,
ou qualquer outro assunto jurídico, deverá tomar por norte e pressuposto os
objetivos do Estado Brasileiro. Dessa forma, toda medida legislativa, judicial
ou executiva que, fora dos critérios da proporcionalidade, provocar um
crescimento da marginalização e da pobreza, atingindo a dignidade do
brasileiro, será ilegítima e inconstitucional. Não devendo ser protegida pelo
Ordenamento Jurídico.
[11]
Sejam atividades extrativistas, comerciais, industriais ou de qualquer outra
natureza.
[12]
Pois, já previsto nos artigos 1º,III, 5º, XXII e XXIII, 170, caput, todos da CF/88.
[13] O
§ 1º, do mesmo artigo prescreve: O título de domínio e a concessão de uso serão
conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
No entanto, o § 2º ressalva: Esse direito não será reconhecido ao mesmo
possuidor mais de uma vez. Importa ressaltar, contudo, que os imóveis públicos
não serão adquiridos por usucapião (§ 3º).
[14]
Pelingieri, op. cit. p. 226.
[15]
Maria Helena Diniz. Compêndio… p. 228
[16] A
função social da propriedade, in
Anais do XII Congresso Nacional de Procuradores de Estado, p.58
[17]
Instituições de Direito Civil, v.1. p.11
[18] Op.cit.
p-290.
[19]
José Diniz…op.cit., p.115
[20]
José Afonso da Silva. Direito Constitucional Positivo. 13ª ed. p. 263
[21]
Pietro Perlingieri. Perfis… p. 221
[22]
Pietro, idem, p.222
[23]
José Diniz, op. cit. p.119
[24]
Expressão utilizada por Gustavo Tepedino em sua obra Temas de Direito Civil.
[25]
José Diniz…op. cit. p.124
[26]
“La teoria dei limiti non é qualcosa che sta al di fuori della structura della
proprietà, non è un profilo esterno ala proprietà, ma constituisce uno dei più pregnanti contenuti del diritto
di proprietà. Questo stesso discorso può esser fatto, del resto, per qualsiasi
diritto soggettivo: anche altre situazioni giuridiche soggettive hanno limiti,
vincoli, oneri, i quali fanno parte di quella situazione giuridica soggettiva
complessa, incidindo sul contenuto dall’interno e non dall’esterno.
[27]
Massimo Bianca. Diritto Civile,VI, La
proprietà, p.172
[28] Direito
constitucional positivo. p. 273 e 275
[29]
Temas de direito civil, p.286
[30] O
art.19 prescreve: “em hipótese alguma
poderá um direito fundamental ser tangido em seu conteúdo essencial “.
[31]
Vê-se que o desenvolvimento econômico do capitalismo impôs uma evolução do
próprio conceito de propriedade quanto ao seu objeto: propriedade intelectual,
propriedade comercial, propriedade industrial e empresa são conceitos cujo
surgimento resulta da necessidade de combater, em nome do desenvolvimento
econômico, a propriedade que originariamente estava no centro do suporte
teórico do próprio sistema, a propriedade imobiliária. (Ana Prata. A tutela constitucional da autonomia
privada.p. 170)
[32] Ana
Prata. Op.cit. p. 167.
[33] Tepedino, op. cit., p. 280.
[34]
Tepedino, op. cit. p. 282.
[35]
Em seu a art. 216, a
Carta Maior estabelece o que vem a ser patrimônio cultural: os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira, nos quais se incluem, dentre outros elementos, as obras,
objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações
artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,
paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico
[36]
O art. 1º, § ún, da Lei n.º 3.924/61,
exclui da propriedade imóvel da superfície as jazidas arqueológicas ou pré-históricas
e os objetos nelas incorporados e coloca-as sob a guarda e proteção do Poder
Público.
[37] Se assim
autorizado, de modo irregular, pela autoridade cabe ação popular ou ação civil
pública.
[38] Ela
Wiecko V. de Castilho. A preservação do
meio ambiente e da cultura na legislação brasileira. In: Revista da
Procuradoria Geral da República, nº 4.
[39] Art. 30. Compete aos Municípios:
I – legislar sobre assuntos de interesse local;
II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial,
mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo
urbano;
IX – promover a proteção do
patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação
fiscalizadora federal e estadual.
[40] Julio
Cesar de Sá da Rocha. Considerações
jurídicas sobre a função ambiental da cidade. In: Revista Ambiental n.14,
p- 108, nota de rodapé n.9.
[41]
Dados colhidos do site cidades@, hospedado
no site www.ibge.gov.br, na internet.
[42] Art. 182. A política de
desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme
diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes.
§ 1º. O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal,
obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento
básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
[43] Art.
5º, § 1º “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata”.
[44] A situação já é crítica no Rio Jundiaí, no qual
fábricas despejam 53,7 toneladas de resíduos por dia. O lançamento de esgoto
doméstico chega a 15,8 toneladas, segundo os dados publicados em matéria
presente no site da Agência do Estado
(Estadão.com), no dia 09/07/00..
[45]
José Afonso da Silva. Direito Urbanístico
Brasileiro. p, 73.
[46]
José Afonso da Silva. Direito Urbanístico…. p.75
[47]
Cite-se por exemplo: um viaduto(elevado) onde os imóveis marginais tiveram seus
valores diminuídos, ou, a concessão de licença para instalação de fábrica
poluente (poluição suportável) que também diminua o valor econômico dos imóveis
que estão próximos. Essas hipóteses, executadas ou autorizadas pelo Poder Público,
não lhe gera o dever de indenizar porque assim não está previsto na Carta
Maior.
[48] Art. 30. Compete aos Municípios:
I – legislar sobre assuntos de interesse local;
II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial,
mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo
urbano;
IX – promover a proteção do
patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação
fiscalizadora federal e estadual.
Informações Sobre o Autor
Dâmares Ferreira
Advogada e professora universitária no Paraná; Mestre em Direito pela PUC/SP.