Continuando o “Ponto Final” relativo à publicidade de advogados, incursione-se em terreno perigoso. Aliás, prossiga-se no mesmo, porque a primeira crônica despertou debate acirrado, uns defendendo a velhice do Estatuto da OAB, por alguns chamado “dos cartolas”, outros reivindicando punição exemplar àqueles violadores do Código de Ética. Existe indubitável pressão sobre a Ordem dos Advogados para o laceamento da censura. Na verdade, ao lado do aviltamento da advocacia, concorrendo para tanto o apodrecimento de setores diversos do Ministério da Educação, desindividualizou-se em grande parte o exercício da profissão.
É preciso separar bem as vertentes: tenho nos meus arquivos, que dizem fatais porque bem organizados, algumas primeiras páginas de revistas de primeira linha mostrando a efígie de criminalistas destacados. Uns são fotografados enquanto participando de causas célebres, outros veraneando em Nice, mais uns tantos sendo languidamente massageados. Não se dirá tratar-se de propaganda profissional, porque a massagem e o gozo de merecidas férias (que o cronista procura desfrutar mas não consegue) não serviriam a angariar clientela. Abra-se exceção para o dimensionamento do exercício da defesa num processo rumoroso. Aí, quer o criminalista queira ou não queira, há uma espontânea figuração do defensor no trato da evolução da causa, a menos que o advogado, munindo-se de assessor de imprensa, venha a estimular artificiosamente o noticiário a seu favor.
Tais reflexões são incidentais, porque o centro da disputa é o noticiário, posto no Consultor Jurídico, indicando as empresas de advocacia melhor colocadas no “ranking” latino-americano. Tocante àquele contexto, valem poucas observações. Realmente, a proteção a ser prestada a grandes grupos financeiros tem sido extremamente despersonalizada, não se podendo pretender que um advogado noviço contratado para integrar tais corporações seja posto em contato direto com, por exemplo, o presidente de uma instituição financeira portentosa. Isso é coisa de cacique. Falando-se em instituições de grande porte, vale a lembrança de um recém-formado que fumava demais.
Convidado a participar de reunião num conglomerado oriental, procurou acender um cigarro. Não tinha cinzeiro mas havia, providencialmente, uma delicada xícara de café vazia. Tradicionalmente, o pires, à falta de outro assessório, é depositário das cinzas vertidas por tão venenoso hábito. O presidente da instituição contratante, na outra ponta da comprida mesa de conferência, apertou os olhinhos, chamou o intérprete e disse alguma coisa baixinho. Veio o tradutor e advertiu o recém-formado. O presidente não permitia o fumo naquela sala. O advogado, dono de um gênio ruim depois curado, redargüiu à pequena e ágil criatura: “– Meu raciocínio funciona com fumaça. Se eu apagar o cigarro, paro de pensar. Se eu parar, ele vai pra cadeia…!” Foi imediatamente dispensado.
Voltando-se às grandes associações de advocacia, vale dizer que fica muito difícil defender um ser humano sem que o outro – o defensor – possa vê-lo. A dificuldade se reduz quando a defesa é exercida em nome de sociedade de advogados dedicada à proteção de outra entidade vestida com os denominados “nomes de fantasia”. Perdoa-se, ali, a não identificação dos partícipes, resolvendo-se a linha da defesa nos compartimentos reservados ao “júnior”, ao “médio” ou ao “master”.
A advocacia criminal não tem dessas coisas. A desindividualização, na especialidade criminal, seria terrível, impedindo-se, por razões óbvias, a prestação de serviços pré-contratados porque, diferentemente do sucedido em outras áreas do direito, o criminalista só surge depois do fato.
A massificação da advocacia tem, na prática cível, aspectos positivos – poucos – e muitos negativos. De um lado, permite ao jovem a sobrevivência, na medida em que integra uma estrutura fartamente dimensionada; de outra parte, prepara-o para o futuro, porque, no presente, não tem experiência adequada. Ao lado disso, ou em sentido contrário, o fenômeno tem a castração do estímulo adequado ao autêntico exercício da profissão. Eis aí a grande contradição: submetendo-se ao coletivismo, o moço leva o sustento para casa. Entretanto, livrando-se dos grilhões, pode fenecer à margem da estrada. Sempre foi assim. O caçador famélico que acede ao convite do dono da caravana consegue satisfazer a fome e a sede mas, no fim de tudo, se transforma em outro remador no barco do Grão-Vizir. Assim diz a lenda.
Informações Sobre o Autor
Paulo Sérgio Leite Fernandes
Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.